A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 25
25. Não foi em vão


Notas iniciais do capítulo

Capítulo com risco de lágrimas... Prim... :'(



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Por Katniss

Fecho a porta atrás de mim, porém não giro a chave para trancá-la. Encosto minha cabeça nela e solto um suspiro profundo.

Repasso em minha mente cada minuto da noite do meu aniversário, cada sensação. Foi tudo maravilhoso.

Apoio minha mão na maçaneta. Será que Peeta percebeu que deixei a porta aberta, tal como ele pediu? Ou será que devo deixá-la entreaberta?

Reflito durante alguns instantes e, por fim, concluo que é melhor ficar como está, pois é possível que Greasy Sae ou Haymitch vejam que não tranquei a porta e resolvam passar a chave na fechadura.

Olho para os meus pés e a água que escorre do meu corpo e do meu vestido já forma uma poça no chão. Nunca uma chuva foi tão bem-vinda, pois serviu para eu ficar a sós com Peeta, o que me animou a me entregar ao seu beijo. E que beijo!

Toco meus lábios e meu rosto aquecido, apesar de completamente molhado pela chuva gelada, e tenho novamente em mim um sentimento delicioso de felicidade, que é, de todas as formas possíveis, relacionado a Peeta.

Já me senti assim na arena-relógio e, não por acaso, foi depois de estar em seus braços. A sensação é outra vez tão doce que me apego a ela, mesmo que apenas por alguns momentos, antes do frio que atravessa minha pele úmida exigir meu regresso à realidade.

Busco uma toalha para me enxugar antes de subir para o meu quarto. Tomo um banho, visto uma roupa quente e desço. Aqueço um pouco de leite e, enquanto espero que esfrie, enxugo o chão molhado.

Vou até a janela da sala, bebericando aos poucos o leite, e constato que a chuva ainda não passou. As luzes do andar de baixo da casa de Peeta estão acesas e é possível ver que ainda há bastante gente por lá.

Apago todas as lâmpadas de casa e me recolho em meu quarto. Só percebo a presença de Buttercup aos pés da cama quando já estou debaixo do cobertor.

— Hoje eu não estava aqui para jantar com você. Está com fome? — O gato apenas brinca com as pontas da manta, ignorando minha presença. — Vou dormir, então... ou, ao menos, vou tentar.

Fico deitada sem conseguir me entregar ao sono devido à expectativa. Estou ansiosa por saber se Peeta realmente virá. As horas se arrastam.

Bem mais tarde, ouço passos na escada e logo a pessoa que subiu caminha em meu quarto. Peeta. É difícil manter a respiração estabilizada.

Ele se aproxima e cautelosamente afaga meus cabelos. Provavelmente, deve estar pensando que estou dormindo, pois mantenho os olhos fechados.

Peeta se senta no chão, próximo à cama, com as costas apoiadas na parede e os joelhos dobrados para cima.

Buttercup se sobressalta com a movimentação e desce do colchão. Depois, anda em direção a Peeta, que o pega no colo e começa a sussurrar para ele:

— Katniss dormiu antes de eu aparecer, não foi, Buttercup? Estou aqui para cuidar dela também... Você deixa? — O gato ronrona e Peeta prossegue. — Demorei a vir, mas não foi minha culpa. Só pude chegar agora, pois os convidados da festa ficaram aguardando a chuva passar, depois ficaram conversando até acabar a comida...

O bichano fica indócil ao ouvir Peeta falar em comida e solta vários miados em alto volume.

— Silêncio, Buttercup! Katniss vai acordar com esse barulho! — Peeta resmunga bem baixinho, acariciando o pelo do gato, tentando acalmá-lo em vão.

Ergo meu corpo, apoiada nos cotovelos, porém Peeta está distraído com Buttercup e não percebe.

— O que foi? — pergunto já sentada na beira da cama. — Buttercup não aceitou as suas justificativas?

— Acordamos você? — Peeta se espanta ao ouvir minha voz e levanta o rosto para olhar pra mim. — Buttercup não está muito compreensivo hoje. Sinto muito... por ter chegado tão tarde e por ter despertado você.

Acendo o abajur que fica em minha mesa de cabeceira e estendo a mão a Peeta. Ele a segura, suspendendo-se para se sentar na cama de frente para mim.

— Ainda não estava totalmente adormecida. Estava naquele estado de sonolência em que não dá pra diferenciar o que é sonho do que é realidade.

— Embora queira muito que você tenha bons sonhos comigo... estou aqui de verdade. — Peeta pega a minha outra mão, que está apoiada na cama, e a beija. — Sonhando acordado.

— Embora queira muito ter bons sonhos com você, se você está aqui de verdade... prefiro a realidade.

Peeta apoia o queixo em meu ombro e sussurra em meu ouvido:

— Fico feliz em saber disso. — Ele leva uma das mãos até a base das minhas costas para me puxar para perto dele. — Vem cá.

Com a outra mão, traça uma linha de carícias leves e demoradas por meu ombro, pescoço e queixo. Seus dedos tocam meu rosto e sinto seu cheiro de aneto e canela. Ele alcança minha nuca e torna a fazer aquele percurso, mas agora com seus lábios.

Seguro seu rosto e inclino a cabeça para capturar sua boca com a minha, sentindo sua maciez e provando seu sabor adocicado. Mordo suavemente seu lábio inferior e Peeta me enlaça ainda mais com a mão que está espalmada em minhas costas, envolvendo os dedos da outra mão em meus cabelos.

Perco o ar e é impossível frear o ardor que se espalha por todo o meu corpo.

Peeta é tudo em que consigo pensar, tudo o que consigo sentir, e ele aparenta estar tão inebriado quanto eu.

— Eu estava em casa, esperando todos irem embora, mas não estava conseguindo nem raciocinar direito. Só pensava em vir encontrá-la. — A voz rouca de Peeta vibra em meus ouvidos, arrematando a profusão de sensações deliciosas que ele desencadeia por meio de cada um dos meus sentidos. — Parecia que havia me desligado do mundo e que só existíamos nós dois.

Enquanto ele fala, agarro seus ombros e roço meu nariz em sua bochecha, arriscando timidamente alguns beijos em seu pescoço. Peeta solta um gemido e corre as mãos pela curva da minha cintura até os meus quadris, apertando com cautela.

— Somente eu e você. Nada e ninguém mais — completo o que Peeta acabou de me dizer.

Infelizmente, Buttercup não está muito propenso a concordar com nenhum de nós hoje à noite e, assim que termino de falar, ele solta um chiado forte, que me assusta profundamente. Peeta sorri com a minha reação e se diverte ao me ver tentando recuperar o fôlego, não tanto pelo susto.

— Está certo, Buttercup. Nós sabemos que você existe também! — Peeta brinca com o gato.

— Ele deve estar com fome agora. Não saiu para caçar o jantar por causa da chuva forte e eu não estava aqui para dividir minha refeição com ele.

— Você comeu alguma coisa, Katniss? — Peeta questiona com um olhar preocupado.

— Tomei um copo de leite.

— Katniss... — Peeta me repreende. — Apenas um copo de leite? Você está sem se alimentar praticamente o dia inteiro.

— Tudo bem. Vou descer com Buttercup e vamos comer decentemente. — Eu me levanto e o gato me acompanha, esfregando-se em meus pés. — Você pode ficar aqui em cima. Imagino que esteja bastante cansado.

Peeta concorda com um aceno, ajeita alguns travesseiros na cabeceira da cama e se recosta.

Encaro seus olhos azuis e ele estica o braço para entrelaçar os dedos dele com os meus. Quando ele os solta, acaricio seu rosto, deslizando o polegar pelo seu queixo bem desenhado.

Peeta fecha os olhos e, ao abri-los novamente, eles estão refletindo sua excitação com tudo o que acabou de acontecer antes da interrupção de Buttercup. Desvio o olhar rapidamente e apago a lâmpada do abajur.

— Vejo você depois do jantar — despeço-me, antes de pegar o bichano no colo e descer.

Aproveito esse distanciamento forçado para me recompor. A recente troca de carícias foi capaz de me deixar extasiada e, ao mesmo tempo, ávida por coisas para as quais não me sinto pronta. Ainda.

Como não pretendo saciar todos os desejos que acabaram de ser despertados em mim e ainda causam arrepios na minha pele, meu apetite por comida se restabelece facilmente. Então, devoro com gosto a refeição que disponho à minha frente, mesmo requentada na frigideira. Buttercup também parece apreciar o que lhe ofereço.

Retorno para o quarto, com o gato em meu encalço e, até meus olhos se acostumarem com a escuridão, são necessários alguns segundos. Quando consigo discernir que Peeta agora está deitado e abraçado a um travesseiro, busco o rosto dele.

Com os olhos cerrados e uma expressão calma, ele parece um menino novamente, que dorme tranquilo. Suspiro. Seus olhos se abrem e se mostram um tanto confusos por alguns segundos, porém logo surge um sorriso em seus lábios.

— Pensei que fosse um sonho... Está tudo bem? — indaga ele.

— Agora fui eu que tirei você da terra dos sonhos e trouxe para o mundo real.

— Melhor assim. — Peeta se senta na beirada da cama.

Eu me aproximo e ele me posiciona entre suas pernas. Ainda de pé, faço carinho em seus cabelos, bagunçando seus cachos.

Peeta me abraça pela cintura e começa a brincar com a bainha da minha camisa, surpreendendo-me ao avançar e subir suas mãos por dentro da minha roupa até minhas costelas. Ele beija a pele da minha barriga, que ficou descoberta junto ao seu rosto e um arrepio vai se alastrando por todo o meu corpo.

Percebo que suas mãos estão trêmulas, o que me faz sentir mais desejada e feminina do que nunca. Mais exposta e vulnerável também. Não demoro a abaixar a blusa.

— Peeta, não quero que veja minhas cicatrizes. Além disso, ainda não me sinto preparada para algo mais... íntimo. Você sabe. — Eu me afasto, indo em direção ao banheiro, ruborizada demais, não só por minha confissão, mas principalmente pelo que o toque de suas mãos em minha pele nua provocou.

Ele se levanta e vem atrás de mim.

— Katniss, não precisa fugir. Se você pedisse pra parar, eu o faria! — Peeta afirma e continuo andando. — Katniss!

Quando ele me alcança, abraça-me por trás e sussurra em meu ouvido:

— Desculpas... Não quero fazer nada que lhe desagrade.

— O problema... se é que isso é um problema... é que você é irresistível — confesso e rio, ainda sem coragem de olhar pra ele. — Não é que não goste. Na verdade, gosto muito. Adoro suas carícias.

— Então, não se prive delas. Não necessariamente nossos carinhos têm que terminar em sexo. Nós estamos nos descobrindo... — Peeta me tranquiliza e, só então, viro-me novamente para ele.

— Mas é fato que uma coisa pode levar à outra — reconheço.

— Só quero que se lembre de que, pra mim, nesse momento, cada toque meu tem a ver com ficar perto de você, estar com você... receber seus carinhos... conhecê-la e saber do que você gosta... fazê-la ficar à vontade comigo e confortável para me mostrar suas cicatrizes — explica ele com paciência.

— Eu quero você, quero muito, mas... — Não consigo terminar a frase, pois Peeta me interrompe com um beijo leve.

— Eu sei. Só vai acontecer quando você estiver pronta. Sem pressa, sem dúvidas... Da minha parte também, sabe? Também tenho meus medos. Tenho receio de que seja algo tão intenso que me faça perder o controle — admite ele com expressão séria.

— Muito provavelmente será bem intenso — falo sem pensar.

— Você promete? — Peeta pergunta com um sorriso travesso que faz meu coração derreter.

Nós dois rimos e nos olhamos nos olhos, com nossas testas coladas, até nossas risadas cessarem, transformando-se em um beijo calmo e suave, mas repleto de desejo. Um beijo que me faz sentir plena e, ao mesmo tempo, insatisfeita, sem que isso seja algo contraditório.

É um sentimento de plenitude, por tê-lo comigo, e de insatisfação, por querer mais, sempre mais.

Peeta me pega pelas mãos, deita-se na cama e eu me aconchego em seu peito. Sinto os batimentos cardíacos dele se acelerarem enquanto desenho com os dedos linhas imaginárias sobre seu ombro e seu braço.

— Não posso acreditar que houve um tempo em que não permiti que as batidas do seu coração estivessem aqui... exatamente onde estão agora. — Respiro devagar, envolvida por seu perfume e seu calor, e adormeço ao som constante de sua pulsação.

¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸

Acordo na manhã seguinte, sentindo a respiração quente de Peeta em meus cabelos. Retiro devagar a mão dele que cobre minha cintura.

Ele resmunga, ainda sem acordar, tentando novamente me abraçar e voltar à posição anterior. Eu me sento ao seu lado no colchão.

O cabelo de Peeta está um pouco desgrenhado e deslizo minha mão em seus cachos dourados. Ele custa um pouco a despertar, mas acaba por abrir seus belos olhos.

— Bom dia, Peeta.

— Bom dia, Katniss. — Seu rosto se ilumina num sorriso. — O que houve?

— Estou ajeitando seus cabelos.

Fico concentrada na tarefa e, depois, eu me dou conta de que, durante todo o tempo, ele observa cada um dos meus gestos atentamente.

— Adoraria ser acordado assim por você todas as manhãs. — Ele segura as minhas mãos e me puxa para dar um beijo em minha testa.

— Dormiu bem? Conseguiu descansar? — pergunto.

— Estou novinho em folha. E você?

— Dormi muito bem.

Eu me ajoelho na cama e me sento sobre meus calcanhares, numa posição em que posso ficar de frente para ele.

— Peeta, preciso lhe falar uma coisa.

Ele franze o cenho e ergue seu corpo para se sentar na cama. Afasto alguns fios de cabelo de cima dos seus olhos, traçando com os dedos a linha de preocupação que surge em sua testa.

— Não precisa se preocupar — tento transmitir serenidade em minha voz, porém Peeta me encara ansioso.

— Pode falar.

— Haymitch me disse ontem que Effie tentou me dar os parabéns por telefone, mas não conseguiu, pois foi logo depois que minha mãe me ligou e meu aparelho estava fora do gancho. Então... — Faço uma pausa e Peeta sinaliza para eu continuar. — Effie ligou para o Haymitch um tempo depois e ambos concordaram em se encontrar no Distrito 7 durante a Turnê Presidencial.

— Isso é ótimo! Por que você estava preocupada em me dar essa notícia?

— Haymitch quer estar de volta antes de você viajar para o Distrito 4. — Finalmente toco no ponto crucial do assunto e, pela expressão de Peeta, ele parece entender a motivação de Haymitch. — Você já marcou uma data pra ir?

— Pelo pouco que me explicaram, a gravidez da Annie completa quarenta semanas no início do verão, mas parece que o parto já pode acontecer a partir do final desse mês. De modo que...

— Você vai ficar aqui por mais alguns poucos dias. — Engulo em seco e abaixo os olhos para esconder minha tristeza. — Vou avisar ao Haymitch que ele deve apressar a partida dele.

— Gostaria de ficar, pelo menos, até o aniversário de Prim. Quero estar aqui com você — declara Peeta.

Eu me surpreendo com a revelação e passo os braços ao redor de seu pescoço.

— Obrigada. Isso significa muito pra mim.

Ele retribui o abraço. Logo depois, volto a olhar nos olhos dele. Peeta pestaneja e um sorriso incerto se espalha lentamente pelos seus lábios, enquanto abaixa o olhar.

— Preciso lhe perguntar uma coisa e, dependendo da sua resposta, gostaria de fazer um pedido. — Ele busca meus olhos mais uma vez e eu o encorajo a prosseguir. — Você se lembra de que combinamos de eu e você escrevermos dois capítulos para o livro... um falando sobre o outro?

— Não me esqueci. Inclusive, já rascunhei algumas linhas do meu capítulo.

— Posso levar suas anotações comigo para o Distrito 4?

Seu pedido me deixa confusa e hesito um pouco em responder, pois percebo que, ainda maior que o bloqueio em despir meu corpo é a minha dificuldade em desnudar a minha alma. E tudo o que escrevi e que pretendo ainda escrever no capítulo sobre Peeta revela muito mais de mim do que jamais fui capaz de confessar a ele. No entanto, não posso negar a sua singela solicitação.

— Sim, claro. Vou me esforçar para terminar a tempo.

— Não precisa terminar. Nossa história vai continuar, mesmo enquanto eu estiver lá no Distrito 4 e, principalmente, quando eu voltar. Prometo.

Respiro fundo, tentando conter as lágrimas que teimam em brotar.

— Você vai pra sua casa agora? — pergunto.

— Só se você preferir que eu vá. — Ele toca a ponta do meu nariz.

— Quero que fique... Eu preciso que fique. — Seguro seu rosto com ambas as mãos.

— Então, vou atender ao seu pedido — afirma ele com tranquilidade, cobrindo minhas mãos com as suas. — Vou ficar.

E assim ele faz. Fica comigo, não só neste dia, mas durante os vinte dias que se seguiram e que foram bastante movimentados.

Haymitch foi mesmo ao Distrito 7 passar alguns dias com a Effie e fiquei responsável por cuidar dos gansos, que felizmente ainda são apenas dois, pois não estão em idade para reprodução. Eles também não exigem muita atenção. Então, pude manter a regularidade das minhas idas à floresta.

Peeta esteve ocupado com a fase final do projeto da padaria. De acordo com o planejamento, a nova padaria será bem diferente da original, que não era tão funcional quanto a que será construída. Existe apenas um detalhe que será idêntico nas duas. Peeta me deu a honra de fazer uma pequena contribuição no projeto e atendeu ao meu pedido de manter a vitrine no mesmo local onde costumava ser, como uma forma de recordar o local preferido de Prim nos arredores da antiga praça.

Como Peeta não poderá estar presente em todas as fases da construção devido à viagem, Delly se encarregou de acompanhar de perto as obras enquanto ele estiver fora.

Além dos preparativos normais para a viagem, Peeta fez ainda muitos desenhos e, inclusive, terminou o quadro cujo esboço eu vi no dia em que ele teve a sua última crise, com a figura de um casal na praia, em que o homem beija a barriga da mulher grávida. Quando ele finalizou a pintura, descobri que as pessoas retratadas eram Finnick e Annie, numa cena que somente Peeta pôde tornar possível.

Nesse período, também fomos voluntários na pintura da nova escola, onde Peeta decorou algumas paredes com motivos infantis e alegres.

É bom ver que a cidade já está com o aspecto renovado e com muitas obras bem adiantadas, graças ao esforço dos trabalhadores e também à tecnologia importada da Capital. O hotel, que em breve receberá os envolvidos na Turnê Presidencial, e o mais novo hospital de Panem já estão quase prontos.

Além de todas essas atividades, nos dias que antecederam a viagem de Peeta, nós dois continuamos a escrever o livro, mas dessa vez separados, cada um trabalhando em segredo no capítulo sobre o outro. Peeta deve estar fazendo praticamente um segundo livro, pois já me pediu muitas folhas de pergaminho para dar continuidade ao que está fazendo.

Imaginando que boa parte dessas folhas de pergaminho estará repleta de desenhos, pedi à Daisy que fizesse uma pintura que representasse o Peeta. A menina me surpreendeu com uma imagem que, apesar de não muito nítida, remete a um dente-de-leão sobre um fundo com diversos tons alaranjados. Simplesmente, é a perfeita definição de Peeta, que guardo em meu coração. Meu dente-de-leão na primavera.

Apesar de terem sido vinte dias maravilhosos ao lado de Peeta e de nossos amigos, as noites passaram a ser um grande martírio, pois, quanto mais próxima a data da viagem, mais os meus pesadelos se intensificaram. Sangue, fogo, morte, dor, guerra, bestantes, insanidade e perdas. Tudo cada vez mais vívido e assustador. E, como sempre, foram os braços de Peeta que me pouparam de mais sofrimento.

Assim tudo se passou até o dia de hoje, quando minha irmã faria quatorze anos. Meu patinho.

A data não passará em branco. Daqui a pouco, será celebrado o lançamento da pedra fundamental da padaria, que é a cerimônia que marcará o início da sua construção. A peculiaridade é que, em vez da colocação do primeiro bloco de pedra na fundação, uma urna de metal será depositada no solo. Dentro dela, serão guardadas pinturas feitas por Peeta com imagens de seus pais e irmãos, bem como de Prim.

Peeta pediu para produzirem uma placa com alusão ao começo da obra e ao fato de que o esforço na construção é, além de tudo, uma homenagem aos seus familiares e à Primrose.

O dia amanhece lindo, numa típica manhã de primavera. Ar doce e quente. Nuvens macias. As janelas do meu quarto já estão abertas.

Desperto sob o olhar atento de Peeta, sentado na parte inferior do colchão, esperando–me acordar.

— Olá! — fala com ar apreensivo, sem o sorriso característico de todas as manhãs.

— Oi. — Tento aparentar boa disposição, mas falho terrivelmente. — Por que você não descansou mais um pouco? Eu o acordei tantas vezes por causa dos meus pesadelos...

— Estou preocupado com você. — Peeta não esconde sua angústia.

— Vou ficar bem. — Sento-me na cama e aperto meus olhos ao encarar a luz do sol que clareia o quarto. — Você deveria ir se arrumar para irmos à cerimônia.

— Não quero deixá-la sozinha hoje, sem ter certeza de que está tudo bem. Não gostaria que se repetisse o episódio que você teve em seu aniversário.

Balanço a cabeça em negativa, porém permaneço em silêncio, com meu rosto virado na direção das janelas. Passados alguns minutos, Peeta se levanta e beija o topo da minha cabeça carinhosamente. Depois, vai até a porta. Antes de sair, porém, olha pra mim uma última vez.

— Ela faria quatorze anos hoje — digo com um nó na garganta, ainda sem retornar seu olhar. — Era meu dever protegê-la, mas não consegui. Estava mais preocupada com a minha estúpida vingança contra Snow.

Quando começo a chorar, ele corre até mim e me abraça forte, acariciando delicadamente minhas costas. Apoio a cabeça no seu ombro.

— Não tenho palavras de consolo. Apenas fui testemunha do quanto vocês se amavam e sei que nada pode fazer você aceitar que Prim se foi... Só não carregue essa culpa, pois ela não é sua. — Ele se solta do abraço e afasta algumas mechas de cabelo do meu rosto, ajeitando-as atrás das minhas orelhas. — Promete pra mim que vamos viver bem para fazer as mortes de Prim e de todos os outros terem valido a pena?

Assinto sem palavras e me acalmo um pouco ao receber seu beijo doce em meus lábios. Ele me puxa pela mão e, quando estou de pé, acaricia meus ombros e meus braços.

— Você me ajuda? — pergunto.

— Sempre. — Peeta cola sua bochecha na minha. — Agora, vamos nos preparar para homenagear a sua irmã.

Pego as minhas roupas e vou até o banheiro. Apenas nesse momento, Peeta vai para sua casa.

Durante o banho, deixo as lágrimas descerem descontroladamente. O som da água abafa meus horríveis soluços e penso que não vou conseguir sair desse estado de desespero. No entanto, o desabafo serve para me deixar mais serena e é com esse espírito que me encaminho para o centro da cidade ao lado de Peeta.

A cerimônia de lançamento da pedra fundamental não foi divulgada e era para acontecer apenas comigo, Peeta e uma pequena equipe de obras. No entanto, aos poucos foram chegando nossos amigos e conhecidos, novos e antigos moradores do Distrito 12.

Isso é algo que eu não poderia evitar. Eles vieram por Prim, minha irmãzinha, cujo encanto não escapava a ninguém, e também pela família Mellark e por todos os que se foram durante a guerra.

Na hora marcada, Peeta e eu colocamos silenciosamente os desenhos que ele fez na urna de metal e a lacramos. Em seguida, com os olhos úmidos, ele a coloca no buraco cavado para guardá-la. Peeta joga a primeira pá de concreto sobre a tampa e um pedreiro termina o serviço de assentamento. Por fim, Peeta pede para que eu descerre a placa alusiva ao início da construção da padaria, onde também estão escritas frases de agradecimento pelas vidas de nossos entes queridos.

Então, uma a uma, as pessoas em nosso entorno tocam os três dedos do meio das suas mãos esquerdas em seus lábios e os erguem no ar. Todos fazem o velho e agora não tão raro aceno usado em nosso distrito, que sempre significou agradecimento, admiração e adeus para alguém que se ama, mas passou também a carregar um novo sentido, o de que a luta de cada um de nós não foi em vão.

Giro o meu corpo para poder ver todos à minha volta e, com um pequeno sorriso, retribuo o gesto de carinho e respeito, até que estou novamente de frente para Peeta. Enxugo uma lágrima que escorria por sua face e murmuro:

— Não foi em vão — admito emocionada e o puxo para perto de mim, unindo nossos rostos.

Peeta arregala os olhos e pergunta:

— Você tem certeza de que quer fazer isso? Na frente de todas essas pessoas?

— Faz parte da minha promessa de que vamos viver bem para fazer as mortes de Prim e de todos os outros terem valido a pena — sussurro e beijo seus lábios, selando o compromisso de que a vida pode continuar e pode voltar a ser boa, não importa quão insuportáveis tenham sido nossas perdas.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!

As emoções não podem parar... No próximo, Peeta já embarca para o Distrito 4!

Beijos!