E se fosse diferente? - Peeta e Katniss escrita por MaryG


Capítulo 3
De Um Jeito Ou De Outro (Parte 2).


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! Finalmente estou vindo postar a parte 2 de "De Um Jeito Ou De Outro".
Primeiramente, eu gostaria de agradecer a todos que deixaram um comentário na primeira parte. Sério, gente, eu fiquei muito contente de ver que vocês sentiram a minha falta, e que querem continuar me acompanhando por aqui. :D
Depois de um ano e meio sem postar nenhuma história, eu não sabia como seria a recepção aqui. Então foi uma agradável surpresa ver que ainda tem gente querendo acompanhar o que escrevo.

Em segundo lugar, eu gostaria de pedir desculpas pela demora. Eu realmente gostaria de ter postado antes, mas o maldito bloqueio de escrita me atacou mais uma vez.
Como alguns de vocês já sabem, essa não é a primeira vez que eu abordo a reaproximação de Peeta e Katniss depois do telessequestro e da guerra. Eu já fiz isso antes, em "Amor Real". E embora a situação ali fosse um pouco diferente, eu tive receio de que essa nova história ficasse muito parecida com a outra. E isso atrapalhou um pouco o meu processo de escrita.
Além disso, teve também a questão de eu não poder me estender muito, pelo fato de a história ser curta. O que também acabou me atrapalhando.

Mas agora eu já consegui concluir a história, e espero muito que vocês gostem. :)

Boa leitura!



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Depois de eu tomar o meu café da manhã, eu vou para o sofá e acabo pegando no sono de novo. Um terrível pesadelo se segue. Eu estou deitada numa cova bem funda e os mortos da revolução jogam uma pá de cinzas em cima de mim, me enterrando cada vez mais fundo. Eu tento gritar, imploro para que eles parem, mas as cinzas enchem a minha boca e eu não consigo emitir nenhum som. E a pá continua cavando...

Acordo sobressaltada. Quando vejo o cenário da sala de estar da minha casa, sei que estive sonhando. Mas o barulho da escavação da pá continua, e parece vir lá de fora. Temendo estar tendo uma alucinação, eu me levanto do sofá, abro a porta e me encaminho até a parte lateral da minha casa, de onde o som parece estar vindo.

Quando vejo Peeta à minha frente, eu mal posso acreditar.

O rosto dele está vermelho pelo esforço de escavar a terra e, atrás dele, há um carrinho de mão com cinco arbustos. A imagem à minha frente parece surreal demais. E, por um momento, eu penso que realmente estou tendo uma alucinação.

— Você voltou? – pergunto, tentando me certificar de que o que eu estou vendo não é uma criação da minha mente.

Peeta para o que está fazendo e levanta o olhar para mim.

— Sim. O doutor Aurelius só me deixou sair da Capital ontem. A propósito, ele me pediu para passar o número dele para você. Disse que não pode fingir que está te tratando para sempre. Uma hora você vai ter que falar com ele.

Não se trata de uma alucinação, então. Peeta realmente está aqui, na minha frente. Não foi preciso eu que eu procurasse por ele. Ele mesmo voltou.

Ignorando as emoções que já começam a se agitar dentro de mim, eu o observo. Busco algum sinal do garoto insano com que me deparei em vários momentos nos últimos meses, mas não encontro nenhum. Há cicatrizes de queimadura em algumas partes de seu corpo, mas os seus olhos azuis perderam aquela aparência nublada, torturada.

Ele parece bem, afinal.

Quando percebo que ele está me encarando com as sobrancelhas franzidas, eu paro minha “análise”.

— O que você está fazendo? – pergunto, ligeiramente envergonhada.

— Eu fui até a floresta agora de manhã e colhi isso aqui. Para ela – diz ele. – E pensei que a gente podia plantá-las ao longo da lateral da sua casa.

Olho para as plantas, para os bolos de terra suspensos nas raízes,  e percebo que ele está plantando algum tipo de flor. Uma rosa, mas não qualquer rosa. É uma prímula noturna, flor que inspirou o nome da minha irmã.

Quando me dou conta do que Peeta está tentando fazer, e do que isso representa, uma emoção tão grande toma conta de mim que eu acabo fazendo algo totalmente impensado: Eu me aproximo dele e o abraço bem forte.

A princípio, ele não retribui o meu abraço. E eu, por um momento, penso que fiz algo completamente inadequado e perigoso e me amaldiçoo mentalmente por minha estupidez. Quando sinto os seus braços circundando o meu corpo e suas mãos me afagando com carinho, porém, eu sei que ele estava apenas surpreso, e que eu não fiz nada de errado.

E então eu estou ali, nos braços de Peeta, sentindo novamente o conforto que eu tantas vezes achei que havia perdido para sempre. Que eu tantas vezes achei que nunca mais poderia sentir. A sensação é tão arrebatadora que lágrimas me sobem aos olhos. E, quando eu dou por mim, já estou chorando.

Peeta parece perceber que eu estou chorando, pois me aperta mais forte em seus braços e acaricia levemente os meus cabelos. E eu me perco nesse abraço, me sentindo completamente alheia ao mundo e a qualquer perigo que eu possa estar correndo ao ficar assim, tão perto dele. Sei que não serei a primeira a romper esse abraço, e, de fato, eu não sou.

Depois de algum tempo que eu não sei exatamente precisar, Peeta me solta. Por um momento, eu me sinto rejeitada. Mas esse sentimento só dura até eu ver uma expressão de genuína preocupação no rosto dele.

— Você está melhor? – pergunta ele.

— Estou – digo, enxugando os rastros de lágrimas no meu rosto.

— Vai ficar tudo bem, Katniss – diz ele, com uma doçura na voz que me remete ao antigo Peeta. – E, bem...

Ele lança seu olhar para o chão, parecendo receoso de continuar a frase.

— O que foi? – questiono.

Ele volta a olhar para mim.

— Bem, eu ainda estou me recuperando, mas se você precisar de um amigo, eu estou aqui.

A palavra “amigo” me causa um estranho sentimento de contrariedade na boca do estômago, mas, apesar disso, eu me sinto grata.

— Obrigada – digo.

Peeta assente com a cabeça e dá um leve sorriso.

Depois nós ficamos um tempo lá parados, um silêncio incômodo pairando entre nós. Sou eu que o quebro.

— Bem, eu... Eu vou entrar agora. A gente se vê, Peeta.

Ele balança a cabeça para mim, mas antes que ele diga qualquer coisa, eu me viro e saio de onde estou.

***

Pelo resto do dia, eu não vejo Peeta outra vez. Mas ele fica presente em meus pensamentos durante boa parte do tempo. Eu tento me ocupar. À tarde, eu chego até a ir caçar, algo que eu não fazia sozinha desde que voltei ao 12. Mas mesmo eu estando ocupada, vez ou outra a minha mente volta para Peeta, e para o momento em que nos abraçamos hoje mais cedo, tentando dar um significado a isso tudo.

No meio da noite, quando eu acordo desesperada com um pesadelo, mais uma vez eu penso nele, e mais uma vez desejo que ele estivesse aqui, na minha cama, me abraçando. Me confortando da forma que só ele sabe. Mas, por alguma razão, eu sinto que não tenho o direito de lhe pedir isso.

***

No dia seguinte, Peeta aparece junto com Greasy Sae na hora do café da manhã. Em suas mãos, há uma cesta com pães fresquinhos que ele mesmo deve ter feito. Ele me deseja bom dia e coloca a cesta sobre a mesa. Depois, ele se senta no lado oposto ao meu na mesa e nós ficamos esperando Greasy Sae terminar de preparar o nosso café da manhã.

Nós não conversamos muito, mas eu tento agir com alguma naturalidade, apesar da inquietante sensação que a presença dele está causando em mim. Quando ele termina de comer, ele me entrega um papelzinho com o número do telefone do Dr. Aurelius.

— Ligue para ele assim que puder, ok? – diz ele, se levantando da mesa e pegando a cesta em cima dela.

Eu assinto com a cabeça.

— Bem, agora eu vou indo. Preciso levar pão para Haymitch e para o pessoal da Aldeia. A gente se vê, Katniss.

Antes que eu possa dizer qualquer coisa em resposta, ele se vira e vai embora.

***

À tarde, após um bom tempo de indecisão, eu finalmente telefono para o Dr. Aurelius. Apesar da resistência que eu vinha criando quanto a falar com ele, a nossa conversa é boa. E eu acabo tendo uma ideia que o doutor não só aprova como também promete me ajudar a executar.

Na manhã seguinte, quando Peeta aparece para o café da manhã, eu falo com ele sobre a minha ideia: Um livro de memórias dos nossos amigos e familiares que morreram nos Jogos e na guerra. Pergunto se ele quer me ajudar com isso, da mesma forma que ele me ajudou com o livro de plantas. E ele aceita, achando a ideia ótima.

Dois dias depois, os pergaminhos que o doutor Aurelius havia me prometido chegam à estação. E, naquele mesmo dia, eu e Peeta iniciamos o nosso trabalho. A ideia é começar cada página com uma imagem da pessoa. Uma foto, se possível conseguir uma, ou um desenho de Peeta. Começo por Prim e meu pai, dos quais achei foto facilmente. Embaixo de cada foto, faço anotações de detalhes que jamais poderei esquecer.

Enquanto isso, Peeta começa a desenhar seu pai. Peeta chora. Eu choro. Nós paramos o que estamos fazendo, nos levantamos e nos abraçamos. Depois, quando estamos nos sentindo mais confortados, nós nos sentamos novamente e voltamos ao trabalho.

Quando encerramos as atividades do primeiro dia, eu sinto uma enorme vontade de pedir a Peeta que fique para jantar comigo. Mas antes que eu decida se devo ou não fazer o convite, ele diz que ficou de levar pão para algumas pessoas e sai da minha casa.

No dia seguinte, Peeta toma café da manhã comigo mais uma vez, e, à tarde, nós trabalhamos no livro. Nos dias que se seguem, isso vai se repetindo até que se torne uma rotina. No início, nós não conversamos muito. Mas, aos poucos, nós vamos ficando mais à vontade um com o outro e a conversa começa a fluir naturalmente.

Nossos encontros, a princípio envoltos por silêncios desconfortáveis, começam a ficar envoltos por conversas sobre os mais variados assuntos. Falamos sobre nosso dia-a-dia, sobre as memórias perdidas e, eventualmente, sobre nossas perdas.

— Eu sinto tanto a falta da minha irmãzinha, Peeta. Tanto – digo certa vez, finalmente me permitindo colocar em palavras a dor que eu vinha sentindo por todo esse tempo.

— Eu entendo – diz Peeta, compreensivo. Ele pega minhas mãos e coloca entre as dele, num gesto de conforto. – Eu também sinto muita falta da minha família. Isso tudo é muito injusto, e doloroso. Mas nós temos que tentar seguir em frente. Temos que buscar viver da melhor forma, para que a morte de nenhum deles tenha sido em vão.

— É verdade – digo, com lágrimas nos olhos.

— O tempo vai aliviar a nossa dor, Katniss. Você vai ver – diz ele. Seus olhos estão marejados, mas sua voz transmite uma firmeza que me faz acreditar piamente nele. Ainda que por um momento.

Eu começo a sentir que o antigo Peeta está de volta, e, sem que eu possa evitar, o meu coração começa a se encher de esperanças de que o meu garoto com o pão está voltando para mim. E de que nós poderemos recomeçar nossa história de onde paramos.

Até que numa tarde, enquanto estamos trabalhando no livro, acontece algo que me mostra que eu estava errada: Peeta tem um flashback. Desesperado com as memórias alteradas atormentando sua mente, ele agarra as costas de uma cadeira do escritório e se segura firme. Eu me aproximo dele para tentar ajudá-lo, mas ele grita:

— Saia daqui, Katniss!

— Peeta, eu...

— Saia! E se tranque!

Sabendo que não adianta insistir, eu saio do escritório e subo para o meu quarto, trancando a porta atrás de mim em seguida. Sentindo o meu coração na mão, eu espero pelo que parece um bom tempo. Depois, eu desço para ver como estão as coisas.

Quando chego ao escritório, Peeta não está mais lá. Em cima da escrivaninha, eu encontro um bilhete com a caligrafia dele:

Katniss, eu fui para casa. Não é seguro você ficar perto de mim agora. Me desculpe.

— Peeta

Assim que termino de ler o bilhete, eu sou acometida por um horrível sentimento de decepção. Como eu pude ser ingênua a ponto de achar que tudo estava bem e que Peeta voltaria para mim? Ele foi telessequestrado, e especificamente para me odiar.

“Foi apenas uma crise. Ele vai ficar bem”, uma voz diz na minha consciência. Não sei se acredito muito nisso, mas ainda assim eu me agarro a essa ideia, recusando-me a perder as esperanças.

***

Na manhã seguinte, Peeta não aparece na hora do café da manhã, e eu não posso evitar a nova onda de decepção que me invade. Pergunto a Greasy Sae onde ele está, e ela diz que não o viu hoje. “Talvez ele apareça à tarde, na hora de trabalharmos no livro”, penso, mas, no fundo, eu sei que isso não é muito provável.

À tarde, como era de se esperar, ele também não aparece. Eu decido ir até a casa dele, mas quando eu toco a campainha, ele não me atende. Eu insisto, mas continuo sem obter resposta. Com a sensação de decepção e frustração atingindo o que parece ser o nível máximo, eu volto para casa às pressas e me deixo cair no sofá. E então eu choro.

Choro pelo que parece um bom tempo. Choro até sentir que não tenho mais forças para chorar. E depois, como se o meu corpo estivesse esgotado, eu pego no sono e só acordo quando Greasy Sae chega para o jantar.

***

No dia seguinte, Peeta também não aparece. Eu penso em ir à casa dele novamente. Penso também em ir à casa de Haymitch, para perguntar se ele passou lá hoje. Mas acabo não fazendo nada. Passo o dia em casa, me sentindo triste e desanimada.

À noite, depois do jantar, eu me deito no sofá e, mesmo com a luz acesa, eu acabo pegando no sono. Um terrível pesadelo se segue. Eu estou andando numa mata escura e começo a ouvir vozes gritando o meu nome. Corro na direção dessas vozes e me deparo com a cena de bestantes atacando várias pessoas. Mas não são quaisquer pessoas. São Prim, Finnick, Rue, Cinna e muitos outros. Desesperada, eu corro até eles para tentar salvá-los, até que percebo que não tenho meu arco e flecha. E então um bestante me ataca. Eu grito, esperneio, mas é inútil. É o meu fim.

Acordo desesperada, gritando a plenos pulmões. A luz do ambiente ofusca a minha visão, e, antes que eu consiga registrar adequadamente a realidade ao meu redor, eu sinto um par de braços me envolver de forma protetora.

Por um breve momento, eu fico confusa, sem entender de quem se trata. Quando eu sinto um suave e adocicado aroma de canela e baunilha, porém, eu sei exatamente quem é a pessoa que veio me confortar.

E então eu choro. Não só pelo pesadelo, mas também pela emoção de ter esses braços me confortando de um pesadelo depois de tanto tempo. Esses braços, que foram o meu único refúgio contra o mundo por tantas e tantas vezes. Esses braços, onde eu me sinto segura como em nenhum outro lugar.

— Shii. Está tudo bem, Katniss – Peeta diz no meu ouvido, com doçura. – Foi só um pesadelo. Eu estou aqui, com você.

Eu começo a soluçar, e ele me abraça ainda mais forte. Somente quando eu já estou mais calma, ele me solta. Eu me ajeito no sofá e enxugo as minhas lágrimas. Em seguida, olho para ele, que está sentado ao meu lado. Há uma expressão de preocupação em seu rosto.

— Você quer falar sobre isso? – pergunta ele, me fazendo lembrar dos velhos tempos.

Mas eu não respondo à sua pergunta. Agora, que a emoção de tê-lo aqui passou um pouco, eu lembro que há coisas que eu preciso saber antes de qualquer coisa.

— Por que você sumiu? – pergunto. – Eu fiquei te esperando. Até fui na sua casa, e você não me atendeu.

Ele abaixa a cabeça, visivelmente envergonhado.

— Me perdoe, Katniss. Depois daquela crise, eu tive muito medo de te fazer algum mal. Por isso eu me afastei. Pensei que você soubesse.

— Eu senti a sua falta – deixo escapar.

Por um momento, eu me arrependo de ter dito isso e abaixo a cabeça, envergonhada. Até que Peeta fala:

— Eu também senti a sua falta.

Ao ouvir isso, eu levanto a cabeça e vejo que Peeta voltou a olhar para mim.

— Mas eu tive medo – continua ele. – Eu nunca me perdoaria se te fizesse algum mal. Mas hoje eu conversei com o doutor Aurelius pelo telefone e fiquei me sentindo mais confiante. Eu ia te procurar amanhã, mas aí eu ouvi... bem, você sofrendo com os pesadelos, e senti que devia vir aqui. Como a porta estava destrancada, eu entrei.

— Obrigada por ter vindo – digo.

— Não há de quê – diz ele, dando um leve sorriso. – Bem, acho que agora é melhor eu ir. Já está ficando tarde e v...

— Peeta – interrompo-o. Eu pego as mãos dele e as seguro entre as minhas, numa tentativa de impedi-lo de ir embora.

Ele franze a testa, parecendo confuso com a minha atitude.

— Fique comigo – peço.

Ele morde o lábio, parecendo tenso com o meu pedido.

— Katniss, eu não sei se é seguro...

— Você conseguiu se controlar da última vez. Eu confio em você – digo a ele.

— Você tem certeza? – pergunta ele, parecendo inseguro.

Eu assinto com a cabeça.

— Fique comigo – peço outra vez.

— Sempre.

E ele fica.

Naquela noite, quando eu vou para a minha cama, não tenho que enfrentar nenhuma solidão. Peeta está comigo, me abraçando da forma que só ele sabe. Sentindo o meu coração aquecido de conforto e proteção, eu enfim me entrego ao sono. Dessa vez, sem pesadelos.

Quando eu abro os olhos, os raios do sol já estão invadindo o meu quarto. Olho para baixo e vejo que o braço que estava circundando a minha cintura na noite anterior permanece ali, no mesmo lugar. Peeta continua aqui comigo, afinal.

Com um sorriso nos lábios, eu me desvencilho dele delicadamente e me viro para olhar para ele. Ele continua dormindo, parecendo indiferente à claridade do quarto. Eu poderia acordá-lo, mas, em vez disso, eu fico observando cada detalhe do rosto dele.

Em certo momento, ele abre os olhos tão subitamente que eu levo um susto, como se tivesse sido pega espionando-o. O que eu talvez estivesse mesmo fazendo.

— Bom dia – diz ele, dando um leve sorriso. – Sem pesadelos?

— Sem pesadelos. E você?

— Também. Fazia tempo que eu não dormia tão bem.

Ele se senta na cama e eu o imito.

— Nossa! Eu perdi a hora! – exclama ele, depois de olhar o relógio na mesa de cabeceira. – Katniss, eu tenho que ir em casa para fazer pão e tomar um banho. Mas eu volto para tomar café da manhã com você.

Ele me dá um beijo no rosto e em seguida se levanta da cama e vai embora. E eu fico lá parada por algum tempo, minha mão pousada sobre o meu rosto.

***

Cumprindo sua promessa, Peeta volta para tomar café da manhã comigo. À tarde, nós trabalhamos no livro. À noite, ele me faz companhia na hora do jantar e depois dorme comigo mais uma vez. Nos dias que se seguem, isso se torna rotina, e nós vamos nos reaproximando cada vez mais.

Certa noite, após o jantar, ele tem novamente um flashback. Mas, dessa vez, eu não obedeço ao seu pedido de me afastar. Eu me aproximo dele e lhe dou um beijo, exatamente como fiz no meio daquela missão na Capital. A princípio, ele estremece um pouco. Mas depois de não muito tempo, ele parece voltar ao normal.

— Você está melhor? – pergunto a ele, acariciando de leve o seu rosto.

— Estou – diz ele, parecendo um pouco confuso. Ele se levanta da cadeira e olha para mim. – Mas eu não sei se é uma boa ideia eu dormir aqui hoje e...

— Não tem problema nenhum – eu o interrompo. – Fique comigo.

Ele parece hesitar por um momento, mas depois diz:

— Sempre.

No meio da noite, eu acordo suada e berrando devido a um terrível pesadelo envolvendo a morte de Prim. Peeta me abraça e diz palavras reconfortantes no meu ouvido, mas nessa noite, eu sinto que apenas isso não será o suficiente para me confortar.  Sem pensar muito, eu viro o meu rosto na direção do dele e uno os nossos lábios mais uma vez.

Nenhum de nós aprofunda o beijo. Mas, ainda assim, eu sinto um calor no meu peito. E sei que era disso, dos lábios de Peeta, que eu precisava para me sentir melhor.

Depois de algum tempo, Peeta separa nossos lábios e me puxa para seus braços novamente. E eu me entrego ao sono outra vez. Agora, sem pesadelos.

***

Quando eu acordo na manhã seguinte, Peeta já saiu para fazer pão. Não é a primeira vez que isso acontece, mas, ainda assim, eu me sinto um pouco mal. Principalmente por causa dos beijos que eu lhe dei nas últimas horas.

Será que ele não gostou? Será que está confuso? Minha mente fica presa a esses questionamentos por um bom tempo. Mas quando Peeta aparece para tomar café da manhã comigo, ele parece estar agindo normal, o que me alivia um pouco.

Quando Greasy Sae vai embora e nós ficamos a sós na cozinha, porém, ele fala:

— Katniss, eu queria conversar uma coisa com você...

O meu coração dá um salto, mas eu tento manter minha voz o mais impessoal possível.

— O quê?

Ele fita a mesa, parecendo envergonhado.

— Bem, é que... Você não precisa ficar me beijando, se não quiser. Eu disse que estava disposto a ser seu amigo, e estou. Você não me deve nada além disso.

Eu fico surpresa. É isso que ele pensa, então?

— Eu beijei você porque eu quis – digo a ele.

Ele levanta o olhar para mim, parecendo surpreso.

— Sério? Eu pensei que agora, que nós não precisamos mais fingir para as câmeras e...

— Não foi tudo uma encenação – eu o interrompo. – A essa altura, pensei que você soubesse...

Dessa vez, sou eu quem abaixa a cabeça. Um silêncio desagradável se instala entre nós, até que Peeta o quebra:

— E quanto ao Gale?

Quando eu levanto a cabeça e olho novamente para Peeta, percebo um quê de tensão em seu rosto.

— Ele passou umas semanas aqui no 12, mas já foi embora – digo.

— E quanto a vocês dois? – ele questiona, parecendo não satisfeito com a minha resposta.

— Eu não quis ficar com ele. Ele não conseguiu lidar com isso e foi embora – digo, direta.

— E por que você não quis ficar com ele? – Peeta faz mais uma pergunta.

Esse monte de perguntas está começando a me aborrecer, mas eu tento ignorar esse sentimento. Sei que Peeta precisa de respostas. Respostas que por muito tempo eu não fui capaz de lhe dar.

— Porque eu não o amo dessa forma. E porque... – minha voz falha e eu não consigo terminar a frase.

— E porque o quê? – ele me questiona, cobrando uma resposta.

Meu coração acelera de nervosismo. Sei que esse é o momento em que eu deveria admitir o que sinto por ele, mas, por alguma razão, isso é difícil para mim.

— Você sabe por quê – digo, me esquivando de dar uma resposta literal.

— Não, não sei – ele rebate, parecendo impaciente. – Mas se você não quer falar, tudo bem. Eu não vou te forçar a nada.

Ele se levanta da cadeira, como se quisesse ir embora. Mas eu me levanto logo em seguida e seguro o seu braço.

— Você não sabe mesmo por quê? – pergunto.

— Não – responde ele.

Eu olho para ele, pensando em como eu poderia lhe explicar tudo o que sinto. Mas como as palavras me falham no momento, eu decido ir por ações: Eu fico na ponta dos pés e lhe beijo em cheio na boca.

Peeta fica parado por um momento, parecendo hesitante. Mas depois de um tempo, ele começa a retribuir o beijo, como se tivesse enfim entendido a resposta para sua pergunta. Seus lábios se partem para aprofundar o beijo e seus braços envolvem o meu corpo, parecendo me querer mais perto.

E então nós estamos lá, nos beijando apaixonadamente depois de muito tempo. As sensações vão se espalhando pelo meu corpo, preenchendo cada pedaço do meu ser. Eu estou sentindo novamente aquela coisa, aquela ânsia que tomou conta de mim na praia. Aquela ânsia que somente Peeta causa em mim. Antes que eu fique completamente entregue ao que estou sentindo, porém, eu ouço alguém temperando a garganta atrás de nós.

Eu e Peeta nos separamos sobressaltados e então damos de cara com Haymitch.

— Quer dizer então que os docinhos estão se acertando. Já não era sem tempo, hein... – diz ele, com um sorrisinho presunçoso.

Sentindo muita vergonha, eu me afasto de Peeta.

— O que você está fazendo aqui tão cedo, Haymitch? – pergunta Peeta, e quando eu volto a olhar para ele, percebo que ele também parece envergonhado.

— Ué, você mesmo disse que queria falar comigo quando foi levar pão pra mim hoje mais cedo, garoto... – Haymitch dá de ombros.

— Ah, sim... – Peeta assente com a cabeça. – Eu apenas achei que você não fosse aparecer assim, tão cedo.

— Eu preciso ir até a estação, aí aproveitei o ensejo – diz Haymitch.

Com a vergonha um pouco dissipada, eu enfim presto atenção à aparência de Haymitch. Ele parece bem. Não está com aquela aparência bêbada e malcuidada com que estava semanas atrás. Pelo visto, a volta de Peeta não fez bem apenas para mim.

— Bem – começa Peeta, me tirando dos meus pensamentos –, o que eu queria falar com você era o seguinte: Eu e Katniss estamos fazendo um livro de memórias dos nossos entes queridos que morreram nos Jogos e na guerra, e eu pensei se você, de repente, poderia contribuir... Quero dizer, você foi mentor de bastante gente...

Quando olho para Haymitch, imediatamente percebo a emoção refletida em seus olhos cinzentos. Ele pigarreia e coça a nuca, denunciando ainda mais a sua emoção.

— Tudo bem – diz ele. – Eu posso ajudar vocês.

— Obrigada, Haymitch – digo a ele, com sinceridade. Peeta não me consultou sobre isso, mas eu reconheço que foi uma boa ideia. Não só por Haymitch ter muito a contribuir, mas também por essa ser uma maneira de ele se reaproximar de nós e não ficar mais tão sozinho. E também de nós não ficarmos mais tão sozinhos. Nós três perdemos coisas e pessoas demais, e precisamos nos apoiar um no outro.

— Eu agradeço também – diz Peeta, com doçura. – Podemos começar hoje à tarde?

— Tudo bem – Haymitch assente com a cabeça. – Bem, agora eu preciso ir à estação.

— Eu vou com você – diz Peeta. – Preciso pegar uns suprimentos.

Ele se vira para mim.

— Katniss, eu venho à tarde, ok?

Antes que eu diga qualquer coisa em resposta, ele se aproxima de mim e me dá um suave beijo na testa. Eu não sei bem o que apreender do gesto. Não sei se ele indica que Peeta está apenas nos preservando do olhar de Haymitch, ou se indica que ele não deseja me beijar outra vez.

Eu fico tão perdida na minha dúvida que só percebo que eles saíram quando ouço a porta dos fundos bater.

***

À tarde, Peeta volta à minha casa para nós trabalharmos no livro. Assim que eu abro a porta e o vejo, o meu coração acelera e um estranho sentimento de nervosismo se forma na boca do meu estômago.

— Oi de novo – diz ele, dando um leve sorriso.

Eu encaro aqueles olhos azuis, sem saber ao certo o que dizer, ou o que fazer.

— Er, será que eu posso entrar? – pergunta Peeta, parecendo confuso com a minha falta de ação.

— Claro – digo, finalmente saindo da frente dele.

Depois, quando nós dois estamos do lado de dentro, ele fala:

— Katniss, o Haymitch daqui a pouco vai chegar, então eu queria aproveitar que nós estamos sozinhos para te perguntar uma coisa.

— O quê? – pergunto, tentando ignorar o meu nervosismo.

— O que aconteceu hoje mais cedo... Quero dizer, o beijo... Ele realmente significou o que eu acho que significou?

— Depende do que você acha que ele significou. – digo, me sentindo na defensiva.

— Eu vou ser mais objetivo: Foi por minha causa que você não ficou com o Gale? – pergunta ele.

Eu encaro Peeta, sem saber ao certo o que apreender de sua pergunta. Ele realmente continua com dúvidas acerca dos meus sentimentos por ele? Ou ele simplesmente não quer nada comigo e está prestes a quebrar o meu coração, como eu fiz com ele no passado? Será que o telessequestro destruiu qualquer possibilidade de ele voltar a me amar como antes?

— Você realmente não sabe? – pergunto de volta, me sentindo insegura.

— Eu preciso ouvir isso da sua boca – diz ele.

Ele chega mais perto de mim e me segura gentilmente pelos ombros.

— Diz pra mim. Por favor.

Eu encaro Peeta e vejo esperança no fundo de seus olhos azuis. E assim eu entendo por que ele está me perguntando isso. Ele não quer me dispensar. Ele quer saber se eu sinto o mesmo que ele sente.

Sentindo meu coração se encher de ternura por ele, eu enfim digo:

— Sim. Foi por sua causa que eu não fiquei com o Gale.

Ele abre um sorriso e leva suas mãos ao meu rosto, segurando-o delicadamente.

— Era exatamente isso que eu precisava ouvir agora – diz ele, e em seguida me beija.

Não é um beijo ardente, como o que trocamos hoje mais cedo na cozinha. Mas é um beijo doce e cheio de sentimento. A sensação em meu coração fica mais quente, e, por um momento, eu me sinto tão amada que é como se toda a insegurança que eu senti não tivesse tido nenhum fundamento.

Depois de um tempo que não sei exatamente precisar, Peeta rompe o beijo e coloca sua testa sobre a minha.

— Espero que você esteja sentindo tudo o que eu estou sentindo nesse momento – sussurra ele. Sua boca está muito perto da minha, e a minha vontade é fechar a distância entre elas e lhe beijar outra vez.

Antes que eu faça isso, porém, a campainha toca. Peeta se afasta de mim e fala:

— Deve ser Haymitch.

— É... – digo, me sentindo desapontada.

— Bem, pelo menos ele apertou a campainha dessa vez – diz Peeta num tom cômico, e eu não posso evitar rir.

Depois de abrirmos a porta para Haymitch, nós vamos para o escritório juntamente com ele para trabalharmos no livro. Ele nos passa informações sobre alguns tributos dos quais ele foi forçado a ser mentor, e nós vamos colocando no livro. Em alguns momentos, o olhar de Peeta se cruza com o meu e eu sinto um leve abalo no estômago, como se algumas borboletas estivessem batendo as asas dentro dele. Mas eu ignoro a sensação e prossigo com o trabalho em todas as vezes.

Quando terminamos por hoje, Peeta chega perto de mim para se despedir.

— Katniss, eu vou em casa resolver umas coisas e mais tarde eu volto – diz ele.

Depois ele fica olhando para mim, como se estivesse incerto sobre algo. Quando ele encara os meus lábios por um breve momento, sei que ele deve estar pensando se há ou não problema em nós nos despedirmos com um beijo na frente de Haymitch.

Sem pensar muito, eu fecho a distância entre nós e lhe dou um beijinho discreto nos lábios. Ele parece ficar surpreso com a minha atitude. Mas, ao mesmo tempo, ele parece ficar feliz.

— A gente se vê mais tarde – digo a ele, e ele abre um grande sorriso para mim.

Quando eu me viro e olho para Haymitch, que está atrás de nós, eu vejo um sorriso em seu rosto. Mas ele não parece estar fazendo graça, como hoje mais cedo. Ele parece genuinamente feliz por nós.

— Vamos indo, Haymitch? – diz Peeta, e o nosso velho mentor assente para ele.

Depois, os dois saem pela porta e eu fico parada no meio do escritório, sentindo um sorriso idiota se formar no meu rosto.

***

À noite, quando Peeta chega à minha casa para jantar e dormir comigo, uma felicidade quase tola toma conta de mim. Ele me dá um beijinho nos lábios e em seguida nós vamos até a cozinha para prepararmos o nosso jantar. Greasy Sae não está mais vindo à noite, o que significa que nós finalmente poderemos ficar a sós depois de tudo o que aconteceu entre nós dois hoje.

Essa expectativa me deixa um pouco ansiosa, mas a noite transcorre de forma muito natural. Peeta parece mais feliz, assim como eu devo estar parecendo mais feliz, mas nenhum de nós menciona a nossa conversa de hoje mais cedo. Simplesmente conversamos sobre amenidades, e sobre nossos planos. Peeta me conta que vai reconstruir a padaria de seu pai, e eu fico muito feliz por ele. Eu conto a ele que eu e minha mãe conversamos por telefone e ela prometeu vir me ver em breve, e ele também fica muito feliz por mim.

Depois do jantar, eu e ele nos sentamos no sofá e jogamos um pouco o jogo do “real ou não real”. A princípio, ele me faz perguntas mais genéricas, como alguns detalhes sobre a vida no D.12 antes de nós participarmos dos Jogos e sobre a Turnê da Vitória. Para a maioria das perguntas, ele diz que já sabia a resposta e só queria confirmar, o que mostra que a memória dele está realmente voltando.

O jogo parece estar transcorrendo normalmente, até que em certo momento Peeta diz:

— Katniss, eu... – ele para um pouco, parecendo hesitar. Mas logo continua – A pergunta que eu quero te fazer agora é sobre nós dois. É algo mais pessoal, mas eu preciso saber.

Uma sensação gelada de nervosismo se forma no meu estômago, mas eu simplesmente digo:

— Pode falar.

— Eu tenho várias lembranças de nós dois dormindo juntos no trem. E no centro de treinamento. Mas eu não sei se me lembro de tudo e...

Ele abaixa a cabeça, parecendo envergonhado.

— O que é, Peeta? – questiono, e ele volta a olhar para mim.

— Nós alguma vez fizemos algo além de dormir. Real ou não real?

A princípio, eu fico confusa com a pergunta, sem entender direito o que exatamente ele quer saber. Em poucos segundos, porém, eu consigo entender. E então sou tomada por um forte sentimento de embaraço.

— Não real – digo, sentindo meu rosto esquentar.

— Eu já imaginava – diz ele, parecendo aliviado. – Mas eu precisava ter certeza.

— Você está aliviado? – pergunto, sem conseguir me conter.

— Estou.

Penso em perguntar por que, mas antes que eu o faça, ele mesmo diz:

— Se um dia acontecer algo assim entre a gente, eu quero que seja pelas razões certas. E quero poder me lembrar de cada detalhe depois.

Quando escuto isso, o meu rosto esquenta ainda mais e arrepios me sobem pelo corpo. Eu sinto vergonha, mas não é só isso. Há também um sentimento completamente novo. Uma satisfação de imaginar que Peeta me deseja dessa forma, e que nós um dia iremos vivenciar isso tudo.

— Mas – continua ele, me tirando dos meus pensamentos – eu não quero te constranger nem nada. Eu só... Eu precisava saber.

— Tudo bem – digo, ignorando tudo o que estava sentindo.

Ele assente com a cabeça.

— Bem, acho que já está um pouco tarde – diz ele. – Vamos dormir?

— Vamos.

Naquela noite, quando Peeta me abraça na minha cama, eu não consigo evitar ver o nosso arranjo de forma diferente. Seu corpo tão próximo do meu, sua pele em contato direto com a minha... De repente, tudo isso me parece muito mais íntimo do que antes.

Será que ele pensa em nós dois fazendo mais que dormir enquanto nós estamos assim, abraçados na minha cama? Esse pensamento me faz sentir aqueles arrepios outra vez, mas eu decido ignorar isso tudo e simplesmente aproveitar o conforto que os braços e o calor de Peeta me proporcionam.

***

Nos dia seguinte, eu e Peeta seguimos a nossa rotina normalmente. De manhã, tomamos café da manhã juntos. À tarde, trabalhamos no livro junto com Haymitch. À noite, ele vem jantar comigo. A única diferença é que agora os beijos e os carinhos também estão fazendo parte de nossa rotina.

Depois do jantar, nós jogamos novamente o jogo do “real ou não real”. Ele mais uma vez começa fazendo perguntas mais genéricas, mas depois de certo tempo, ele diz:

— Katniss, tem outra coisa a respeito de nós que eu gostaria de saber.

Eu fico tensa com o rumo da conversa, mas ainda assim eu digo:

— Pode perguntar.

— Eu vi as gravações do Massacre Quaternário, e me lembrei de algumas coisas... Naquela hora que você disse que precisava de mim e me beijou... O que você me disse e os nossos beijos foram totalmente genuínos. Real ou não real?

— Real – digo. – Pensei que a essa altura você já soubesse.

— Eu imaginei, mas é que... – ele para por um momento, parecendo envergonhado. Mas logo continua. – O telessequestro bagunçou muito a minha memória. Eu não sei se as lembranças e impressões que eu tenho de algumas coisas que aconteceram são reais. Eu preciso me certificar.

— Eu entendo – digo, me esforçando para não sentir pena dele.

— Mas você está me ajudando muito a lembrar. Não só do que aconteceu, mas também do que eu senti nesses momentos.

Ao ouvi-lo dizer isso, eu subitamente me lembro de uma dúvida que eu mesma tenho.

— Peeta, tem uma coisa que eu também preciso saber.

Ele balança a cabeça em aquiescência.

— Pode dizer.

— Naquele dia em que eu matei a Coin e em seguida tentei me matar com a pílula-cadeado... Você me impediu de tomar a pílula e depois disse que não podia me deixar ir. O que você quis dizer com aquilo?

Peeta dá um leve sorriso e então diz:

— Você realmente não sabe, Katniss?

— O telessequestro não confundiu apenas você, sabe... – digo, me sentindo impaciente e envergonhada.

— Bem, se você não sabe, eu digo: Eu não podia te deixar ir porque eu finalmente estava começando a me lembrar de tudo o que sentia por você.

Ao ouvir isso, eu sinto algo se derreter em meu peito. Sem saber o que dizer em resposta, eu simplesmente chego mais perto de Peeta e lhe dou um suave beijo nos lábios. Quando quebramos o contato, ele coloca sua testa sobre a minha e diz:

— Eu gostaria de nunca ter me esquecido.

— O importante é que agora você está lembrando... Não é? – indago.

— Sim. E que a cada dia, eu me lembro mais. E sinto mais. Graças a você.

Antes que eu possa dizer algo em resposta, Peeta deposita um beijo nos meus lábios e em seguida me abraça forte. E eu aproveito o abraço, sentindo uma deliciosa sensação de felicidade que há tempos eu não sentia.

Houve um momento em que eu acreditei que Peeta jamais voltaria para mim, que morreria insano e me odiando. Mas, para meu alívio, minha crença estava completamente equivocada. Ele voltou para mim. Apesar de tudo o que a Capital fez com ele, ele voltou.

E hoje, apesar de tudo o que nós passamos, eu sei que é possível nós recomeçarmos de onde paramos.

***

Naquela noite, eu e Peeta dormimos abraçados, como em todos os dias das últimas semanas. Eu fecho os meus olhos e sou levada ao passado, a um lugar onde vivi uma das situações mais desesperadoras da minha vida.

Finnick está inclinado sobre Peeta, massageando o peito dele vigorosamente com as duas mãos numa tentativa de trazê-lo de volta à vida. E eu estou sentada ao lado deles, desesperada. Implorando mentalmente que Peeta tussa ou dê qualquer outro sinal de vida. Minutos angustiantes se arrastam e as minhas esperanças vão diminuindo cada vez mais. Até que o canhão soa.

— NÃÃÃO! – grito, e em seguida empurro Finnick para o lado e me jogo em cima de Peeta.

E então eu estou chorando descontroladamente.

— PEETA, NÃÃO! – grito mais uma vez, molhando o rosto dele com as minhas lágrimas. – Você não pode me deixar! NÃO PODE!

— Katniss, acorde— uma voz longínqua chama por mim. – É só um sonho. Acorde.

E eu acordo. Quando abro os olhos, percebo que estou no meu quarto, à noite. A luz do abajur ao lado da cama está acesa, e quando eu olho para o lado, vejo Peeta sentado na cama, me olhando com uma expressão preocupada no rosto.

Peeta.

Eu me jogo em cima dele, exatamente como fiz no sonho. Mas dessa vez, é para sentir que ele realmente está aqui, que ele realmente está vivo. Que ele não me deixou.

Lágrimas escorrem pelos meus olhos e aqueles soluços horríveis começam a sacudir o meu corpo, mas eu me recuso a soltar Peeta, com receio de que ele vá sumir a qualquer momento.

— Katniss, o que foi? – ele pergunta próximo ao meu ouvido, provavelmente sem entender por que estou agindo desse jeito. Nem nos meus piores pesadelos eu agia assim.

— V-você m-morrrria – tento explicar, mas estou soluçando tanto que não sei se Peeta conseguirá entender alguma coisa.

— Shii, fique calma – diz ele, e em seguida circunda o meu corpo com seus braços e começa a acariciar minhas costas num gesto de conforto. – O que quer que você tenha visto, não foi real.

Nós ficamos um tempo assim, abraçados um ao outro enquanto eu tento me acalmar. Quando os meus soluços se acalmam e eu finalmente fico convencida de que Peeta não irá sumir, eu rompo o nosso abraço e enxugo o meu rosto molhado de lágrimas com as costas da minha mão direita.

— Você quer falar sobre isso? – pergunta ele. – Eu ouvi... Bem, você gritou o meu nome...

— E-eu sonhei que eu te perdia... na arena, quando o seu coração parou – eu respondo, me esforçando para não chorar outra vez.

— Eu estou bem aqui, Katniss – diz Peeta com ternura. Ele pega minhas mãos e coloca-as entre as dele. – Não foi real.

— Mas poderia ter sido. Por favor, prometa que nunca vai me deixar. E-eu... – minha voz falha e eu não consigo completar a frase.

— Eu...? – ele questiona.

— Eu não sei viver sem você – eu enfim consigo dizer.

Peeta solta minhas mãos e leva sua mão direita ao meu rosto.

— Eu nunca vou te deixar – diz ele, com a voz cheia de emoção. – E eu também não sei viver sem você, Katniss. Sabe por quê?

— Por quê?

— Porque agora eu lembro que você é o amor da minha vida.

Ao ouvir isso, eu sou tomada por uma emoção inexplicável. Uma sensação quente se forma em meu peito e lágrimas me enchem os olhos mais uma vez.

— Peeta... – digo, com a voz ligeiramente trêmula pela emoção.

Eu sei que eu deveria falar mais, que eu deveria traduzir em palavras tudo o que eu estou sentindo neste momento. Tudo o que eu venho sentindo desde que o meu destino e o destino de Peeta se cruzaram naqueles Jogos. Desde quando eu sequer era capaz de reconhecer o que sentia. Mas como eu não sou boa com as palavras, mais uma vez eu resolvo ir por ações.

Eu levo minhas mãos ao rosto de Peeta e em seguida lhe beijo em cheio na boca. E ele retribui o beijo com entusiasmo. Sua boca se abre para que nossas línguas possam se encontrar e seus braços circundam a minha cintura, reduzindo a zero qualquer distância que ainda pudesse haver entre nós.

Eu estou sentindo novamente aquela coisa, aquela ânsia que eu senti na praia da arena e que não deixei de sentir desde então. Aquela ânsia que somente Peeta causa em mim. Mas dessa vez, a sensação parece mais intensa. Arrepios percorrem o meu corpo inteiro, espalhando calor por cada pedaço dele e me dando a necessidade de mais.

Peeta começa a acariciar os meus ombros e as minhas costas enquanto me beija, o que torna as minhas sensações ainda mais intensas. Como uma forma de retribuir o que ele está me fazendo sentir, eu começo a acariciar seus cabelos, sua nuca, seus ombros... Cada pedaço de seu corpo que minhas mãos conseguem alcançar.

Nós continuamos assim por um bom tempo, parando apenas por alguns segundos para respirar. Eu posso sentir Peeta reagindo ao meu beijo, e ao meu toque. Seu corpo estremece e a pele de sua nuca se arrepia. E eu continuo o que estou fazendo, disposta a fazê-lo sentir o mesmo desejo que eu estou sentindo.

Quando as mãos de Peeta vão além do limite das minhas costas e apertam levemente as minhas nádegas, porém, eu ofego dentro do beijo e paro o que estou fazendo. Ele nunca me tocou assim antes. Nós nunca fomos tão longe assim antes. E, diante disso, eu enfim sou atingida pela realização de que nós estamos em vias de fazer o que ele pensou que nós podíamos ter feito naquelas noites no trem.  

Peeta separa os nossos lábios e olha para mim, parecendo envergonhado.

— Katniss, me desculpe... – diz ele, se afastando ainda mais de mim. – Eu fui longe demais e...

Sem pensar muito, eu puxo Peeta novamente para perto de mim e grudo os nossos lábios mais uma vez. A princípio, ele corresponde ao beijo. Mas antes que eu me entregue mais uma vez às sensações, ele separa nossas bocas.

— Katniss... – sussurra ele, colocando a mão sobre o meu queixo. – Eu quero muito isso. Mas eu preciso saber se você também quer. Realmente quer.

Eu encaro os olhos azuis de Peeta, sabendo o que está implícito em suas palavras. Ele quer saber se eu realmente quero ficar com ele da forma mais íntima que existe essa noite. Se eu realmente quero levar a nossa relação para esse patamar. A questão é: Eu realmente quero?

Dessa vez, eu me forço a refletir em vez de agir por impulso. Eu penso no que sinto por Peeta, na confiança que tenho nele, no quanto sua presença tem me devolvido a vida... Penso no desejo que estou sentindo, nas sensações maravilhosas que seus lábios e suas mãos estão provocando no meu corpo. Penso também na medicação que o doutor Aurelius me enviou para regular o meu ciclo menstrual depois de todos os abusos que o meu corpo sofreu nos últimos meses...

Ao que parece, só há uma resposta para isso.

— Eu quero – digo a ele.

— Você tem certeza? – pergunta ele novamente, parecendo inseguro.

— Tenho. É pelas razões certas, Peeta.

Quando um sorriso enorme se forma no rosto dele, sei que ele entendeu a referência.

— E eu nunca vou me esquecer – diz ele, e em seguida ataca novamente a minha boca.

A ânsia de antes retorna com força, e eu me entrego completamente ao que estou sentindo. Para mim, tudo o que existe no mundo nesse momento é Peeta, seus lábios macios devorando os meus, suas mãos deixando um rastro de calor por onde passam em meu corpo...

Em meio a beijos ardentes e carícias ousadas, nós vamos tirando as nossas roupas. Eu fico um pouco envergonhada quando Peeta me vê nua pela primeira vez, e quando eu mesma o vejo nu pela primeira vez. Mas diante do desejo evidente nos olhos e no corpo dele, e diante do desejo que eu mesma estou sentindo, qualquer vergonha se torna insignificante.

— Você é muito linda – diz ele enquanto beija o meu pescoço, me fazendo suspirar de satisfação.

Delicadamente, ele me deita sobre o colchão e se coloca por cima de mim. Antes que eu tenha tempo de pensar no que ele vai fazer, suas mãos retomam as carícias em meu corpo. Dessa vez, sem nenhum tecido para impedir que eu sinta a maciez delas diretamente em minha pele.

Ele acaricia meus seios, minha barriga, minhas coxas, o ponto surpreendentemente sensível entre elas... E eu deixo os gemidos de prazer escaparem livremente da minha garganta, me sentindo completamente entregue a Peeta e a seu toque.

Quando o nosso desejo parece passar do limite do suportável, Peeta para o que está fazendo e se coloca cuidadosamente entre as minhas pernas. Eu olho nos olhos dele, sentindo o meu coração se acelerar de antecipação.

— Eu nunca fiz isso – deixo escapar. Depois, eu desvio o meu olhar do de Peeta, sentindo um embaraço do qual nem eu sei a razão.

Peeta vira o meu rosto gentilmente na direção do dele, para que eu volte a olhar para ele.

— Eu já imaginava. Eu também nunca fiz isso, Katniss – diz ele, com doçura. – Nós vamos descobrir isso juntos, certo?

Eu assinto com a cabeça. Peeta me dá um suave beijo nos lábios e em seguida nos une um ao outro. No início, eu sinto dor. Mas depois, quando os nossos corpos estão se movendo juntos, a dor vai passando e uma deliciosa sensação de prazer vai tomando o seu lugar.

Suor brota da minha pele e da pele de Peeta, e gemidos escapam de nossas gargantas. Nós estamos perdidos um no outro, descobrindo juntos algo que nos é completamente novo. Nesse momento, eu me sinto tão próxima dele que é como se nós dois fôssemos um só. Não só em corpo, mas também em sentimento.

Quando o que parece ser o ápice do prazer me atinge, eu solto um longo gemido e enterro minhas unhas nas costas de Peeta. E ele me segue logo depois, gemendo forte e caindo sobre mim. E então nós ficamos um tempo na mesma posição, abraçados um ao outro enquanto esperamos nossa respiração voltar ao ritmo normal.

E aqui, enquanto sinto o corpo de Peeta pesando sobre o meu após nós nos amarmos pela primeira vez, eu sei que isso teria acontecido de um jeito ou de outro. Que mesmo que eu tivesse dado uma chance a Gale quando ele esteve aqui, ainda assim eu acabaria aqui, nos braços de Peeta. Porque somente ele pode me dar esperança em uma vida melhor. Porque somente ele pode me compreender. Porque somente ele pode encher o meu coração de um sentimento que, se antes me amedrontava, hoje é o bálsamo que alivia minhas dores.

Porque é dele, do meu dente de leão na primavera, que eu preciso para viver.

Então depois, quando ele olha para mim e sussurra:

— Você me ama. Real ou não real?

Eu digo a ele, olhando no fundo de seus olhos:

— Real.

 

Fim.


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Notas finais do capítulo

E aí, gostaram? Eu espero muito que sim! :)

Digam nos comentários o que acharam. Quero todo mundo comentando, hein? Apareçam, fantasminhas! A opinião de vocês também é importante. xD
Recomendações também são muito bem-vindas. Se você acha que as histórias da série "E Se Fosse Diferente?" estão muito boas, recomende! E faça a autora aqui feliz. :D

Beijos e até a próxima.



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