War of Hearts escrita por Himiko


Capítulo 3
Capítulo III — Ceifador


Notas iniciais do capítulo

Oi oi, coisas lindas do meu coração!
Poxa, vocês estão gostando tanto da história, não tem ideia de como eu estou feliz! Por isso, trouxe-lhes um presente: o capítulo 3!

Boa leitura.



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Não conseguia ter outra reação senão encarar o homem diante de mim com surpresa. Muita surpresa. Eu estava esperando alguém definitivamente diferente daquele que estava a minha frente, com as mãos timidamente encaixadas nos bolsos da frente da calça jeans.

Seus cabelos castanhos eram compridos, sedosos e reluzentes, desenhando seu maxilar bonito com ondas suaves graças ao vento. Uma barba rala da cor do bronze cobria a pele bronzeada ao redor dos lábios rosados, dando-lhe um toque de superioridade e inteligência. Ele era bem mais alto que eu, nem me atreveria a imaginar quantos centímetros de diferença haviam entre nós. Seus olhos verdes eram verdadeiramente admiráveis; donos de um verde tão claro quanto o fundo do mar do Caribe. Ele sorriu para mim, aproximando-se a passos largos e cortando a distância que nos separava em poucos segundos, de modo que logo eu estivesse de cabeça erguida, tentando olhar para seu rosto. Apesar do frio que Nova York carregava nas costas, ele não parecia incomodado, usando apenas uma jaqueta marrom clara por cima de uma blusa fina, as calças jeans e botas nos pés.

Nos encaramos por alguns segundos. Eu provavelmente era o que ele imaginava, visto que não parecia surpreso. Adoraria dizer a mesma coisa de mim.

— Hayden?

— Eu... É, sou eu. E você não é David Berkowitz, certo?

O homem assentiu, levemente envergonhado.

— Olha, eu não teria chamado você aqui se não fosse realmente urgente. Eu preciso da sua ajuda. — tentei partir para o golpe final — Robert Singer me disse que você e Kris Warren iriam me ajudar se precisasse.

Sentimentos de espanto, tristeza, dor e dúvida zuniram pelos olhos esverdeados que me encaravam. Ergui a carta que segurava e entreguei a ele, apertando com firmeza o diário sob minhas palmas. O estranho desdobrou o papel com cuidado, e logo suas órbitas começaram a dançar pela superfície branca, lendo cada palavra escrita naquela mensagem. Seus lumes não foram capazes de esconder o que sua expressão ocultava, e tudo o que conseguia perceber no homem a minha frente era a forte emoção da saudade, correndo pelo seu corpo como um raio furioso durante uma tempestade. Robert deveria ter sido alguém muito especial para ele. O falso David voltou a me encarar, e abriu um sorriso fraco, distorcido.

— Bobby... Ele nunca me disse que tinha uma filha. — sua voz fraquejou e ele ergueu a cabeça, afim de procurar outro lugar para olhar que não fosse meu rosto — Desculpe. Eu sou Sam Winchester. Bobby era meu tio, praticamente pai de criação. Se ele pediu para confiar em mim, pode ter certeza de que farei o meu melhor para ajudá-la.

— Obrigada, Sam. De verdade.

— Então, qual é o problema?

Convidei-o para entrar no museu, visto que a chuva começara a cair a pingos fortes. A jaqueta de couro que eu usava aparava boa parte das gotas, mas logo elas engrossariam e Sam e eu estaríamos debaixo de um temporal. Guiei-o até a cafeteria do lugar e me acomodei num banco, assistindo o Winchester fazer o mesmo. Pensei alguns segundos antes de jogar a verdade na mesa; se Bobby dissera que eu deveria confiar nele, eu poderia confiar.

Mas eu estava confiando na carta do meu pai?

— O problema... É a minha mãe. — juntei as mãos sobre as pernas e apertei os dedos, um tanto melancólica — Ela tem uma doença que nenhum médico conhece. Não é câncer, problema de glicose ou pressão nem nada do tipo. Nós já tentamos de tudo, Sam, mas nada adianta.

— Hayden, eu sou um caçador. — ele me encarou, confuso — Não vejo como posso ajudar você.

Finalmente, pousei o diário no centro da mesa e o deslizei pela superfície lisa até Sam. A página aberta era relativamente chamativa por causa dos desenhos dos símbolos... Enoquianos, acho, mas o tema era claro. O homem respirou fundo, seu pomo-de-adão subindo e descendo enquanto ele engolia em seco. Alguma coisa me dizia que ele não fora muito com a cara da ideia.

— Eu estudei alguma coisa durante as duas horas que tive para te esperar. Essa parte do diário de Bobby diz que os anjos podem ajudar. E eu realmente, desesperadamente preciso de ajuda. Eu preciso invocar um anjo, Sam. Mas não tenho ideia de como fazer isso. Você está nesse ramo a provavelmente muito mais tempo que eu. Por favor, por favor, me ajuda. Eu não tenho mais opções, e eu não posso perdê-la. — lágrimas começaram a inundar meus olhos, o ardor subindo pelas veias enquanto eu começava a chorar quase que sem controle — Ela é a única coisa que me resta, minha única família. Por favor...

— Ei, está tudo bem. — a mão calejada de Sam atravessou a mesa, encontrando-se com a minha e a envolvendo com seus dedos quentes e aconchegantes. Ele a apertou, tentando me passar alguma confiança — Vou ajudar você, ok?

Não me contive; um sorriso gigantesco explodiu em meu rosto e eu me levantei da mesa, contornando-a para envolver o pescoço do Winchester com um forte abraço. Sam bateu com leveza em meu braço com um sorriso fraco e se levantou, pedindo que eu o guiasse para fora do Met. Ele tinha coisas a procurar.

O caçador havia encontrado tudo o que precisava em menos de uma hora, e agora nós preparávamos o ritual de invocação na minha sala de estar. Não que eu soubesse o que era tudo aquilo dentro da tigela de bronze, mas Sam parecia saber o que estava fazendo, então eu decidi não me intrometer. Ele entoou algumas palavras em latim e acendeu um fósforo, segurando-o sobre o prato, e se virou para mim.

— Hayden, você precisa ter certeza do que está fazendo. — ele se levantou, passando o palito para meus dedos. Havia uma cautela tão grande em sua voz que me deixou verdadeiramente surpresa — Eu não sei quem pode surgir na nossa frente, então você precisa ter cuidado.

— Mas... Você não vai chamar um anjo?

— Nem todos os anjos são divinos, acredite em mim.

Um arrepio cruzou minha espinha, mas eu não podia desistir agora. Minha mãe estava em seu quarto, tossindo e choramingando de dor, e sua única esperança de cura jazia em minhas mãos; literalmente nossa última chama de fé. Fechei os olhos, prendendo o fôlego, e soltei o fósforo, ouvindo a pequena explosão causada pelo fogo incendiando as ervas dentro da tigela. Sam colocou-se protetoralmente ao meu lado, observando ao redor, e quando senti seu calor próximo ao meu braço, tomei coragem para abrir os olhos. Girei minha visão pela sala, esquadrinhando a presença de alguém novo. Nada. Estava prestes a perguntar se o Winchester não tivera feito nada de errado quando ouvi o som de asas suaves batendo.

Nos viramos na direção do som, e mais uma vez naquele dia precisei segurar meu queixo.

O homem era... Bem, um anjo. Os cabelos negros se misturavam com fios grisalhos e estavam organizados numa espécie de "onda" para a direita. Os olhos castanhos eram frios, calculistas e límpidos, mas seus lábios claros estavam repuxados num sorriso de poucas intenções. A pele bronzeada tinha um tom claro relativamente bonito. O queixo esculpido estava coberto por uma barba grisalha charmosa, que escalava seu maxilar em direção às orelhas. Ele usava um terno bege por cima de uma camisa preta e branca, calças sociais negras e sapatos de couro reluzentes da mesma cor. Ele estalou o pescoço, começando a caminhar pela minha sala como se fosse uma exposição de arte.

— Ora, bem, que lugar agradável... — murmurou baixinho, apesar de eu ter conseguido ouvir — Quem me invoca?

— Hayden Mills. E quem é você?

O homem ergueu os olhos até mim. Eles escorreram pelo meu corpo de maneira presunçosa e descarada, olhando-me de cima a baixo até tirar alguma conclusão. Não sei se ele me achou bonita, engraçada ou patética, mas sua expressão de descaso foi, no mínimo, irritante. Eu estava prestes a dar um tapa bem estalado na sua cara perfeita, entretanto, ele era um anjo, uma criatura divina, com poder o suficiente para me mandar pra Marte e assistir de camarote enquanto eu sufoco até morrer. Cerrei os punhos, mantendo a determinação estampada em meu rosto afim de mostrar que eu não estava com medo — o que era totalmente mentira.

— Eu sou Órion. Por que invocaste-me, Hayden Mills?

Sua cordialidade era assustadora. Aliás, tudo nele era assustador. Suspirei, caminhando mais para perto. O espaço ao seu redor parecia estalar, como eletricidade estática. Olhei para Sam; sua face não estava nenhum pouco tranquilizadora.

— Eu preciso que cure minha mãe.

Admito: eu estava esperando uma gargalhada. Sabe, daquelas bem altas e desdenhosas que enchem até seu último fio de cabelo de raiva? Achei que Órion fosse soltar uma dessas. Mas tudo o que ele fez foi sorrir, olhando para seus dedos esguios. O anjo se inclinou numa reverência e pediu, educadamente até demais, que eu o levasse até onde mamãe se encontrava. Atravessamos a sala, e agradeci mentalmente a Sam por ter ficado tão próximo de mim, enquanto guiava-os até o ambiente onde Joyce passava o dia inteiro.

E lá estava ela, minha doce mãe. Os olhos fechados tremiam com leveza, e por um minuto temi que ela estivesse tendo mais um de seus pesadelos com meu falecido padrasto, Rick Hopper. Cruzei o quarto até alcançá-la e deslizei os dedos por sua testa, acariciando-a. Mamãe relaxou, e me afastei devagar para que Órion se aproximasse. Dei três passos para trás, vendo o moreno estender as mãos sobre a Mills. Apertei minhas mãos, nervosa ao extremo, e suspirei assustada ao sentir a mão de Sam pousar em meu ombro.

— Vocês, humanos... Tão altruístas. — Órion riu baixinho, pousando dois dedos na testa de minha mãezinha — Sam sempre morrendo pelo seu irmão... Seu irmão fazendo o mesmo. Adoráveis.

Ergui um olhar questionador até o caçador ao meu lado, mas ele permaneceu encarando o anjo com firmeza. Uma luz suave começou a brilhar por trás das pálpebras fechadas de Joyce. A cor azulada iluminava o corpo dela, subindo por suas veias, zunindo por sua pele pálida e frágil. Eu estava maravilhada. Banhada daquele fulgor, parecia tão... Em paz. Era como se dor nenhuma pudesse atacá-la, pesadelo nenhum pudesse invadir sua mente. Tão tranquila.

Deixei uma única lágrima escorrer pelo meu rosto, mas tratei de limpá-la antes que alguém visse. De repente, a luz azul tornou-se negra. Parecia subir como rios de óleo escuro desenrolando-se em seus braços, pernas, em seu rosto, e principalmente na pele sensível por cima de seus olhos. A cor azulada que antes banhava minha mãe, agora subia pelas veias de Órion, e seus olhos brilhavam numa intensa luz de poder. Um sorriso de puro escárnio nasceu em seus lábios finos e ele gargalhou, enquanto continuava a sugar o brilho cerúleo de Joyce.

E foi quando me toquei. Ele não estava levando a doença embora.

Ele estava levando sua alma.

— Não!

Corri em sua direção, mas Órion apenas esticou um de seus dedos na minha direção e me atirou para o outro lado do quarto. Sam tentou interferir, mas em segundos ele estava ao meu lado. Uma pressão invisível instalou-se em meu pescoço, e rapidamente o ar começava a desaparecer. O Winchester parecia estar recebendo uma força ainda maior, visto que seus olhos estavam esbugalhados e seu rosto mergulhara no vermelho em pouco tempo. O anjo passou a sugar a alma de minha mãe com mais velocidade, e eu não conseguia ter outra reação senão observar aquilo com ódio, surpresa, arrependimento e culpa. Muita culpa. Ela estava perdida agora, e a culpa era total e completamente minha. Eu a sentenciara para sua morte. Meus ombros pesavam como pedras de granizo. Pude sentir as camadas de tantos sentimentos variados surgindo lentamente dentro de mim, enegrecendo cada célula do meu ser.

Desisti de lutar contra a pressão invisível que me esmagava contra a parede. Meus braços pendiam imóveis ao lado do corpo, e meu maxilar não tinha forças para manter minha boca fechada. Não tinha mais energia para nada. Não conseguia desviar o olhar enquanto Órion sugava a vida de minha mãe como sanguessugas num cadáver. Não era capaz de fechar os olhos para evitar ver aquela cena. Eu apenas encarava aquilo incrédula, pensando como um anjo poderia estar fazendo algo tão terrível quanto aquilo.

Toda minha vida acreditei numa força maior que nós. Acreditei, e ainda acredito, que Deus velava por todos nós e nos ofereceria abrigo quando houvesse necessidade. E sempre acreditei que os anjos, as criaturas divinas, os soldados do Criador, fossem nossos principais cuidadores.

Mas vendo o quão cruel Órion fora comigo, com minha mãe, me abalara. Abalara minha fé. Havia me chocado num ponto tão extremo que nem ao menos conseguia chorar.

O falso anjo deu um sorriso cruel para mim. Estalou os dedos, e a pressão que mantinha a mim e a Sam na parede desapareceu, derrubando-nos no chão do quarto. Uma forte luz branca, azul e prateada iluminou todo seu corpo, cegando-nos por alguns segundos, e logo ele parecia totalmente diferente; sua aura passava a impressão de muito mais poder. Ele girou os braços, flexionou as pernas, e estralou todos os seus dedos, parecendo sentir-se renovado. Caminhou até mim com passos largos e firmes, sua expressão era tão arrogante que me dava nojo.

Agora, todo aquele homem me enojava.

— Hayden, Hayden, Hayden... Por que não escutou seu amiguinho? Por que não teve mais cuidado? — seus dedos esguios seguraram meu rosto. Meu olhar era tão enfurecido e selvagem que ele pareceu se surpreender — Sua mãe foi meu belo e último aperitivo. Não se preocupe com o funeral; eu mesmo a enterro. É o mínimo que posso fazer, não? Bem, foi ótimo conhecê-la, senhorita Mills. Você acabou de contribuir para a ascensão do novo Criador do Paraíso.

— Cretino! Seu verme desprezível, asqueroso, prepotente! Eu vou matar você! — rosnei, agora movida pelo mais puro sentimento do ódio que consumia cada mísero pedaço do meu coração — Eu vou destruir a sua raça!

Uma gargalhada cruel ecoou pelo ambiente. O aperto em meu rosto aumentou, a ponto da pele esquentar e começar a arder.

— Quero vê-la tentar. — ele me soltou, arrumando o terno e caminhando de volta a cama de minha mãe — Au revoir, Hayden Mills. Espero que aproveite o Apocalipse que trarei ao seu planeta.

Ele então desapareceu. O corpo de minha mãe não estava na cama.

E tudo o que sobrara dentro de mim eram a dor da perda, e as trevas causadas pelo ódio. 

 


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Notas finais do capítulo

E aí? Gostaram? Vejo vocês nos reviews!

Até o próximo ♥



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