A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 3
03. Uma garota em chamas e um menino apaixonado por ela


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!

Gostaria de avisar que postei aqui também a minha primeira fic, que já está concluída no Wattpad. Ela é curtinha e fofinha... meu xodó literário! Espero que possam conferir: “O presente de Peeta para Prim”.

Beijos!



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Por Peeta

Pensando nas crianças que me cercam e no quanto poderiam ficar assustadas, esforço-me para reprimir um grito. Toda a musculatura do meu corpo está tensionada. Tenho certeza de que é tarde demais e que já ultrapassei a linha tênue entre a sanidade e o descontrole.

Estou quase sufocando, quando algo subitamente me acalma. Sou resgatado da crise pelo calor de uma mãozinha que acaricia suavemente a minha testa. Meus músculos relaxam e minha respiração aos poucos se estabiliza.

Abro os olhos com dificuldade para me deparar com a menor das menininhas da ala pediátrica, que chega ainda mais perto de mim quando nossos olhares se encontram. Ela aponta o dedinho para uma das cicatrizes em meu rosto e pergunta:

— Tá dodói aqui?

— Sim — respondo, ainda meio zonzo. — Você me dá um beijo pra sarar?

Ela não hesita em agarrar meu pescoço e tascar um beijo em minha bochecha, sendo imitada por alguns de seus amiguinhos, o que me faz perder o equilíbrio e cair no chão, desencadeando uma onda de risadas.

Reparo a expressão de alívio da Dra. Ceres e de Maximus. Fico desconcertado, mas isso não importa, pois não tenho a intenção de dizer nada. Só queria aproveitar aquele som gostoso dos risos das crianças. Não ouvia nada parecido há muito tempo.

Max me ajuda a levantar e a Dra. Ceres chega perto de mim:

— Está tudo bem, Peeta?

— Foi por pouco. — Não consigo esconder minha preocupação. — Preciso voltar ao meu quarto. Não quero oferecer risco pra mais ninguém. Jamais me perdoaria se fizesse algum mal a essas crianças.

— Nós vamos sair daqui, mas iremos ao meu consultório. Lembra daquela longa conversa que prometi que teríamos?

— Sim — afirmo apreensivo.

— Ou você está muito cansado pra isso?

Balanço a cabeça negativamente, porém me sinto esgotado, na verdade. No entanto, a curiosidade e a vontade de fazer o máximo ao meu alcance para auxiliar meu tratamento falam mais alto.

Antes de dar adeus aos pequenos, caminho até a menina com o braço engessado e digo:

— Guarde o seu coraçãozinho para alguém tão especial quanto você, combinado?

Ela assente com a cabeça, abrindo um lindo sorriso.

— Vocês já vão? — pergunta Max, vendo a nossa movimentação em direção à saída. — Daqui a pouco chego lá no consultório. Acho que as crianças não vão me largar tão cedo.

Acompanho a Dra. Ceres até o elevador, que nos deixa numa área de acesso restrito do hospital. Para atravessar algumas portas, é preciso que ela digite senhas ou passe sua mão por scanners. Finalmente, chegamos ao nosso destino, o qual não se assemelha nem um pouco a um local de consultas e tratamentos comum.

— Bem-vindo ao meu consultório, que funciona ainda como minha sala de pesquisa e de reuniões. — Dra. Ceres me faz entrar antes dela. — Herdei do meu pai, que não exerce mais a medicina, mas também foi médico e pesquisador deste hospital.

Observo tudo ao meu redor. À direita, uma parede de vidro separa o ambiente em que estamos de um moderno laboratório de pesquisas, onde diversas pessoas ocupam pias, mesas e bancadas repletas de tubos e recipientes com líquidos coloridos, microscópios e outros instrumentos.

Logo ao lado, a ampla sala da Dra. Ceres possui diversos setores e divisórias entre eles. Um compartimento parece servir a consultas médicas, com uma maca posicionada num dos cantos. Outro espaço possui uma grande mesa de reuniões ao centro com uma tela em uma das extremidades e equipamentos de projeção de imagens na outra. No último nicho à minha esquerda, estão uma cadeira e um maquinário exatamente iguais aos usados durante as minhas sessões de telessequestro.

Estremeço. Meu impulso seguinte é dar alguns passos para trás, buscando a saída, porém a porta já está trancada.

— Peeta, acalme-se, por favor. — A médica apoia uma das mãos em meu ombro e faz uma leve pressão, indicando que devo seguir em frente. — Sinto muito não haver preparado você para o que encontraria em meu consultório. É que preciso estudar todas as suas reações para um diagnóstico ainda mais preciso do seu distúrbio.

Ela aponta uma cadeira na sala de reuniões, onde me sento, apoiando os cotovelos na mesa para poder esconder meu rosto em minhas mãos.

— Cada coisa que aconteceu hoje parece estar me mostrando que ainda não estou pronto para o convívio em sociedade — observo consternado. — Estou reagindo mal a tudo que ouço e vejo.

— Começou o melodrama... — Ela ri, pondo a mão em meu queixo para erguer minha cabeça em sua direção. — Você não está reagindo mal. Está apenas reagindo.

— Então, não sou um caso perdido? — Vejo-a se sentar à minha frente.

— Longe disso! Se você tivesse noção de como sua evolução é surpreendente... O estágio que você já alcançou é admirável, levando em conta quem você era, no que foi transformado com o telessequestro e como está agora — argumenta.

— E como estou agora?

— Muito melhor do que o esperado! Durante nosso breve passeio, constatei que o gatilho para os seus flashbacks continua sendo a Katniss. Veja só o que acabou de ocorrer. A sua resposta ao ver uma réplica dos instrumentos usados em sua tortura não foi partir para o ataque. Em vez disso, você tentou se defender, tentou se afastar do que representava uma ameaça. São coisas bem diferentes — explana a médica. — Verifiquei também que não é qualquer menção à Katniss que desencadeia uma crise... Como agora, por exemplo. Acabei de falar nela e seu comportamento não se alterou. Para isso, seria necessário você ver ou ouvir algo perturbador, algo que desperte em você sentimentos contraditórios, como quando aquela menina comentou sobre o seu amor por Katniss — pontua ela.

— Mesmo que seja capaz de resistir aos surtos em algumas situações, Dra. Ceres, eles ainda podem acontecer. Não posso controlar o que as pessoas vão me dizer sobre Katniss.

— Mas você pode controlar o modo como esses comentários o afetam, pode se preparar para eles — ela rebate minha constatação pessimista. — Outro ponto importante é a maneira como alguns fatores externos podem bloquear os surtos. Hoje, foi o toque daquela garotinha em sua testa que simplesmente interrompeu o flashback que havia se iniciado.

— E se a crise continuasse? O que seria daquelas crianças? — Ainda não estou convencido de que não sou um perigo ambulante.

— Pela minha experiência, acredito que, em sua fase atual, a única que ainda pode ser atingida por você é a própria Katniss. O máximo que pode acontecer às demais pessoas é ficarem assustadas com o modo como você se comporta durante esses episódios. De qualquer modo, até termos certeza disso, devemos ser mais cautelosos.

— Você já tratou de outros casos como o meu, doutora?

— Infelizmente, sim. — Ela se entristece. — É aqui que começa a longa história que preciso contar a você... Meu pai também foi telessequestrado.

Não consigo disfarçar meu espanto. A Dra. Ceres respira lenta e profundamente, olhando para as próprias mãos, agora ligeiramente trêmulas.

— É bom que meu irmão não esteja aqui. É difícil para ele dividir esses acontecimentos.

— Se ele não está de acordo, não precisa continuar — pondero.

— Você merece saber. — Ela fita meus olhos. — Como disse a você, meu pai era médico e pesquisador deste hospital. Ele ocupava exatamente esse espaço em que estamos agora. As pesquisas e os tratamentos que desenvolvia eram todos voltados para o bem-estar das pessoas da Capital. Foi assim até que meu pai foi convocado a direcionar suas pesquisas para a criação de armadilhas químicas que seriam usadas nas arenas dos Jogos Vorazes.

— Aposto que essa convocação era, na verdade, uma ordem e ele não tinha outra opção — afirmo.

— Exatamente. Meu pai estava a ponto de desistir de sua carreira, quando foi procurado por membros da Força de Resistência da Capital.

— Força de Resistência? — pergunto, pois desconheço essa expressão.

— Vou explicar... Antes da rebelião, você só conheceu um lado da Capital. O lado fútil, deslumbrado, que se entretinha com coisas horrendas como os Jogos Vorazes. No entanto, existia também um lado da população que se opunha aos desmandos do governo. Eram os Resistentes. — Ela pensa um pouco antes de prosseguir. — Aliás, você deve sim ter conhecido alguns deles. Muitos Avoxes eram Resistentes capturados pelo governo.

— Sim, conheci alguns Avoxes, mas não sei se faziam parte da Resistência. — Eu me recordo, então, de Lavinia, Darius e Pollux.

— Então, como ia dizendo, quando souberam da relutância do meu pai em aceitar o encargo imposto por Snow, alguns integrantes da Força de Resistência o persuadiram a acatar a ordem da Capital e agir como um infiltrado. Apesar de discordarem do modo como Snow governava Panem, meu pai e minha mãe nunca foram engajados politicamente. No entanto, depois disso, meu pai passou a exercer esse duplo papel. De um lado, inventando alucinógenos, venenos e ácidos para os tributos e, em contrapartida, obtendo informações privilegiadas para os Resistentes.

— Você e seu irmão sabiam disso?

— Nós éramos muito novos quando tudo começou, mas logo percebemos as mudanças no comportamento dos nossos pais. Meu pai deixou de ser a pessoa calma e alegre que sempre foi e minha mãe passou a atuar em diversas frentes de oposição ao governo.

— Imagino o sofrimento de seu pai. Após dedicar uma vida inteira ao cuidado com as pessoas, foi obrigado a usar esse dom para causar dor e morte às crianças dos Distritos — observo.

— Você resumiu bem a situação dele e isso durou muitos anos. Eu já estava na faculdade quando a traição dos meus pais foi descoberta. — Uma lágrima escorre pelo rosto da médica. — No entanto, eles não foram presos ou transformados em Avoxes. A Capital preferiu usar meu pai contra a Resistência, através da técnica perfeita para espiões como ele...

— O telessequestro — completo. — Feito para transformar a pessoa que o inimigo quer ter próxima de si numa arma contra ele. Como ocorreu comigo em relação à Katniss.

— Você sabe disso melhor que ninguém, Peeta — concorda a Dra. Ceres. — Assim, meu pai começou a ser telessequestrado progressivamente, durante anos. Ele foi programado para eliminar aos poucos, um a um, os líderes Resistentes que mais confiavam nele. Era o plano perfeito, pois meu pai estava acima de qualquer suspeita. A última líder a ser o alvo do telessequestro foi a minha mãe...

— Sinto muito, Dra. Ceres.

— Somente descobri o que estava se passando com meu pai, quando ele atacou minha mãe. Fiz alguns exames nele e detectei os altos níveis de veneno de teleguiadas em seu organismo.

— Você perdeu a sua mãe? Seu pai conseguiu mat... — Sequer posso terminar a frase.

— Ele tentou matá-la, assim como tenta até hoje, quando tem um surto. — Suas feições exprimem pura desolação.

— Como acontece comigo — constato desanimado. — E quanto à Capital? Snow deixou sua família em paz, mesmo depois que seu pai não conseguiu o objetivo final?

— Talvez Snow tenha pensado que a Resistência se encarregaria de eliminar o meu pai, depois que veio à tona a autoria dos assassinatos de alguns de seus líderes. Pode ser também que ele considerasse suficiente como punição que meus pais vivessem sob a sombra do telessequestro... No entanto, não tenho certeza. A única certeza que tenho é de que, naquela época, uma garota em chamas e um menino apaixonado por ela desafiaram a Capital e despertaram todo o país para uma rebelião.

Meu coração dispara com suas últimas palavras e, em minha cabeça, fico repetindo a parte em que ela se referiu a mim e à Katniss... Uma garota em chamas e um menino apaixonado por ela.

A Dra. Ceres segura com carinho minhas mãos, que estavam sobre a mesa, e desperto do transe.

— O que vocês fizeram e o que vocês se tornaram para todo o país desviou a atenção de Snow e consegui ganhar tempo para pesquisar e iniciar um tratamento em meu pai — emociona–se ela. — E isso poupou minha família de uma tragédia maior ainda.

— Mas seu pai ainda é uma ameaça para sua mãe, como ainda sou para Katniss... — enfatizo a pior das sequelas do telessequestro.

— Sim. Meu pai respondeu bem ao tratamento, mas não ficou curado. Eu havia perdido as esperanças de que ele melhorasse ainda mais, até que conheci o seu caso e comecei a cuidar de você. Por coincidência, o menino que, mesmo sem saber, foi fundamental no progresso das condições do meu pai.

— Mas ainda estou uma bagunça por dentro. Como posso ser motivo de esperança no tratamento do seu pai?

— Vou dar um exemplo. Antes de você chegar aqui no hospital, não conhecia a técnica inversa ao telessequestro, proposta por Primrose Everdeen, de combinar tranquilizantes e imagens de acontecimentos reais para recuperar as memórias positivas. — Ela aponta para a última divisória da sala. — É por isso que aquela cadeira está ali. Meu pai já passou por algumas sessões e o resultado foi muito satisfatório.

— Minha querida Prim... Ela teria sido uma médica extraordinária — reconheço com tristeza.

— Lendo seu prontuário, é possível perceber que ela teve participação ativa em sua recuperação, que foi e tem sido excelente, embora você não concorde. Então, posso afirmar que Primrose tinha o dom da medicina, algo que não se conquista com um diploma, e ela o exercia muito bem.

A Dra. Ceres fica pensativa por uns instantes, parecendo hesitante em dizer algo para mim. No entanto, como num estalo, ela prossegue:

— Como sua médica, não deveria dizer o que estou prestes a desabafar. É sobre você e Katniss... Que tal aproveitar esse bate-papo para exercitar o seu autocontrole, como pedi que você fizesse ainda há pouco?

Seguro com força os braços da cadeira.

— Pode falar, Dra. Ceres — assinto, bastante inseguro.

— O seu telessequestro foi muito radical. Sua estrutura mental foi abruptamente alterada num curto espaço de tempo. Se não estivesse aqui diante de você, não acreditaria que você pudesse se restabelecer algum dia. A sua força de vontade para que isso aconteça é um fator determinante. No entanto, identifico que em você existe algo mais que essa força de vontade. Algo que não consigo dissociar do amor que você sentia, ou sente, por Katniss. Busque isso em você. Recupere esse sentimento, Peeta. Acho que esse seria o seu melhor tratamento.

À medida que ela vai falando, meu rosto se contrai e preciso apertar os braços da cadeira, a ponto de meus dedos doerem. No entanto, não passa disso. Respiro mais tranquilo após alguns minutos e a médica me observa em expectativa.

— Vamos lanchar, doutora? — proponho. — Se não, acho que vou perder os sentidos.

Ela ri com o trocadilho.

— Não era bem essa a resposta que eu esperava para o meu desabafo, mas gostei de ver! Você se saiu muito bem. — Ela se levanta e a acompanho até a saída.

De volta aos corredores do hospital, a Dra. Ceres torna a falar:

— Peeta, devo lhe pedir desculpas. Ter mantido você isolado e sem contato com o mundo exterior por tanto tempo fazia parte do seu tratamento, mas foi também um ato egoísta meu. Estava pensando em minhas pesquisas, em meu pai, e ignorei o fato de você ser apenas um menino... cheio de vida, querendo respirar outros ares e ansioso por notícias.

— Falando nisso, Dra. Ceres, estou relutando desde sempre pra perguntar sobre... sobre Katniss. O que houve com ela? — Finalmente, consigo indagar.

— Katniss está aguardando o resultado do julgamento pelo assassinato de Alma Coin — responde ela. — Preciso alertá-lo de que o evento está sendo transmitido nacionalmente e, no refeitório, é provável que esteja passando algo a respeito na televisão.

Dito e feito, ao chegarmos ao local e nos aproximarmos da mesa onde Maximus já está sentado diante de uma quantidade enorme de comida, há uma ligeira comoção entre as pessoas presentes, as quais pedem silêncio, apontando para o televisor.

Na grande tela, vejo ao fundo uma imagem de Katniss, vestida em seu traje negro, segurando uma flecha posicionada em seu arco, enquanto o repórter noticia aquilo que seria a prova de fogo para o meu autodomínio num local público:

— Depois de ouvidos os principais depoimentos das testemunhas de defesa e de acusação, o veredito do julgamento de Katniss Everdeen é aguardado para amanhã. O anúncio será transmitido ao vivo para toda a Panem. Fique atento à nossa programação.


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Notas finais do capítulo

Oi de novo!

Longa conversa é sinônimo de longo capítulo…
O próximo será bem mais descontraído. Afinal, o Peeta vai receber visitas no hospital!
Quem aparecerá por lá?
Grata pela leitura! Quem quiser opinar, criticar, elogiar: fique à vontade!

Isabela



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