Uma coisa era certa: Jack odiava navios.

  Fazia 35 dias que estava em seu rumo a Narvik e sua viagem fora dominada por enjoos. Agora ele entendia porque Vincent nunca navegava. Isso era simplesmente cruel demais. Todavia, encontrava certa graça imaginando o quanto a médica da tripulação estava com raiva dele por invadir sua cabine quase todo santo dia. E naquela noite avançada, em pleno mar do Norte, ele o fazia novamente.

  “Ok, Jackson... Tome isso!” A mulher se dirigia ao ex guardião, oferecendo-lhe uma espécie de chá. “Vai ajudar a controlar os enjoos, por hora!” Disse com um sorriso gentil.

  “Obrigado, doutora Gordon!” O moreno respondeu e, assim, pegou a bebida das mãos da médica.

  Birgit Gordon era uma mulher alta, de pele negra, com longos cabelos cacheados e olhos castanhos. O fato de ser alguém muito inteligente e gentil confundia o moreno por ela ser casada com alguém tão... Diferente... Como o capitão Gordon. Este que também se fazia presente na cabine, com óbvia impaciência.

  “Vamos lá, garoto! Você está aqui todo dia! Já viu mais minha esposa do que eu nessa viagem inteira!” Ele espraguejava. Jack se pôs a rir. A indignação do capitão tinha uma aparência muito cômica, o ex guardião não poderia se segurar nem se quisesse – o que, obviamente, não era o caso. “É, É! Muito engraçado!” Claro que aquilo só fazia aumentar a insatisfação do senhor.

  “Calma, Ivor!” Pronunciou-se Birgit. “O Jack precisa de ajuda! Aliás, você já devia estar cuidando do timão a esta hora!”

  “Vish! É mesmo...” O marido comentou mexendo na sua barba espessa. “Por quanto tempo o imediato está lá mesmo?”

  “Sete horas!” Jack e a médica responderam em uníssono, fazendo-o dar um pulo de susto.

  Eles se puseram a rir. Só o capitão mesmo era capaz desse absurdo. O ex guardião considerava-se sortudo por ter conhecido o casal, encontrou neles amigos incríveis. Além deles, pôde curtir parte daquela viagem com os guardas e tripulantes que já conhecia. Não havia limites em alto mar, Jackson descobrira. Também conseguiu aprender o básico de navegação para poder ajudar Gordon e os outros durante sua inesperada presença ali, além de se encarregar de demais tarefas. E, é claro, obteve alguma presença da rainha Elsa. Os dias se passavam e eles ficavam cada vez mais próximos. Até onde aquilo iria?

  “Tá bem, tá bem!” Respondeu ele, caminhando para a porta. “Mas olha, Frost! Vê se deixa minha esposa em paz!” Disse por fim e, antes de bater a porta, fez questão de fazer uma exagerada referência aos dois enquanto saía. Isso arrancou gargalhadas do moreno e olhos revirados de Birgit.

  “Sério, senhora Gordon!” Pronunciou-se Jack ainda tentando se recompor. “O que viu nesse cara?” Perguntou com humor. A moça lhe sorriu, pegando a xícara das mãos do moreno que já havia terminado.

  “Ele é meio extravagante, eu sei... Mas eu o amo. No final, é tudo que importa.”

  Ela possuía uma alegria genuína enquanto respondia. Jack ficou maravilhado. Já tinha visto alguma coisa do relacionamento deles durante aquela viagem, e era simplesmente belo demais. Questionava-se se todos os casais eram tão sortudos assim, queria realmente entender.

  “Mas... Como? Vocês são tão diferentes...”

  “Verdade!” Concordou ela rindo. “Mas isso não importa na realida... Afinal, por que a curiosidade?” Brigit questionou o moreno, observando sua cara de pensativo. Jack não era o melhor dos atores, o máximo que conseguia era distrair as pessoas levando tudo para o lado do humor, mas não iria fazer isso dessa vez.

  “Eu queria entender o amor.” Admitiu ele, com um sorriso fraco. “Mas relaxa, já me disseram que isso não dá!” Agora permitiu-se dizer aquilo com um tom de graça.

  A médica o olhava com olhar caloroso. Tudo que podia fazer era suspeitar que algo - ou alguém - estava corroendo o coração daquele jovem, porém, optou por não perguntar nada a respeito.

  “Bom, Ivor e eu podemos ser muito diferentes...” Começou ela, atraindo a atenção do ex guardião. “Mas nós nos apaixonamos, e trabalhamos para que desse certo... Talvez nunca venhamos a entender o amor de fato. Porém, quer ouvir algo sobre o qual acredito?” Questionou ela, o outro só assentiu. “Eu não sei se o amor é uma escolha, mas, se fosse, eu o escolheria todas as vezes em todos os dias pelo resto da minha vida.”

  Suas palavras soavam verdadeiras e seu sorriso carregava a mesma genuinidade. Claro que, em sua mente, Brigit falava para o moreno ‘vai atrás da sua garota!’, mas ela o deixaria interpretar da forma que quisesse.

  “Obrigado...” Ele agradeceu lhe lançando um sorriso amável. Era bom conversar sobre isso, sentia que alguém poderia entendê-lo.

  “Jack? Posso pedir uma coisa a você?” A médica perguntou, o outro assentiu em resposta. “Por favor! Eu quero dormir ainda essa noite, da para você sair do meu quarto?!”

  “Ok! Ok!” O ex guardião se pôs a rir, levantando-se e caminhando até a porta. “Mas eu ainda vou voltar!” Brincou no final, saindo e deixando a mulher finalmente a sós.

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  O lado de fora estava frio.

  Já fazia um tempo que haviam chegado no mar do norte e, bem, a baixa temperatura naquela região era radical demais. Jack tremeu assim que deixou a cabine da doutora Gordon, sentia que congelaria de novo e abraçava-se amaçando seu casaco branco por completo. O que não daria para não sentir mais frio novamente?

  Caminhava até o saguão do navio. Àquela hora, todos já estavam dormindo. Devia ir ao outro lado da embarcação, entrar pelo corredor e ir até seu quarto para aproveitar o restinho daquela noite de sono. Porém, ele não tinha pressa. Era uma noite linda, daquelas de contos de fadas. A lua estava cheia e o céu recoberto de estrelas, Jack acreditava que conseguia ver todo o universo dali...  Por um instante, sentiu que todos seus enjoos tinham valido a pena por poder admirar o esplendor do norte, era simplesmente indescritível. Quando finalmente chegou ao saguão do navio, já estava saindo vapor de sua boca. O ar que soprava quente se encontrava com o ambiente congelante condensando-se por completo, como odiava isso. Todavia, daquela vez, não se importou. Porque, lá do outro lado, a alguns metros da proa do navio, Jack viu uma silhueta que não era capaz de confundir e – pura e inevitavelmente – sorriu com isso.

  Era sua rainha, tinha certeza. Ele não precisou pensar e sequer tentou, o sono lhe fugiu por completo e ignorou a presença incessante do ar gélido que o rodeava enquanto traçava seu caminho em direção à monarca. Era tão fácil que chegava a ser ridículo. Alcançando-a, se pôs ao lado dela e se debruçou sobre a lateral do navio.

  “Boa noite, majestade...” Disse assim que se encontrou com a rainha. Esta não demonstrou surpresa, havia sentindo a aproximação do ex guardião e sabia que era ele – tinha que ser.

  “Boa noite, Jackson!” Ela retribuiu de maneira doce, sorrindo assim que pôde ter seu olhar cruzado com o dele. Elsa usava um leve vestido rosa claro e seus cabelos caíam sobre seus ombros, portava-se de maneira despreocupava enquanto estava ali com ele, admirando um horizonte que nem conseguiam ver devido à escuridão da noite. “Se me chamar de majestade outra vez enquanto estamos sozinhos, terei de repreendê-lo!” Suas palavras soavam cômicas, dando aquele toque de mágica no ar que o ex guardião até agora não entendia como ela conseguia fazê-lo.

  “Tudo bem... Majestade...” Jack brincou, levando um empurrãozinho de ombro da rainha e os dois se puseram a rir. “Mas, então! O que faz acordada?” Perguntou. Os dois ficaram bem mais próximos naqueles dias e ele apreciava muito a leveza que se tornou a relação entre eles. Já se permitia intimidades que antes reprimia.

  “Não gosto de dormir em alto mar...” Respondeu ela com um sorriso fraco, absolta em seus próprios pensamentos. Jack notou o tom de receio que carregavam suas palavras e o brilho que havia momentaneamente sumido de seus olhos, que davam lugar ao... Medo. Disso ele tinha certeza, conhecia bem. Realmente se recordava de ver a monarca de pé quando ele passava noites em claro sofrendo pela viagem, questionava-se agora o que passava pela cabeça dela.

  “Sabe!” Começou o ex guardião, meio embaraçado. “Você estar aqui mostra muito coragem e...” Agora sim ele queria enfiar a cara em qualquer lugar. “Bem, e isso é importante, não acha?!”

  Jack certamente desejava desaparecer. Todavia, a rainha via aquilo de forma diferente. Então, ele não sabia o que tinha se passado com ela...? Riu da carinha que o moreno fazia. Era fofo da parte dele ter tentado animá-la, apesar de não fazer ideia de quais eram seus reais medos e preocupações.

  “Obrigada...” Elsa sorriu de canto para ele, o que o fez suspirar de alivio. “E quanto a você, deixa eu adivinhar... O motivo da sua insônia são os enjoos, não é?” Perguntou divertida.

  “Ahh! Nem me fala!” Respondeu o ex guardião de imediato, com o mesmo ar cômico. “Mas bem, pelo menos eles me fizeram estar aqui com você... Então, valeu a pena.”

  Jack Frost... O que você está fazendo?!

  Ele não se importava com aquela voz agora, nem se repreendeu ou se sentiu envergonhado. Era incapaz de pensar em qualquer coisa naquele momento. O que disse era verdade, então, somente sorriu alegre para rainha assim que terminou de falar. Elsa, pelo contrário, sentiu suas bochechas corarem levemente – não que moreno tivesse notado. Mas logo retomou sua naturalidade habitual e retribuiu o sorriso.

  “Então, talvez nós vejamos Narvik juntos daqui...” Ela comentou. Era verdade. Com o mar calmo e os ventos favoráveis, era provável que chegassem ao reino do norte antes do previsto. “Nervoso?”

  “Sempre.” Respondeu ele. Tentou não pensar muito sobre isso durante sua viagem, o que até conseguiu, mas tinham dias que parecia impossível... Jack sentiu a rainha colocar a mão dela sobre a sua – que estava apoiada no topo da lateral do navio - e, voltando-se para os orbes dela, pôde ver o olhar caloroso e compreensivo que o transmitia. Era um toque mágico, como se a monarca pudesse ler a sua mente.

  “Obrigado, Elsa.” Disse ele. Eles se sorriram, como se dissessem um ao outro que tudo ia ficar bem com aquele gesto tão simples e Jack não pôde evitar de reparar, mais uma vez, o quanto o brilho do luar ressaltava cada aspecto da beleza da rainha. Riu baixo disso, voltando-se para ela. “Já percebeu que a gente sempre se encontra à noite?” Era tão real que chegava a ser cômico. Perguntava-se se o Homem da Lua tinha alguma coisa a ver com aquilo.

  “Verdade, não?!” A monarca concordou, também rindo. “Talvez seja coisa do destino...”

  Ah, não, rainha Elsa... Não venha com essa palavra maldita.

  “Sim!” Jack estava, de fato, ignorando todas as vozes da sua cabeça. Nada mais no mundo parecia importar naquele momento... Só os dois juntos e as estrelas que iluminavam a figura da monarca eram o suficiente para dominar a mente e o coração do ex guardião. Céus... Como aquela mulher estava o corroendo por completo. Enquanto os dois se voltavam para o horizonte, Jack olhava de relance para ela. Era admirado pelo brilho que possuía seus olhos, a doçura da sua voz e a mágica do seu sorriso... Não conseguia aguentar mais um segundo, tinha que falar com a rainha. “Elsa...” Ele sussurrou seu nome, atraindo sua atenção.

  “Hum?” Murmulhou ela. Estava concentrada no olhar do moreno. Ele parecia tão leve, de uma maneira que nunca tinha visto. Não havia a confusão habitual ou o medo... Só um brilho puro que ela amou ver naquela imensidão dos olhos castanhos azulados dele.

  “Eu preciso te contar uma coisa...” Quase sussurrou em resposta. Ela assentiu. Era uma linda noite, provavelmente a mais bela que já havia visto. E sua rainha estava bem ali, diante dele irradiando um encanto ao qual ele mal conseguia resistir. Era como se suas incertezas não tivessem mais tanto valor e a verdade fosse a única coisa que iria libertar sua alma. “É provável que você já saiba, não, deve com certeza saber... Que você é uma mulher incrível, Elsa...” Embora estivesse enrolado com as palavras, ele soava sereno, calmo e puramente verdadeiro. “E eu venho tentando encontrar formas de te contar isso, mas não sabia como...”

  Ele deu uma pausa. O que diria a seguir? Não tinha mais tempo para pensar.

  “É que, talvez... Quem sabe? Haja uma pequena possibilidade ou probabilidade de eu estar...” Acabou rindo de si mesmo. Céus... Quem estava tentando enganar? “Total e completamente... Apaixonado por você.”

  Terminou. Elsa estava atônita. Mal podia assimilar aquilo...

  O que ele havia dito?

  Estava petrificada, seus grandes olhos azuis arregalados e sua boca entreaberta exibiam todas as sensações que rodavam seu coração. Enquanto que o do ex guardião estava a mil por hora,  parecia que ia abandonar seu corpo de tanto que pressionava seu peito aguardando por uma resposta.

  Pelo amor... A rainha mal sabia o que pensar. Ela encarava os olhos murchinhos de Jack. Pareciam tão claros, tão certos, tão reais... Céus... Então ele vinha sentindo aquilo...? Elsa jamais poderia imaginar. Riu alto. Era ridículo. Todo esse tempo e estava ali, bem na sua cara a resposta para as perguntas que haviam atormentado suas noites.

  A risada da monarca pegou Jack de surpresa, ele já estava pensando num jeito de pedir desculpas, fazê-la esquecer, mas ela fora mais rápida.

  “Ah, Jack...” Pronunciou-se Elsa, olhando para o nada com um sorriso bobo. “E se eu dissesse que existe uma remota chance de, talvez, eu sentir o mesmo por você...?”

  Voltou seu olhar para ele, que era, ao mesmo tempo, maroto, brilhante e extremamente revelador. O moreno exibiu o mais genuíno e puro sorriso de alegria.

  “E-Eu diria que... Seria incrível...” Disse baixinho, fazendo arrepiar todos os pelos da nuca da rainha. Ele pegou com gentileza no queixo dela, fazendo-a encarar seus olhos. Como algo ou quem poderia parecer tão certo?! Deslizou suas mãos pelos seus ombros e braços nus. Era até engraçado... O frio não era é algo que a incomodava mesmo, não é? Eles entrelaçaram suas mãos.

  Nunca que Jack sentiu seu corpo tão próximo do da rainha de Arendelle. Nunca que Elsa viu tamanha beleza num par de olhos castanhos. Nunca que sentiram lábios serem tão convidativos. Com uma troca de olhares, eles entenderam que sim, que queriam aquilo. Sorriram um pro outro, trazendo seus rostos para mais perto a fim de acabar com o espaço entre eles. Era isso. A brisa fria não era mais capaz de atingir o ex guardião. Ele sentia o calor da respiração de Elsa próxima de si e, pela primeira vez em muito tempo, estava certo do quanto queria algo. Aproximaram-se mais, loucos e ansiosos para selarem tudo aquilo com um beijo e...

  “Majestade!”

  Um grito vinha do outro lado do saguão. Era o imediato. Jack e Elsa se separaram num pulo, com sorte estava escuro e o homem não estava prestando atenção para saber o que estava prestes a acontecer. Eles se entreolharam extremamente corados. Quando o imediato finalmente chegou até eles, o ex guardião se voltou para o mar a fim de esconder todas as sensações que os entregariam. Felizmente, a monarca era uma excelente atriz.

  “Sim?” Perguntou com extrema naturalidade, enquanto o homem parava lhe reverenciando.

  “Minha rainha, Narvik já se faz à vista!”

  Os dois voltaram a se olhar e, juntos, voltaram-se para o horizonte. Era verdade. Dava para ver o contorno das montanhas cobertas de neve do reino do norte e a iluminação do castelo. O restante da tripulação foi acordada e, lentamente, foram todos se juntando a eles para ver o espetáculo que se formava cada vez mais perto.

  Jack mal podia acreditar. Estavam quase lá, ele estava próximo do seu passado... Todavia, o que dominava seus pensamentos agora era o presente. Ele tinha arrumado muitas coisas para se preocupar, disso tinha certeza, mas não se importava. Observando a mão de Elsa apoiada no navio, o ex guardião aproximou a sua dela, disfarçadamente tocando as pontas dos dedos. Ele mal sabia dizer o que ia acontecer, o que aquilo significava. Porém, sabia que queria fazê-lo. Eles não se encararam, mantiveram-se firmes ao horizonte, mas com o pensamento de que tudo iria ficar bem.

  Agora, observando o reino que se fazia diante de si, Jack pegava-se mais uma vez rindo. Era a vez de fazer aquela pergunta de novo, por céus...

  Narvik...

  Que surpresas você me aguarda?