E se fosse diferente? - Peeta e Katniss escrita por MaryG


Capítulo 2
De Um Jeito Ou De Outro (Parte 1).


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!!! Quanto tempo! ♥
Depois de um ano e meio do fim de "Uma Nova Vida" (bastante tempo, né?), eu estou de volta com uma nova história para vocês.

Na primeira história da série "E se fosse diferente?", eu abordei como seria se o Peeta não tivesse sido telessequestrado. E na história de hoje, eu abordarei como seria se o Gale não tivesse tido participação na morte da Prim e retornasse ao distrito 12 antes do Peeta. Desde que eu entrei no fandom de Jogos Vorazes, eu vi um número considerável de pessoas dizer que Katniss só ficou com Peeta porque Gale não apareceu, ou porque ele teve participação na morte da irmã dela. Obviamente, isso não faz sentido, e quem entendeu os livros sabe disso. Mas eu achei que seria interessante abordar isso, tomando como base principalmente o que a Katniss disse no pré-epílogo de "A Esperança":

"Na noite em que sinto aquela coisa novamente, a ânsia que tomou conta de mim na praia, eu sei que isso teria acontecido DE UM JEITO OU DE OUTRO."

Katniss teria ficado com Peeta de um jeito ou de outro, e é sobre isso que é essa história. Eu escrevi com muito carinho, e espero que vocês gostem. :D

Boa leitura!

Ps: A história ficou um pouco maior do que eu pretendia, então ela será dividida em duas partes. ;)



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Encolhida na cadeira de balanço em frente à lareira da cozinha, eu observo as chamas crepitarem, como se nada além daquilo pudesse atrair minha atenção neste momento.

Já está anoitecendo e a cozinha está numa penumbra, mas eu não sinto o menor ensejo de me levantar para acender a luz. Permaneço imóvel, fechada em mim mesma, como tenho estado na maior parte do tempo desde que retornei ao Distrito 12.

Quantos dias se passaram desde que voltei? Não sei ao certo. O sol continua nascendo e se pondo lá fora, mas isso tem sido irrelevante para mim. É como se eu tivesse perdido a noção do tempo. Ou como se o tempo não tivesse mais muita importância. Os dias se arrastam, simplesmente, e nada muda.

Sei que não há nada me impedindo de sair dessa cadeira e seguir com a minha vida. Mas parece que eu continuo esperando alguma coisa.

A luz da cozinha se acende, o que me tira um pouco do meu torpor.

— Minha menina, você ainda está assim? – diz Greasy Sae, surgindo na minha frente.

Eu olho para ela, mas não digo nada. Apenas me ajeito ligeiramente na cadeira.

— Você precisa reagir – continua ela. – Sair dessa cadeira, tomar um banho... Você está assim há dias.

Olho para o rosto castigado pelo tempo de minha vizinha e vejo preocupação em suas feições.

— Eu sei... – digo, apenas. É até estranho ouvir o som da minha própria voz.

— A vida continua, minha menina. Por mais difíceis que sejam as nossas perdas.

Eu assinto com a cabeça, fazendo o possível para não pensar na minha irmãzinha. Ou em todos os outros que eu perdi.

Percebendo que eu não vou dizer nada em resposta, ela prossegue:

— Bem, tem uma coisa que eu acho que você vai gostar de saber.

— O quê? – pergunto.

— Gale está vindo para cá.

Isso atrai minha atenção.

— Sério?! – exclamo.

— Sim – responde ela, se movimentando pela cozinha para preparar o meu jantar. – Hazelle ligou avisando.

Eu vasculho o meu interior, tentando entender como estou me sentindo com essa notícia.

Por um lado, eu sei que pode ser bom ter Gale por perto novamente. Ter um amigo que me fará companhia após todo esse tempo de solidão. Mas por outro lado, eu não sei em que termos nossa antiga amizade ficou. Não posso ignorar os diversos desentendimentos que tivemos ao longo dos últimos meses. Também não posso ignorar o fato de que ele tinha expectativas além de amizade com relação a nós dois.

Depois daquele nosso último beijo no Distrito 2, ele não fez mais nenhuma tentativa de me beijar, ou de falar de seus sentimentos por mim. E em nosso último encontro, momentos antes de eu matar Coin, nós não tivemos muito tempo para conversar.

— Oi, posso falar com você um instantinho? – disse ele, adentrando o quarto onde eu estava sendo arrumada para a cerimônia de execução de Snow.

Minha equipe de preparação saiu, deixando-nos a sós.

— Eu trouxe isso aqui para você – disse ele, me mostrando uma aljava contendo apenas uma flecha. – É para ser tipo uma coisa simbólica. Você dando o tiro final da guerra.

— E se eu errar? – questionei. Gale ajustou a aljava nas minhas costas e olhou para mim pelo reflexo do espelho

— Você não vai errar – disse ele.

— Você não foi me visitar no hospital – eu disse, subitamente.

— Eu quis ir – disse ele, parecendo constrangido. – Mas me disseram que você não estava conseguindo falar com ninguém e...

Ele baixou o olhar.

— E o quê? – perguntei.

— Eu não estava sabendo lidar com aquela situação – respondeu ele, ainda sem olhar para mim. – Eu não sabia como te confortar.

Dessa vez, fui eu quem baixou o olhar.

— Eu sinto muito pela Prim, Katniss.

— Foi das bombas de Beetee? – eu perguntei, ignorando a afirmação anterior de Gale. – Daquelas que ele nos mostrou lá no 13?

— Eu não sei. E ele também não sabe... Mas não é isso que está te incomodando, não é? O que está te incomodando é quem deu a ordem de jogar aquelas bombas.

Ao ouvir isso, eu levantei o meu olhar novamente para Gale, entendendo o que estava implícito em suas palavras. Mas antes que eu pudesse dizer algo em resposta, Effie bateu na porta e em seguida entrou na sala, dizendo que eu havia sido convocada para uma reunião de emergência.

Depois daquele dia, eu fiquei presa aguardando o meu julgamento por matar Coin e nós não nos falamos mais. Nem mesmo por telefone. Não sei o que ele espera voltando para o 12. Será que ele vem apenas para me ver? Ou será que ele quer refazer sua vida em seu antigo lar?

E se ele quer apenas me ver, quais são suas intenções? Será que ele quer apenas refazer nossa antiga amizade? Ou será que o fim da guerra lhe reacendeu as esperanças de nós podermos ser mais que amigos? Pensar nessa última possibilidade me causa uma sensação incômoda na boca do estômago, mas não sei o que concluir disso.

Inexplicavelmente, eu penso em Peeta. Em como não tenho notícias dele há bastante tempo. Onde e como ele está, afinal? A última vez que eu o vi foi na Capital. Na cerimônia de execução, logo após eu matar Coin. Eu havia tentado me suicidar com a pílula-cadeado, e ele me impediu. Disse que não poderia me deixar ir.

O que será que ele quis dizer com aquilo? Não sei ao certo. Mas sei que se estou aqui, viva, é graças a ele.

— Katniss? – Greasy Sae chama por mim, o que me tira de meus pensamentos e me faz voltar à realidade.

Quando olho para ela, vejo que ela já está colocando o meu prato em cima da mesa. O que me faz concluir que eu devo ter passado algum tempo em meus devaneios.

— O seu jantar está pronto. Venha comer.

Eu assinto com a cabeça e em seguida me levanto da cadeira de balanço. Eu me sinto ligeiramente tonta, mas Greasy Sae vem até mim e me conduz pelos ombros até a mesa.

Eu me sento e então começo a tomar a sopa que ela preparou para mim. O líquido quente e forte me desce pela garganta, e depois de algumas colheradas, eu já estou me sentindo um pouco melhor.

— Quando Gale chega? – pergunto ao me lembrar do que ela havia dito.

— Depois de amanhã – responde ela, e eu sinto um abalo de ansiedade no estômago.

Eu assinto com a cabeça, tentando parecer o mais impessoal possível.

— Ele não vai gostar de te ver assim – diz ela, e eu sei que ela tem razão.

Ele realmente não gostaria de me ver assim, suja, maltratada, completamente entregue ao meu luto. E eu mesma não ia querer que ele me visse assim.

— Me deixe ajudar você – pede ela.

Eu penso um pouco, mas acabo dizendo:

— Tudo bem.

Quando eu termino de jantar, eu deixo que Greasy Sae me conduza até o andar de cima e cuide de mim. Ela me ajuda a tomar banho, passa pomada nas partes da minha pele remendada que minhas mãos não conseguem alcançar, me ajuda a me vestir com roupas limpas, corta e desembaraça os meus cabelos... E eu aproveito os seus cuidados, ciente do quão carente eu estive de cuidados, da sensação de que alguém no mundo ainda se importa comigo.

Quando ela faz menção de arrumar minha cama para eu dormir, entretanto, eu não aceito. Sei que não posso passar a noite sozinha nessa cama enorme. A solidão e os pesadelos seriam difíceis demais de suportar.

Acabamos chegando ao acordo de eu dormir no sofá da sala. Ao menos, é mais confortável que a cadeira de balanço da cozinha.

Quando eu estou devidamente acomodada, Greasy Sae me deseja boa noite e vai embora, deixando apenas a luz do abajur ao lado do sofá acesa. Penso se seria bom assistir TV, mas acabo optando por não assistir, com receio de ver algo desagradável. Por fim, acabo pegando no sono.

***

Após uma noite sem sonhos tão ruins, o que para mim já pode ser considerado algo bom, eu me acordo com os leves raios de sol de fim de inverno entrando pela janela.

Eu permaneço um tempo deitada, me sentindo sem ânimo para levantar. Mas depois de um tempo, eu faço um esforço para me levantar e ir até a cozinha para esperar Greasy Sae.

Depois, enquanto estou tomando o café da manhã que ela preparou para mim, ela me diz que meu arco e flecha estão no escritório e me encoraja a ir caçar. Mas eu não tenho forças, nem ânimo, para isso. Não agora.

“Talvez você tenha ânimo depois que Gale chegar e te fizer companhia na floresta”, uma voz diz na minha cabeça. Mas essa ideia, por algum motivo que não sei precisar, me deixa um pouco nervosa. Então eu decido não pensar muito nisso, simplesmente.

Passo a maior parte do dia no sofá. Somente à noite, por insistência de Greasy Sae, eu tomo um banho. Dessa vez, sozinha. Depois, eu tomo coragem para ver um pouco de TV e eventualmente pego no sono no sofá da sala.

***

— Bom dia, menina – diz Greasy Sae com um sorriso no rosto, assim que chega à cozinha da minha casa. – Lembra que dia é hoje?

— Sim – digo.

Por mais bagunçada que a minha noção de tempo esteja, eu não poderia me esquecer de que hoje é o dia que Gale chega.

— O trem deve chegar já, já – ela me informa. – E acho que ele não vai querer demorar para te ver.

Eu assinto com a cabeça, sem saber muito o que falar.

Depois do café da manhã, eu decido tomar um banho, querendo estar minimamente apresentável para o caso de ele vir me ver. Mas quando passa da hora do almoço e não há nenhum sinal dele, eu acabo pegando no sono no sofá.

Ao ouvir o barulho da campainha, eu acordo sobressaltada. “Deve ser ele”, penso.

Contendo a estranha sensação de ansiedade na boca do meu estômago, eu esfrego os olhos, levanto do sofá e me encaminho até a porta.

— Catnip?! – exclama ele assim que me vê.

E antes que eu possa dizer qualquer coisa em resposta, ele me enlaça em seus braços e me abraça forte. Tão forte que me tira ligeiramente do chão.

Eu fico um pouco surpresa com a reação de Gale, mas não posso negar o conforto que sinto ao ser abraçada assim depois de tanto tempo vivendo na mais pura solidão. Também não posso negar que senti a falta dele. Mesmo sem saber ao certo em que termos nossa relação ficou.

Depois de algum tempo, ele me solta.

Eu o encaro por um momento. Ele parece um pouco mais magro que da última vez que eu o vi, mas fora isso ele parece bem.

— Eu senti tanto a sua falta – diz ele, acariciando de leve o meu rosto.

Eu pressiono o meu rosto contra a mão dele, e só então percebo o quão carente de afeto eu estive.

— Será que eu posso entrar? – pergunta ele, tirando a mão do meu rosto.

— Claro – respondo, deixando-o entrar.

Eu me sento no sofá e ele, na poltrona de junto.

— O que você veio fazer aqui no 12? – pergunto, e minha voz soa mais defensiva do que eu gostaria. – Quero dizer, não tem mais muita coisa aqui.

— Tem você – diz ele, dando um leve sorriso.

— Gale... – começo, mas ele me interrompe.

— Eu precisava vir te ver. Precisava tentar me reaproximar de você.

— Você voltou só por isso? – pergunto, sem conseguir me conter.

Ele se mexe ligeiramente na poltrona, parecendo desconfortável.

— Não só por isso. Eu vou ajudar na reconstrução do distrito também.

Eu assinto com a cabeça.

— Entendo...

— Mas você foi o principal motivo de eu querer voltar – diz ele, olhando bem nos meus olhos.

Meu estômago se contrai de nervosismo. O que exatamente ele quer dizer com isso? Será que o fim da guerra realmente lhe deu esperanças de nós sermos mais que amigos?

Como se pudesse ler os meus pensamentos, ele diz:

— Eu não estou esperando nada além de amizade agora. Eu sei que você ainda não está bem.

“E talvez eu nunca fique”, penso, mas não falo nada. Gale continua:

— Mas eu precisava tentar me reaproximar de você. Nem que fosse só como amigo. Você entende?

Eu assinto com a cabeça.

— Você permite que eu faça parte da sua vida de novo? – pede ele.

Penso acerca do pedido que ele está me fazendo. Eu não sei como serão as coisas no futuro, mas, no momento, me parece certo permitir ter o meu amigo de volta.

— Permito – digo.

Ele abre um grande sorriso.

— O que você acha de irmos caçar, como nos velhos tempos? – ele me convida.

— Agora? – pergunto.

— Se você quiser, pode ser. Acho que minha mãe e Greasy Sae vão gostar de ter caça recém abatida para preparar o jantar.

Eu não me sinto muito animada, mas decido fazer um esforço. Sei que preciso reagir.

— Tudo bem – respondo, me levantando do sofá. – Espere aqui. Eu vou pegar o meu arco.

Ele assente com a cabeça.

Chegando ao escritório, eu encontro, em cima da escrivaninha, os arcos e a aljava de flechas que Gale resgatou na noite do bombardeio. Ao lado deles, está uma caixa, e eu decido ver o que tem dentro dela.

Lá dentro, eu encontro o casaco de caças do meu pai, o nosso livro de plantas, uma foto do casamento dos meus pais, a cavilha que Haymitch me mandou na arena e o medalhão em formato de caixinha que Peeta me deu.

Peeta.

Ao pensar nele, e nas circunstâncias em que ele me deu esse medalhão, eu sou acometida por um sentimento estranho. É como um misto de tristeza, nostalgia e saudade de algo que eu perdi.

Mas eu ignoro esse sentimento e coloco as coisas de volta na caixa com pressa, sabendo que Gale está me esperando. Eu visto o casaco de caça do meu pai, pego um dos arcos e a aljava de flechas e retorno para a sala.

***

Estar com Gale na nossa floresta depois de tanto tempo tem seu lado bom. É como se eu estivesse revivendo um dia da antiga Katniss. A que não tinha vivenciado os Jogos, a rebelião e a guerra.

Mas ao mesmo tempo, eu não posso fingir que ainda sou aquela Katniss. Não quando eu acabei de ver ossos e mais ossos sendo recolhidos pelo distrito e sendo jogados num fosso sob o solo do que um dia fora a Campina.

Apesar do meu conflito interno, eu consigo abater um peru selvagem. E Gale, com a arapuca, consegue abater um esquilo. Depois, nós nos sentamos na rocha do nosso antigo ponto de encontro.

— Parece que faz uma eternidade que a gente não vem aqui – diz ele, olhando para a paisagem à nossa volta.

— Verdade – digo em resposta.

Gale fica um tempo calado, como se estivesse refletindo sobre algo, e depois diz, olhando para mim:

— Será que o garoto e a garota que se conheceram anos atrás nessa floresta ainda existem?

— Todos nós mudamos – digo. – Não há como passar pelos Jogos e por uma guerra sem mudar.

— É verdade – ele concorda. – Mas será que o garoto e a garota ainda podem restaurar o que tiveram um dia? Será que há essa chance?

Olho para Gale e penso nos desentendimentos que tivemos nos últimos meses. Nas vezes em que pensei que a nossa amizade não era mais a mesma. Que pensei que a cola de necessidade mútua que havia nos unido anos atrás estava se dissolvendo.

Será que foi a Capital que colocou uma distância entre nós? Ou as nossas diferenças teriam falado mais alto de um jeito ou de outro?

Com esse questionamento em mente, eu dou a resposta que me parece mais honesta:

— Eles podem tentar.

Gale dá um leve sorriso.

— E eles vão – diz ele, entrelaçando a mão dele com a minha.

Daquele dia em diante, nós começamos a tentar reconstruir nossa antiga amizade. Apesar de suas ocupações relacionadas à reconstrução do distrito, Gale sempre dá um jeito de ter algum tempo disponível para mim. Quando ele tem turnos livres, nós saímos para caçar. Quando ele tem apenas um curto período de tempo livre, ele passa na minha casa para me ver.

Nos momentos em que nos vemos, nenhum de nós fala sobre a guerra, Prim ou qualquer outro tema pesado. No início, eu fico aliviada por não ter que falar sobre nada disso. Mas à medida que os dias vão passando, eu começo a sentir certo desconforto. Como se o amigo com quem um dia eu pude ser eu mesma e a quem eu pude contar os meus segredos não estivesse mais ali.

Pode ser que ele apenas esteja respeitando o meu espaço, mas ao mesmo tempo, eu sinto como se ele não fosse capaz de me entender. Ou de me confortar, como ele mesmo admitiu naquele nosso último encontro na Capital.

Certo dia, porém, acontece algo que me faz mostrar para ele o quão destruída por dentro eu estou.

Buttercup, o gato de Prim, reaparece na minha casa bem num momento em que Gale está comigo. Ao ver o felino na minha frente, miando como se chamasse pela minha irmã, todo o controle e reserva que eu estava buscando ter se esvaem.

— Prim está morta! – grito para o gato. – Não há mais nada para você aqui, seu gato idiota! Vá embora! Vá embora!

Mas ele não arreda o pé. Continua exatamente onde está, como se esperasse que a minha irmã fosse aparecer a qualquer momento.

E então eu estou chorando descontroladamente. Aqueles soluços horríveis começam a escapar da minha garganta, e quando eu dou por mim, eu estou pegando o gato nos braços e abraçando-o forte contra o meu peito. Buscando nele, o gato que eu nunca suportei, o conforto que estive necessitando receber por todo esse tempo.

Depois do que parece uma eternidade, meu choro se acalma um pouco e eu me lembro da presença de Gale. Envergonhada, eu olho para ele. Ele está parado no meio da sala, olhando para mim com uma expressão assustada no rosto. Nós ficamos um tempo assim, olhando um para o outro sem conseguir falar nada. Eu ainda abraçada ao gato.

Gale, entretanto, acaba quebrando o silêncio.

— Eu sinto muito, Katniss.

Eu apenas balanço a cabeça, sem conseguir falar nada em resposta.

Parecendo desconsertado, Gale se aproxima de mim e diz:

— Eu sei que não há muito o que falar. Mas se houver algo que eu possa fazer, me avise.

Eu balanço a cabeça novamente.

— Bem, eu preciso ir agora – diz ele. – Fique bem.

Ele acaricia levemente minha bochecha úmida de lágrimas e em seguida sai da minha casa.

E eu fico lá, parada no meio da sala com o gato ainda em meus braços, sentindo um misto de tristeza, vergonha e humilhação. Apenas quando Buttercup mia e tenta descer dos meus braços, eu reajo. Eu o coloco no chão e enxugo os rastros de lágrimas no meu rosto.

Pelo resto do dia, eu fico jogada no sofá, curtindo sentimentos de dor, saudade e carência. À noite, após o jantar, eu decido fazer um esforço para subir e tomar um banho. Quando saio do banheiro, já vestida com a minha roupa de dormir, eu me deparo com Buttercup agachado sobre a minha cama.

A cena é estranha demais, mas eu logo entendo que ele percebeu a ausência da minha irmã e decidiu buscar conforto. O conforto que eu mesma estou precisando.

Pela primeira vez desde que retornei ao 12, eu me deito na minha cama e durmo no meu quarto, Buttercup ao meu lado me guardando dos perigos da noite. Na manhã seguinte, eu cuido dele. Tiro os espinhos de suas patas e limpo os seus cortes. Depois, lhe dou comida e água. Decido que se não posso mais cuidar da minha irmã, ao menos posso cuidar de quem foi importante para ela.

***

Quando Gale vem me ver novamente, nenhum de nós menciona o acontecido no nosso último encontro. Ele apenas me pergunta se estou melhor, e eu digo que estou, embora a sensação de tristeza e vergonha ainda persistam em mim.

Mais tarde, quando estamos na floresta, porém, eu consigo me esquecer um pouco desses sentimentos negativos. Gale brinca comigo, tenta me fazer rir e, por um momento, é como se nós dois fôssemos de novo o garoto e a garota de anos atrás.

Quando volto para casa naquele dia, estou me sentindo um pouco melhor do que antes. E isso me dá a esperança de que as coisas podem melhorar, por mais que eu saiba que à noite, quando os pesadelos vierem e não houver ninguém para me abraçar, eu duvidarei disso.

***

Nos dias que se seguem, eu e Gale continuamos a nos ver e a sair para caçar. E eu, apesar de sentir que ele não pode me dar todo o conforto de que necessito, sei que sua presença e companhia têm sido boas para mim. E que nossos momentos juntos me distraem das minhas dores.

Nossa rotina um com o outro é confortável, e quando eu dou por mim, eu já estou ansiando por nossas idas à floresta, como nos velhos tempos. Sinto como se nossa amizade estivesse tomando um rumo bom. Até que um dia ele me beija e me mostra que eu talvez não estivesse tão certa assim.

É um beijo inesperado, num momento em que nós estamos nos despedindo na entrada da minha casa após caçarmos juntos. Ele cola os lábios dele nos meus e eu fico lá parada, sem retribuir o beijo, pensando apenas se isso vai fazer com que as coisas voltem a ficar estranhas entre nós.

Nós já nos beijamos algumas vezes no passado, mas sendo bem honesta comigo mesma, eu sei que nunca o beijei pelas razões certas. Que nunca o beijei com a real intenção de retribuir seus sentimentos.

Ele se afasta de mim, o que me tira dos meus pensamentos.

— Boa noite, Catnip – diz ele, parecendo meio desapontado. – A gente se vê.

— A gente se vê – digo, ignorando meu embaraço.

***

No nosso encontro seguinte, Gale age como se nada tivesse acontecido. Trata-me como uma amiga, simplesmente, o que me faz ficar um pouco aliviada. Nesse momento, eu não me sinto em condições de lidar com ele me cobrando algo além de amizade.

Sei que não há mais Jogos Vorazes, Capital, rebelião ou qualquer outra coisa me impedindo de recomeçar a minha vida. Sei também que agora eu sou livre e desimpedida para me relacionar com quem eu bem entender. Por que, então, a ideia de ter algo além de amizade com Gale me parece tão errada?

Quando Peeta me vem à mente, sei que tenho a resposta para essa pergunta. Mas essa verdade é tão difícil de suportar que eu decido ignorá-la, para o meu próprio bem.

***

Depois de alguns dias agindo normal, Gale me beija novamente. Dessa vez, é num momento em que estamos na floresta, sentados no nosso antigo ponto de encontro.

Diferente da outra vez, esse beijo não é totalmente de surpresa. Ele acaricia o meu rosto e se aproxima lentamente da minha boca. Eu tenho tempo mais que suficiente para virar o rosto. Mas eu não viro.

Eu fecho os olhos e deixo que ele me beije, ansiando por preencher um vazio interno que tenho sentido há bastante tempo, mas do qual eu só retomei consciência agora.

Uma parte de mim sabe que não é Gale que pode preencher esse vazio. Mas outra parte de mim teima contra isso, sabendo que o que eu realmente necessito está fora do meu alcance.

Ignorando o conflito em minha mente e em meu coração, eu começo a retribuir o beijo. As sensações que eu sinto não me preenchem como eu estou necessitando. Não há aquela ânsia, aquele calor que somente uma pessoa causava em mim. Mas ainda assim, essas sensações são bem-vindas. Mostram que pelo menos eu ainda sou capaz de sentir alguma coisa.

Gale se afasta ligeiramente, e quando eu avanço para não perder o contato, ele vira o rosto, se esquivando de mim. O seu gesto me dá uma sensação ruim de rejeição, mas antes que eu me demore nesse sentimento, ele diz:

— No que você está pensando?

Ao ouvir isso, eu sou levada de volta ao momento em que nós nos beijamos na floresta do distrito 2. Ele me fez essa mesma pergunta.

— Não sei – respondo novamente, embora dessa vez eu admita para mim mesma que não estou sendo totalmente honesta.

Gale faz uma cara de quem não está acreditando nem um pouco no que eu disse.

— Se eu te fizer uma pergunta, você me promete que responderá com honestidade? – pergunta ele.

Eu fico tensa com o rumo que essa conversa está tomando. Mas antes que eu diga algo em resposta, Gale faz outra pergunta:

— É nele que você pensa quando me beija, não é?

Eu sinto uma pontada de ansiedade em meu peito. Eu não estou gostando do rumo dessa conversa, definitivamente. Tentando manter minha voz o mais impessoal possível, eu digo:

— Ele quem?

Gale se remexe na rocha onde estamos sentados, claramente impaciente.

— Você sabe quem.

Eu lanço o meu olhar para o chão, sem conseguir olhar Gale nos olhos. Ele continua:

— Era nele que você estava pensando naquele dia que eu te beijei no distrito 2. E é nele que você está pensando agora – não é uma pergunta. Ele está afirmando isso.

Volto a olhar para Gale, sentindo um misto de vergonha e aborrecimento.

— Adiantaria alguma coisa eu negar? – eu questiono. – Você já está convicto disso.

— Adiantaria – diz ele. – Se você negasse olhando nos meus olhos.

Ele fica olhando para mim, esperando que eu negue. Mas eu não consigo negar. Mentira nunca foi o meu forte, afinal de contas.

— Viu só? Você não consegue negar.

Gale faz menção de se levantar, mas eu seguro o braço dele.

— Gale, que diferença isso faz? – pergunto, e percebo minha voz alterada pela raiva. – Ele não está aqui. E mesmo que estivesse, ele foi telessequestrado. Ele me odeia. Esqueceu?

Gale dá um risinho de escárnio e então diz:

— Então essas são as únicas razões de você não estar com ele?

— Não foi isso que eu di... – começo, mas Gale me interrompe.

— Foi exatamente isso que você disse.

Eu abro a boca algumas vezes, mas não consigo dizer nada em resposta.

— Eu não quero que você fique comigo só porque ele está fora do seu alcance – continua ele. – Não foi com essa intenção que eu voltei ao 12.

— Sinceramente, o que você estava esperando de mim? – pergunto, finalmente conseguindo dizer algo.

— Esperava que você ao menos fosse se abrir à possibilidade de me amar. Mas no fundo, eu sabia que só estava me enganando. Você não consegue esquecê-lo.

— Você disse que não ia esperar nada além de amizade agora – digo, ignorando a afirmação dele sobre Peeta. – Que sabia que eu ainda não estava bem.

— Já se passaram semanas, Katniss! – dispara ele, visivelmente irritado.

— E você esperava o quê, hein?! Que eu fosse estar novinha em folha em poucas semanas depois de tudo o que eu passei?! – disparo de volta, sentindo minha própria irritação crescer.

— Eu esperava que você ao menos fosse tentar viver! Mas você prefere ficar presa ao passado, sofrendo sempre pelas mesmas coisas e pelas mesmas pessoas!

Ao ouvir isso, eu sinto tanta raiva que me levanto.

— Pra você é muito fácil falar, não é?! – grito, sentindo meu corpo inteiro tremer. – Não foi você que perdeu pessoas amadas na guerra! Não foi você que enfrentou duas arenas! Não é você que acorda desesperado quase todas as noites por causa de pesadelos inenarráveis!

Gale se encolhe ligeiramente, parecendo assustado com a minha raiva. Eu continuo:

— Você nunca vai entender o que é passar por tudo isso. Nunca! E nem mesmo vai tentar entender. Porque você não consegue se colocar no lugar de ninguém!

— Katniss, eu... – ele começa, mas eu o interrompo:

— Foi por isso que nós brigamos tantas vezes durante a guerra. Você não pensou nos inocentes que estavam na noz, não pensou na minha equipe de preparação, não pensou no Peeta... e nem mesmo pensou em mim, em muitos momentos.

Ao soltar tudo isso, eu enfim me dou conta do quão magoada eu ainda me sinto com tudo o que aconteceu. E do quão irreconciliáveis as diferenças entre mim e Gale podem ser. A raiva se transforma em lágrimas, e quando dou por mim, eu já estou soluçando.

Ao sentir a mão de Gale em meu ombro, eu percebo que ele se levantou.

— Katniss...

— A-agora n-não, ok? – digo entre soluços. – D-depois a gente conversa.

E então eu me viro e vou embora, ansiando por ficar só para conseguir colocar meus pensamentos e sentimentos em ordem.

Gale não me chama novamente.

***

No caminho para casa, eu posso sentir algumas pessoas olhando para mim, provavelmente reparando na minha cara de choro. Mas eu ignoro isso e continuo andando, às pressas, tentando ao máximo não pensar em tudo o que acabou de acontecer.

Somente quando eu estou jogada no meu sofá, longe de olhares curiosos, eu me permito realmente pensar no que aconteceu. Gale me beijando. Gale dando a entender que eu só não estou com Peeta porque ele não está aqui. Gale me criticando por eu ainda estar sofrendo por meus traumas e perdas. Eu jogando na cara dele coisas que eu vinha guardando há bastante tempo...

É doloroso pensar nisso tudo, e quando dou por mim, eu estou chorando novamente. Mas apesar do meu sofrimento, eu não fujo das reflexões que sei que preciso fazer.

Eu já imaginava que Gale ainda tinha esperanças de que nós fôssemos ser mais que amigos. Seus sentimentos por mim não são nenhuma novidade para mim, afinal. Mas hoje, diante de suas palavras e atitudes, eu pude perceber que nós termos algo além de amizade não era apenas uma esperança para ele, e sim uma condição para que a nossa relação continuasse a existir.

Ele voltou ao distrito 12 sem nenhuma intenção de ser meu amigo. Toda aquela história dele de se reaproximar de mim, mesmo que só como amigo, foi uma grande mentira. Ele não tinha intenção alguma de restaurar a nossa antiga amizade, ou de cuidar de mim nesse momento em que sinto tanta dor. Tudo o que ele pretendia com essa reaproximação era que eu retribuísse seus sentimentos e ficasse com ele.

Ele não pensou em mim em nenhum momento. Não de verdade. Desde o início, ele já tinha essas intenções muito claras em sua mente. Mas, sinceramente, por que eu ainda me surpreendo? Não é como se as atitudes egoístas de Gale fossem alguma novidade para mim. Eu já me deparei com elas em vários momentos, especialmente no último ano.

“Você também foi egoísta com relação a ele, ainda que num grau menor”; uma voz irritante diz na minha cabeça. Esse pensamento causa dor no meu ego, mas, ainda assim, eu não o rechaço. Sei que isso é verdade, afinal.

Eu me aproveitei de Gale no distrito 2, e me aproveitei dele novamente hoje. Apesar de eu saber que não é ele que eu quero, e de não ter intenção alguma de retribuir seus sentimentos, eu deixei que ele me beijasse. E ainda retribuí os beijos. Nas duas vezes.

A minha necessidade de uma distração me fez desconsiderar os sentimentos de Gale por mim. Eu o usei para me sentir melhor, para preencher o vazio que havia em meu interior. Mesmo sabendo que não era ele que podia preencher esse vazio. Mesmo sabendo que eu não tinha intenção alguma de amá-lo da forma como ele esperava.

Gale pode até ter errado mais, mas isso não significa que eu não tenha errado também. Nós dois erramos. Nós dois fomos egoístas, ainda que em graus diferentes.

Ao me dar conta disso tudo, eu percebo que o meu plano de reconstruir nossa antiga amizade estava fadado ao fracasso desde o início. Nós não somos mais o garoto e a garota que se conheceram na floresta anos atrás. A cola de necessidade mútua que nos unia um ao outro no passado se dissolveu completamente. Hoje, nós temos necessidades diferentes, sentimentos diferentes, valores diferentes. A única coisa que temos em comum é o egoísmo que nos afasta cada vez mais um do outro.

Definitivamente, não há como reconstruir a relação que nós um dia tivemos, mesmo que nós dois ficássemos completamente empenhados nisso. Nós não fazemos bem um para o outro. Não mais.

É difícil chegar a essa conclusão, mas eu sei que não posso mais me enganar. Preciso aceitar a realidade. Só assim eu poderei superar isso tudo.

Com a sensação de solidão e abandono me atingindo em cheio, eu choro pelo que parece um bom tempo. E depois, quando a sala já está ficando escura devido ao por do sol, o meu corpo se entrega à minha exaustão emocional e eu pego no sono.

***

Quando eu acordo, a luz da sala está acesa e Greasy Sae está em pé ao meu lado, me observando.

— Greasy... – digo com a voz rouca, me endireitando no sofá.

— Oi, minha menina. O seu jantar já está pronto. Venha comer.

Eu assinto com a cabeça e me levanto do sofá. Em seguida, vou até a cozinha juntamente com ela. Greasy Sae me olha com um ar de preocupação, como se tivesse percebido que eu não estou muito bem. Mas não me pergunta nada.

Quando ela vai embora, eu volto para o sofá e acabo dormindo lá mesmo. No meio da madrugada, eu acordo desesperada por causa de um terrível pesadelo. Mas não há ninguém para me abraçar e dizer palavras confortantes para mim. Nunca há.

A única pessoa que um dia fez isso por mim não está aqui. E não me ama mais. Estou completamente só, afinal.

***

Nos dias que se seguem, eu não faço muita coisa. Passo a maior parte do tempo jogada no sofá, ora contemplando o teto, ora vendo algumas notícias na TV. Ninguém além de Greasy Sae aparece. Além dela, a única companhia que tenho é Buttercup, que de vez em quando aparece na sala ou no quarto para ficar um pouco comigo.

Greasy Sae percebe que algo não vai bem entre mim e Gale, mas não me força a falar sobre isso. Apenas diz que se eu quiser conversar com alguém, ela está aqui para me ouvir. Mas eu não sinto vontade de conversar sobre isso com ninguém. Não agora.

***

Cerca de uma semana depois da nossa briga, Gale bate à minha porta. Ao vê-lo, eu sinto uma avalanche de emoções desagradáveis e o meu primeiro impulso é o de fechar a porta na cara dele e sair correndo. Mas eu não faço isso. Em vez disso, deixo que ele entre na minha casa. Sei que precisamos conversar. Nem que seja apenas para deixarmos tudo em pratos limpos e seguirmos em frente.

Quando eu estou acomodada no sofá e Gale, na poltrona de junto, ele começa:

— Katniss, eu...

Ele para por um momento, parecendo refletir sobre algo. Mas logo continua:

— Antes de qualquer coisa, eu queria te pedir desculpas pela forma como agi naquele dia. Eu sei que o que você está passando não é fácil. Me desculpe por ter diminuído o seu sofrimento.

Eu assinto com a cabeça, sem saber muito o que dizer. Ele prossegue:

— Eu pensei muito esses dias... E vi que eu não estava sendo justo com você. Eu estava esperando e cobrando coisas que você não pode me dar.

— Você voltou ao 12 sem intenção de ser meu amigo. Você só quis se reaproximar de mim porque achou que dessa forma nós nos tornaríamos um casal – digo, e isso não é uma pergunta.

Gale lança seu olhar para as próprias mãos, parecendo envergonhado demais para me olhar nos olhos.

— Eu queria muito conseguir ser só seu amigo, como antigamente... Mas eu não consigo. Não agora.

— Você poderia ter sido sincero comigo desde o início – digo.

— Eu sei – diz ele, ainda sem olhar para mim. – Me desculpe.

Eu baixo o meu olhar para o meu colo e fico calada, sem saber o que responder. Depois de algum tempo, Gale diz:

— Eu estou indo embora.

Eu levanto a cabeça e vejo que agora ele voltou a olhar para mim.

— Como assim?! – pergunto, surpresa.

— Eu estou indo morar no distrito 2. Minha mãe e meus irmãos vão continuar aqui, mas eu consegui um bom emprego lá e estou indo embora.

— Você não tinha ficado de ajudar na reconstrução do distrito 12? – pergunto, confusa.

Antes que ele me dê uma resposta, porém, eu entendo tudo.

— Você já tinha essa ida ao distrito 2 em mente desde o início. Só estava disposto a continuar aqui no 12 se eu ficasse com você – digo, e isso não é uma pergunta.

— É verdade – admite ele. – Desculpe.

Eu vasculho o meu interior, tentando identificar quais sentimentos essa notícia da partida de Gale está provocando em mim. Eu encontro aquela tristeza, aquela sensação de solidão e abandono que eu senti depois da nossa briga. Mas também encontro um sentimento completamente novo: Alívio. E ele se sobressai em relação aos outros.

— Talvez seja melhor assim – digo. – Nós não fazemos bem um para o outro. Não mais.

Ele me olha com uma expressão de confusão, parecendo não entender o que eu quis dizer. Eu prossigo:

— Eu também não fui justa com você. Você estava certo naquele dia. Eu estava te usando para me sentir melhor. Desculpe.

Ao dizer isso, eu sinto tanta vergonha que volto a fitar o meu colo.

— Você não precisa usar ninguém para se sentir melhor – Gale diz, e eu percebo um pouco de dor em sua voz. – Vá atrás dele.

— Você sabe que isso não é possível – digo, ignorando os sentimentos que já estão começando a se agitar dentro de mim.

— É completamente possível – ele afirma, e quando eu lanço novamente o meu olhar para ele, percebo que ele se levantou da poltrona.

— Eu vou indo agora, Katniss. Eu parto amanhã logo cedo.

Eu me levanto do sofá.

— Tudo bem. Gale?

— Hmm?

— Eu desejo que você seja feliz no distrito 2 – digo com sinceridade.

— Obrigado – diz ele, forçando um leve sorriso. – Eu também desejo que você seja feliz aqui. Pense no que eu disse, ok?

— Ok – eu assinto com a cabeça.

Ele se encaminha para a porta e eu vou atrás dele, para abri-la. Antes que eu a abra, porém, ele diz:

— Pode ser que o tempo ajeite isso tudo, e a gente consiga ser novamente os amigos que um dia fomos.

— É, pode ser – digo, embora eu não acredite muito nisso.

— Adeus, Katniss.

— Adeus, Gale.

Eu giro a maçaneta e abro a porta para ele. Por um breve momento, eu penso se deveria lhe dar um abraço de despedida. Mas antes que eu tome qualquer decisão quanto a isso, ele balança a cabeça num gesto de cordialidade e sai da minha casa. E eu fico lá parada, vendo sua silhueta sumir das minhas vistas.

Quando ele desaparece por completo, eu enfim reajo e entro novamente na minha casa, fechando a porta atrás de mim em seguida. Depois, me deixo cair no sofá e tento refletir sobre tudo o que aconteceu, e sobre o que será da minha vida de agora em diante.

Apesar de eu saber que Gale ir embora provavelmente é o melhor para nós dois no momento, não posso evitar a sensação de solidão e abandono que sua partida e o fim de nossa amizade estão causando em mim. Quando eu estava sozinha, abandonada por praticamente todo o mundo, ele chegou e fez com que sua presença fosse, por um momento, uma fonte de refúgio e distração para mim. Por mais que suas reais intenções e expectativas fossem outras.

Agora, que Gale efetivamente foi embora da minha vida, eu sinto que não tenho mais ninguém nesse mundo. Minha mãe foi morar no distrito 4 e pouco se importa comigo. Minha irmãzinha se foi. Haymitch passa o dia bebendo e nunca vem me ver. E Peeta, eu não faço a menor ideia onde ele está, ou o que aconteceu com ele.

“Vá atrás dele.” A frase de Gale ecoa na minha mente. Será que eu realmente deveria procurar por ele? E será que realmente há alguma maneira de eu fazer isso?

Penso em Haymitch. Será que ele tem alguma notícia de Peeta? Não é impossível, mas quando eu penso no quão quieto ele tem estado desde que retornamos ao 12, concluo que é bem improvável ele saber de alguma coisa.

Penso no Dr. Aurelius. Será que ele sabe de algo? Pode ser que saiba. Mas eu não tenho seu contato. E mesmo que tivesse, eu provavelmente não teria cara de tentar falar com ele depois de todas as vezes que me recusei a atender ligações que provavelmente eram suas.

Tento em pensar em outras possibilidades, mas, por fim, eu decido que preciso amadurecer a ideia antes de tentar qualquer coisa. Não sei se Peeta ia querer saber de mim, afinal.

Ao sentir um estranho sentimento de rejeição, eu me endireito no sofá, pego o controle remoto e ligo a TV. Distraída com a programação, eu não tenho que pensar em Peeta ou em qualquer sentimento relacionado a ele.

***

No dia seguinte, eu acordo assim que os primeiros raios solares do dia penetram o meu quarto. Mas eu não sinto nenhuma vontade de me levantar e sair de casa. Fico na cama, simplesmente, esperando um rompante de disposição que eu sei que não virá. Me levanto apenas quando escuto o barulho de Greasy Sae lá embaixo.

Depois de eu tomar o meu café da manhã, eu vou para o sofá e acabo pegando no sono de novo. Um terrível pesadelo se segue. Eu estou deitada numa cova bem funda e os mortos da revolução jogam uma pá de cinzas em cima de mim, me enterrando cada vez mais fundo. Eu tento gritar, imploro para que eles parem, mas as cinzas enchem a minha boca e eu não consigo emitir nenhum som. E a pá continua cavando...

Acordo sobressaltada. Quando vejo o cenário da sala de estar da minha casa, sei que estive sonhando. Mas o barulho da escavação da pá continua, e parece vir lá de fora. Temendo estar tendo uma alucinação, eu me levanto do sofá, abro a porta e me encaminho até a parte lateral da minha casa, de onde o som parece estar vindo.

Quando vejo Peeta à minha frente, eu mal posso acreditar.

Continua...


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Notas finais do capítulo

Por favor, não me matem! Haha
Brincadeiras à parte, e aí? Gostaram? Espero que a forma como eu abordei o declínio da relação de Katniss e Gale tenha feito sentido para vocês, e que tenha ajudado a sanar qualquer dúvida que algum de vocês pudesse ter acerca dos sentimentos dela.
Digam nos comentários o que acharam, ok?

Na próxima parte, eu irei abordar a reaproximação dela com o Peeta. Comentem bastante para eu ficar bem inspirada. Quero muitos, muitos comentários! :D

Um beijo e até a próxima.



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