Alvo Potter e a Sala de Espelhos escrita por Tiago Pereira


Capítulo 24
Capítulo 24 — A Contraprova




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— CAPÍTULO VINTE E QUATRO —

A Contraprova


QUANDO ELES MENOS ESPERAVAM, o dia vinte de fevereiro chegou. Era uma típica manhã de inverno, com o vento frio açoitando as janelas e o sol escondido atrás do céu nublado. Os últimos dias tinham sido sobrecarregados para Alvo. Ele e os amigos ficaram sabendo que a Profa. McGonagall tinha se enfurecido com Hagrid e que Copperfield levara Belo embora assim que toda a confusão passou. Eventualmente o Prof. Scamander elevara seu status com os alunos, todos ansiosos para saber como ele aprendera a domar uma criatura tão perigosa.

— Como se Belo fosse realmente perigoso — Alvo rosnou quando as gêmeas Goshawk narraram pela quinta vez a história do Prof. Scamander. — Hagrid é que merece todo o crédito, foi ele que sustentou tudo sozinho.

Rose o olhou com severidade por cima do Profeta Diário.

— Sabe que uma hora terá de pedir desculpas a ele, não sabe?

Alvo se calou. Desde o dia do baile ele não descera nenhuma vez para ver como o amigo estava se sentindo. Ele tinha os treinos de quadribol, os deveres acumulados e faltava coragem para admitir a sua culpa. Sabia que não iria conseguir olhar diretamente nos olhos de Hagrid depois de tudo o que houve. Era bem provável que ele batesse a porta na sua cara assim que o visse.

Como de costume, Íris fazia viagens constantes a Godric’s Hollow, levando e trazendo correspondências do Sr. e Sra. Potter. Nenhuma delas, no entanto, trazia informações sobre a contraprova. Ele não tinha de fato esperança que os pais fossem auxiliá-lo, até que, na noite de segunda-feira, Alvo viu uma coruja de penas laranjas encarapitada no peitoril da janela da sala comunal.

— É Rouquin! — exclamou Rose, precipitando-se para abrir a janela. Escavador saltou de seu colo, indignado. A coruja entrou voando, chamando a atenção dos colegas, e pousou diante do trabalho de Herbologia de Alvo.

Confuso, Wayne tirou os cabelos do olho e desamarrou um pergaminho das patinhas escamosas da coruja. Seus olhos correram da esquerda para a direita e em seguida uma expressão de espanto surgiu em seu rosto. Alvo, que não se continha de ansiedade, começou a roer as unhas.

— E então? — perguntou Rose com uma sobrancelha erguida.

— Bem — disse Wayne misteriosamente –, é uma mensagem rápida para Alvo e Tiago da sua mãe, Rose.

Rose arregalou os olhos e puxou o pergaminho da mão de Wayne, Alvo emparelhando-se à prima enquanto lia:

Queridos Tiago e Alvo,

Estou enviando esta carta para avisá-los que comparecerei em Hogwarts como representante oficial do Ministério da Magia e da CIB amanhã. Não se atrasem.

Tia Hermione

 

Alvo sentiu um imenso alívio em ler a mensagem. Ele não conhecia ninguém mais competente para julgar o caso que não fosse a tia. Porém, havia uma sensação desconfortável em seu peito; e se ele revelasse mais do que deveria? Não gostaria de compartilhar suas intimidades para uma bancada de bruxos adultos, ainda mais quando sua cabeça estava tão cheia de informações sobre a Sala de Espelhos, Malfoy e tantas outras coisas importantes como sua Capa da Invisibilidade e o Mapa do Maroto de Tiago. Com medo que rissem de seu anseio, Alvo foi dormir antes dos amigos, embora fossem necessárias horas encarando o teto para que o sono vencesse a excitação do que ocorreria no dia seguinte.

Alvo e Wayne tinham descido cedo para o café da manhã, o amigo escarafunchando livros sobre as leis da magia e levando um bocado de flocos de milho à boca — derrubando metade em suas vestes. Rose apareceu meia hora depois, atarantada. Sentou-se defronte aos garotos e abriu um sorriso exasperado.

— Como é que você está se sentindo? — perguntou a Alvo e, antes que o primo abrisse a boca, ela continuou: — Ah! Não importa! Estive lendo alguns casos sobre o uso da Poção da Verdade. — Ela aguardou alguma objeção. — É bem raro, já que é controlada por rigorosas diretrizes do Ministério. Sinceramente, eu achei o processo bem democrático.

— Mas tudo isso é estranho, não? — retrucou Alvo. — Malfoy diz que foi eu, eu digo que não, ambos sob efeito da Veritaserum. Em quem eles vão acreditar?

— Em você, não é? — Wayne arqueou as sobrancelhas. — Alvo, você não está senil como Malfoy. Ele passou pela Sala de Espelhos e tudo mais...

— Ninguém sabe o que há lá — intrometeu-se Rose. — Francamente, o mais óbvio é inocentar os dois e abrir uma investigação na Sala de Espelhos, o que poderia durar meses e olhe lá. Duvido que Copperfield permita que a invadam, é muito secreta.

Se Alvo estava pálido e nervoso, Tiago, pelo contrário, parecia que tinha ganho o Grande Prêmio Anual da Loteria do Profeta Diário. Quando ele atravessou o portal do Salão Principal com Carl e Alaric, estava rodeado por garotas risonhas que ouviam atentamente seus causos. Rose, que servira um pratarraz de ovos e bacon, mirou-as com desdém.

— ... e eu tenho uma moto voadora, sabiam? — Tiago começou a se aproximar da mesa da Grifinória. As garotas suspiraram, excitadas. — Eu a uso nas férias de verão, adejo as montanhas de Dijon, dou um alô aos trasgos e gigantes e... Aí está ele! O meu assistente!

Tiago abriu um espaço e se sentou ao lado do irmão; Carl e Alaric fizeram o mesmo.

— Meninas, vocês conhecem o novo apanhador da Grifinória? — Tiago abraçou Alvo, que começou a corar. — Imagino que vocês estejam se perguntando como alguém com metade dos miolos foi capaz de entrar no time — As garotas riram — e eu respondo: faz parte do novo plano de cotas para pessoas necessitadas.

Alaric e Carl rolaram de rir. Alvo tremia de raiva.

— Brincadeira, brincadeira... — recuou Tiago ante o olhar perfurador de Rose. — De todo jeito, garotas, podem nos deixar a sós um pouquinho? Precisamos planejar nossa próxima viagem...

— Podemos ir com vocês? — indagou uma garota dentuça.

— Não, não, isto está fora de questão — disse Tiago, cruzando os braços. — É muito perigoso, sabem...

— Apoiado, apoiado! — concordaram Carl e Alaric.

— Tiago, mas e se usarmos a Axminster do meu tio? — atiçou Carl com superioridade.

— E ela cabe... — Alaric começou a contar as garotas — sete garotas e três forasteiros?

— Sem dúvidas — afirmou Carl, radiante.

As garotas deram um gritinho histérico e excitado antes de debandarem. Nem Alvo, nem Rose ou Wayne falaram no resto da manhã. Perto das nove horas, os três iam se dirigindo à sala de Transfiguração, quando o Prof. Longbottom veio aos tropeços em direção de Alvo.

— Al! — O professor o alcançou ainda no Saguão de Entrada, ofegante. — Puxa, bem a tempo... Alô, Rose, Wayne...

— Alô — responderam em coro os amigos.

— Alvo, quase me esqueço... — Ele enfiou a mão num bolso interno das vestes e puxou um pedaço de pergaminho. — A Profa. McGonagall pediu para avisar que você e Tiago estão dispensados das primeiras aulas. Ficarão esperando na sala onde ocorrerá a contraprova.

Alvo encolheu os ombros, nervoso. Não demoraria muito e todos saberiam o que ia acontecer com eles, inclusive a Garota dos Segredos. Se tudo desse errado, pensou, que ele ao menos fosse expulso e exilado para não ter de aturar a gozação dos outros alunos — principalmente os da Sonserina. Mas se desse certo...

Alvo preferiu não cogitar a possibilidade. Despediu-se de Rose e Wayne, que lhe deram um último abraço, e seguiu o encalço do Prof. Longbottom.

— Duvido que você será expulso, Alvo — disse como se pudesse ler os pensamentos do menino. — No máximo uma suspensão. A Profa. McGonagall não quer os holofotes sobre Hogwarts, ainda mais com o que aconteceu no baile, como você soube.

O Prof. Longbottom avaliou a grade de horários da terceira série e começou a guiar o afilhado pelos degraus de mármore da Grande Escadaria.

— Tem alguma coisa a ver com aquela sala no sexto andar? — Alvo quis saber. Em resposta, recebera um aceno positivo.

— A Profa. McGonagall nunca gostou de ser interferida pelo Ministério da Magia — explicou enquanto eles contornavam um grande vaso e faziam uma curva no primeiro andar. — Foi a primeira vez que ela deu alguma abertura e está acontecendo tudo isso...

— Então a quimera e a sala têm a ver com o Ministério? — indagou Alvo, as entranhas remoendo de curiosidade.

O Prof. Longbottom fingiu não ouvir.

— Aqui. — Eles pararam a uma porta empoeirada. O Prof. Longbottom bateu três vezes com os nós dos dedos. — Espero que ele não fique nervoso.

— Ele quem? — perguntou Alvo cauteloso.

A porta se abriu com um rangido.

— Dimitri! — cumprimentou o Prof. Longbottom.

O professor de Estudo dos Trouxas, lembrou-se Alvo, Dimitri Aingremont. Ele o via sempre no Salão Principal e afrontou-o uma vez quando Malfoy o desafiou na Derrubada. Estava sempre com um paletó xadrez, os cabelos tão bem divididos, o cavanhaque bem aparado. Se sua memória não falhasse, era filho da Profa. Sable.

— Posso ajudá-lo, Neville? — perguntou secamente o professor.

— Sim, preciso de Tiago Potter, tenho uma ordem de dispensa da Profa. McGonagall — contou o Prof. Longbottom, animado.

— Claro. — O professor encarou Alvo por um instante e virou-se para uma turma silenciosa: — Potter. Dispensado.

Tiago, com ar de desleixo, piscou para Carl e Alaric, colocou uma alça da mochila nos ombros e se juntou a Alvo e o Prof. Longbottom.

— Espero que não se importe se usarmos a televisão no quinto andar — comentou o Prof. Longbottom, sorridente.

— Não — refutou o Prof. Aingremont com frieza.

— Excelente! — exclamou o Prof. Longbottom. — Até mais, então, Dimitri.

— Até — rosnou o Prof. Aingremont. Sem tirar os olhos de Alvo, ele empurrou a porta.

— Não temos muito tempo, garotos — disse o Prof. Longbottom consultando o seu relógio de bolso. — Sim, é melhor nos apressarmos. Vamos.

O Prof. Longbottom saiu na frente dos irmãos Potter, que se entreolharam antes de segui-lo.

— Ele disse... televisão? — Alvo murmurou ao irmão.

— Creio que sim — disse Tiago despreocupado.

— Por que está tão tranquilo? — perguntou Alvo irritado.

Tiago assanhou os cabelos.

— É como diz o ditado, irmão: quem não deve, não teme.

— E como diz o outro — disse Alvo. — Não conte com os ovos que a galinha não botou.

Eles atravessaram o corredor do quinto andar, passaram pela estátua de Bóris, o Pasmo e desembocaram em um cômodo cheio de cadeiras e uma televisão. Era um modelo bem antigo, lembrava um caixote de madeira com um painel ao lado da tela. O Prof. Longbottom se aproximou e bateu a varinha contra os botões que rodopiaram e fizeram a televisão ligar. Imediatamente a sala se encheu de estalos da estática.

— Perfeito! — regozijou ao contemplar o resultado. Ele limpou a garganta e entoou: — Hocus Pocus!

Alvo boquiabriu-se. A estática na tela começou a parar de espocar e uma maçaneta foi surgindo, distorcida e listrada pela má qualidade da imagem. Tiago continuou a observar com os braços cruzados.

— Quem quer ser o primeiro? — convidou o Prof. Longbottom, indicando a maçaneta na tela. Alvo achou aquilo muito estranho. Tiago, então, se adiantou e esticou a mão contra a maçaneta; num segundo ele não estava mais lá. O professor se virou para o afilhado. — Sua vez, Al.

Alvo, com medo do que aconteceria dali em diante, imitou o irmão e estendeu os dedos na direção da tela, achando um absurdo o fato que ele pudesse atravessar uma tela tão pequena. Contudo, onde deveria estar o vidro, Alvo sentiu a mão dissolver e agarrar a maçaneta; ele girou e seu corpo foi sugado para algo que lhe lembrou uma cortina de água morna. Seus pés bateram novamente no chão e Alvo se viu numa salinha confortável e revestida de tijolos. Havia um grande tapete cobrindo o chão, uma estante repleta de livros, um sofá para três pessoas e uma porta nos fundos da sala.

O Prof. Longbottom entrou na sala.

— Interessante, não acham? — E puxou novamente o relógio de bolso. — Bom, temos pelo menos uns vinte minutos até o início previsto. Fiquem à vontade, vou avisar a Profa. McGonagall que vocês já estão na sala.

O Prof. Longbottom atravessou a sala até a porta dos fundos; quando ele a abriu, o eco de vozes preencheu o local e foram logo silenciadas no momento que a porta bateu. Alvo, pensativo, se juntou ao irmão esparramado no sofá, que abrira um pergaminho velho sobre o próprio colo, tocando a varinha no seu âmago.

Juro solenemente que não pretendo fazer nada de bom — proferiu. Pontinhos começaram a ramificar em um leque até que um enorme mapa de Hogwarts se abriu para eles. Tiago passou a ponta da varinha e parou em cima do pontinho denominado Alvo Potter — Eles estão por aqui.

E, mais adiante, outros pontinhos se moviam na câmara onde o Prof. Longbottom entrara: Cho Chang, Antônio Goldstein, Ernesto Macmillan, entre outros que Alvo preferiu não ler, pois fora distraído pelas indicações de Rose e Wayne na sala de Transfiguração. Será que ele teria mais uma chance de estar com eles?

— Pombas, um deles está vindo! — granhiu Tiago, batendo a varinha no mapa. — Malfeito feito!

E o pergaminho voltou a ficar em branco. Ele dobrou rapidamente e enfiou no interior das vestes. Os garotos aguardaram alguns tensos instantes e a porta dos fundos foi escancarada. Alvo sufocou um grito. Tia Hermione apareceu, os cabelos encaracolados sacolejando às costas, as mãos carregadas de documentos.

— Bom dia — cumprimentou a tia, sorrindo. — Tiago, pode me acompanhar, por favor?

Engolindo a seco, Alvo assistiu o irmão se erguer e sumir na câmara com tia Hermione. Mais uma vez a porta bateu e ele ficou sozinho, obrigado a se ocupar com a estante de livros empoeirados. Alvo passou a mão pela lombada, levantado uma fina camada de pó que penetrou o seu nariz, causando-lhe um acesso de espirros. Apesar de vários livros didáticos, o que mais chamou a sua atenção foi um velho conhecido: Quadribol através dos séculos, de Kennilworthy Whisp.

A leitura foi uma boa distração ao garoto. Mesmo acompanhando assiduamente a Liga Britânica, ele nem imaginava que o esporte tinha centenas formas de cometer falta, assim como movimentos interessantes, como a Finta de Wronski ou o Passe de Plumpton, onde o apanhador recolhia o pomo de ouro com a manga das vestes. Queria ler mais para manter a cabeça longe dali, mas logo o vozerio inundou a sala de novo. Alvo virou-se para ver. Tiago saía da câmara um pouco débil e pálido, mas indubitavelmente são. O garoto se sentou no sofá com Alvo, que não teve a oportunidade de dizer nada antes de tia Hermione anunciar:

— Alvo, sua vez.

Alvo sentiu que as pernas estavam pesando muito mais que o costume quando ele foi na direção da tia.

— Entre, por favor — disse a tia educadamente ao ver o sobrinho estacado na soleira.

— Ãh... certo. — Alvo passou adiante e, assim que a porta bateu às suas costas, as conversas acabaram.

O primeiro vislumbre foi de uma sala escura e pequena, do tamanho de um escritório, cheia de poltronas circunvizinhas e uma escrivaninha imponente, onde a Profa. Minerva estava sentada. Sob a luz fraca dava para enxergar as sobrancelhas da professora quase únicas, tamanho era o seu esgar. Os cabelos grisalhos, como sempre, estavam amarrados em um coque firme e os olhos faiscavam por trás dos óculos quadrados.

Tia Hermione indicou uma passagem para ele entre as poltronas e o olhar do menino recaiu sob uma cadeira no centro da câmara. Trêmulo, ele se sentou e prestou mais atenção nos conselheiros a sua volta. Alvo conhecia alguns deles, como o Sr. Finnigan e o Sr. Thomas. Os outros, no entanto, eram rostos anônimos, a não ser pelo casal que evitava a todo custo olhar diretamente para ele: os Malfoy.

O som de pena riscando o pergaminho prolongou-se durante uns instantes na escrivaninha de tia Hermione.

— Vamos começar de uma vez, Granger — disse a Profa. McGonagall.

— Certamente, professora — concordou tia Hermione, sem tirar os olhos do pergaminho. Ela apanhou um frasco e ergueu-o para que se tornasse visível a todos. — Apenas quero deixar, mais uma vez, claro e evidente que esta é uma Poção da Verdade muito poderosa, com o selo de autorização do Ministério da Magia e controlado pelo Departamento de Execução de Leis da Magia. A sua autenticidade é garantida, de modo que não haja dúvidas quanto à uma suposta adulteração deste exemplar.

Os conselheiros murmuraram em concordância.

— Muito bem — disse rispidamente a Profa. McGonagall. — Os senhores estão prontos? Ótimo. Granger, a Veritaserum, por favor.

Tia Hermione se ergueu e pingou três vezes em um pequeno recipiente graduado. Contornou a escrivaninha e ofereceu a poção a Alvo.

— Beba, por favor — disse com um sorriso gentil ao sobrinho.

Alvo relutou por um instante, o medo palpitando nos ouvidos, mas cedeu. A poção, que lhe lembrou água fresca, desceu fria pela sua garganta; ele piscou forte e sentiu uma pontada que partia da testa ao dorso de sua cabeça. De repente sua visão começou a ondear e o garoto foi tomado por um juízo imenso.

Tia Hermione pigarreou.

— O senhor é Alvo Severo Potter, primeira série, Grifinória, acusado por enfeitiçar o estudante Scorpius Malfoy?

Uma voz sem inflexões ecoou nos ouvidos de Alvo, apesar de tido a impressão dos próprios lábios terem se mexido.

— Sim — murmurou.

— Gostaria que nos dissesse — pediu educadamente tia Hermione — o que o senhor estava fazendo no sexto andar durante a festa do Dia das Bruxas.

Novamente a voz sem emoção vibrou longe de Alvo.

— Eu e meu amigo Wayne Eviecraddle fomos enganados por um fantasma na porta do Salão Principal. Achávamos que tínhamos sido envenenados. Resolvemos ir à ala hospitalar. Mas eu afundei a perna no degrau falso das escadarias.

Um dos conselheiros, Alvo pôde ver, riu entre os dedos. Se não estivesse sob efeito da poção, o garoto juraria que estava com o rosto rubente de vergonha.

Continuou:

— Pirraça, o poltergeist da escola, veio ao nosso encontro e disse estar atrás de Scorpius Malfoy, no sexto andar. Curiosos, fomos até lá e um arco surgiu para mim.

Tia Hermione riscava freneticamente o seu pergaminho. Ela aguardou mais alguma fala de Alvo, antes de retomar as perguntas.

— E o que tinha dentro daquele arco?

Não conte sobre Boxe, forçou-se a pensar desesperadamente Alvo. Não conte!

— Espelhos — respondeu a voz. — Porém não refletiam nada. Era um corredor escuro.

A Profa. McGonagall assentiu, as narinas esbranquiçadas.

— Você chegou a encontrar Scorpius Malfoy? — indagou tia Hermione. Alvo anuiu brandamente. — Então você afirma que o enfeitiçou?

Não!, Alvo gritou em sua mente.

— Não — falou em voz baixa.

A maioria dos conselheiros se aprumou em seus bancos.

— Conte-nos o que houve ao encontrar o Sr. Malfoy — ordenou tia Hermione.

Mais uma vez as palavras jorraram da boca do menino.

— Uma luz muito forte surgiu e dela apareceram Malfoy ferido e uma revoada de corvos esquisitos. Tinham um brilho dourado nos olhos. Horripilante. Malfoy veio correndo e nos derrubou. Apesar de quase não enxergarmos nada, Wayne e eu corremos e saímos do arco, perseguidos pelos corvos. Pensei que eles fossem nos atacar, mas um clarão os desnorteou.

— E esse clarão veio de Chloe Bridwell? — perguntou tia Hermione.

— Sim. — A cabeça de Alvo começou a tombar para o lado. — Ela me salvou, arrastou-me ao banheiro.

— Algum momento naquela noite você se encontrou com Tiago Potter? — forçou tia Hermione.

Alvo fez que não com a cabeça mole.

— Eu não o vi. Desmaiei logo em seguida e acordei na ala hospitalar.

— Com licença — intrometeu-se o mais robusto dos conselheiros. — Posso fazer alguns apontamentos?

— Suponho que sim — disse tia Hermione enquanto relia suas anotações. — A palavra é toda sua, Sr. Macmillan.

— Permita-me, Potter, questionar em qual instante o senhor percebeu com convicção que era Scorpius Malfoy irrompendo de um desses portais. — E cruzou uma das pernas. — Afinal de contas, o senhor descreveu a sala como um lugar escuro, logo imagino que tenha sido um reconhecimento difícil.

Alguns conselheiros anuíram discretamente, ao passo que a Sra. Malfoy se empertigou em seu assento.

— Eu utilizei um feitiço para iluminar o meu campo de visão — respondeu a voz neutra que saía de Alvo. — Consegui reconhecê-lo quando se aproximou de mim.

— De todo o jeito, ele foi enfeitiçado — afirmou o Sr. Macmillan com seriedade. — O senhor presenciou este momento?

Alvo sentiu uma centelha de confiança crescer dentro de si.

— Não, não sabia que ele tinha sido enfeitiçado — contou. — Apenas vi ele correndo na minha direção e me empurrando. Depois, estava se contorcendo no chão.

— Imagino — interveio a Sra. Malfoy, alteando a voz — que suspeite quem tenha enfeitiçado Scorpius, então.

Alvo sentiu o corpo congelar internamente, grato pelo efeito da poção não revelar um semblante nervoso. Não queria pôr os meses de investigação por água abaixo agora. Simplesmente não queria relatar suas hipóteses sobre a Legião Escarlate e todos os envolvidos nesta trama. Mas não tinha, jeito, seus lábios já estavam distantes, a resposta na ponta da língua...

— S...

— Espere um momento — cortou-a uma das conselheiras. — Peço licença para fazer uma ressalva.

— Concedida, Sra. Chang — falou tia Hermione com a fisionomia determinada, em contraste da Sra. Malfoy, que pareceu ter engolido uma concha de bouillabaisse da tia Fleur.

— Obrigado — agradeceu a conselheira. — Bem, apenas imaginei que estivéssemos tratando de fatos aqui, não de teorias ou suspeitas.

Alguns colegas concordaram.

— Deixe ele falar! — protestou um homem de nariz arrebitado. — Precisamos de uma solução, não é? Então do que adianta ficar nessa conversa mole quando podemos ouvir as suspeitas de alguém que este presente na cena do crime?

Todos se voltaram para tia Hermione, que, parecia dividida.

— Bem, professora, eles têm razão, não seria correto, democraticamente falando, impedir que o Sr. Potter nos falasse sobre o que ele acha...

— A questão — interrompeu a Profa. McGonagall — é que nós não estamos aqui para tratar do que o Sr. Potter acha ou não acha. Estamos aqui para uma breve entrevista, um direito que o acusado tem de se defender de uma denúncia. Quer algo mais democrático que isso?

A sala se calou diante das palavras da professora.

— Agora, se o Sr. Potter tem algo a nos dizer, que fale em plenas condições, não sob o efeito de uma poção.

— E é verdade que eles usaram uma moto ilegal durante o verão? — questionou novamente o bruxo de nariz empinado. — E eles foram atrás de um assassino, não? Por que sempre passam o pano para eles?

— Deixe de ser cego, Smith! — ralhou o Sr. Finnigan. — Você está culpando um garoto inocente!

— Não estou culpando — defendeu-se o Sr. Smith. — Apenas quero respostas. Vamos, Potter, conte.

Os Malfoy engrossaram o coro de repúdio a Alvo, retrucados pelo Sr. Thomas. Em instantes, a antes silenciosa câmara se tornou um lugar insuportável de estar, com os conselheiros gesticulando e ofendendo uns aos outros. Para acalmar o alvoroço, a Profa. McGonagall teve de estourar bombinhas de sua varinha.

— Basta! — disse ela com a voz retumbante, erguendo-se de sua cadeira. — Granger, prossiga com o caso.

— Mas, professora... — gaguejou o Sr. Smith.

— Pelo amor de Deus, Smith — resmungou a professora. — Eu não lhe devo nenhuma satisfação de como administro esta escola. Mas se quiser falar sobre o caso em questão, está convidado a fazer perguntas. Sua objeção está indeferida.

Ninguém se manifestou.

— Ótimo — disse tia Hermione, satisfeita. — Acho que temos tudo que precisamos. Obrigado, Alvo.

A cabeça de Alvo pendeu para o ombro e então uma dor excruciante comprimiu-lhe o cérebro. O garoto piscou novamente e tornou a sentir controle do corpo, limpando o fio de baba que escorria do canto de sua boca. Ele se ergueu e cambaleou, mas foi amparado pelas mãos do Prof. Longbottom até a sala onde Tiago o esperava com a mesma expressão débil de quando saíra da câmara.

— Vai dar tudo certo — disse o professor, confiante.

Alvo não soube o que dizer. Era estranho poder falar depois de ter sido manipulado pela Veritaserum. O garoto desabou no sofá ao lado do irmão. Num átimo, o Prof. Longbottom tinha convocado duas xícaras de chocolate quente.

— Não é muito frequente o uso de Veritaserum entre o pessoal do Ministério — comentou o Prof. Longbottom.

Alvo sorveu um gole cálido do chocolate, que desceu maravilhosamente pela sua garganta.

— E por que não? — perguntou Tiago. — Se é a poção da verdade, deveria ser mais usada, então.

O Prof. Longbottom riu da inocência do garoto.

— É, tem razão — concordou. — Mas o que realmente conta é o que a vítima acredita ser verdade. Por exemplo o Malfoy: ele realmente afirmava que vocês o enfeitiçaram, o que, de fato, foi negado hoje.

— Ou seja — concluiu Alvo –, enquanto as respostas do bebedor são sinceras, elas não são totalmente verdadeiras, certo?

— Exatamente — consentiu o Prof. Longbottom.

Tiago bebeu o resto do chocolate, reaparecendo com um bigode espumante.

— Então por que usaram a Veritaserum conosco? — E pousou a xícara na mesinha.

— Porque vocês são jovens. — O Prof. Longbottom sorriu. — Vulneráveis, insuspeitos e, me desculpem o termo, insuficientemente qualificados para se protegerem dela.

Alvo admirou os tênis, ansioso. Sentia o coração bater no pomo-de-adão. Imaginou que a contraprova duraria mais do que aquilo, pois ele não tinha ideia de como os conselheiros tomariam uma decisão com as poucas perguntas e respostas. Afinal de contas, o que poderia dizer a mais? Ele não tinha feito nada a Malfoy. Mesmo assim, Alvo mal conseguia enviar ar aos seus pulmões. Sentia-se realmente, como disse o Prof. Longbottom, vulnerável...

A porta da câmara se escancarou e Alvo inspirou profundamente.

— Os senhores podem me acompanhar? — convidou tia Hermione, indicando a mesma passagem até o centro do local, onde duas cadeiras vazias os aguardavam.

Os rostos dos conselheiros estavam impassíveis a qualquer denúncia do resultado. Umas duas vezes Alvo flagrou o Sr. Malfoy o encarando com amargura, então voltou a admirar os próprios calçados, disposto a manter os olhos ali.

— Bom — tia Hermione olhou para os lados, ansiosa –, o Conselho e a Profa. McGonagall já tomaram uma decisão com base nos testemunhos.

Os lábios da Profa. Minerva crisparam e as suas sobrancelhas contraíram.

— Todos concordamos — continuou tia Hermione — que as imputações contra os senhores Tiago e Alvo Potter são válidas, uma vez apontadas com um exemplar fidedigno do soro da verdade. Contudo, é de se analisar que estas acusações foram negadas através da mesma poção, gerando um desencontro de informações. Portanto, a decisão oficial é de isentar as vítimas e o acusador de quaisquer atos e abrir um inquérito junto ao Departamento de Mistérios para que se averigue o que há de fato na sala em questão. Quanto ao senhor Draco e à senhora Astoria, estamos oferecendo todo tipo de suporte que precisarem para com a saúde de seu filho.

Mas a Sra. Malfoy estava ainda mais furiosa do que no dia em que Alvo a encontrou na Loja de Artigos de Quadribol, a cólera afluindo pelo seu rosto magro. Tia Hermione olhou para a Profa. McGonagall, que se ergueu de ímpeto da escrivaninha e anunciou:

— Caso encerrado.

Alvo sentiu o corpo escorregar um pouco da cadeira. Um a um, os doze conselheiros foram se levantando e saindo da câmara em uma procissão, o som sibilante dos comentários ecoando.

— Draco... — Eles ouviram alguém soluçar. — Draco... e o nosso filho?

Os olhos de Alvo avistaram ao final da fila os Malfoy desolados.

— Vai dar tudo certo — disse o Sr. Malfoy sem convicção. — É um absurdo deixarem alguém como Granger delegar o caso, talvez consigamos recorrer se eu falar com meu pai.

— Não seja ingênuo! — Mais um soluço escapou da Sra. Malfoy. — O Potter, Draco... ele disse que faria de tudo...

O Sr. Malfoy não falou nada antes de cruzar a soleira. Tia Hermione sorriu para Alvo e Tiago, arrumou a sua maleta e se retirou da câmara. Restara somente os garotos e a Profa. McGonagall. Houve um silêncio constrangedor entre eles até Tiago insinuar que se levantaria.

— Potter — interrompeu-o a professora. — Espere um instante. Quero dar uma palavra rápida com os senhores.

Tiago pareceu constrangido e tornou a se sentar, calado. Alvo queria rir da cara do irmão, mas imaginou que a sua estaria infinitamente pior, transbordando medo. Os garotos encararam a Profa. McGonagall, que tinha a boca tão fina quanto uma linha.

— Receio que o que aconteceu hoje foi algo bastante esclarecedor — começou a professora, encarando-os por trás dos óculos. — Mas ainda assim, pelo amor de Deus, fiquem longe de confusões. Independentemente quais forem as causas, procurem de imediato o diretor da Grifinória, ou, se preferirem, a mim.

— Mesmo que um assassino esteja nos terrenos? — retrucou Tiago, desafiador.

A Profa. McGonagall olhou-o com indiferença.

— Pensei que tivesse sido clara. — A professora ergueu uma sobrancelha. — Agora, se você acha engraçado o que tenho a dizer, utilizarei um pouco do vocabulário vulgar: se eu souber que os senhores ousaram quebrar o regulamento da escola mais uma vez, irei providenciar que os dois sejam expulsos, está certo?

Desta vez Tiago permaneceu em silêncio. A professora olhou para os lados e continuou:

— Agora, por que não aproveitam que estão gozando de saúde e liberdade para utilizarem o tempo livre para estudar? — Seus olhos passaram de Tiago e recaíram em Alvo, que estremeceu. — Ou quem sabe treinar quadribol? Soube que o jogo contra a Lufa-Lufa é no próximo dia três, hum?

Um sorriso se formou no rosto de Alvo, que sentiu um peso enorme desabar dos ombros.

— Como diretora não posso demonstrar nenhum favoritismo em relação ao campeonato — enfatizou a Profa. McGonagall. — Embora eu fico imaginando que o Prof. Longbottom fique lisonjeado em colocar mais uma taça de quadribol depois de tanto tempo em sua sala.

Com esta nota implícita de sua torcida à Grifinória, a professora saiu da câmara, os garotos indo logo em seguida na direção do Prof. Longbottom, que não conseguia esconder o seu entusiasmo.

— Conseguiram! — exclamou, dando uma palmada nas costas deles. — Eu sabia! Eu sabia que ia dar tudo certo. Eles não tinham como culpá-los...

Como já estavam no final do último tempo antes do almoço, o professor achou melhor que os meninos fossem diretos para o Salão Principal. Pessoalmente, Alvo achou melhor assim, afinal de contas, seria difícil entrar no meio da aula sem que maiores explicações fossem exigidas pelos colegas. E ele não queria ser o centro das atenções.

Não passou muito tempo depois de se sentarem à mesa da Grifinória e o habitual zumzum de estudantes adentrando o salão foi enchendo os seus ouvidos. Alvo apanhou os seus talheres e ficou contemplando esperançoso o seu prato, evitando a todo custo olhar para os alunos que iam preenchendo as cadeiras vazias. Os terceiranistas mal tinham chegado e foram assediar Tiago, que narrou-lhes o depoimento tão fantasticamente que Alvo chegou a inalar acidentalmente o seu suco de abóbora pelo nariz quando riu.

Tirando o rosto do cálice, ainda molhado e tossindo, Alvo escutou um grito agudo que fez sua animação se elevar: Rose, Wayne e Chloe vinham em sua direção, eufóricos.

— Ei, você não é da Grifinória! — chiou Anne Marie, apoiada pelas gêmeas Goshawk, quando Chloe se sentou perto de Alvo.

— Bem notado — Chloe respondeu com frieza. Virou-se para Alvo. — Então, dorcas, como foi a contraprova?

— Fui inocentado... — disse Alvo com displicência.

Chloe revirou os olhos.

— Caramba, esses grifinórios são realmente tapados. Está meio claro que você não foi expulso, não é?

Alvo, um pouco mal-humorado, mas acostumado com a falta de modos da amiga, contou a eles o que aconteceu, todos ouvindo atentamente.

— Você teve muita sorte — sussurrou Rose, fazendo Alvo estacar o purê de nabos no meio do caminho à boca.

— Sorte? — Alvo repetiu indignado. — Rose, eu não fiz nada.

— Eu sei — disse Rose na defensiva. — Eu quero dizer que foi muita sorte que não lhe questionaram se você sabia o que aconteceu com o Malfoy quando estava sob efeito da poção.

Alvo, para não prosseguir o assunto, mastigou demoradamente o seu purê.

— E você também não falou nada sobre o Godunov, não é? — indagou Wayne enquanto empilhava ketchup em suas salsichas.

— Ãh... não, acho que não...

— Pois deveria — disse Wayne com firmeza.

Alvo deu de ombros.

— Isso não é tão relevante, talvez eu estivesse delirando.

— E desde quando você começou a pensar nisso? — perguntou Rose, limpando o canto dos lábios com um guardanapo de papel.

Alvo bebeu o resto do suco de abóbora e respondeu:

— Desde quando a Profa. McGonagall disse que se eu me metesse em mais uma confusão, seria expulso.

O resto do dia foi certamente entediante para Alvo, que recontou pelo menos uma dezena de vezes sobre a contraprova aos colegas que o paravam nas escadarias, ou nos corredores durante a troca de classe. O único momento, Alvo ficou satisfeito por isso, que ele não precisou falar nada sobre o assunto, aconteceu no treino da noite, onde os companheiros de time apenas os cumprimentaram com contentamento. As sessões de treinamento tinham ficado extremamente acirradas, ainda mais com a vitória da Corvinal contra a Lufa-Lufa por duzentos a trinta, que reacendeu uma chama de confiança em Sean.

— Precisamos ganhar no sábado — dizia constantemente o capitão antes dos treinos.

— Eu nem quero ver a cara dele se a gente perder — comentou Alaric, calçando as luvas.

— Nem me fale... — gemeu Carl. — Bom, mas agora temos o Alvo, que é bem melhor do que o Dencourt.

Alvo forçou um sorriso, inspirando várias vezes. Ele andava sonhando muito com o seu jogo de estreia, embora desejasse que ele demorasse mais agora que estava tão perto. Tiago fazia questão de enfatizar que, se ele não apanhasse o pomo, a Grifinória não teria chances de vencer a taça de quadribol — uma honraria que não experimentava há duas décadas.

— Você precisa relaxar — afirmava Rose, quase todos os dias. — É o jogador mais novo da equipe, não vão jogar toda a culpa em você.

Alvo parou de chofre nos degraus da saída do saguão de entrada.

— Rose, você não está entendendo. — Alvo começou a descer os degraus, penetrando os jardins escuros do castelo, o vento batendo forte contra eles. — Eu sou o mais novo a jogar desde que meu pai entrou. O que você acha que esperam de mim? E mais, se eu não capturar aquela droga daquele pomo, serei o aluno mais odiado da escola.

— Besteira, Alvo! — tranquilizou-o Wayne. — Rose tem razão, você tem que relaxar. Vamos aproveitar o nosso tempo livre para...

— Ora, ora, Potter — disse uma voz arrastada. Os três amigos se viraram e deram com Scorpius Malfoy, Nolan Goyle, Alícia Crawford e Velma Montague. Todos seguravam uma revista rosa que brilhava contra o sol. — Parece amedrontado. Será por causa do jogo de amanhã ou por que está fugindo da verdade?

Alvo entreolhou os amigos.

— Do que você está falando? — perguntou, estreitando os olhos.

Em resposta, Malfoy jogou a revista na sua direção. Ele a agarrou e, à primeira vista, era apenas mais uma edição d’A Garota dos Segredos; contudo, quando ele prestou mais atenção na capa, seu queixo quase caiu de espanto. Em letras garrafais, a manchete: ENTREVISTA EXCLUSIVA COM SCORPIUS MALFOY E A VERDADE SOBRE OS POTTER. CONFIRA NA PÁGINA 21.

Alvo abriu a revista e começou a folheá-la, com imensas náuseas. Tinha todo tipo de inutilidade: Fofocas, Casais, Solteiros Cobiçados, Horóscopo Bruxo, Rei e Rainha de Hogwarts, Gato ou Trasgo, Moda, Recados... Até que finalmente ele chegou em uma página que estava praticamente tomada por uma imagem de Scorpius Malfoy com uma auréola desenhada sobre a cabeça e uma de Alvo e Tiago com chifres e sobrancelhas franzidas em caras de mau.

Rose riu bruscamente.

— Você só pode estar brincando, não é? — E atirou a revista de volta ao grupo de sonserinos. — É patético, Malfoy, a sua tentativa de fazer com que Alvo seja expulso. Acha mesmo que alguém vai acreditar nesse monte de estrume em uma revistinha adolescente?

Malfoy sorriu maliciosamente.

— Qualquer um que queira saber a verdade vai, Weasley — disse, seguido de concordâncias dos amigos. — Eu sei como deve estar sendo difícil lidar com o receio de seus primos serem dois... hum... mentirosos manipuladores.

Alvo apertou o punho, mas foi contido por Wayne. Os olhos cinzas de Scorpius brilharam.

— Achei que estivesse doente, Malfoy — provocou Wayne. — Ou será que você só fica valente perto dos seus amiguinhos?

— Pelo menos nenhum de nós estamos aqui pela fama, não é mesmo, Eviecraddle? — rebateu Alícia. — Veja só você, se arrastando atrás do Potter. Deve estar esperando cair algumas moedas para você afanar?

Wayne crispou os lábios e o sangue afluiu pela sua face. Os sonserinos riram.

— Ah, cale a boca! — Rose apontava sua varinha para Alícia. — Se disserem mais alguma coisa, eu azaro vocês todos.

Malfoy olhou para Rose e iniciou um coro de risos.

— Ai, ai, ai, Weasley, como você é ameaçadora — zombou Scorpius. — O que vai fazer? Puxar o saco de algum professor? Pft!

— E por falar em professor — disse Alvo com um sorriso triunfante –, soube que você tem desrespeitado o Prof. Godunov, hein?

Scorpius tartamudeou e puxou sua varinha também, assim como seus colegas. Alvo e Wayne não ficaram para trás. Os que começavam a irromper para os jardins encaravam a cena com um ar auspicioso de que houvesse algum duelo.

— Sabe, Potter, esse seu mau gênio ainda vai lhe causar problemas um dia desses — disse Malfoy. — Eu aconselharia você e seus amigos irem embora.

Alvo comprimiu tanto o punho que os nós dos dedos ficaram brancos. Estava doido para utilizar algum feitiço contra Scorpius, mas o que ele fez foi abaixar a varinha e guardá-la nas vestes, o sangue palpitando. Malfoy gargalhou com seus amigos.

— Fez muito bem. — E guardou também a sua. Sua voz estava carregada de ironia. — Virando as costas e indo embora, como um digno filho de Harry Potter. Nem sei como você se aguenta...

Levicorpus! — gritaram atrás de Alvo. Num segundo depois, um lampejo cruzou o ar e quando os garotos foram ver, Scorpius e Nolan Goyle estavam pendurados no ar pelo tornozelo, as vestes ao avesso, as varinhas no chão. Velma e Alícia saíram de perto. A aglomeração em volta começou a rir e aplaudir. Rose olhou escandalizada, as mãos comprimindo o peito, a passagem de Tiago, Carl e Alaric, as varinhas apontadas para os garotos com uma expressão de diversão.

— Parece que você tinha razão — disse Tiago, encarando a cena de Malfoy lutando para manter as vestes cobrindo a cueca, com um sorriso largo. — Esse seu mau gênio realmente lhe causou um baita problema, colega.

— Ei, Tiago, olhe aquele ali — chamou Carl. — Tem os braços tão largos que nem consegue tocar a cabeça.

As pessoas em volta começaram a aumentar o coro de gargalhadas, outras mostravam angústia. Malfoy pestanejou e despejou um jorro de palavrões contra eles enquanto Goyle gritava desesperado.

— Mau jeito, Malfoy — desaprovou Alaric. — Você precisa de modos. Travalingua!

Houve mais um lampejo e Malfoy começou a gritar ininteligivelmente, pois, como Alvo sabia, a azaração fizera com que a língua do garoto ficasse presa no céu da boca. No meio do mar de risos, Alícia e Velma voltaram correndo, acompanhadas por um garoto alto, pálido, cabelos escuros e bem apessoado, o distintivo de monitor preso no peito.

— Viu? — gritou Alícia, apontando para Malfoy e Goyle pendurados.

O monitor inspirou entediado, claramente arrependido de ter aceito o cargo. Falou com autoridade:

— Potter, coloque-os no chão. Agora.

— Ah, qual é, Bletchley — resmungou Tiago. Num instante, Malfoy e Goyle caíram de borco no chão. — Desde quando é proibido se divertir neste país? Achei que fosse livre.

Bletchley, o monitor, meneou a cabeça.

— Vou ter que reportar. — Ao fundo era possível ouvir as lamúrias de Goyle. — Vejamos... menos cinco pontos para a Grifinória de cada um dos três pelas azarações e, hum... menos cinco pontos pela sua gracinha, Potter.

Os alunos da Grifinória em volta começaram a protestar.

— Querem perder mais algum ponto? — gritou Bletchley. Todos se calaram. — Ótimo, então podem continuar seus caminhos.

Assim que Bletchley e os outros sonserinos saíram do campo de visão deles, Tiago reclamou com os amigos.

— Quem se importa com pontos? — E então começou a andar ereto e a falar formalmente. — Olhem, eu sou monitor, vou descontar cinquenta pontos de vocês, ha, ha, ha!

Alaric e Carl riram. Tiago se virou para o irmão.

 — Bem, Al, você teve uma aula do que fazer da próxima vez — disse com frieza. — Idiota, nunca deixe ninguém zombar da nossa família, ouviu?

Alvo encarou o irmão, irritado. Sem saber o que retrucar, deu as costas e saiu na direção oposta, caminhando fugaz até a cabana de Hagrid. Rose e Wayne tiveram que correr para alcançá-lo.

— Alvo, espere! — gritou Wayne, finalmente encostando ao chegarem no canteiro de abóboras de Hagrid. — Não dê atenção ao Tiago, ele só está aborrecido.

— Eu não estou nem aí para ele — disse Alvo com firmeza. — Vou me desculpar com Rúbeo.

Rose olhou preocupada para Wayne. Eles estacionaram de frente à porta da cabana e bateram nela. No momento seguinte, a porta foi escancarada por um Hagrid muito mais bem cuidado do que quando estava tratando de Belo. Não haviam mais sinais tão profusos de arranhões e os pedaços sem cabelo e barba começavam a crescer. Apesar de vestir um avental florido, parecia decididamente assustador. Noel veio latindo embaixo das pernas maciças do dono.

— Resolveram aparecer, hum? — rosnou Hagrid. — O que estão fazendo aqui? Vieram libertar mais alguma criatura minha?

— Nós... hã... eu te devo uma explicação... — balbuciou Alvo, sem olhar diretamente nos olhinhos de besouro de Hagrid.

— Uma explicação? — Hagrid bufou. — Tá. Tá bem, entrem logo.

Com um resmungo, ele deu passagem para as crianças entrarem, Noel dando latidos de estourarem os tímpanos, pulando nas pernas deles.

— Bem, Hagrid — começou Alvo enquanto se sentava à enorme mesa de madeira –, primeiro eu queria te pedir desculpas pelo o que aconteceu...

— Desculpas? — Hagrid deu mais uma bufada, desta vez em cima de uns bolinhos duros. Alvo jurou ter visto algumas melecas voarem neles. — É, sei.

— É sério — jurou Alvo. — Quando você saiu, eu ouvi alguém indo para a Floresta Proibida. Era o Prof. Godunov e Malfoy.

Hagrid pareceu confuso quando botou o prato com bolinhos na mesa. Wayne mergulhou a mão para pegar um, mas Alvo sacudiu a cabeça desesperadamente ao amigo, lembrando-se das melecas.

— O Prof. Godunov com Malfoy? — repetiu Hagrid. — E o que eles faziam na Floresta Proibida numa noite daquelas?

— Eles estavam tendo uma conversa bem estranha — contou Alvo, rememorando o que acontecera na noite do baile e fazendo questão de opinar sobre o partido deles.

Hagrid não se convenceu.

— Besteira, Alvo — replicou. — Um professor como o Godunov, que está há anos lecionando... duvido que ele esteja relacionado com qualquer assunto das Trevas. Godunov esteve do nosso lado quando invadiram Hogwarts. Pode não ser um homem muito cabeça no lugar, mas ele é tão mau quanto vocês.

— E como tem certeza? — inquiriu Wayne.

— Bem... a Profa. McGonagall confia nele, não é mesmo? — Hagrid comeu um bolinho e Alvo sentiu o estômago embrulhar.

— Mas a Profa. McGonagall também confiava no último que ajudou a Legião Escarlate a entrar — respondeu Alvo.

— Aquilo foi diferente — disse Hagrid. — Todos acham que foi um professor, mas ninguém tem certeza.

Novamente os pensamentos de Alvo viajaram até Boxe. Há quanto tempo ele protelava o momento em que iria atrás do elfo em busca de mais explicações sobre Impavidum?

De repente Hagrid se tornou rabugento mais uma vez.

 — Ainda assim, por que não voltou para a minha cabana?

— Eu esqueci, Hagrid — respondeu Alvo com sinceridade. — Estive com medo de ser descoberto se voltasse para lá, então fui direto ao Salão Principal contar o que vi a Wayne e Rose.

Hagrid não falou mais nada, tampouco.

— Agora, e quanto a você? — rebateu Rose. — Anda realizando muitos serviços secretos, não? O que você está aprontando com Copperfield?

Hagrid começou a ruborizar por trás dos pelos.

— Bem, eu... eh... cuidei de algumas coisas, apenas...

— Ah, Hagrid, vamos, talvez você não queira nos dizer, mas não podemos negar que é a pessoa que mais sabe das coisas por aqui — disse Rose calorosamente. — Nós não estamos indo atrás de nenhum assassino, apenas queremos saber o que é aquela Sala de Espelhos.

O peito de Hagrid estufou com as palavras da garota. Alvo achou que ele fosse chorar.

— Bom, certo, acho que não faz mal dizer isso. A Sala de Espelhos está guardando algo muito importante para o Ministério da Magia, por isso o Sr. Copperfield estava em Hogwarts. Ele pediu para que eu cuidasse do Belo e agora vai transformar ele em um protetor da sala, algo do gênero.

— E como entra nela? — perguntou Alvo, ansioso.

Hagrid hesitou por um instante, seus olhos profundamente negros encarando-o com desconfiança.

— Espero que vocês não estejam pensando em entrar lá.

Os três fizeram que não com a cabeça veementemente.

— Olhem, eu não sei como entrar lá, mas quem tentar, com certeza não terá vida fácil. A Profa. McGonagall se encarregou pessoalmente de enfeitiçar a sala e ainda contou com a ajuda dos outros professores. Ah, sim, e também tem um guardião que esconde a entrada.

— E por acaso a sala está ocultando aquilo que Hotwan não conseguiu ao tentar arrombar o Gringotes? — perguntou Rose, a fim de corroborar sua teoria.

Hagrid não se deixou levar na empolgação.

— Isto é segredo, seus espertinhos. — De repente o seu tom se converteu em seriedade. — Estou falando sério, não tentem entrar naquela sala. Seja lá o que estiver guardado, quem tentar roubar encontrará um destino pior do que a morte, se querem saber.

As orelhas de Rose ficaram vermelhas.


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