A Linhagem Bennet escrita por Wondy


Capítulo 3
Sobre lembranças e sonhos


Notas iniciais do capítulo

Heeeeey divosas!! Eu sei que demorou, mas tá aqui, hahahaha! Então, aconteceu uma coisinha que eu tava a fim de dividir com vocês... ontem eu estava olhando um filme na netflix com a minha amiga, até que ela olha para o carinha principal (que se chama Ben Barnes) e diz "ele até que parece o Nico, né?" E pronto, agora eu não consigo imaginar o Nico como outra pessoa que não seja esse cara! E eu estou frustada por que ele praticamente não bate em nada com a aparencia do Nico! Okay, deixando meu desabafo de lado, eu amei escrever esse cap, tipo muito. Não por que, mas eu adoro escrever sobre o passado dos meus personagens - por isso que temos tantos flashbacks - e eu adorei escrever os flashbacks desse cap. Espero que gostem, enjoyyy!!!



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Veneza, 16 de janeiro de 1933.

Mamãe não gostava da nossa vizinha. Ela dizia que era uma briga antiga, da qual nunca se resolvera. Eu nunca a entendi, a vizinha sempre parecia tão amável. Ela me dava maças quando eu passava pela sua casa. Ela sorria. Seus cabelos eram bonitos, longos e negros.

Eu a chamava de Ag. De tia Ag.

Tia Ag gostava de flores. Ela estava sempre cuidando do seu jardim. Gosto muito de flores. Eu sempre quis ter um jardim como o dela. Era colorido, florido, lindo. Quando mamãe estava no trabalho, eu ia na casa da tia Ag. Ela gostava de mim, dizia que gostava da minha inteligência.

Ela perguntava se eu estava com calor.

Não! Não tire meu casaco! Não veja minhas cicatrizes. Não faça perguntas.

Ela tinha maças azuis. Elas eram estranhas, eu perguntava como ela as fazia. Ela dizia que era mágica, e eu não poderia contar para ninguém. Não contarei à ninguém sobre as maças, tia Ag, sou boa em guardar segredos. Posso guarda-los bem, até da mamãe. Embora, se ela perguntar, eu terei de contar. Ou ela me punirá. 

Tia Ag estava contente. Um parente seu estava vindo a visitar. Estava preocupada também. Ela sorria, mas seus olhos negros mostravam sua preocupação. Ela me contava sobre sua família que morava beeeem longe dela.

Mamãe bate na porta. Ela voltou mais cedo do trabalho hoje. Ela está brava, me pega pelo braço e me manda voltar para casa. Posso ver a casa da tia Ag pela janela do meu quarto. As duas estão brigando. Mamãe bate em tia Ag. Não! Não a machuque!

Tia Ag tem algo nas mãos. Parece uma faca, porém é mais comprida e parece ser feita de cobre, como os chicotes que mamãe usa para enfeitar a sala de jantar. Mamãe também tem uma, mas a sua é dourada como ouro. Elas lutam. Eu me encolho contra a parede, tampando os ouvidos. Não a machuque, mamãe! Um barulho alto. A pia da cozinha da Tia Ag explode. Tem água para todos os lados. Eu conseguia senti-la. Mamãe parece confusa, ela olha para mim pela janela da casa da tia Ag, surpresa. O que aconteceu?

Mamãe bate a porta ao entrar. Estou com medo. Não quero que ela me leve para o porão. Mas ela não entra no meu quarto. Ela vai direto para o seu, batendo a porta ao entrar. Eu estou chorando. O que aconteceu com a ti Ag?

Consigo ouvir pessoas conversando. Eu não entendo o que elas dizem. Estão longe. Acho que estão na casa da tia Ag. O que fazem lá? São três homens. Eles conversam com tia Ag. Ela está estranha, seu olho está roxo e seu vestido tem uma mancha grande e vermelha. Ela sorri, mas eu sei que não é um sorriso de verdade. Os três homens vão embora, entrando em um carro da polícia.  

Mamãe aparece na porta do meu quarto. Ela me encara por alguns segundos antes de descer as escadas. Eu sei o que quer dizer. Seco as lágrimas com as costas da mão.

É hora de ir para o porão.

*****

Hayley Bennet

— Hayley! – Uma voz me chama ao longe, pescando-me dos meus pensamentos. Tento abrir os olhos, mas volto a fechá-los quando uma pontada de dor bate em minha cabeça. Minha visão está turva, só consigo ver um borrão à minha frente. Alguém diz alguma coisa, mas, mesmo que as palavras ecoem em minha cabeça, não consigo entender.

Minha consciência volta aos poucos, fazendo-me reconhecer que o borrão à minha frente é, na verdade, Nico.

— O que...? – começo, mas uma pontada de dor me interrompe.

Ele me encara numa mistura de preocupação e raiva.

— Eu disse para não abrir os olhos. – acusou ele.

Franzo a testa.

— O que aconteceu?

Nico suspira pesadamente, parecendo estar aliviado, mas com raiva ao mesmo tempo. Ele se senta o meu lado, encostando-se contra a parede da pedra.

— Você abriu os olhos enquanto passávamos pelo Rio Flegetonte – explicou ele. – Entrou em choque e aí desmaiou. Eu e Art a trouxemos para uma parte mais afastada do rio, mas ainda é o único caminho. Pelo menos o único seguro.

Suspiro pesadamente, sentando-me ao seu lado. O que teria sido aquilo? Não era um flashback, os que tive depois que saí do Mundo Inferior eram diferentes. Era como se eu voltasse a ter três anos de idade, não apenas à época, mas sim realmente ter voltado a ser criança. E quem seria tia Ag? Será que uma das inúmeras lembranças que os Campos Asfódelos me tiraram antes que Freddie conseguisse criar o Remindus?  Ou talvez fosse apenas um fruto da minha imaginação? 

As lembranças não eram nítidas o suficiente para ver seu rosto, o que era estranho pois eu conseguia ver o rosto de Sarah perfeitamente. Era como tia Ag não tivesse de fato um rosto. Talvez demore para que as lembranças voltem...

— O que você viu? – a voz de Nico me pesca de meus devaneios.

— Como assim? – questiono, confusa.

Nico abre um sorriso sem humor.

— Você é uma alma, Bionda – disse ele. – Quando almas entram em contato com algo que as fazem lembrar de suas vidas passadas, elas entram para dentro de uma lembrança, ou, como Hazel costuma chamar, flashbacks. – explicou, sem me encarar. – Você desmaiou logo depois que viu o fogo, que, coincidentemente, foi o mesmo modo do qual você morreu. Acho que a resposta é meio óbvia, não?

Pisco os olhos, desligada por um momento.

— Não foi um flashback.

Nico finalmente me encara com a testa franzida e a curiosidade transbordando dos seus olhos.

— Não? – questiona ele, surpreso.

Dou de ombros.

— Sei lá – falo. – Era... diferente. Diferente dos flashbacks que já tive. Quando entro em um flashback, eu tenho total noção de que é uma lembrança. Mas, dessa vez foi diferente. Era como se eu tivesse voltado para aquela época sem ter noção alguma de que era apenas uma lembrança, entende o que quero dizer?

— Não – responde Nico, sincero. Ele me encarava com uma expressão estranha, como se eu fosse uma espécie de alienígena.

— Esquece – digo, encostando minha cabeça contra a parede da caverna.

Ficamos em silencio por um tempo, até que Nico se levantou. Ele entende a mão e só então percebo que seus punhos estão cheios de bolhas. Olho para as minhas mãos, encontrando-as do mesmo estado. Provavelmente alguma reação ao tempo no Tártaro e a desidratação dos nossos corpos.  

— Vamos, não podemos perder muito tempo – diz ele.

Estico o braço e pego sua mão, levantando logo em seguida. Vejo que a manga da sua jaqueta está machada de vermelho.

— Isso é... sangue? – pergunto, espantada.

— É, é sim – responde ele, lançado um olhar acusador à Art. O cão infernal apenas olha para o outro lado, como se não fosse com ele.

— Art! – exclamei, irritada. Ele olha para mim como se só agora tivesse percebido que estávamos falando dele, mas eu sabia que era mentira.

— Vamos, precisamos ir. – disse Nico.

Tudo aconteceu muito rápido. Eu apenas havia conseguido ver um vulto negro se aproximando em uma rapidez impressionante. Não consegui desenrolar o Anguis do meu pulso a tempo. Aracne pulou em cima de mim, prendendo-me com suas oito patas afiadas como se fossem agulhas. Senti uma forte pontada de dor em meu braço. E então parou. No lugar da aranha gigante, se via apenas pó dourado. Eu não sabia o que havia acontecido, minha visão estava turva, minha cabeça começando a girar. Eu conseguia sentir o veneno em minhas veias.

Então parou.

Eu senti algum liquido fortíssimo queimar minha boca, e logo reconheci o familiar gosto de Fogo Liquido. Minha visão voltou ao normal e minhas feridas secaram. Minha camiseta estava suja com pó amarelo. Olhei para cima a tempo de ver Nico transformando sua espada de ferro estígio em uma corrente e prendendo-a nos jeans escuros.

— Você está bem? – perguntou ele, ajudando-me a levantar. Não consegui formular as palavras, então apenas acenei afirmativamente com a cabeça.

— Ela teria me matado – consegui dizer. Minha garganta estava seca – efeito colateral do Fogo Liquido -, e minha mente girava por causa do choque.

— Então aquela era Aracne – disse Nico. – Ela provavelmente te confundiu com a Annabeth.

Acenei com a cabeça novamente, apoiando as mãos nos joelhos. Olhei para o braço onde havia sentido a picada de Aracne. Havia um rasgão na minha jaqueta que deixava parte do meu braço à mostra além de algumas cicatrizes.

— Droga – xinguei, examinando a jaqueta retalhada. – Era minha jaqueta preferida.

— Você sabe que não precisa cobri-las aqui embaixo, não é? – indaga Nico, arqueando as sobrancelhas. – Na verdade, tê-las à mostra pode ser considerado até uma vantagem.

— Não seria uma vantagem muito boa – comento, mas mesmo assim tiro a jaqueta, deixando minhas cicatrizes à mostra. Há uma nova cicatriz acentuada na parte de dentro do meu antebraço, um lembrete do ataque de Aracne. – Mais uma para a coleção -  comento, levantando o braço no intuito de mostra-lo a nova cicatriz.

— É, pra mim também – responde ele, mostrando um grande corte no antebraço. – Seu amiguinho tem garras bem afiadas, Bionda.

Rolo os olhos, mas não deixo de murmurar um “muito bem” ao passar por Art. Ele rosna em cumplicidade e eu posso jurar que ele tentou abrir um sorriso.

— Então, que caminho seguimos? – pergunto, olhando para Nico.

Ele apenas se aproxima, observado as paredes. Depois de alguns segundos assim, Nico começa a caminhar decididamente em direção à claridade vinda do Rio Flegetonte.

— Não podemos ir por aí, lembra? – exclamo para que Nico me ouça. – A coisa do fogo, esqueceu?

— Bem, não tem como irmos por outro lugar – diz ele, dando de ombros e colocando as mãos nos bolsos, casualmente. -, então sugiro que seja hora de enfrentar esse seu medo.

— Mas e se eu tiver outro flashback?

— Almas são incapazes de ter mais de um flashback desencadeado pelo mesmo motivo – informa ele. – Você já teve um flashback por causa do fogo, o que significa que não vai ter mais um.

— Como pode ter tanta certeza? – pergunto, o desespero tomando meu peito. – Talvez aconteça de novo.

Um sorriso se abre em seu rosto, mas se desfaz tão rapidamente que chego a me perguntar se não havia sido apenas minha imaginação.

— Está com medo? – perguntou ele, divertidamente.

O desespero é logo substituído pelo orgulho. Cruzo os braços e desvio o olhar.

— Não, estou apenas me certificando de que não aconteça novamente. – minto descaradamente.

— Ou talvez você apenas está procurando justificativas fajutas para não precisar ver o fogo ao invés de apenas admitir que você não consegue. — ele provoca.

Estreito os olhos em fúria.

— Isso é um desafio? – indago, arqueando uma sobrancelha arqueada.

Nico me encara por alguns segundos antes de abrir um sorriso de canto que ele nem se dá o trabalho de esconder.

— É, é sim.

E se vira voltando a andar em direção ao Rio Flegetonte. Olho para Art que me encara como se perguntasse “o que está esperando?” e depois sai andando atrás do filho de Hades.

Um sorriso descrente se forma em meus lábios. Eu sei o que ele estava fazendo. Ele sabe que eu nunca negaria um desafio. Fez de propósito. Suspiro pesadamente. Se eu não fosse, estaria admitindo que estou com medo. Mas se eu fosse, estaria provando que sua estratégia estava certa.

Suspiro mais uma vez antes de começar a andar em direção ao Rio Flegetonte.  

— Desafio aceito, stronzo.

*****

Leo Valdez

As noites estavam ficando cada vez mais difíceis. Não sei por quê, mas eu não conseguia dormir de jeito nenhum nos últimos dias. As ideias giravam em minha cabeça, estatísticas, projetos, antes eu conseguia controla-los, mas agora não mais.

Cansado, viro para o outro lado e quase infarto.

Ela estava ali, sentada na cadeira em frente à escrivanhia. Vestia as mesmas roupas que estava quando o incidente aconteceu. A tinta azul em seu cabelo estava quase invisível e ela tinha um corte mínimo na bochecha. Sua jaqueta sumira, deixando à mostra inúmeras cicatrizes.

— Olá Leo – cumprimentou ela, sorrindo.

Levantei tão rápido que bati a cabeça no beliche.

— Como...? – perguntei, confuso. Ignorei a dor na cabeça e a encarei.

Como ela poderia estar ali? Não era possível, eu deveria estar sonhando. Mas e se ela conseguiu escapar? Será que saiu do Tártaro? 

— Você é real? – perguntei.

— É claro que sou real, mas não estou aqui de verdade – diz ela. – Eu só entrei no seu sonho. Na verdade, estou no Tártaro.

Suspiro pesadamente. Estou sonhando.

— Espera aí, como você pode entrar em meus sonhos?

Ela dá de ombros.

— Pedi para Nico me ensinar – explicou ela. – É mais fácil do que eu pensei que seria.

Balanço a cabeça, tentando assimilar as informações.

— O filho de Hades pode entrar nos sonhos das outras pessoas? – pergunto, confuso.

— É complicado – diz ela. – E o tempo é curto. Preciso que me escute com atenção, Leo.

— T-tudo bem, estou ouvindo.

— Eu e Nico não caímos. Pulamos por que é o único jeito de fechar as Portas da Morte...

— Eu sabia!

— ... estamos indo em direção à elas agora. Mas eu preciso que você explique algumas coisas ao grupo, Okay?   

Mas eu não a escutava. Ela havia pulado. Depois de todo aquele tempo, eu sabia que ela não havia escorregado, eu simplesmente sabia.

— Leo!

Pisquei, voltando minha atenção à filha de Netuno.

— Desculpe.

Ela rolou os olhos, embora sorrisse.

— Convoque uma reunião. Diga aos outros para irem até a Casa de Hades – pediu ela. – Nico deve estar contando os detalhes mais complicados à Hazel agora.

Levantei-me da cama, começando a andar pelo quarto.

— Casa de Hades?

— É um lugar onde os gregos costumavam ir para falar com os mortos, homenagear antepassados. Pelo menos foi o que Nico disse.

— E como Nico sabe disso? – perguntei.

Hayley balançou a cabeça.

— Eu prefiro não perguntar – disse ela. – Mas a questão é: há diferentes níveis, diferentes desafios. A caverna inteira é cheia de provas mortais, tem vontade própria. Fará de tudo para enlouquece-los.

— Hayley – chamei, fazendo-a olhar para mim. –, por que está me contando isso? Você mesma disse que Nico já está conversando com Hazel, então por que vir aqui?

Hayley suspirou, encarando-me por alguns segundos.

— Eu precisava saber como vocês estavam – disse ela. – Acredite, se eu tivesse escolha, escolheria ter ficado aqui com vocês.

Então por que foi? Tenho a vontade de perguntar. Mas eu sei o que Hayley irá responder. Que foi o certo a ser feito, que era o único jeito. Bem, talvez não, mas é claro que ela iria escolher a ideia mais suicida a ser tomada.  

— Mas você poderia ter ficado – minha voz sai trêmula. – Poderíamos ter achado outro jeito de fechar as Portas da Morte. Não precisava se arriscar tanto...

— Pelos deuses, pare! Você está parecendo o Nico! – exclamou ela, rolando os olhos. – Eu fui por que era a coisa certa a ser feita. Tem vezes que precisamos ouvir a voz da razão e não apenas o coração, Leo!

Eu abri a boca para falar algo, mas a imagem de Hayley tremulou. Preocupação tomou conta de seu rosto.

— Meu tempo está acabando – disse ela. – Você entendeu, não é?

— Sim, entendi.

Hayley se levanta, aproximando-se de mim. Mesmo sendo baixinha, ela continuava sendo maior do que eu. Ela estende o braço e aperta meu ombro carinhosamente.

— Diga aos outros que sinto a falta deles – pede ela. – E diga a Percy que sinto muito... – a imagem dela tremula novamente, porém dessa vez ela desaparece, deixando-me sozinho.

*****      

Acordei com um estrondo muito familiar. Um cano de água explodindo.

— Eu vou matar esse filho de Poseidon – murmurei, irritado.

Será que eu não podia dormir em paz por apenas dois segundos?

Proferindo xingamentos, levantei da cama e corri em direção ao barulho. Ao chegar nos estábulos me deparei com um Percy fazendo cosplay de tomate devido à vermelhidão em seu rosto e uma Annabeth segurando o riso. E, é claro, um cano jorrando água no chão.

— Ah, qual é? – falei, cansado. – Será que dá para parar de destruir meu navio, Jackson?

— Desculpe – vociferou Percy, saindo em direção ao seu quarto.

— O que deu nele? – perguntei à Annabeth.

Ela apenas olhou para mim, tentando não rir. O resto dos semideuses chegaram aos estábulos correndo.

— O que aconteceu? – perguntou Jason. Ele havia se vestido às pressas, dava para perceber pela sua camiseta do avesso.

— Percy teve um ataque de raiva – disse Annabeth.

— Por quê? – indagou Hazel, curiosa.

Annabeth respirou fundo, contendo o riso.

— Acho que ele não gostou muito da idéia de que a irmã dele está presa no Tártaro com o ex-namorado.

Assim que Annabeth terminou de falar, Hazel acertou um tapa no braço de Frank.

— Você contou para ele? – Indagou ela, irritada.

Frank arregalou os olhos, pego de surpresa.

— O-o quê? Não! – negou ele. – Eu contei para o Jason, que contou para a Pipes, que contou para a Annabeth, que contou para o Percy.

Hazel piscou, desconcertada por alguns segundos, até que balançou a cabeça como se tentasse ficar brava, mas não conseguisse.

— Muito bem, não temos tempo para isso. – falei, fazendo com que todos olhassem para mim. – Refeitório em quinze minutos. Tenho novidades.

*****   

Campos Asfódelos, 1978.

Ele estava fazendo aquilo há décadas. Combinando ingredientes diferentes, misturando-os com alguns encantamentos, mas o resultado sempre fora o mesmo: fracasso. Até agora. Após anos tentando e tentando, ele finalmente havia acertado.

— É isso? – o garoto ao seu lado perguntou. Um recém-chegado valioso que servira de muita ajuda. – Deu certo?

O cientista pegou o tubo onde a mistura estava. Ele não conseguia acreditar que os ingredientes necessários para aquele soro eram tão comuns. A única coisa que os ativava era um simples feitiço da memória. Era tão comum que o fez se perguntar se realmente daria certo. Não, ele não poderia deixar suas esperanças de lado, pelo menos não naquele momento.

“Um pouco de otimismo não dói, Freddie” ela dizia. Desde aquele dia, ele prometeu à si mesmo ser menos pessimista. Até que era bem melhor viver daquele jeito. Pelo menos tornara a sua vida um pouco mais suportável.

— Só há um jeito de descobrir – disse ele, examinando o conteúdo arroxeado cintilante.

— Você não vai beber isso aí, não é? – o parceiro ao seu lado perguntou, descrente. – E se não der certo? E se essa coisa te exterminar?

— Tenha um pouco de fé, Chris – pediu o líder da Resistência, colhendo uma pequena amostra do soro recém-criado com uma seringa. – E se essas forem minhas últimas palavras, então que sejam: você precisa cortar esse seu cabelo.

Chris rolou os olhos, mas ainda assim sorriu, ajudando o amigo a amarrar um pedaço de tecido em seu braço. 

— Olha quem fala. – zombou, examinando os cabelos ruivos do amigo que chegavam até seus olhos. Porém, sua expressão divertida logo foi substituída por uma carranca de preocupação. – Pelo menos tome um gole de fogo liquido antes. Para garantir.

Suspirando pesadamente, Freddie decidiu fazer o que o amigo sugeria. Ele sabia que ele não calaria a boca se não o fizesse.

Depois do liquido descer ardendo em sua garganta, ele pegou a seringa e injetou no próprio braço antes mesmo que Chris pudesse inventar alguma outra coisa para o impedir. O efeito foi instantâneo. Sua cabeça começou a girar, ele conseguia sentir seu corpo cedendo ao seu peso, porém não sentiu a dor da queda. Era como se ele estivesse caído para dentro de sua própria mente, passando por vários flashs de memorias. Algumas ele já conhecia, como a linha de fogo da guerra. As armas disparando, o sangue explodindo do peito dos atingidos. O sangue explodindo do seu próprio peito.

Mergulhou mais fundo, procurando memorias mais profundas. As que ele não conhecia. Era como se ele estivesse nadando em um oceano, porém não conseguia se mexer. Era apenas levado pela maré. Até que parou. Ele estava em uma casa. As paredes eram cobertas por um papel de parede listrado, porém era quase invisível por causa dos quadros que o escondia. Alguns eram pinturas de paisagens, releituras de obras famosas. Outras eram retratos. Pessoas carrancudas, cansadas de ficar na mesma posição por tantas horas. Ele sentiu um ligeiro sentimento de simpatia por elas, pois conseguia se lembrar do como aquilo era cansativo.

Os móveis tinham uma aparência velha. Deitada em uma das poltronas espalhadas pelo lugar encontrava-se uma garota. Não poderia ter menos de cinco anos. Os cabelos ruivos estavam presos no alto de sua cabeça, mas ela não parecia gostar muito pois ficava tentando tirar os grampos muito bem presos dos seus cabelos. Um livro se encontrava em seu colo. Ela não sabia ler, mas gostava de fingir pois isso a fazia sentir-se inteligente. Freddie sentiu os olhos marejarem ao reconhecer a garotinha.

Anne.  

Antes que ele pudesse fazer algo, o som de uma porta batendo no andar debaixo da casa fez a garotinha pular do sofá e descer as escadas correndo.

— Papai! – exclamara ela em holandês, descendo as escadas tão rápido que Freddie temeu que ela tropeçasse na barra do seu vestido.

Lentamente, ele a seguiu. Não sabia descrever o que sentia. Era uma mistura de felicidade, ansiedade e saudade. Ao chegar no andar debaixo, Freddie viu a garotinha pular no colo do homem que havia acabado de entrar.

— Fez alguma descoberta, papai? – perguntou ela, animada.

O homem fez uma expressão pensativa brincalhona.

— Hum, até que não, mas o Sr. Frank fez – disse ele, colocando a maleta que segurava no chão.

— Ele sempre faz descobertas – observou Anne.

— Talvez por que ele sempre fica com os melhores trabalhos.

Freddie finalmente pôde ver seu rosto. Ele logo reconheceu pois era o mesmo rosto que ele via todos os dias em que se olhava no espelho.

— Onde está sua mãe? – o Freddie da lembrança perguntou.

— Está no escritório...

— Não estou mais – a voz de uma mulher soou das escadas. Ao se virar, Freddie tinha a mais absoluta certeza de que aquela era a mulher mais bonita que ele já vira. Seus cabelos negros caiam pelas suas costas, a pele clara parecia entrar em contraste com o vestido pálido simples. Ela tinha os mesmos olhos castanhos de Anne e seu sorriso era, sem dúvida, o mais brilhante que ele já havia testemunhado.

Amanda.

Ela foi de encontro aos braços do Freddie da lembrança, abraçando-o.

Como ele pôde esquecê-las?

— Alguma novidade na faculdade, professor? – perguntou ela, ajeitando a gravata do homem.

— Sim – respondeu ele, sério. – Fiquei sabendo que estão recrutando.

A expressão doce da mulher logo foi tomada pela preocupação. Ela abriu a boca para falar algo, mas Freddie não conseguiu ouvir. O mundo se dissolveu à sua volta.

Chris o sacudia, exclamando seu nome. Ao ver que o amigo havia recobrado a consciência, pareceu relaxar.

— O que diabos aconteceu? – perguntou ele com a voz um pouco mais fina devido à preocupação.  

Freddie ignorou a dor que martelava sua cabeça e a visão turva, abrindo um grande sorriso.

— Funcionou.


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Notas finais do capítulo

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