The Originals: Bloodlines escrita por Garota Exemplar


Capítulo 4
1x04 - Bonfire


Notas iniciais do capítulo

Hello from the other side
Demorei um pouco, mas a autora também tem vida pessoal e trabalho, e como sou faço universidade também não tive muito tempo disponivel. Agradecimentos especiais as lindas Caroline Lerman, Absinthe e Nay. Obrigada anjos e espero que gostem :))
PS: eu gosto de colocar as roupas das personagens em ocasiões especiais, então, os links estão no cap para quem quiser ver :))



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Sul da França, 1002 d.C.

 

Os cabelos castanho-escuros esvoaçavam á força da brisa noturna, estava mais longo e agora, mantinha parte das madeixas rebeldes presas por um cordão de couro. Os lábios finos encontravam-se avermelhados e inchados, por conta do ar frio que por vezes se tornava agressivo ao cair da noite, ou talvez por não dormir verdadeiramente há tanto tempo que sequer lembrava-se da última vez que o fizera. Algo que tornara-se evidente graças ao par de olheiras marcantes que adornavam os estreitos olhos escuros. Sempre atentos. Sempre frios.

E assim era sua expressão, tão gélida quanto o vento de ares revoltosos que uivavam em bom som. Feito um lobo para a lua, como uma ameaça camuflada que faria o mais corajoso dos homens tremer. Como o som de seu nome assim o faria aos seus inimigos, assim como o chacoalhar rendido dos raros arbustos, tão impotentes e fragilizados diante a tamanha força, seria a reação destes quando estivessem em sua presença.

Apenas o assovio do vento e os ecos do trotar de seu cavalo pelo campo aberto á relva úmida ao orvalho do anoitecer, eram os únicos sons ao redor. Fora como passou o último ano, cavalgando de uma província a outra. Sozinho.

A velha Laylah se recusava a vida na estrada, e não a culpava. Era o propósito dele e o rapaz era grato àquela bruxa apenas por acompanhá-lo e aguardá-lo nas estalagens entre as vias principais. Entretanto, a solidão não mais o incomodava. E dado que seus alvos estavam em constante movimento, era tarefa complicada manter-se em seu encalço, desta forma, também não prorrogar-se-ia a estada em lugar algum o suficiente para criar raízes.

Não obstante, o bruxo não o desejava. Com a vida que escolhera, o objetivo que traçara, ter laços não fazia parte do processo e, ao contrário, só faria atrapalhá-lo. Ademais, depois de tudo, ele nunca esqueceria como era perder pessoas com quem se importa. Então, em sua condição á ele não mais cabia.

Família e amor estavam no passado e Laylah Bennett sabiamente o alertava; tais coisas não deveriam ser cultivadas em seu caminho. Assim como não esqueceu, isto fora o que lhe colocara nesta jornada. Não esqueceu nada. De todo, ás vezes o desejava, para ter alguma paz, malgrado, este ser o motivo da insônia: lembranças.

Como ele mudara de um ano para o outro. Realmente amadureceu tão rápido para alguém tão jovem, não fossem por suas feições infantis o bruxo seria facilmente confundido como mais velho. Mais uma vez a sábia bruxa acertara, quando dissera que não se reconheceria mais.

Finalmente, via ao longe as torres na imensidão escura da construção envolta em névoas. O castelo do Conde de Martel. Este o esperava, após o suspeito desaparecimento dos filhos, tão suspeito quanto todos os outros, além dos assassinatos misteriosos que ocorreram nesta província francesa desde a chegada dos nobres hóspedes do castelo. Coincidentemente, também haviam sumido. O que levantara suspeitas ao velho Conde, que acabou por concordar em recebê-lo.

Mal sabia o velho, os verdadeiros nobres estavam mortos há bom tempo, de acordo com a ruína destroçada que encontrava-se a carruagem em que viajavam e os pertences. Muito bem escondidos; afinal, quem os usurpava sabia também possuir um alvo nas costas.

Assim, se aproximou a galope, também se fez presente o som metálico das correntes ao baixar da ponte e a grade levadiça, dando ao rapaz acesso ao interior da fortificação. E após deixar seu cavalo no estabulo, foi guiado por um dos serviçais á edificação principal, onde o Conde de Martel o aguardava no salão principal.

— Mas é você? — a voz áspera do velhote desdenhou em tom arrogante, logo sendo cortada pela própria gargalhada de chiado irritante. — Uma criança?!

— Com todo o respeito, Sua Graça, não intenciono me demorar. O tempo em que estou aqui é o tempo em que os impostores e seus filhos se distanciam. — o jovem manteve-se frio e inalterado, sem esboçar expressão, como de costume. E usou o tratamento pelo qual o Conde tanto fazia questão, apesar de não soar realmente como um título de respeito, mas sim pelo o que exatamente significava para aquele jovem: nada. — Gostaria de discutir o assunto brevemente, pretendo partir ao amanhecer.

— Usa as palavras de um homem, mas ainda têm o rosto de um pirralho fodido. — disparou o Conde á poltrona adornada de ouro e metais preciosos, como um trono próprio. — Estava à espera de um caçador e recebo um maldito fedelho. Guardas!

E tão breve o anunciado, grandes homens em ainda maiores armaduras de aço surgiram empunhando espadas, aproximando-se do garoto despreocupadamente. Pensando inclusive, tratar-se de um despeito o velhote chamar mais do que apenas um deles para dar conta de uma criança. O que não imaginavam, é que aquele garoto já não era mais uma criança há muito tempo.

Os homens da guarda sequer tiveram chance. Fecharam um cerco, esperando qual deles se dispunha a dar cabo da vida do rapaz de uma vez por todas. Tamanha seria a surpresa ao vê-lo tão relaxado e ainda assim, completamente concentrado. Assim o primeiro cavaleiro avançou, erguendo a espada prestes a proferir o golpe, porém ao atacar o jovem em um movimento cortante, este se esquivou em um reflexo rápido, como se soubesse mesmo antes do próprio homem o que ele faria.

A arma acertou o mosaico do piso laminado, e neste momento, o bruxo girou e em um impacto impetuoso acertou o ponto exato do ligamento entre braço e antebraço do guarda concentrando a força nos pés. O ranger de ossos se partindo foi abafado pelo grito estridente do homem ao despencar, segurando o local da fratura. Ao mesmo tempo o garoto recuperava a espada, usando-a contra o próximo cavaleiro, manejando a arma tão pesada com tamanha maestria que parecia ter nascido com esta em mãos.

E ao fim de uma breve batalha, os três guardas restantes estavam no chão, desarmados e vencidos, de fraturas ou ferimentos. Porém todos vivos, afinal, ele não era um monstro.

O garoto, desprovido de um único corte, virou-se para a imitação de trono no qual o Conde não mais repousava. O velho recuava passos cuidadosos com as pernas bambas. Não eram os únicos membros trêmulos do nobre ao sentir o concreto gélido sob as costas, encurralado como um rato amedrontado.

Conforme o comando da mão, as espadas avançaram cortando rajadas de ar em impulso direto. Claro que ele poderia ter usado a magia com os guardas, após quase dois anos com Laylah, a magia estava se tornando algo tão comum quanto o ar que respirava. Apesar de ainda ter muito a aprender. Porém, também guardava o primeiro conselho que recebera sobre magia: um bruxo não pode depender apenas dela, ou logo acaba morto. Assim, ele ainda treinava duro frequentemente para se fortalecer em combate direto ou na espada.

O dilema que se encontrava, seu alvo também estava em uma caçada e cobria o rastro para a presa não o perceber se aproximando. E como caçaria um caçador? Simples, encontraria sua caça. Até porque, Mikael não era o único monstro.

Voltou à atenção as espadas cravadas á parede, prendendo o Conde suspenso pelas roupas. Apesar de sequer ser ferido durante o movimento, soltou grito ruidoso que encheu o salão.

— Agora, onde estávamos...

O bruxo aproximou-se a passos tranquilos e despretensiosos que adotavam ar extremamente ameaçador. Interrompendo-se ao ficar diante do velho acovardado.

— Oh sim, iria me dizer tudo o que sabe sobre seus visitantes, e principalmente desta fuga, — decretou de tom tão desdenhoso quanto repleto por desprezo ao completar.

— “Sua Graça”.


Nova Orleans, atualmente.

 

Após chegar ao complexo e receber a trágica notícia, o híbrido ainda estava incontrolável e agindo pela raiva, de sua forma autodestrutiva, Rebekah sabia que não iria ajudar em nada. Não era justo Elijah incumbir a ela a tarefa de ter de lidar com a ira do irmão e acalmá-lo, quando a própria se sentia igualmente, ou arriscava a dizer, ainda mais devastada e furiosa do que Klaus; e era assombrada pelas mesmas ideias perversas de tortura e destruição em busca de vingança.

— Saia do meu caminho, Rebekah! — Klaus gritou a plenos pulmões, fortificando mais o tom de voz, como se ambos não fossem vampiros. — Você, dentre todos, deveria me apoiar na busca pela destruição dos responsáveis por isso!

— Você acha que eu não quero matar cada lobo naquele maldito Bayou até encontrar os desgraçados que o fizeram?! — a loira vociferou em resposta, embora sua voz se arrastasse; afônica após a intensidade com que chorara. Estampada também na expressão inchada e de olhos vermelhos que contemplava o rosto da Original. — Mas temos de pensar agora. Fazer isso vai vingar Marcel, mas não trazê-lo de volta!

A loira era a descrição da miséria emocional, assemelhada a uma montanha-russa em queda livre. Completamente despedaçada para lidar com a dor do irmão, quando sequer conseguia com a própria. Rebekah odiava tudo naquele momento.

Odiava saber que não abriria os olhos e de repente tudo não passaria de um pesadelo, odiava essa situação de guerra à qual parecia não findar nunca, odiava como vítimas se faziam o tempo todo, odiava todos os malditos lobisomens, odiava as bruxas; e agora, odiava mesmo Elijah e até Nik. Por agir tão impulsivamente e fazê-la tomar a frente, colocando-a em uma posição a qual ela não pertencia.

— Mas só vai arriscar a vida daqueles que ainda estão aqui. Como Freya, Hayley... — a Original prosseguiu. — Hope. — teve dificuldade em mencionar a sobrinha, limpando a própria bochecha avermelhada e gélida, rastros das lástimas de seus prantos.

— Não use Hope para me manipular! — gritou Klaus em um protesto furioso.

Mas a verdade é que ouvir o nome da filha fazia Klaus pensar em sua lobinha, e não se perdoaria se qualquer coisa acontecesse á ela. Já perdera um filho naquele fatídico dia, não podia imaginar sofrer outra perda desta forma.

Doía ainda mais desviar os olhos e encarar o corpo vampiro acinzentado ao dissecar, inerte sobre o tapete persa do salão, massacrado em sua construção e móveis, expunha os sinais da luta. E no fundo, Klaus sabia que nenhum tipo de dor pelo qual já enfrentara outrora se comparava a devastação que sentia neste momento.

Nada se comparava ao aperto que massacrava seu peito, como se um pedaço de si próprio faltasse, um pedaço de algo que ele ás vezes duvidava que ainda possuísse fosse arrancado de si, seu coração. Algo que só aumentava-lhe fúria e os anseios em seu desejo por vingança. E apenas a aniquilação e a sensação de ver o medo e sentir o sangue dos responsáveis em suas mãos poderia lhe trazer algum reconforto. E a vingança até poderia não trazer Marcel de volta, mas o vingaria.

— E o que você sugere? Que sentemos e choremos enquanto assistimos o corpo dele queimar, sabendo que os responsáveis ainda respiram depois do que fizeram?!

— Eu sugiro que pensemos, Nik. — continuou a irmã. Caminhou alguns passos pela sala. — Afinal, para começar nem sabemos quais são os lobisomens envolvidos nisso e mais importante: diferente deles, não temos exército algum.

— Os vampiros lutarão em nosso favor, com certeza. — assumiu Klaus. Prosseguiu:

— Eles eram leais ao Marcel. Mais leais do que jamais foram a mim.

— E têm isso. — Rebekah puxou o ar, respirando fundo.

Surpreendera-lhe ouvi-lo pronunciar o nome do vampiro, apesar de Klaus manter uma postura firme e ser infinitamente melhor do que ela em camuflar suas emoções. Como quando apesar de seu semblante decapito em consternação, ele não derramara sequer uma lágrima, ainda que por dentro, a loira sabia que mais do que isso, ele sangrava em desolação e com certeza destruiria alguma coisa, ou muitas coisas, quando ninguém estivesse olhando.

 — Os vampiros podem até compartilhar da nossa sede de vingança, mas não vão se arriscar. Agora que a mordida da maioria dos lobisomens é constantemente letal após o casamento de Hayley e Jackson, eles sabem que não têm chance. E têm as bruxas, e se elas estão dando trabalho mesmo para nós, os Originais, os vampiros não irão contra elas. — a loira finalmente começava a analisar as possibilidades.

— Além do mais...

— Oh que bom, ainda temos mais más notícias! — ironizou o híbrido, abrindo os braços de forma melodramática e sorrindo repleto de amargura.

— Além do mais, os vampiros não estão do nosso lado. — concluiu Rebekah enfim. — Como você mesmo ressaltou, eles realmente eram leais ao Marcel e agora que ele se foi, eles não só estão planejando deixar o Quarter como nos culpam por tudo o que está acontecendo. Principalmente á você, Niklaus.

— Oh, eles culpam a mim?! — Klaus usou tom puramente em tripúdio, com um breve riso de escárnio ao virar-se para Rebekah. Debochado como apenas ele sabia ser.

— Bem, então talvez eu deva puni-los também, já que se todos estivessem aqui com Marcel, talvez isso não acontecesse. Então, ao que me parece, sou eu quem devo culpá-los e não o contrário!

— Pouco me importa de quem é culpa! E sim, Nik, quero massacrar os responsáveis por isso das formas mais terríveis, mas não sou idiota de não reconhecer como estamos em desvantagem agora. — a Original por fim acabou explodindo, virando-se ao irmão com ressaltados olhos azul vibrantes em contraste aos vasos sanguíneos.

— E se quisermos virar o jogo, precisamos saber quem serão nossos aliados, o que só vamos descobrir quando Elijah, Hayley e Jackson convencerem os lobisomens a ficar em nosso favor. E com sorte, talvez Elijah consiga usar de sua politica diplomática para convencer alguns dos vampiros á nos apoiarem também. E mesmo que por um milagre consigamos fazer com que vampiros e lobisomens trabalhem juntos, ainda assim, estaremos em menor número.

— E novamente, um exército se torna o problema! Talvez, se eu tivesse meus híbridos como planejava, então não teríamos de esperar pela boa vontade de grupos inferiores. — o híbrido sobressaltou-se, bufando de raiva.

Klaus desejava destruir o que sobrava do salão e ainda assim, não descontaria um terço de sua raiva. Porém, conteve-se apenas a atirar uma das cadeiras vitorianas contra a parede e o estilhaço da madeira pura partindo-se e prejudicando mais do reboco já destruído e de tijolos a mostra em vários pontos. Foi o som que substituíra um grunhido animalesco o qual o Original segurou, prendendo-o na garganta.

— Já se passaram os malditos quinhentos anos, onde é que está à quinta duplicata?!


P.O.V Elena

Querido diário, o que uma adolescente de dezesseis anos faz ainda em casa em uma sexta-feira? Pois é, eu já respondi essa pergunta umas três...

— O que você está fazendo em casa ainda, Elena? Não vai á fogueira com as suas amigas? — perguntou-me tia Jenna ao adentrar em meu quarto apressadamente.

...Quatro vezes hoje.

— Oi... Hm, não. Não estou no clima para sair hoje. — respondi evasiva, após corrigir na folha. Então reparei nela, bem maquiada e com os cabelos ruivos suspensos pela presilha de ouro branco em um coque frouxo moderno. Trajava um belo vestido em tubo preto, relativamente justo. Sorri condescendente. — Hm, mas e você? Aonde vai tão arrumada?

— Gostou? Parece que tenho um encontro? E tenho, com o trabalho. — rimos.

— É mais um desses jantares de negócios da empresa.

— É bom, você precisa se distrair. — pontuei, ajeitando-me confortavelmente no assento da janela. Observei-a checar o visual em frente ao espelho da penteadeira.

— Eu duvido, em um bando de bajuladores. — Jenna então virou-se, sem graça.

— Têm certeza que tudo bem se eu for? Posso cancelar, não quero te deixar sozinha depois do acidente. — linhas de preocupação formaram-se em seu rosto.

— Não precisa. Está tudo bem, sério. — garanti e sorri descontraída ao reforçar:

— Além do mais, parece que vai passar “10 Coisas Que Eu Odeio Em Você” na TV hoje, eu já comprei as coisas para fazer chocolate-quente e os lenços estão a postos. Então, vou ficar bem.

Jenna riu quando balancei a caixa de lenços de papel que recuperei da mesa de cabeceira. Sabia como ela não entendia eu gostar tanto de um filme que ainda me fazia rir feito criança, e derramar lágrimas na cena do poema não importa quantas vezes assisti. Por fim, ela suspirou e tomou fôlego para deixar meu quarto.

— E aí, estou com cara de quem vai ser promovida? — fez pose. Eu ri.

— Você está linda, Jenna. E com certeza merece ser. — ressaltei.

— Tudo bem, então... Até mais tarde. — despediu-se por fim ao se afastar.

— Tchau. — disse de forma calorosa.

Depois de Jenna sair, eu retornaria as páginas de meu Diário, mas fui impedida por uma nova movimentação a minha porta. Batidas leves a madeira recuperaram a minha atenção para meu irmão, que contorceu os lábios em um sorrisinho rápido enquanto atravessava o quarto com passos tranquilos e, eu diria, até contidos.

— Ei... — cumprimentou, vindo em direção à cama. Eu sorri.

— Oi.

— Então, você não vai mesmo à fogueira?

Neguei com a cabeça em um sorrisinho contraído. Ele suspirou e desviou os olhos, a mandíbula contraída e o olhar tenso mostraram estar incomodado com algo.

— Eu não sabia que ela ia sair... — disse e voltou os olhos ao meu rosto, fixamente.

— Olha, se você quiser, eu posso ficar.

— Ei! Eu quem sou a irmã mais velha e tenho que cuidar de você e não o contrário.

Me estiquei no futon do assento e sorri brincalhona enquanto acertei seu ombro com o punho, como se em um soco. Jeremy baixou a cabeça e riu abertamente. E diante a cena, senti o brilho em meu próprio olhar durante o sorriso sincero, em pura felicidade, que encheu meu rosto, assim como encheu meus olhos e eu os senti marejados. Era a primeira vez que via Jeremy rir outra vez depois de tudo o que aconteceu.

— Jer... — minha voz falhou e engoli o soluço, tentava disfarçar o timbre alterado em meu tom enquanto o envolvi com os braços em seu pescoço e senti duas lágrimas molharem meu rosto. Ele não disse nada, mas retribuiu o abraço, segurando minha nuca e acariciando meus cabelos afetuosamente e apenas após longos minutos nos afastamos. — Eu agradeço de verdade. Fico feliz em saber que você ficaria comigo se precisasse. — funguei e limpando meu rosto, me recompondo. Sorri novamente.

— Mas não se preocupe, eu vou mesmo ficar bem sozinha.

— É o mínimo, Elena. Eu te devo isso! Você não teria se acidentado se não fosse por mim. — eu vi a culpa em seus olhos arrependidos e ao mesmo tempo revoltados.

— A culpa foi minha.

— Ei!... — eu o repreendi imediatamente e ergui a mão, segurando firme seu rosto.

Nunca mais diga isso, entendeu?!

— Mas é a verdade.

— Não, Jeremy. Não é. — garanti e reforcei: — A culpa não é sua! A culpa não é de ninguém, foi um acidente.

Contudo, não queria que acabássemos nos desentendendo quando as coisas enfim voltavam ao eixo, então espantei o ar melancólico e respirei fundo, erguendo os ombros.

— Além do mais, se você ficar por minha causa, vai ficar mal-humorado e você fica insuportável de mau humor! — brinquei. Jeremy me acompanhou em um sorriso.

— Ok. — Jer sorriu vencido, mas advertiu: — Mas qualquer coisa me ligue, ok?

— Claro, mas não precisa. Eu vou ficar bem. Não se preocupe comigo.

E depois que ele também saiu, fiz exatamente o que programei para a sexta-feira: vesti meu pijama confortável após um bom banho, joguei um moletom por cima, calcei minhas pantufas e voltei á cozinha, começando a preparar o chocolate-quente. Provava para testar se já estava pronto quando a campainha soou repentinamente. Estranhei, mas desliguei o fogo de qualquer forma e atendi a porta, tendo uma surpresa.

— Ei, então, está pronta?... — dei de cara com Caroline e Bonnie, a loira me olhou em desaprovação. — O que você ainda está fazendo de pijama?

— Oi para vocês também. — arquei as sobrancelhas, conhecia essa expressão.

— Oh não, eu avisei, não estou no clima para isso.

— É, e nós respeitamos o seu espaço. Por quatro meses. — frisou Caroline.

— Agora já chega, Elena Gilbert. Você vem com a gente, por bem ou por mal!

— Não olhe para mim, desta vez ela está certa. — acentuou Bonnie diante ao meu olhar recriminador.

— Sim, estou! Então, você pode subir e colocar uma roupa ou vai de pijama mesmo. Sua escolha. — estipulou Care, cruzando os braços e mantendo a linha reta nos lábios, deixando claro que estava irredutível á discussão.

Soltei o ar, cansada, e dei espaço para que ambas pudessem passar enquanto Bonnie encarregou-se de fechar a porta. Ainda tentei argumentar, mas é de Caroline Forbes que estamos falando, então não houve jeito.

Acabei subindo desanimada, sem procurar muito as peças. Escolhi uma blusa de manga longa; já que ainda estava frio por conta do tempo fechado, saia jeans e meia-calça preta. Completei com uma jaqueta de couro e botas, como sempre sem acessórios. Os fios lisos de meu cabelo, apenas escovei mais uma vez, ele estava enorme como no Natal e pensei em prendê-lo, mas optei por deixar solto mesmo. Então desci as escadas, pronta.

— Oh, sim! Era disso que estava falando. — expressou Care, sorriu satisfeita.

— Apesar da falta de acessórios no seu visual. — analisou.

— Bem, esse é o melhor que posso fazer, desculpe. — repliquei sem humor.

— Você está bem, Elena. E é melhor do que aquele pijama. — comunicou Bonnie divertida. — Ok, vamos?

Nós fomos no Celta prateado de Bonnie e não demorou para chegarmos na floresta as redondezas do lago Wickery. Eu engoli em seco ao encarar a ponte, aquele lugar definitivamente não trazia muita sorte á minha família, era de um humor trágico pensar sobre isso.

Bon estacionou próxima a caminhonete azul de Matt que já estava lá e então descemos. O lugar já estava cheio, porém o pessoal espalhava-se ao redor. Alguns se mantinham próximos à fogueira e ao barril de cerveja, um grande grupo no gazebo rústico, e ainda alguns que preferiam afastar-se da claridade das tochas, estrategicamente dispersas nas laterais, e varal de luzes que adornavam o local.

— E aí, Bon, Caroline. — Matt veio até nós e me observou com um sorriso surpreso.

— E Elena?... Você veio.

— É, eu não tive outra opção. — deixei claro desviando os olhos à Care, acusadora.

— Considere uma folga da sua fase antissocial. — ela deu de ombros.

— Oi. — mais uma presença se anunciou.

Soube que perderíamos Caroline assim que Tyler surgiu nos cumprimentando friamente, como era habitual de si, eu acho. Eles trocaram um beijo e Care questionou-o sobre pegar bebidas e perguntou se queríamos também. Mas claro, recusamos, afinal, sabíamos que não era “pegar bebidas” o que eles iriam fazer.

Ficamos eu e Bonnie, até algumas garotas conhecidas se aproximarem. E antes de se afastarem, tive de encenar o discurso preparado “Estou bem, obrigada” ao ser questionada sobre meu bem estar. Não que se importassem. Era um “Está tudo bem?” que significa “Na verdade, não quero saber dos seus problemas, já tenho os meus. Mas vou ser educado e fingir que me importo”.

Logo, acabei perdendo Bonnie, já que ela também está com alguém do time, mas isso é desde antes das férias e do acidente. Na verdade, ela explicou que estão “dando um tempo” agora. Mas ela ainda é afim dele, por isso, apesar de oferecer dispensá-lo para não me deixar, recusei. Afinal, não iria atrapalhar o relacionamento de ninguém para não ficar sozinha, por isso tratei de dar a maior força para ela ir.

Matt quem me acompanhou, o que acabou por ser constrangedor. Pois estava bêbado, percebi desde que veio á nós com pálpebras inchadas e olhos semicerrados e seu hálito a exalar álcool. Assim, ficou usando comigo cantadas que, apesar de ser mais gentil em tom de flerte, estavam me incomodando. Primeiramente, porque não era a primeira vez e em todas deixei claro, sem magoá-lo, que seríamos apenas amigos, e o via como Jeremy. Um irmão, mas mais velho. Depois, porque sequer queria estar aqui e lidar com essa situação não ajudava.

Eu não queria e nem estava em condições de começar um relacionamento agora, mesmo porque, nunca estive em um e dos poucos garotos que fiquei antes, não me interessei verdadeiramente por nenhum. Além do mais, não seria na fase em que minha vida está agora que me envolveria assim.

— Elena, não precisamos começar logo um namoro, eu respeito que esteja abalada após tudo o que tem acontecido. Podemos ir devagar e ver no que dá... — Matt ainda insistia com um sorriso nervoso na face levemente corada por causa da bebida.

— Matt, eu já disse, gosto de você. De verdade. Mas sabe que é como um irmão para mim. — estava tentando ser gentil, mas me vi tendo de ser mais específica.

— Desculpe, mas eu não consigo ver você desse jeito.

— Você nem tentou. Se me der uma chance, eu posso mostrar á você como me ver de outro jeito. — alegou, aproximando-se mais com ar sedutor, inclinando o rosto para o meu ao sussurrar com a voz mais arrastada e o cheiro forte da cerveja: — Prometo que não vai se arrepender.

— Por favor, pare. — pedi incomodada, empurrando-o delicadamente e me afastando.

— Você está bêbado e está forçando isso, eu não quero brigar com você.

— Ok, se você não quer um relacionamento, então que tal apenas nos divertirmos juntos? — sugeriu de forma condescendente, recusando-se a se afastar.

— Matt, pare! O que deu em você?! — o empurrei com mais força dessa vez, perdendo a paciência. O encarei incrédula pela forma como estava agindo.

— Qual é, Elena?! É uma festa! — Matt tentou, aumentando aquele sorriso sacana que não me atraía nem um pouco e sim estava me perturbando.

Ele avançou e me puxou pela cintura, inclinando o rosto em direção ao meu, enquanto eu tentava desesperadamente me esquivar e livrar-me de seu aperto. Estava me machucando. Aquilo estava me enojando de forma que eu me debatia com impacto, sem conseguir me preocupar em machucá-lo quando tudo o que sentia era repulsa e tudo o que queria é que ele parasse.

— Ei, cara, já chega!

Ouvimos a voz grossa que se anunciava em tom mais alto para que pudesse ser ouvido. Era Tyler, que nos alcançava com rapidez e naquele momento, eu agradeci internamente. Suspirei aliviada, sentindo meu corpo tenso, relaxar. Tyler segurou Matt de forma firme o puxando e afastando-o de mim, sustentando seu braço e firmando sua cintura para dar apoio ao loiro.

— Desculpe, Elena. Você está bem? Eu vou levá-lo para tomar uma água. — disse de forma compassiva, porém nervosa. Parecia incomodado também pelo comportamento do amigo.

— Está tudo bem, Tyler. Obrigada. — agradeci sincera, soltando o ar com calma.

— Não precisa agradecer, sabemos que Caroline me mataria se eu não fizer isso. — brincou rapidamente. Eu ri e concordei. Então, sua expressão tornou-se mais séria.

— Aliás, você deveria ir ver seu irmão. Ele está com os viciados na floresta. — alertou.

Logo que Tyler me indicou o lugar exato, me encaminhei com passos pesados. Eu não podia acreditar que depois de tudo o que aconteceu, e principalmente nossa conversa hoje, Jer estava envolvido nessas coisas outra vez.

Ao me avistarem avançando para eles, os amiguinhos chapados dele logo gesticularam para Jeremy e fizeram sinal relativo á mim. Todos jogados á relva, sobre as raízes expostas de um dos carvalhos mais adentro da floresta.

— Droga! — o ouvi praguejar baixinho, erguendo-se e vindo em minha direção.

 — O que você está fazendo aqui?

— O que você está fazendo aqui, Jeremy?! Você não aprendeu nada após passar mal? — explodi alterada, tentando me manter sobre controle, mas meu interior só queria gritar e surtar com tudo o que estava acumulando dentro de mim.

— Que saco, me deixa em paz! — Jeremy passou por mim agressivamente, batendo o ombro no meu.

Tentei chamar por meu irmão e alcançá-lo, mas ele facilmente se esgueirou entre as árvores na escuridão e eu o perdi. Oh não, aquilo já era demais! Tudo já estava demais e eu já estava prestes a surtar, cansada de esperar as coisas se ajeitarem ou tudo melhorar.

Fui até o balde de gelo com garrafas de Budweiser e tequila e peguei uma de tequila, girando a tampa e empinando a bebida destilada. Bebi o conteúdo que apesar de extremamente gelado, ainda fermentava como se queimasse o céu de minha boca ao ponto de sentir minha garganta arder. E então, tomei o rumo para fora da floresta, sem me importar. Não avisei ninguém e tampouco me incomodei em pensar nos riscos de ir para casa sozinha.

Eu andava de forma desleixada e cambaleante. Em partes por realmente estar sentindo-me descuidada demais para me importar e parcialmente por ficar tonta após tragar a bebida tão veemente. Já havia avançado algumas quadras pelas ruas pouco iluminadas pelos postes de luzes fracas, quando um calafrio subiu por minha espinha, alarmando-me em um sobressalto. O mesmo pressentimento perturbador que tive em meu quarto quando pensei ter alguém me observando do gramado.

Virei e olhei para trás. As únicas sombras provinham dos canteiros contra os poucos edifícios municipais ou das residências sob as luzes nos jardins e em posição á rua. Ninguém estava ali. De toda a forma, a sensação palpitava em meu peito, que vacilou em um baque com a inquietação súbita. Tomei fôlego e comecei a correr.

E parecia que quanto mais eu corria, mais intensidade a sensação tomava de que o que quer que me perseguisse continuava atrás de mim. Tentei controlar as golfadas de ar desesperadas que engolia enquanto forçava as pernas a correr o máximo que podia. Espiava sobre meu ombro, mas não via nada. Olhei para o lado da rua, ninguém estava lá. E o sentimento atemorizador continuava a me assombrar. Aos tropeços contínuos quando não havia obstáculos e apenas o concreto, sentia meus pés falhando. Alcançava o fim da quadra que se separava em uma encruzilhada de outras ruas. Meu coração acelerado, pela corrida e pelo medo, errou uma batida; soube que era um alerta de que o perigo estava me alcançando.

Contornei o prédio á esquina e neste instante, senti o impacto ao chocar-me contra um corpo maior. O impacto assemelhava-se ao de esbarrar em uma parede. Mãos fortes seguraram meus braços por um momento em um reflexo, e aterrorizada paralisei sentindo-me estremecer dos pés a cabeça e assumir uma coloração pálida, porém foi um soluço que tomou o lugar do que seria grito.

Tudo o que estava sentindo se perdeu em um único arrepio que tomou conta de meu corpo devagar ao erguer o olhar para o belo rosto do mesmo rapaz que estava no Grill naquela quarta-feira. Eu quase não acreditei; surpresa demais para esconder a expressão boquiaberta. Mas tinha certeza, os mesmos cabelos castanhos e os mesmos profundos olhos castanho-escuros. Aquele rosto era inesquecível. E o mesmo sentimento daquele dia se apoderava de mim, a sensação de que era a eletricidade que corria em minhas veias e meu corpo todo parecia formigar.

— Cuidado, amor. — havia um sotaque charmoso em sua voz ao se pronunciar.

— Desculpe, achei que... — olhei para trás receosa, não havia nada. E a sensação sumiu. — Deixa pra lá...

— Sabe querida, você não deveria andar sozinha há noite. Pode ser perigoso. — o modo como soou dava a impressão de haver uma ironia. Eu sorri nervosa.

— Essa é a parte em que você diz ser o herói que vai me salvar do “perigo”?! — joguei automaticamente, zombeteira. Talvez pelo nervosismo, ou pelo álcool. Provavelmente pelo álcool. Ele pareceu achar graça.

— Na verdade amor, eu estou mais para o perigo.

Meu peito vacilou diante ao seu sorriso lascivo junto ao ar misterioso advindo daqueles olhos que pareciam enxergar através de mim. Minha respiração seguinte falhou ao sentir como se cada célula de meu corpo entrasse em combustão e imediatamente, eu me senti quente.

— Vai me dizer onde você vai com tanta pressa? — questionou-me.

— Oh... É que eu... — me interrompi ainda em dúvida se realmente deveria dizer.

— Você sabe, eu vinha sozinha. Então vinha rápido e olhando para trás, por isso acabei esbarrando em você.

— Bem, então que bom que eu estava por aqui. — disse sugestivamente. Eu sorri.

Seu sotaque, como se britânico, era envolvente e o modo como seus lábios, avermelhados pelo frio desta noite, se moviam de forma lenta e sexy, era tentador. Mordi o interior de meu lábio, me repreendendo por ter bebido. E aquele alarme interior soou novamente, me alertava de que estava entrando em uma zona perigosa e era melhor me afastar; e aprendi da pior forma a não ignorar meu sexto sentido.

— Tenho que ir... — soei de forma incerta. Mas me propus a seguir o caminho.

— Oh, e me desculpe.

— Posso acompanhar você. Como eu disse, andar por aí sozinha pode ser perigoso. — usava uma postura indecifrável que fazia questionar o que havia por trás do sorriso arrebatador e daquele ar tão convidativo e magnético que o envolvia.

— Além do mais, não seria inteligente arriscar algo acontecer com uma garota bonita.

— Só que você é um estranho. — consegui dizer, tempo suficiente após corar.

— Mas nós já nos conhecemos, amor. — sinalizou. Eu ergui os olhos para ele sem conseguir esconder a expressão surpresa por ele se lembrar daquele dia no Grill.

— Você se lembra?! — perguntei em um sorriso incrédulo.

— Eu nunca esqueço um rosto bonito. — sorriu. Eu baixei o rosto ao enrubescer.

— E como sei se você não é um maluco? — tentei, mas me sentia rendida.

— Não sabe, essa é a graça. Você vai ter que correr o risco. — me sorriu desafiador.

— E dadas às circunstâncias, você claramente precisa de mim.

O encarei em dúvida. Ao mesmo tempo em que meu corpo pareceu arrepiar-se como se em uma onda eletrizante em aprovação, parte de mim respondia positivamente, algo em meu interior gritou para que dissesse “não”. Lembrei-me dos ensinamentos de meu pai sobre o perigo de falar com estranhos. Eu tentei ser uma boa menina e obedecer, mas algo nele me convencia a correr o risco.

— Ok... — aceitei relutante. — Mas para você saber: eu tenho um bom chute.

— Vou me lembrar disso. — os cantos de seus lábios se esgueiraram.

— E já fui animadora de torcida, então tenho muita força nos pés. — acrescentei.

— Aposto que sim, considerando como você corre. — observou divertido. Eu ri.

Tornei a caminhar, guiando o caminho enquanto ele me acompanhava. No fundo, ao mesmo tempo em que meu sexto sentido vibrava em alerta máximo, era uma estranha dualidade contraditória. Pois, também havia uma sensação de segurança, em vista de tomar um susto ao pensar estar sendo perseguida. Saber que não estava sozinha trazia certo sentimento acolhedor.

— Onde quer que você estivesse não estava tão divertido, para você fugir assim. — disse ele, quando expliquei o motivo de estar a pé sozinha. Bem, na verdade, apenas parte do motivo, ter perdido minhas amigas. Tive o cuidado de evitar o resto.

— Bem, acho que foram emoções demais quando nem queria ter ido. Mas na verdade, não foi por isso que sai assim. — admiti, revirando os olhos. E pensar que tudo foi tão rápido.

— Por que então? — indagou, senti que seus olhos pareciam detectar mentiras.

— Resumindo, foi um desastre. — soltei uma risada falsa e sem humor.

Encarando meus pés vi a imagem distorcer, jurei a mim mesma que nunca mais beberia sequer um gole de tequila de uma só vez assim. Ao perceber o silêncio permanecer e sentir seu olhar sobre mim, ergui meus olhos turvos e encontrei as profundas órbitas castanhas que me deixavam tímida e tentada por elas.

— Aconteceram umas coisas nessa festa... — meneei a cabeça acompanhando um movimento de descaso com a mão.

— Entendo. — ele disse, senti um arrepio ao ter seus olhos analíticos sobre mim.

— Quer saber amor, você não parece bem.

— E eu pensei que estava me saindo bem em disfarçar. — disse após uma pausa.

Uma longa pausa, onde apenas o assoviar do vento e ruídos advindos da rua cortavam o silêncio.

Ele ainda parecia esperar, provavelmente pela continuação. Engoli em seco e repensei milhares de vezes. Mas havia algo que emanava dele... Uma sensação, me impulsionando a fazer coisas as quais não arriscaria normalmente, como aceitar a companhia de um estranho. Ao mesmo tempo em que algo em mim alertava do contrário constantemente, como se eu devesse fugir na primeira oportunidade.

— Ok, não foi apenas a festa. Na verdade, é a primeira festa que vou depois... — me interrompi, meu corpo trepidou em um espasmo momentâneo ao pensar no assunto.

— Você não tem que falar. Mas sabe, parece que você precisa.

Eu senti como se ele pudesse ler a mim, melhor do que eu mesma.

Suspirei com pesar. E, no entanto, esta era uma noite em que estava simplesmente cansada. Do fingimento, discurso ensaiado, sorriso falso; das mentiras. De tudo.  Sentia como se fosse explodir, estava no meu limite de suportar isso sozinha. Quatro meses guardando todos esses sentimentos dentro de mim, pois chegou o momento em que eles estão me sufocando. E ainda havia a tequila fazendo efeito e deixando minha mente ainda mais confusa.

— Briguei com meu irmão... De novo. — revelei. Apertei os lábios, meneando a cabeça. — Ele está nessa fase de rebeldia, nossa relação está... Problemática.

— Problemas de irmãos... — suspirou, reflexivo. Soou de forma sarcástica.

— Eu sei um pouco sobre isso.

— Ultimamente, me pergunto se é ele o mais problemático. — sorri sem humor.

— Quer dizer, ele faz do jeito errado, mas ao menos está enfrentando. Ao contrário de mim que só tenho me fechado para tudo, após... — vacilei outra vez e novamente me repreendi por beber, sempre falei demais nas raras vezes que o fiz.

Mas por fim eu percebi que sequer havia dito aquilo em voz alta desde que aconteceu, como se, de alguma forma, se eu não o fizesse, não seria verdade. Ou talvez fosse apenas menos doloroso pelo menos. E ao perceber isso, respirei fundo e disse aquilo mais para mim mesma.

— O acidente de nossos pais...

— Deve ser difícil.

Mas ao fixar o olhar nas íris castanhas de uma escuridão sombria, foi como se verdadeiramente, ele não parecia sentir isso. Ele não parecia sentir nada.

— Mas a coisa é: eu acho que você está olhando para isso da maneira errada, amor. — ele analisou, desviando o rosto de forma reflexiva e então voltou a olhar fixamente em meus olhos. — Esse acidente mostra como a vida humana é curta, e você não deveria deixar de vivê-la. Afinal, tudo pode acabar a qualquer momento. — a sensação de seu olhar sobre mim era tão intimidadora quanto atrativa, me fazia questionar tudo.

— Então, se você só deixar pra lá e não aproveitá-la, qual é o sentido?!

Tentei disfarçar o sentimento sombrio que deslizou sobre mim, enquanto estudava seus olhos profundos, em busca de respostas. Esforcei-me para fingir não notar essa intensa sensação, como se fosse apenas uma linha tênue nos separando enquanto uma vibração eletrizante parecia tentar nos unir. A mesma conexão estranha que senti aquele dia no Grill. E ao mesmo tempo, isso me assustava. Principalmente quando a voz em meu subconsciente alertava “Encrenca garantida. Fique longe”.

Sorri fraco e visualizei o concreto íngreme da calçada.

— Bem... Acho que não é o melhor assunto para se falar no primeiro encontro. — usei como o fim de uma piada e só percebi no segundo seguinte. Senti vergonha de mim mesma. Eu realmente nunca mais iria beber.

— Então isso é um encontro? — insinuou, deixando escapar o tom irônico.

— É, acho que isso responde a pergunta se você não se engasga com esse ego. — levei algum tempo para formular a resposta e minhas bochechas estavam quentes. Que ótimo, agora estou corando!

— Sabe, você fica mais bonita com essas bochechas vermelhas.

Meu rosto irritantemente parecia trabalhar contra mim, e sua aparência como se feita para deixar uma garota sem ar, o modo como sabia exatamente o que fazer e dizer naturalmente para mexer com algo em mim a ponto de me desestruturar. E aliado ao álcool, tornava difícil a tarefa de seguir meus instintos. Era perigosamente tentador. Perigosamente.

— Sério querida, sua relação com o seu irmão não é tão problemática. Acredite em mim, poderia ser pior. — ele sorriu depreciativo, o que fez soar como uma piada interna. Notei que não parecia ser apenas no sentido figurado, como pensei da última vez, mas da mesma forma, havia uma certa conotação menosprezável.

— Quer dizer que tem mesmo irmãos? — quis confirmar.

— Digamos que estou tirando férias dos meus. — disse simplesmente.

— Então, você não é mesmo daqui, é? — arquei uma sobrancelha e estreitei os olhos. Mas estava quase certa. Afinal, Mystic Falls é uma cidade pequena onde todos se conhecem, e eu sabia que não o vira por aqui antes.

— Eu nasci aqui. — ele respondeu pensativo, de certa forma, foi como se estivesse distante. — Mas não voltava á essa cidade há muito tempo. Sinceramente? Continua tão monótona quanto da última vez. — ele retomou o ar mais descontraído que automaticamente fazia alguém se sentir a vontade. Eu achei graça.

— Verdade. — concordei sorrindo cumplice. Ergui o olhar ao seu rosto dessa vez.

— Pelo jeito que fala, parece que faz muito tempo desde que esteve aqui.

— Parece que faz séculos. — ele meneou a cabeça. Eu detectei uma ironia.

— Deve ser bom. Eu estou ansiosa pela faculdade quando vou poder sair daqui. Sei que vou sentir falta, mas... — eu não completei a frase, apesar de estar muito mais solta do que o natural graças à tequila agindo em meu organismo, meu lado tímido ainda se manifestava em assuntos íntimos. E Mystic Falls para mim, era um desses temas.

Por fim nos aproximávamos do jardim a fachada branca da casa de dois pisos pré-fabricada. O engraçado foi como ao invés de estar aliviada por conseguir chegar sã e salva ao final de contas, eu só senti meu peito vacilar ao perceber que se aproximava também o momento em que nos despediríamos. Quem diria que no fim, eu iria gostar da companhia dele?!

— Mas imagino que deva ser mesmo outro universo, se você vai para uma cidade grande. — eu continuei. — Você foi para onde?

— Então, já está interessada em mim? — disparou ele, abusando da característica postura autoconfiante e em seguida adotou o sorriso convencido.

— Foi mais rápido do que eu esperava.

— Deve ter sido a sua incrível modéstia.

Expressei meu melhor semblante de sarcasmo em um sorriso. Enquanto ele, em seu lugar, pareceu achar graça. Por fim, tive certeza de meu limite mínimo para bebida e reforcei a nota mental anterior como em uma promessa para, no futuro, evitar a tequila terminantemente. Ao perceber como lá estava eu, falando, e falando, e falando sem parar ou pensar. Parabéns, Elena! Ele deve achar que você é uma maluca.

— Desculpe... Não quis me intrometer. — disse retraída, sentindo-me tão estúpida.

— Normalmente eu não falaria tanto... É só que...

— Você bebeu? — ele arqueou as sobrancelhas sugestivamente. E imediatamente ergui o olhar de volta ao seu rosto e graças à rapidez do movimento, acabei por ficar ainda mais tonta. Novamente, ele exibiu seu sorriso encantador de tirar o fôlego.

— Acredite amor, eu tenho experiência no assunto. E parece que você foi longe demais.

Mas eu sequer prestava atenção. Me perdi observando seus lábios moverem-se de maneira deliciosamente lenta e reparando o modo como, por vezes, os mordia levemente sem perceber, era algo natural e ao mesmo tempo tão provocante que por um  momento, só consegui pensar em como queria beijá-lo.

E quem disse para se distrair quando já se está com os sentidos alterados e prestes a subir degraus? Pois é. Acabei tropeçando à escada externa da varanda, porém, ao contrário do que esperei, não encontrei a queda para o gramado. Mais uma vez houve o solavanco fremente de esbarrar a uma superfície rígida e levei os braços mecanicamente para me proteger, o que era desnecessário e apenas os estacionei em seu peito. Senti os músculos de seus braços apertarem-me ao me envolver, impedindo a queda, e repentinamente meu corpo pareceu tão pequeno.

Ele me segurou bem a tempo. O que foi mais um reflexo realmente rápido.

Eu observei seu rosto mais próximo, perdida. Ao mesmo tempo em que havia a forte pressão exercida sobre minha cintura, a sensação era confortável e quente, me fazia desejar permanecer em seus braços o máximo possível.

—... E têm isso. — concluiu a frase anterior —que eu deveria ter escutado—.

— Obrigada... — sussurrei em um fio de voz.

Seu cheiro, uma refrescante essência de eucalipto e hortelã, me deixava entorpecida. Não percebi quando prendi o ar automaticamente, como se algo natural se tornasse complexo. Meu olhar caiu para seus lábios e precisei de um momento antes de erguê-lo outra vez. Seu olhar também desceu á minha boca e repeti o movimento. Seu toque ao me segurar era forte e exercia um misto de poder e segurança, era uma sensação gostosa. Minha pele se eriçou em um arrepio.

Aproximava o rosto do meu, mantendo aquele jogo de olhares. Ele estava me provocando. E estava dando certo. Certo demais. Meu sexto sentido voltou a berrar avisos de alerta, mas eu varri aquela voz para o fundo da minha mente, junto da minha timidez, e arquei o rosto ao seu também, reduzindo cada vez mais o espaço tão insignificante que nos separava.

Tomei um susto com o ranger da porta ao abrir abruptamente e Jenna surgir em meu campo de visão. Foi como ser despertada violentamente de um sonho. O afastei em um reflexo e não pude encará-la, encabulada. Muito menos a ele.

— Meu Deus, Elena! Onde você estava? Disse que ia ficar em casa, imagina meu susto ao chegar e não encontrá-la?! — Jenna despejou atônita. Porém, o semblante alterado de preocupação transformou-se em surpresa ao desviar o olhar para o rapaz ao meu lado. — Oh... Olá.

Ele apenas lhe exibiu seu sorriso travesso de quem sempre está aprontando em um cumprimento silencioso. Então olhou para mim uma última vez.

— Boa noite, amor. — o charmoso sotaque soou ao desejar, com o sorriso maior, em cumplicidade, então, dirigiu-se ao jardim com seu caminhar cheio de si.

— Elena? — Jenna chamou meu nome como um pedido de explicações.

— Podemos conversar amanhã? — não esperei a resposta. Desviei a atenção dos questionadores olhos cor-de-mel e passei por ela rapidamente, me encaminhando direto á escadaria. — Boa noite, Jenna.


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Notas finais do capítulo

Amei como deu para colocar tudo no capitulo, aliás quem lembrou das primeiras temporadas os bons e velhos tempos de TVD e sentiu saudade? E até o Tyler finalmente teve utilidade gente (e quem disse que milagres não existem?!) ksksks
E VEM AÍ, mais um sucesso de bilheteria, dos mesmos produtores de "Vamos, vai ser legal", "Uma Ressaca Para Não Recordar" e "Seus Pais Te Avisaram": Festa. Um filme em qualquer baladinha perto de você ksks
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