A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 61
Sentir


Notas iniciais do capítulo

Hello, it's me...

Voltei! Depois de alguns meses sem atualizações, eis-me aqui, com o coração aberto para propor a vocês "A Redenção da Isabela".‍

Tive um bloqueio gigantesco para continuar esta fic e "Blind Date", mas elas não serão abandonadas, pode deixar!

Peço mil desculpas pelo atraso e agradeço imensamente a todos aqueles que me incentivaram a continuar a fic... Gratidão eterna pelo carinho e apoio! ❤

O lado positivo desse tempo em hiatus é que, nesse intervalo, consegui produzir outras coisas e publiquei outros projetos, que convido todos a conhecer. Falarei mais sobre eles nas notas finais.

Espero que gostem da continuação da fic...

Saudades e boa leitura!



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"Quando a senti pela primeira vez se agitando dentro de mim, fui consumida por um terror que parecia tão velho quanto a própria vida".

Katniss, no Epílogo do livro "A Esperança"

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Por Katniss

Apesar das muitas manifestações de carinho que eu e Peeta temos recebido, está acontecendo o que eu temia quando minha gravidez se tornasse pública.

Plutarch Heavensbee e Caesar Flickerman não descansaram enquanto não lhes prometi uma entrevista quando eu descobrisse o sexo do bebê. Já ouvi boatos de que ambos planejam uma enquete para a escolha do nome da criança, assim como foi feito para a eleição do meu vestido de casamento, na época da Turnê dos Vitoriosos.

Se dependesse deles, haveria a equipe de um reality show dentro da nossa casa, 24 horas por dia.

No entanto, não é isso o que me incomoda agora.

Aperto as mãos com os punhos cerrados e, em seguida, fecho com força as páginas da revista, como se isso fosse um ato de protesto contra o texto em seu interior. O destino dela definitivamente é ser jogada fora.

Eu recuperei a brochura de uma pilha de papeis destinados a ir para o lixo, depois que vi minha mãe escondê-la sorrateiramente no meio do que seria descartado, logo depois de folheá-la e fazer uma expressão de desgosto.

Ela certamente estava vendo a reportagem que acabei de ler e a tentativa de tirá-la das minhas vistas era para me proteger.

No entanto, não resisti à curiosidade e ocultei a revista na gaveta da cômoda, para ler assim que ficasse sozinha.

Pela manhã, depois que Peeta foi à padaria, tive a infeliz oportunidade de checar o texto, que fala dos desafios de ter um bebê com uma família como a minha: a mãe que sofre com pesadelos e traumas de guerra, e o pai, com os efeitos de um telessequestro.

E o pior é que nada do que está escrito é exagero ou invenção. É a mais pura verdade.

"Como será criar um filho no seio de uma família cuja história é marcada por tantas tragédias e sequelas?"

Essa é a pergunta que encerra a nota, a mesma indagação que me faço todos os dias.

Hoje eu não sou apenas uma pessoa, sou duas, e não quero que minha criança herde o sofrimento que estou fadada a carregar pelo resto dos meus dias.

Às vezes, não sei como superar essa tortura interna. Quero sair correndo, esconder-me e esquecer que tudo isso existe, ir para longe, muito longe, com minha família a salvo de todos.

Venho tentando manter minha tranquilidade, para não desgastar Peeta a ponto de provocar uma crise nele. E eu sei que ele tem lutado muito para que não aconteça nenhuma recaída.

Mas essa regularidade que tento aparentar não significa que nunca fico magoada, que nunca sinto raiva, que nunca me sinto mal.

É muito difícil não extravasar e falhei em algumas ocasiões. Farta como estou, hoje talvez seja uma dessas vezes.

Enxugo as lágrimas e me visto. Minhas blusas já ficam completamente esticadas na minha barriga. Então, eu me enfio numa camisa de Peeta e numa calça legging, que ainda comporta meu ventre ligeiramente distendido.

Pego a revista com a intenção de lançá-la na lixeira na primeira oportunidade, marchando para fora do quarto em seguida.

No entanto, mesmo com uma pesada pulsação de tristeza a cada degrau em que piso, minha mente trabalha a meu favor, mostrando-me imagens de um bebê precioso, com o sorriso puro como o de seu pai.

Essa imagem formada em minha imaginação, de alguma maneira, ajuda-me a me sentir capaz de enfrentar tudo para ver esses dois sorrisos juntos à minha frente.

Meu bebê já começou a remendar pequenos retalhos da minha vida despedaçada.

Enquanto desço, um barulho diferente me desperta dos meus pensamentos.

Desde que engravidei, meus sentidos aparentam estar mais aguçados. Com minha audição mais apurada ainda, interrompo o deslocamento pela escada, ao ouvir som de passos e distinguir a sombra de dois pés sob a fresta inferior da porta.

As batidas vêm logo em seguida e se repetem, no ritmo sempre usado por Haymitch.

Abro a porta de supetão e ele está com sua mão no ar, ainda com intenção de tamborilar os nós dos dedos na madeira.

— Oi, docinho. Como estão as coisas? – Haymitch pergunta seriamente e eu o encaro.

— Não tão bem. – Não preciso ocultar, pois sei que é o que minha expressão revela.

— Ah, já sei o que aconteceu. – Seus olhos pousam na revista em minhas mãos. — Eu li a reportagem.

— O que está escrito aqui é o que todos pensam. Até eu me faço esses questionamentos todos os dias.

— Lindinha, eu sei que é difícil, mas você tem que lutar com seus fantasmas. Todos temos essa guerra em nós e cabe a nós vencê-la. Eu sei que você pode fazer isso. Pelo menos, o melhor motivo está se desenvolvendo dentro de você.

— Eu sei disso. – Corro minha mão desajeitadamente sobre o volume em meu abdômen.

— Então... Eu e Elliot estamos lá fora. Você não se aventura a passar um tempo com seus vizinhos? Um menino esperto e simpático e o pai dele, mais esperto e simpático ainda?

— Ah! Quer dizer que temos vizinhos novos? Não pela descrição do menino, pois Elliot se enquadra nela... Mas o perfil do pai do menino não se encaixa muito com você.

— Se já consegue usar de ironia com quem veio aqui pra distraí-la, é sinal de que seu humor está melhor.

— Agradeço o convite, mas não posso ir agora. Hoje vou ao hospital com Peeta.

— Faz bem. Fica para uma próxima vez a sua reavaliação sobre a minha esperteza e simpatia.

— Pode deixar que vou analisar com mais atenção.

— Só preciso fazer uma coisa...

Haymitch pega a revista de minhas mãos e rasga a brochura ao meio.

— Jogue isso na lixeira. – Ele me devolve os destroços de papel impresso.

Antes de voltar para junto de Elliot, Haymitch acena e vira-se de costas, caminhando com as mãos nos bolsos da jaqueta. A distância ainda é suficiente para que ele me ouça.

— Haymitch... – chamo e ele interrompe os passos, esperando o que ainda tenho a dizer. — Você consegue dormir mesmo sem segurar uma faca, como fazia?

Ele gira vagarosamente, com os olhos fixos no chão. Quando finalmente os ergue em minha direção, meu eterno mentor respira fundo.

— Não é fácil, Katniss. Não mesmo. Você sabe tão bem quanto eu... Ninguém nunca ganha os jogos. Ponto final. Há sobreviventes. Não há vencedores. Mas tenho sobrevivido... Ainda tenho motivos para dormir com a faca, mas tenho alguns muito melhores para mantê-la longe de mim a cada noite mal dormida.

— Era o que eu esperava ouvir. Obrigada, Haymitch.

Quando fecho a porta, é como um sinal para eu despertar. Para eu lutar contra os meus fantasmas. Para eu vencer a guerra dentro de mim.

Vou até a janela. Eu a entreabro e observo Elliot empinando uma pipa perto do pai, rindo entusiasmado, enquanto a rabiola ondula no ar.

Não é fácil, mas tenho certeza de que as forças de Haymitch para combater os horrores do passado são renovadas a cada dia, pelos filhos e por causa deles.

Observo os restos da revista em minhas mãos pela última vez.

Não é nada fácil e ainda existem situações – como é o caso dessa reportagem –, que tornam as coisas muito mais difíceis.

O misto de revolta, repulsa e medo embrulham meu estômago, na medida em que amasso as páginas.

A náusea que eu sentia todas as manhãs faz uma reaparição, depois de um bom tempo sem que eu passasse tão mal ao acordar.

E volta com força total. Subo as escadas em direção ao banheiro tão depressa quanto possível.

Acho que nunca me senti tão indisposta assim, nem mesmo quando eu fiquei bêbada com Haymitch, na época do anúncio do Massacre Quaternário.

Depois de alguns minutos, que mais parecem uma eternidade, lidando com esse súbito mal-estar, o ranger do piso de madeira chega aos meus ouvidos. Peeta já está de volta.

— Katniss, você não parece nada bem! – Ouço a voz dele do lado de fora do banheiro.

Balanço a cabeça e o movimento piora a sensação de enjoo.

— Eu estou bem, Peeta! – grito para a porta fechada, enquanto eu me inclino sobre a privada, numa nova onda de engasgos. — É apenas enjoo matinal. Vou ficar bem em pouco tempo.

— Está quase na hora da consulta e...

— Eu sei.

Já imagino que Peeta dirá algo sobre querer muito ver o bebê se mexendo e escutar seus batimentos cardíacos na ultrassonografia. E são exatamente essas as palavras que ele reproduz logo em seguida:

— Eu quero ver o bebê se movendo e ouvir seu coração batendo.

Escuto o clique da maçaneta e aciono a descarga depressa, mas não me ergo do chão. Olho para cima para ver Peeta de pé ao meu lado.

— Você vai ao menos me permitir fazer alguma coisa pra ajudar? – pergunta ele.

— Pelo visto, você não vai mesmo deixar que eu amarre meus próprios cadarços daqui a algum tempo! – reclamo, sofrendo com a garganta ainda crua pelo esforço que a indisposição me obrigou a fazer. — Eu não estou doente. Estou apenas com 16 semanas de gravidez. Posso cuidar de mim muito bem.

Apesar da minha irritação, ele sorri e se abaixa. Peeta recolhe o que sobrou da revista em frangalhos, agora espalhados ao meu redor, e termina de amarrotá-los, moldando uma bola de papel.

— Ah, agora eu sei o motivo de estar tão zangada. – Ele estende a mão para tatear minha bochecha e suspira, depois lança no lixo a esfera que havia feito. — Pronto. Aquela reportagem está no lugar em que deveria estar desde ontem, mas, ao que parece, alguém andou mexendo na pilha de papeis para jogar fora.

— Desde quando só você e minha mãe podem classificar o que deve ou não ir para o lixo?

— Não é isso. Você também pode... E então? Como classificaria aquela revista maldosa?

— Eu a colocaria na pilha que vai para o lixo. – Dou um meio sorriso, que ele retribui com um sorriso inteiro.

— Foi o que eu imaginei. Então, admita...

— Você estava certo – afirmo contrariada, mas volto atrás no mesmo instante. — Melhor dizendo, minha mãe estava certa. Foi ela quem descartou a revista.

— A meu pedido.

— Detesto admitir que você está certo! – disparo, deixando escapar um sorriso.

— Agora que você está mais tranquila, tenho permissão para pegar um pouco de chá e talvez algumas torradas? – pergunta ele e eu meneio a cabeça em concordância.

Meu temperamento bravio já está mais calmo, como só Peeta consegue fazer. Eu não estou sendo justa com ele, que insiste em tentar me ajudar, enquanto fico me prendendo a essa imagem de autossuficiente, apesar de desesperadamente precisar dele cuidando de mim, em especial nesse momento.

— Sim, pode ser. Chá de hortelã e torradas com geleia – aceito e ele beija minha testa, levantando-se e me puxando para cima.

— Eu já volto.

— Obrigada – sussurro.

Encosto-me na parede e sinto meu estômago começar a se acalmar. Eu me aproximo da pia e enxáguo a acidez em minha boca.

Volto para o quarto em passos lentos e me jogo na cama. Não demora muito, Peeta me entrega um prato com pedaços de pão lambuzados de geleia de amora junto a uma xícara de chá e... só me resta sorrir.

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Peeta e eu andamos de mãos dadas em direção ao hospital.

Encontramos Effie no portão da Aldeia dos Vitoriosos, quando estamos saindo. Ela para diante de mim e me examina, dando leves toques em seu queixo. Depois, põe a mão delicadamente em minha barriga.

— Você não pode sair desse jeito, Katniss... Com uma roupa do Peeta! – censura ela, segurando a barra da blusa com as duas mãos. — Vamos, deixe-me ajeitar aqui um pouco para você, fazendo um nó nessa camisa tão larga. Pronto! Assim está melhor.

— Obrigada, Effie.

Não tive coragem de lhe dizer que o que eu mais quero é desfrutar de todo o conforto das vestimentas mais folgadas de Peeta.

— Você deve providenciar roupas de grávida para ela o quanto antes, Peeta.

— Sim, farei isso – assegura ele.

— Ou melhor... Eu mesma me encarregarei disso – propõe Effie. — Ainda tenho o endereço das lojas em que eu comprei pra mim.

— Mal posso esperar – minto.

Até hoje não consigo acreditar que Effie conseguiu roupas de gestação no estilo peculiar dela.

— Agora tomem o rumo do hospital... Vocês devem estar impacientes para o exame de hoje – solfeja Effie, com o sotaque característico da Capital.

Saio apressadamente pelo portão, antes que ela possa detectar quaisquer outros defeitos em minha aparência indisciplinada.

Peeta agarra novamente a minha mão e beija meus cabelos.

— Estou mesmo ansioso para ver o bebê se mexendo e ouvir seu batimento cardíaco – repete ele de modo insistente uma das variações da frase que escutei umas mil vezes, desde que marquei a consulta de hoje.

Apoio a mão no alto da minha barriga e aperto mais os dedos dele, para chamar para mim a atenção dos seus olhos distraídos e sonhadores.

— Peeta, talvez seja necessário tomar uma decisão hoje.

— Decisão sobre o quê? – pergunta ele imediatamente, olhando para mim com o semblante alarmado.

— Minha mãe me disse que, nesse estágio da gravidez, talvez seja possível descobrir o sexo do bebê, se estiver na posição certa – aviso.

— Então, podemos saber hoje se é um menino ou uma menina? – Ele se anima imediatamente. — Agora que estou ansioso de verdade!

Agradeço a mim mesma em pensamento por ter guardado a informação até minutos antes do exame.

— Foi o que pensei.

— Saber o sexo do bebê não vai mudar em nada o quanto eu amo nossa criança, mas acho que seria legal saber... Começar a pensar em um nome e em uns apelidos bobos.

— O problema é que esses exames sempre têm uma margem de erro. Não dá pra confiar totalmente no resultado.

— Greasy Sae disse que, pelo formato da sua barriga, é uma menina. Eu confio no palpite dela. Acho que a ultrassonografia só vai confirmar.

— Quer dizer que vocês ficam especulando?

— É só o que eu faço, desde que você me deu a notícia da gravidez!

— Quero só ver a desculpa que a Greasy Sae vai dar, se for um menino.

— Eu já disse que estou ansioso?

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Quando chegamos ao hospital, após alguns minutos de espera na recepção, a Dra. Melissa nos introduz à sala de exames. É ela que está acompanhando a gestação, desde a ultra de emergência a que precisei me submeter, quando tive o sangramento.

A médica reproduz as mesmas coisas que minha mãe faz comigo regularmente em casa: verifica o meu peso e mede minha barriga. Ela me elogia por eu estar progredindo bem.

A doutora observa Peeta e abafa uma risada, quando percebe como ele está estudando cada movimento que ela faz em torno de mim.

— Como é que essa mamãe está se comportando, Peeta?

Antes que ele possa responder, eu me intrometo:

— Você não deveria perguntar isso pra mim, doutora? – indago.

— Katniss, você normalmente não reclama comigo, mesmo quando existe algo para reclamar – diz ela. — E é por isso que, neste momento, eu acho que é melhor perguntar a ele.

Eu olho para Peeta e ele simplesmente ignora o meu olhar hostil.

— Eu achei que as náuseas de manhã haviam ido embora, mas ela ainda hoje ficou bastante enjoada – informa ele. — Eu também acho que as dores nas costas incomodam mais do que ela admite.

A Dra. Melissa balança a cabeça, aquiescendo.

— Sim, isso é típico do início do segundo trimestre – explica ela. — O mal-estar vai embora, em geral, por conta própria, então não há muito o que se possa fazer além de dar tempo ao tempo. A dor nas costas, porém, não vai simplesmente desaparecer. O incômodo vai realmente ficar pior à medida que o bebê cresce. Eu recomendaria banhos quentes e, principalmente, tentar convencer Peeta a massagear suas costas e seus pés, Katniss.

Eu e ele nos entreolhamos e Peeta pisca pra mim, numa forma de me garantir que não precisa de muito convencimento.

Após eu e a médica debatermos sobre meus horários de caminhada na floresta e minha alimentação – com espaço para muitas intervenções protetoras de Peeta –, ele me ajuda a subir na maca, mesmo depois que protesto e digo que não preciso.

Porém, como o loiro mesmo reiterou em tantas oportunidades, ele está ansioso por esse momento e nada vai atrapalhar seu bom humor.

Eu desamarro o nó dado por Effie e levanto a blusa. Depois, deslizo o cós da minha calça, expondo toda a minha barriga.

A médica aperta cuidadosamente o gel sobre meu abdômen inferior e a sensação de frio é imediata.

Agarro a mão de Peeta com força. A Dra. Melissa sorri e começa a passar o aparelho em meu estômago proeminente, tentando obter um bom ângulo para observar o feto.

À frente dela, acende-se a tela de vídeo com imagens distorcidas em preto e branco, onde mal se distinguem os contornos de uma criança.

— Dependendo da posição do bebê, podemos descobrir o sexo hoje. Vocês vão querer saber? – questiona a médica.

— Nós conversamos sobre isso no caminho pra cá – digo, sem negar ou afirmar.

Peeta olha para mim, esperando por uma resposta mais clara.

Estou prestes a dizer algo de volta, quando se inicia o som já conhecido das batidas do coração do nosso bebê.

É algo que eu ouvi antes, um ruído com o qual já estou familiarizada, porém sempre me assusta um pouco. E me emociona muito.

Para Peeta, também parece que tudo isto é uma grande novidade. Eu não sei o que está se passando em sua mente, enquanto ele olha para a tela em movimento, como se não acreditasse que o ruído que está ouvindo é real.

— É tão incrível – admira-se ele, sorrindo para mim, depois fica em silêncio, observando a Dra. Melissa fazer medições e anotações. — Está tudo bem com o bebê? – Peeta pergunta após alguns segundos, quando já não aguenta mais de curiosidade.

A médica apenas balança a cabeça.

— Tanto quanto eu posso dizer, está perfeitamente saudável. E colaborou muito bem para eu saber o sexo...

— Já é possível saber? – inquire Peeta.

— Bom, eu já sei. Resta vocês decidirem se querem essa informação.

Peeta olha pra ela e depois pra mim. Meu coração se detém.

— Podemos saber se é menino ou menina? – pergunta ele com evidente emoção, ainda que tente se conter.

— Sim. – Sorrio e, quando seu semblante se suaviza, tomo sua mão. — Nós queremos saber.

Ele afaga o dorso da minha mão. A Dra. Melissa gira um pouco mais o monitor para que possamos observar melhor o que está sendo mostrado nele.

Eu ouço Peeta suspirando ao ver a imagem do nosso bebê em movimento.

— Vocês estão decididos? – pergunta a médica.

— Estamos – confirma ele, convicto.

A doutora usa o braço livre para indicar um ponto na tela.

— Vocês podem se preparar para receber uma garotinha! É uma menina.

Eu vejo lágrimas nos olhos de Peeta e eu seco uma que já desce por minha têmpora.

— É uma menina! – Peeta ecoa e se inclina para me beijar, circundando meu rosto com suas mãos cuidadosas.

Ele se afasta devagar e, em seu rosto, vislumbro aquele ar apaixonado e embevecido que faz meu coração acelerar.

Volto a encarar a médica, com as bochechas vermelhas, e ela tem os olhos marejados.

A doutora desliga a aparelhagem e entrega a Peeta toalhas de papel para limpar o gel pegajoso da minha pele.

— Eu capturei um monte de imagens durante a ultra. Vocês querem?

— Sim! – Peeta exclama, empolgado. — Todas elas. Eu gostaria de tê-las para que eu possa pintar um retrato dela.

Ele pronuncia essa última palavra com tanto carinho, que mal posso esperar para escolhermos o nome de nossa filha e, assim, poder ouvi-lo dizer em voz alta.

Peeta me ajuda a sair do leito e encontro um sorriso travesso em seu rosto, quando ele discretamente me impede de cobrir minha barriga com a blusa.

— Ok! – diz a médica, sinalizando que vai nos deixar a sós. — Eu já volto com as fotos do exame.

Eu agradeço com um aceno, mas Peeta já está ajoelhado à minha frente e só tem olhos para meu ventre inchado.

— Eu disse à mamãe que você era uma menina, mas ela simplesmente não acreditou em mim – brinca ele, não se contendo de tanta felicidade.

— Agora que sabemos que é uma menina, você pode usar todos aqueles apelidos bobos que estava imaginando. Só me deixe fora disso...

Ele sacode a cabeça e finge segredar contra a pele da minha barriga.

— Não conte nada para a mamãe, filha, mas acho que vou usar apelidos bobos para vocês duas! – Peeta graceja e, em seguida, coloca as mãos em concha sobre o nosso projeto de ser humano, rindo bastante antes de completar: — Principalmente para ela!

— Você vai ter que massagear tanto as minhas costas para eu aceitar isso – resmungo e ele ri mais ainda.

— É claro que sim! – garante Peeta. — E seus pés também, eu suponho?

Eu o puxo para cima e Peeta reveza o olhar, fitando ambos os meus olhos, os doces olhos azuis saltando para um lado e outro.

Ele coloca sua cabeça sobre a minha, apertando-me contra seu peito.

— Teremos uma menina. Verdadeiro ou falso?

— Verdadeiro – sussurro. — Em alguns meses, você estará segurando sua menininha, papai.

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A Dra. Melissa nos entrega as imagens capturadas, guardadas num envelope pardo, e promete discrição quanto à informação obtida no exame de hoje.

Antes de sairmos do consultório, Peeta me oferece um copo d'água e eu aceito prontamente, antes que ele inicie o discurso sobre a importância de me manter hidratada.

Logo depois, atravessamos o pátio do hospital. Diante da saída, eu e Peeta nos atrapalhamos, num impasse sobre qual trajeto percorrer.

— Vamos pelo caminho que margeia a floresta, passando pela Campina, pois acho que, se seguirmos pelo centro da cidade, você não vai resistir em contar a descoberta a quem cruzar nosso caminho – explico o motivo de estar puxando Peeta para a estrada mais erma.

— Você não quer contar logo a novidade? – questiona ele, um pouco decepcionado.

— Vou revelar ao menos para minha mãe. Mas talvez só para ela, por enquanto. Eu não quero que a notícia se espalhe antes que a gente escolha o nome da nossa filha.

— Você deve estar pensando na enquete sobre o nome da bebê que Caesar e Plutarch estão planejando – deduz Peeta, corretamente. — Foi por isso que pediram uma entrevista assim que descobríssemos se é menino ou menina.

— Já imaginou se eles levarem essa ideia adiante e mobilizarem toda a Panem para escolher o nome da nossa filha?

— Seria péssimo – reconhece Peeta. — E, do jeito que você está querendo adiar a entrevista ao máximo, acho que teremos que guardar esse segredo por um bom tempo.

— A não ser que você já tenha algum nome em mente. Aí terminamos de vez com essa angústia de ter que enfrentar as câmeras. – Tento em vão abrir um sorriso animado.

— Já pensei em alguns nomes, mas desisti de todos...

— Eu gostaria que fosse único, com um significado pra nós.

— Tentei escolher nomes de flores, como o seu e o da sua irmã. – Peeta aperta minha mão carinhosamente, num gesto tranquilizador.

— Eu também pensei nisso. Mas os que eu gosto são nomes de pessoas próximas... Essa tarefa é realmente mais difícil do que pensei.

— Já sei! Eu concedo a você a honra de definir o nome da nossa filha, contanto que eu decida o nome do nosso segundo bebê – arrisca Peeta.

— Segundo bebê? – Estreito os olhos para ele, que finge não ver.

— Gostou da ideia? – Peeta beija minha mão, sem olhar novamente para o meu rosto. — E, daí por diante, nós revezamos a escolha dos nomes dos nossos filhos.

— Mais filhos? Peeta, você é um incorrigível!

— Sou otimista, apenas isso.

Paro um pouco de falar para me sentir confortável, porque, mesmo que caminhar lentamente não exija muito esforço, sempre fica impraticável fazer essas duas coisas ao mesmo tempo e ainda respirar.

Peeta também mantém silêncio no restante do itinerário. E palavras não são mesmo necessárias. Suas feições irradiam a mais pura alegria.

Quando passamos pela Campina, nossos pés automaticamente rumam para a casa da minha mãe, mesmo que eu e ele não tenhamos combinado nada previamente.

Encontramos minha mãe no quintal da nossa antiga casa na Costura, atrás do balcão onde ela prepara seus remédios caseiros.

Assim que nos vê, ela solta o pilão em que macera as plantas para os preparados e circunda a bancada, enquanto limpa os dedos numa flanela.

O aroma calmante da camomila que ela estava manipulando recende pelo ar. Respiro fundo.

— Katniss, Peeta... Não esperava a visita de vocês.

— Temos algo para contar, mãe.

— Acabamos de sair do hospital – avisa Peeta.

— Não me digam que já sabem o sexo do bebê? – pergunta ela.

Eu e Peeta nos entreolhamos, com os olhos sorrindo de felicidade.

— Sim! – Ambos dizemos ao mesmo tempo.

— Então, contem logo! – pede ela.

— Mãe, você terá uma neta.

Um sorriso enorme se aloja em seu rosto fino. Seus olhos claros adquirem tons avermelhados, quando a emoção extravasa através deles.

— É uma menina! – Peeta vibra e a abraça.

Ela retribui o carinho e, ainda com os braços apertados ao redor dele, sussurra palavras de felicitação, que servem para mim também.

Ao final do abraço em Peeta, ela firma suas mãos em meu ventre e diz:

— Como diria o seu pai, Katniss, ela é mais uma flor para o nosso jardim.

Com essa recordação da minha mãe, eu revivo as tantas vezes em que ouvi meu pai se vangloriar por ter um jardim enfeitado por suas três garotas: eu, Primrose e minha mãe.

— Olha só... Mais um voto para nomes de flores, Katniss – contabiliza Peeta, fazendo-me sorrir e, ao mesmo tempo, apressar algumas lágrimas, que logo escapam dos meus olhos.

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Depois de algumas semanas, eu e Peeta ainda não chegamos a um consenso sobre o nome da nossa bebê.

Enquanto isso, tenho que conviver com a criatividade do loiro para inventar formas de chamá-la: florzinha, passarinha, sementinha, estrelinha...

Alguns desses ainda sobram pra mim.

Vasculho a geladeira, em busca da sobremesa caprichada que ele deixou para a pipoquinha dele, como ele se referiu à nossa menina antes de sair.

Devoro algumas colheradas da torta de morango e doce de leite e, satisfeita, vou até o sofá da sala para acolher a bola de pelos que resvala incansavelmente em minhas pernas, miando sem parar.

Dandelion se instala confortavelmente em meu colo, enquanto eu ainda tenho que me remexer até me ajeitar numa posição cômoda.

Aperto delicadamente meu ventre, abaixo do umbigo, e sinto onde está o maior volume e o peso mais pronunciado.

— Você está encolhida aqui, filha?

Ao ouvir minha voz, Dandelion pula sobre a mesa de centro e me assusta ao derrubar o controle remoto da televisão.

Estico a mão para pegar o objeto do chão e o deixo próximo a mim, no braço do sofá, para me reclinar novamente.

Nesse momento de dispersão minha, quando estou novamente estirada na poltrona, eu sinto.

Ali, naquele local onde minhas mãos estavam há pouco, é possível perceber a bebê se movimentar.

É distinto de tudo o que já experienciei antes. É nítido e... apavorante.

Pela primeira vez, identifico minha menina se movendo e me desespero. Dentro de mim, um outro ser já está mostrando sua vida, sua independência. Um ser que eu devo proteger e cuidar e cuja presença eu já posso sentir fisicamente.

Não é muito forte, é apenas uma vibração curta, como quando se pega um peixinho minúsculo nas mãos e ele escapa por entre os dedos.

Dura apenas alguns segundos, mas algo sobre sentir a bebê em movimento acorda um medo em mim diferente de qualquer outro.

Saber que está realmente aqui, crescendo e se desenvolvendo, e que eu não posso mantê-la recolhida no meu corpo, longe das tantas dores desse mundo, simplesmente me aterroriza.

Eu sei que o que está se passando comigo não é um medo normal. É como se eu tivesse nascido com ele. É um terror que parece tão velho quanto a própria vida.

Ressurge em meu coração o pressentimento de que eu não serei uma boa mãe. E de que o mundo ainda não é seguro para ela viver.

Há alguns dias, estava pensando em como será dar à luz, e também tive medo, pois me ocorreu o pensamento de que vou experimentar uma das dores mais excruciantes daqui a alguns meses.

No entanto, uma parte de mim logo me convenceu de que estará tudo bem. Eu tenho Peeta e minha mãe, e eles farão tudo o que puderem para que a gravidez e o parto sejam tão tranquilos e seguros quanto possível. É algo que vai passar. E uma vez que eu os tenha ao meu lado, tudo vai ficar bem.

Mas o medo que surgiu nesse exato instante é tão assustador, que eu realmente me aflijo só de pensar que talvez não vá embora tão facilmente.

Eu sinto a oscilação interna novamente, como asas de borboletas sendo abanadas dentro de mim, e as lágrimas finalmente caem.

As gotas salgadas escorrem pelo canto dos meus olhos, descendo pelas têmporas, pingando na almofada. Com as mãos mantendo meus olhos fechados, tento afastar qualquer pensamento negativo, mas o temor abriu um buraco em meu peito que só faz aumentar.

É uma mistura de medo e impotência. É uma mãe receando por sua criança.

Um corpo peludo arrasta-se ao meu lado e fuça minhas mãos, que cobrem meu rosto, decidindo que este é um momento tão bom quanto qualquer outro para brincar comigo.

Dandelion rasteja pra lá e pra cá e abre espaço para ele sob os meus braços.

Eu choro em seu pelo branco e espesso por um bom tempo, até que o gato pula de volta ao solo.

Eu seguro meus joelhos, encolhendo-me até onde é possível, e sinto meu corpo estremecer com cada soluço. Abraço mais as pernas, numa tentativa de fazer o tremor parar. No entanto, em vez disso, começo a chorar mais.

Ela cresce em mim, eu sei.
Ela se move, eu sinto.
Temo perdê-la, da mesma forma que a amo incondicionalmente.

Para aumentar meu descontrole emocional, agora o movimento que percebo é um toque bem suave da minha pequena, como uma carícia interna.

Fechando os olhos, tento me convencer de que nada irá machucá-la. Ela ficará bem. Eu ficarei bem.

Repito a técnica que um dos médicos do Distrito 13 sugeriu:

— Meu nome é Katniss Everdeen. Meu lar é o Distrito 12. Estou grávida de uma menina. Minha bebê tem dezoito semanas. Ela está se desenvolvendo. Eu posso senti-la.

Meus batimentos cardíacos ainda estão acelerados.

Inspiro o ar pelo nariz e expiro pela boca, refreando gradualmente a quantidade de ar inalada, até o coração bater num ritmo mais espaçado.

Não sei quanto tempo permaneço deitada antes de ouvir a porta se abrir e as passadas animadas de Peeta à minha procura.

Eu percebo quando ele chega perto de mim, mas não me levanto para recebê-lo, como faço todos os dias. Apenas rastejo pelo sofá até alcançar outra almofada para cobrir minha face, de modo que ele não me veja chorar.

Mas é inútil.

Peeta se agacha ao meu lado e suspira.

— O que há de errado? – pergunta ele e apenas balanço a cabeça, fungando. — Ainda são aqueles enjoos? Eu detesto vê-la abatida desse jeito.

— É apenas uma sobrecarga de hormônios que me faz ficar assim emotiva – racionalizo, gentilmente tomando sua mão na minha.

Ele sorri para mim e simplesmente nega com a cabeça.

— Eu sei que não é só isso... Você está com alguma dor? Eu posso enumerar alguns dos seus apelidos de grávida e você pode me cobrar uma massagem.

Eu olho para ele e sorrio através das minhas lágrimas. Meu humor desgovernado faz uma confusão na minha cabeça agora.

— Não. Nada está doendo no momento.

— Já entendi tudo. – Seus olhos pousam no controle remoto abandonado sobre o braço do sofá. — Você viu a reportagem na TV? A gravidez já é uma situação naturalmente delicada e ver você sofrendo essa pressão externa, além de tudo... Esse stress não é bom para você agora. Provavelmente, devemos deixar de assistir a essas coisas.

— Não estou chorando por causa de nada que tenha sido exibido pela imprensa. A TV ficou desligada o tempo inteiro.

Ele me dá um olhar perplexo.

— Então, por que você está chorando? – pergunta ele. — Eu sei que algo aconteceu pra deixar você assim.

Tropeço nas palavras, pois sei que, em outras circunstâncias, a notícia faria Peeta vibrar de alegria. Não queria roubar isso dele.

Fico tentando falar alguma coisa, sem conseguir formular nada coerente. De qualquer maneira, não estou confortável em dizer algo que não seja a realidade.

Sendo assim, não há escapatória. Ele merece a verdade e darei a ele ao menos isso.

— Eu... Eu senti a bebê se mexer.

Como eu imaginava, Peeta mal contém seu sorriso.

Basta ver a covinha de seu queixo que uma sensação boa surge dentro de mim, como uma pequena chama sendo acesa em meu coração.

Ele estende o braço e gentilmente esfrega a mão sobre a minha barriga saliente.

Entrelaço meus dedos com os dele sobre a nossa filha.

A bebê é tão pequena ainda, que eu não sei o que ele está sentindo realmente. Ele olha para mim e franze a testa.

— Você não parecia apenas emocionada. – Peeta examina meu rosto, deslizando o dedo ao longo do meu queixo. — Na verdade, parecia amedrontada.

— Apavorada é a palavra.

— Os bebês começam a se mexer mesmo antes de a gente saber que eles existem! Você viu.

— A diferença entre saber que a bebê se mexe e senti-la é bastante grande.

— Mas está mais calma agora?

Abro a boca para responder que sim, mas as palavras ficam presas em meus lábios, pois a bebê se agita mais uma vez. Minhas mãos deslizam por meu ventre e pairam ao meu lado no sofá, inertes.

Fico paralisada, atônita. Minha única reação visível são as lágrimas que voltam a impregnar meus olhos.

— Katniss, está tudo bem?

A imagem de Peeta está borrada, pois algumas gotas ainda pendem entre meus cílios.

— Tenho tanto medo de perdê-la, depois de tudo o que passamos. Tenho medo de que ela sofra por minha causa, por tudo o que fiz a tantas pessoas. Estou assustada com ela se mexendo. Muito assustada, na verdade. – Tento brincar, mas meus soluços me denunciam.

Ele me abraça zelosamente.

— Calma, meu amor. Ela é apenas um bebê. É uma criança que conhece apenas o pouco espaço que há aqui. – Peeta põe as mãos sobre minha barriga. — Ela vai crescer mais e ficar cada vez mais forte... Logo, logo até eu vou poder sentir nossa menina.

— Eu não queria ter tanto medo disso. Do fato de que ela está crescendo tão rápido...

— Você não precisa ter medo.

— Eu cuidei de Prim, troquei fraldas, mas isso não é ser mãe. É muito mais. Será que consigo protegê-la como ela precisa?

— O que não souber... Você irá aprender. Nós iremos aprender. Essas suas dúvidas são tão naturais quanto o coração dela batendo e os pequenos chutes que ela está lhe dando.

— E quando eu tiver pesadelos? E o que vou dizer à nossa filha, quando ela quiser saber quem eu realmente sou?

— Você foi e é uma lutadora, uma guerreira. Ela sempre vai saber quem você realmente é, pois você vai cuidar dela com todo o carinho, como já tem feito... Você já deveria ter se convencido disso.

— Todos sempre me dizem que eu preciso me ajudar a me recuperar, mas eu preciso saber como...

Ele parece estar decidindo algo e, então, suas sobrancelhas se unem.   

— Então, vamos fazer isso agora. Não é amanhã, nem mais tarde. Agora. Não vamos adiar. Está preparada para uma ação drástica?

— Não sei. Estou?

— Vou pedir a você uma coisa, mas não se irrite. Também não vale dizer que não vai fazer. A única coisa que você pode fazer é pedir pra parar, caso esteja sendo muito duro. Mas eu gostaria que você fosse até o fim.

— Você está me assustando.

— Como falei, é algo extremo. Você tem que me prometer que, quando eu terminar, vai me deixar fugir, pois você vai me odiar.

— Peeta, eu estou grávida e apavorada, olha lá o que pretende fazer...

— É por uma boa causa. – Ele seca minha face com seus dedos gentis. — Eu quero que você feche os olhos e imagine algumas pessoas que vou descrever.

Eu assinto e aperto minhas pálpebras, porém, relutante, pisco os olhos algumas vezes.

Peeta espera que eles estejam definitivamente cerrados e começa a descrever Prim e Rue, absorvendo toda a minha atenção, conforme vislumbro em minha mente cada detalhe da aparência e da personalidade delas.

Peeta não precisa de um pincel para pintar imagens das meninas. Ele também trabalha muito bem com as palavras. Em seguida, ele questiona:

— Você consegue imaginar Prim lhe dizendo que você seria uma péssima mãe? Você visualiza Primrose reclamando que você nunca cuidou dela, que ela nunca se sentiu amada ou protegida do seu lado, que a pior coisa do mundo era ser sua irmã? Ou, então, a Rue, afirmando que preferiria ter morrido logo na arena a ter conhecido você? Imagine as duas proferindo essas palavras horríveis.

Engulo em seco, com dificuldade, devido ao nó formado em minha garganta. Escancaro meus olhos e Peeta está diante de mim, buscando em meu semblante a resposta à reflexão que ele está provocando.

— Isso é particularmente difícil, Peeta.

— Como eu disse, é algo radical e você tem que cumprir as etapas. Apenas diga se você pode imaginá-las dizendo algo assim pra você.

— Eu não consigo imaginar, mas é porque elas eram meninas boas e jamais falariam isso.

— Não só por isso. Você não consegue imaginar, porque não é verdade. – Peeta afaga meus ombros, mas não consigo relaxar nem mesmo sob o calor das suas palmas. — Tenha essa certeza sempre e saiba que nossa filha vai enxergar você como Prim e Rue faziam.

— Obrigada por me fazer ver a mim mesma sob essa perspectiva, Peeta, mas eu preciso ficar um pouco sozinha.

— Eu entendo, mas... Tem certeza?

— Tenho.

— Então, já vou indo.

Ele beija meus cabelos e se levanta devagar, erguendo as mãos num pedido de calma.

Seus passos pesados e hesitantes ressoam numa cadência vagarosa, que chega a ser melancólica. É o oposto do ritmo da marcha entusiasmada de quando ele chegou em casa. Vê-lo assim, sabendo o quanto ele sempre quis vivenciar isso, é triste demais. Eu apenas não queria sentir tanto medo.

— Peeta, não vá, por favor.

Eu me ergo do assento no instante em que ele se vira pra mim.

— Você não quer ficar sozinha?

— Não. Fica comigo...

— Sempre.

Ele retorna depressa para junto de mim e me guarda em seus braços fortes.

— Eu quero agradecer por não desistir de mim.

— Você pode demorar a ceder e a acreditar, mas eu nunca vou desistir. Nossa filha é a prova disso.

— Prometo, daqui pra frente, tentar fazer tudo ficar mais fácil, mas estou sempre tão confusa...

— Eu sei. Num minuto, você me pede para eu sair e, no minuto seguinte, você me implora para ficar.

Eu envolvo meus braços em torno dele, puxando-o para o mais perto possível, com minha barriga dilatada entre nós.

— E significa muito para mim quando você fica.

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Cada vez mais, sinto o esforço e a pressão por subir as escadas, mas Peeta me ampara em cada degrau.

Ele abre a porta do quarto. Muitos presentes, vindos de todas as partes de Panem, estão empilhados num canto.

Quando adentramos o cômodo, ele entrelaça os dedos em cima da minha barriga, enquanto eu suspiro com emoção.

Ele e eu providenciamos tudo juntos, dos móveis claros à decoração simples e delicada. No entanto, as pinturas obviamente ficaram a cargo do meu pintor favorito, que só me deixou vê-las agora.

— Esse será o cantinho dela.

Observo o antigo quarto de Prim enfeitado com elementos da natureza, pincelados em tons suaves. No centro da parede, destaca-se o desenho de nosso salgueiro favorito na Campina.

— Ficou maravilhoso! – elogio. — Nossa filha vai amar!

Sinalizo para meu ventre, pois sua ocupante se remexe, como se soubesse que estamos falando dela.

Os movimentos da minha bebê já não são mais tão assustadores e, ainda que estejam cada vez mais fortes, Peeta ainda não conseguiu senti-los.

Tento estabelecer um padrão... Ela se debate mais quando a hora das refeições está próxima, ou quando como um alimento doce ou bebo algo gelado. E costuma serenar, quando ouve a voz do pai ou quando canto pra ela.

— A pintura ainda não está completa, pois gostaria de escrever o nome da nossa filha na parede.

Peeta me auxilia para que eu me sente na pequena poltrona ao lado da janela.

A bebê se mexe vigorosamente e levanto a minha blusa, sorrindo e passando a mão no lugar onde nossa menina havia se movido.

Uma linha escura se formou debaixo do meu umbigo no segundo trimestre da gestação. Peeta traceja a marca com seus dedos.

— Já pensou em um nome? – indaga ele.

— Pensei em alguns... Mas nenhum me cativou ainda.

Eu assisto pacientemente enquanto algumas ideias e possibilidades passeiam por trás de seus olhos.

— Você imaginou homenagear alguém?

— Eu gosto da ideia, Peeta, mas não tenho certeza...

Num rompante, ele encosta a cabeça em minha barriga.

Depois, Peeta levanta o rosto, seus olhos fixos nos meus.

— Eu senti também.

Recebo uma profusão de beijos em minha pele exposta e minhas risadas despertam nossa filha ainda mais.

A euforia de Peeta apaga qualquer vestígio de medo que eu poderia guardar. Seguro suas mãos, incansáveis em busca de novos chutes da nossa menina.

— Não é só você que tem surpresas, papai...

Levo Peeta pela mão até a sala de estar. Recolho algumas peças do enxoval que estão ao lado do cesto de novelos de lã, que era da minha mãe. Mostro a ele as que foram bordadas por mim, com figuras de dentes-de-leão.

— Isso é lindo demais. Onde você conseguiu?

— Eu fiz. – Dou de ombros. — Delly e minha mãe me ajudaram. Tenho alguns dons artísticos também.

— Você poderá bordar o nome dela também, quando a gente finalmente escolher.

— Sim! Farei isso.

O cheiro bom de pão doce recém-assado me atrai até a cozinha. Peeta me serve algumas porções, depois que me sento à mesa, e separa alguns numa cesta.

— Vou até a casa do Haymitch, para levar esses pães, que Elliot e Maysilee adoram.

Sorrio para sua expressão amável e radiante.

— Eu amo você – declaro, antes que ele se afaste.

— E eu amo você também. – Ele coloca nossas mãos sobre minha barriga e a bebê golpeia novamente, lembrando-nos de que ela está aqui também. — E nós também amamos você, pequena.

Como esperado, seu toque e sua voz são capazes de acalmá-la.

— Amamos muito – complemento.

Ele ri e me puxa para um beijo doce.

Peeta não sai de imediato. Ele vai até a estante da sala e pega o livro de memórias.

— Se você quiser homenagear alguém, o livro pode ajudar. Continue pensando num nome para ela e mantenha-me informado.

Ao terminar de comer, ponho o livro de memórias diante de mim e começo a folheá-lo.

É inacreditável como vivemos tantas coisas. Algumas boas e outras ruins. As coisas boas são muito boas e, mesmo das ruins, tiramos muitas lições.

Quando alcanço a parte que retrata o nosso casamento, deslizo meus dedos suavemente sobre as figuras.

Há também as páginas sobre os casórios e os filhos de nossos amigos.

Ainda existem algumas folhas vazias e mal posso esperar para preenchê-las com cada passo da nossa filha.

De repente, recomeçam os pontapés em minha barriga.

— Calma, filha – peço, mas meu ventre é golpeado sem descanso. — Está tudo bem. O papai já volta.

Nada feito. O rebuliço dela segue incessantemente.

Para tranquilizar a mim e à minha filha, acaricio o local onde a pequena está se contorcendo e começo a cantar:

"Deep in the meadow, under the willow
A bed of grass, a soft green pillow
Lay down your head, and close your eyes
And when they open, the sun will rise..."

A princípio, os movimentos diminuem, mas ela se agita mais um pouco logo depois. Novamente, entoo a canção:

"Deep in the meadow, under the willow..."

Ela desfere mais um chute, bem forte dessa vez. E não consigo avançar na música. Em todas as vezes que tento, recebo um golpe ao cantarolar o final dessa estrofe.

— Willow... Willow... Willow... Você gostou desse nome, filha? Porque eu gostei. Essa música é muito especial pra mim... Minha Willow.

Quando Peeta entra novamente na cozinha, eu aviso:

— Nossa filha escolheu o nome dela, Peeta.


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Notas finais do capítulo

É muito bom estar de volta!

Agradeço de coração a quem me acompanhou até aqui e teve paciência de esperar a continuação!

Ainda tenho muitos planos e muitos capítulos para escrever por aqui... 

Ficarei muito feliz se quiserem conferir minhas novas obras (duas delas já estão concluídas, então não se preocupem com problemas de hiatus ou bloqueio criativo):

"Lucky day" (concluída)

"Antes que você se case"(concluída)

"Vestida para matar"(em andamento)

Até o próximo!

Beijos!

Isabela