A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 4
04. Minha linda caçadora




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Por Peeta

O televisor do refeitório continua ligado, porém não consigo processar mais nenhuma informação na minha cabeça. As imagens surgem sucessivamente na tela e se embaralham ante os meus olhos. O som de vozes se propaga pelo ambiente, mas o significado do que é falado me escapa. As únicas palavras que ecoam em minha mente são: veredito... julgamento... Katniss... amanhã.

No entanto, por incrível que pareça, a notícia que ouvi na TV não é o estopim para nenhum flashback. Não preciso me agarrar a nenhum objeto para afastar as memórias alternativas de Katniss como uma bestante letal. Não estou em crise. Estou apenas em choque.

Caminho até uma cadeira e caio nela pesadamente. Meus olhos encontram os da Dra. Ceres e pergunto, consternado:

— Katniss será condenada à morte amanhã? — A frase sai praticamente inaudível.

Ela não me responde. Repito a pergunta um pouco mais alto. Ninguém me responde. Um desespero toma conta de mim:

— Tenho que vê-la, Dra. Ceres, enquanto ainda há tempo. Preciso de respostas! Preciso dela! — falo sem pensar.

— Não sei o que vai acontecer amanhã, Peeta, mas ela terá um julgamento justo. Não vivemos mais sob o regime tirânico de Snow. — Sua voz é serena.

— E o que é um julgamento justo para ela? — pergunto preocupado.

— Não há como prever. No entanto, não existe somente a pena de morte. — A médica tenta novamente refrear minha angústia.

— Qual é a opção? Prisão perpétua? Isso seria como a morte para Katniss. Seu refúgio é a floresta. Ela é... minha linda caçadora — digo, lembrando-me de como costumava me referir a ela desde o início da minha adolescência, muito antes de nos conhecermos oficialmente.

— Ei, Peeta, não sofra por antecipação — interfere Max. — Bem que minha irmã falou que você é chegado num drama.

Seu tom bem-humorado tem o efeito contrário em mim. Fico ainda mais chateado e me retraio na cadeira, cruzando os braços sobre o meu peito, por me sentir tão impotente e inútil.

No entanto, de repente, uma aparição na TV capta minha atenção. Haymitch está sendo entrevistado por um repórter que o interpela na saída do tribunal. Ele parece ter envelhecido vários anos nessas poucas semanas.

— Estou confiante de que tudo acabará bem amanhã. Os jurados são pessoas razoáveis e tenho certeza de que vão julgar Katniss com responsabilidade e equilíbrio. Não importa o que aconteça, estarei do lado dela. Estarei com o Tordo.

Apenas depois de ouvi-lo dizer tais coisas é que consigo me acalmar um pouco. Esse é o efeito da opinião de um mentor bêbado, mas esperto o bastante para ajudar a mim e à Katniss a sairmos vivos, apesar de despedaçados, de duas arenas e de uma rebelião.

A entrevista ainda não havia terminado, quando ouço a sua voz rouca atrás de mim:

— Alguma chance de conseguir uma bebida aqui nesse refeitório?

Obviamente a entrevista que está sendo transmitida não é ao vivo e o velho e bom Haymitch se materializa ao meu lado, puxando uma cadeira.

— Se você conseguir algo pra beber, peça uma dose pra mim também. Estou precisando — respondo.

A médica franze a testa para mim e logo emendo:

— É brincadeira, Dra. Ceres. Não bebo álcool — comento embaraçado. — Haymitch, esses são a Dra. Ceres e o enfermeiro Maximus.

— Dra. Ceres. Enfermeiro Maximus. — Haymitch estende a mão para cumprimentá-los e depois aponta para mim. — É mais fácil esse aqui driblar a segurança do hospital para ir aos meus aposentos na mansão presidencial e jogar todo o meu estoque de licor pelo ralo... só para eu ficar sóbrio no dia de amanhã. Mas, fique tranquilo, Peeta, é assim que tenho me mantido desde aquele fatídico dia em que Katniss aprontou aquela confusão.

Dra. Ceres e Max permanecem à mesa conosco, mas se mantém entretidos um com o outro, dando-nos a oportunidade de conversarmos.

— Como você está enfrentando tudo isso, sozinho e sem bebida, Haymitch? — questiono.

— Eu já devia estar preparado. O que mais poderia esperar de Katniss? Não seria ela, se não estivesse me dando um bocado de trabalho... A missão dela era simples. Matar Snow. Atirar uma flecha nele. No entanto, não! Katniss tinha que acertar a Coin! — dispara ele, revoltado. — Se bem que eu faria o mesmo no lugar dela. Aquela víbora era tão sórdida quanto seu antecessor e ele, pelo menos, já estava com o pé na cova.

Haymitch se vira para a dupla ao nosso lado e sua voz se abranda rapidamente:

— Peço desculpas pelo vocabulário chulo, Dra. Ceres — diz, fazendo uma reverência.

Todos rimos com os trejeitos exagerados de Haymitch.

— Katniss não pretendia dar trabalho a você, Haymitch. Ela quis se matar naquele dia, mas impedi — revelo.

— Então, quem me deu todo esse trabalho foi você, não é, garoto? — ironiza ele, divertido, mas fica sério de repente. — Obrigado, Peeta. Você não salvou só a Katniss. Não sou de grande valia, apenas um bêbado grosseiro, mal humorado, que não cuida nem de si mesmo, mas não sei o que faria se eu perdesse um de vocês dois dessa maneira.

Eu me levanto e o puxo para um longo abraço. Acho que nós dois estávamos precisando dele.

— Senti sua falta, Haymitch. Como sabia que eu já estava podendo receber visitas? — indago.

— Na verdade, não sabia e viria aqui de qualquer jeito. Pedi autorização ao Dr. Aurelius. Precisava falar com você ainda hoje, pois acredito que os próximos dias serão bastante atribulados.

— Soube do julgamento ainda há pouco. Você tem algum palpite sobre o resultado de amanhã? De verdade, não só para as câmeras? — questiono, já voltando a demonstrar sinais de nervosismo.

— Não posso afirmar nada. No entanto, acho que, ainda que Katniss seja considerada culpada pelos jurados, a juíza do caso não aplicará uma pena tão severa. — Haymitch me tranquiliza. — O Dr. Aurelius fez um grande trabalho de convencimento dos jurados, embora não tenha sido muito lisonjeiro com a Katniss, ao dizer que ela fez o que fez por ser uma lunática traumatizada.

Ele pisca para a Dra. Ceres, que balança a cabeça em sinal de desaprovação à zombaria de Haymitch ao trabalho do médico. No entanto, ela não faz isso de uma forma hostil, de modo que o clima da conversa continua amistoso.

— O importante é que, com isso, ele deve ter livrado a pele dela! — Max se anima.

— Exatamente! — Haymitch concorda.

— E como Katniss está? — indago.

— Ela está no Centro de Treinamento, no quarto que ela ocupava antes dos Jogos. No entanto, sequer está ciente do que está acontecendo. Não tem contato com ninguém. — Ele se entristece.

— Isso é horrível — balbucio desolado.

— Até tentei, mas não pude melhorar muito a situação dela. — Haymitch não esconde sua frustração.

— Preciso saber uma coisa — digo, abaixando o tom de voz. — Você já desconfiava do que Katniss ia fazer? Fiquei com essa impressão desde que você acompanhou o voto dela na enquete de Coin sobre uma última edição dos Jogos Vorazes.

— Nunca sei o que se passa naquela cabecinha esquentada da Katniss. Mas, naquele dia, li em sua expressão que ela precisava de apoio e quis que soubesse que estaria do lado dela. Como estou até agora.

Haymitch não me convence com essa resposta evasiva. Ele sabia ou, pelo menos, sabe agora quais foram os motivos de Katniss para matar Coin, porém deve ter uma boa razão para não me contar e respeito isso.

— Vocês são muito parecidos mesmo — afirmo, olhando para seus orbes, cinzentos como os dela. — Até leem os pensamentos um do outro... mas, se você está do lado dela, devo ficar também.

— Pelo visto, não consigo esconder muita coisa de você também não, Peeta.

— Nem deveria. Nós somos uma equipe, não se lembra?

Haymitch estende uma das mãos com o polegar para cima, fazendo sinal de positivo, enquanto abocanha um pedaço de pão que pegou do cesto sobre a mesa. Depois, faz uma careta:

— Peeta, deveriam colocar você pra trabalhar na cozinha daqui. Que pão sem graça eles estão servindo!

— Haymitch, sua ideia é brilhante! Seria uma ótima terapia. — A Dra. Ceres se entusiasma. — Você concorda, Peeta?

— Claro que sim! — respondo satisfeito. — Meu mentor, sempre me surpreendendo.

Haymitch deixa o pão de lado e apoia suas mãos em meus ombros.

— Já vou andando. Muito bom ver o seu progresso, Peeta. Assim que puder, mando notícias.

— Até breve, Haymitch — despeço–me dele com um aperto de mãos.

— Fique vivo, garoto — Haymitch repete a frase que ouvi tantas vezes e vira-se para os dois irmãos. — Adeus, Maximus e Dra. Ceres. Estou tranquilo em saber que o Peeta está sendo tão bem cuidado. — Ele deposita um beijo na mão da médica.

— Boa sorte amanhã, Haymitch — fala Max.

— Vou precisar. Amanhã e sempre. — Ele finalmente se afasta e deixa o refeitório.

A Dra. Ceres me observa com curiosidade.

— Como isso é possível, Peeta? Nem sinal de um flashback durante toda essa conversa, repleta de lembranças da Katniss.

— Não sei ao certo, mas acho que o Haymitch me inspira confiança. Por mais insano que isso possa parecer!

— Seria ótimo, então, mantê-lo sempre por perto — aconselha a médica e faço um gesto afirmativo.

Sirvo-me das frutas, suco e pão que estão sobre a nossa mesa e recordo do conselho de Haymitch.

— Vou poder mesmo ajudar na cozinha?

— Isso não depende só da minha autorização. Tenho que pedir permissão aos responsáveis pela preparação das refeições. No entanto, prefiro programar isso para daqui a alguns dias. Você teve uma tarde cheia hoje e amanhã está prometendo ser um dia muito movimentado também.

Termino de lanchar e, logo após, voltamos para o meu quarto, andando vagarosamente. Quando lá chegamos, Max diz:

— Não se preocupe, Peeta. Vamos dar outras voltas por aí mais vezes, mas só se você prometer me apresentar à sua amiga Johanna Mason — pede o enfermeiro, sem se importar que sua irmã esteja ouvindo.

Max me estende a mão e eu a aperto.

— Trato feito. Vou dar também algumas dicas de como chamar a atenção da Johanna.

— Que mulher é aquela? — Max suspira, erguendo os braços.

Dra. Ceres dá uma cotovelada nele.

— Não me mate de vergonha, Maximus!

— Ai, maninha! — Ele faz uma cara de dor. — Tenho que valorizar a futura mãe dos seus sobrinhos!

A Dra. Ceres revira os olhos. Não seguro a risada.

— Tchau, Max! Vá cuidar do seu trabalho! — ordena ela, irritada, porém logo suaviza sua expressão. — E obrigada por sua ajuda hoje, irmãozinho...

— Estou às ordens. E isso vale pra você também, Peeta. Até mais!

— Vejo você amanhã, Max.

A Dra. Ceres demora um pouco mais.

— Só vou checar se já trouxeram sua medicação e vou deixá-lo sozinho. O dia de hoje trouxe muita coisa em que se pensar, não é verdade?

Assim ela faz e entra em meu quarto apenas para me entregar o remédio com um pouco d’água.

— Agora, prepare-se para descansar. Estarei aqui logo cedo amanhã — informa a médica.

— Até lá e... obrigado por tudo, Dra. Ceres, especialmente por sua confiança em mim.

Ela me lança um olhar tranquilo e acena antes de sair.

A Dra. Ceres tem razão. Tudo o que vivenciei hoje me trouxe muita coisa em que pensar. No entanto, o excesso de informações absorvidas fez com que eu me focasse em apenas um ponto. Na verdade, uma pessoa. Apenas ela povoa minhas divagações até eu pegar no sono.

Katniss. Não como o Tordo, a figura que desperta em mim os sentimentos mais extremos, mas como a minha linda caçadora, que guardei por anos em meu coração, sem duvidar durante todo esse tempo de que ela merecia o meu amor.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!

Estou ansiosa para escrever os capítulos em que Peeta e Katniss se reencontram!

Beijos!



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