Paciente escrita por Jude Melody


Capítulo 1
Capítulo único




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Leorio era um homem paciente. Ele ouvia todos com bastante calma, desde as criancinhas que não sabiam falar direito até as senhorinhas que cismavam estar à beira da morte. Enquanto manuseava o estetoscópio, perguntava como fora o dia na escola, como estavam as crianças, como o marido se sentia após tomar os medicamentos que a cardiologista indicara. Todos no hospital gostavam muito dele por conta dessa paciência. Sentiam-se acolhidos. Era como se até mesmo a menor dorzinha tivesse espaço naquele coração enorme.

Acontece que tudo tem seus limites. E o limite de Leorio era o olhar meio culpado do loirinho que se sentava na cama, esperando o jovem estagiário. Durante algum tempo, eles ficaram em silêncio, apenas se encarando. Vencido, o mais velho soltou um longo suspiro, passou a mão pelos cabelos e se aproximou calmamente, murmurando baixinho palavras de autoincentivo. Cruzou os braços quando parou de frente para o mais novo. Esperou pelo cumprimento que não viria.

— Eu não sei se fico feliz por você ter vindo me visitar, ou se fico triste por essa ser a única maneira de você lembrar que eu existo.

O loirinho não respondeu. Contentou-se em devolver o olhar sarcástico de Leorio. Por cima de seu ombro, avistou o chapeuzinho da outra estagiária, uma jovem sorridente chamada Tohru. Ela era maravilhosa, mas suas mãos atrapalhadas não serviam para aquele tipo de trabalho. A pobrezinha viva derrubando frascos de vidro, bandejas com instrumentos perfurocortantes, seringas contaminadas e outros materiais perigosos. Ninguém nunca a via derrubar uma caixinha de plástico com algodão.

— Vai me contar seus sintomas, ou não vai? — questionou o mais velho, emburrado.

Ao ouvir o tom de voz do colega, Tohru tratou de sair rapidinho do quarto, derrubando um frasco de analgésicos no caminho. Felizmente, não o quebrou. Com um murmúrio de desculpas, ela pôs o objeto em seu devido lugar e sumiu pelo corredor. O cômodo mergulhou em profundo silêncio. Leorio, de pé, sustentava o olhar do loirinho. Foi necessário mais um minuto inteiro até que o mais novo finalmente estendesse o braço.

— Eu me machuquei — disse em um sussurro.

— Imaginei que fosse isso — rebateu o Paradinight, tocando o braço do Kuruta com leveza.

— Ah! — Kurapika exclamou. — Tome cuidado!

— Não seja tão fresco — retrucou Leorio, irritado.

Ele fez uma careta. Não era possível examinar o ferimento com aquele tanto de roupa que o mais novo vestia. Sem pedir licença, despiu-lhe a parte de cima do tabardo, jogando-a de qualquer jeito sobre uma cadeira. O Kuruta protestou no mesmo instante, mas era tarde. Leorio já estava arregaçando a manga de sua blusa para examinar o braço. O que viu quase o fez saltar para trás.

— Mas o que é isso?!

Kurapika fez uma careta culpada. Ele sabia que o ferimento era feio. As presas de um coelho-gorila podem ser mortais quando ele desfere um ataque furioso. Principalmente quando se trata de um adulto de duzentos e cinquenta quilos que está determinado a matar o intruso que teve a audácia de penetrar em seu território. Ele teve apenas um segundo para desviar do primeiro golpe e teve de erguer o braço esquerdo para bloquear a segunda investia. A dor que sentiu foi indescritível. Foi a primeira vez em que ele sentiu na pele o que significava a expressão “ir à lua e voltar”.

— Você estava tentando se matar, Kurapika? — esbravejou Leorio. — Estava querendo morrer?

A postura do loirinho mudou. Ele ficou emburrado. Já sabia desde o início que o Paradinight ficaria furioso com seu estado de saúde, mas aquele estardalhaço era um exagero. Será que ele não poderia simplesmente ajudá-lo, ainda que se limitasse a entregar um band-aid?

— Não. Só faço isso às terças-feiras — respondeu, insolente.

A reação de Leorio pegou-o de surpresa. Em um movimento rápido, o mais velho deu-lhe um safanão na orelha. O mundo de Kurapika girou completamente enquanto ele tentava se reencontrar. Ouviu um zumbido estranho dentro de sua cabeça. Mesmo assim, acreditou que sua teimosia valera o preço.

— Leorio! — exclamou alguém.

Uma mulher baixinha aproximou-se. Em seu rosto, via-se a mais profunda indignação. Ela olhou primeiro para o desnorteado loirinho, então, voltou-se para o Paradinight. A julgar pelas roupas, devia ser uma das médicas.

— O que pensa que está fazendo?

— Isso aqui é entre mim e ele, está bom, Michelle? — rebateu Leorio, olhando-a de cima.

Apesar da baixa estatura, ela estufou o peito, pronta para um combate.

— É Doutora Michelle para você — corrigiu, autoritária. — Não é assim que tratamos nossos pacientes.

— Ele não é paciente! — respondeu o estagiário. — É só um idiota que veio me visitar.

— Leorio! — Michelle arregalou os olhos, horrorizada.

— Tudo bem, Doutora Michelle — murmurou o Kuruta.

Dois pares de olhos assustados voltaram-se para ele.

— Eu mereci. — Kurapika engoliu em seco. — Poderia nos deixar a sós, por favor? Eu queria conversar com o Leorio.

Michelle não respondeu. Apenas se afastou de mansinho, sem desgrudar o olhar daquele loirinho estranho. Fechou a porta ao sair.

— Sobre o que quer conversar? — indagou Leorio, já se encaminhando até pia para lavar as mãos.

— Quero saber como faço para chegar à Floresta Kokiri — disse Kurapika, saltando da cama.

— A Floresta Kokiri? — O mais velho vestiu as luvas. — Fica a quilômetros daqui.

— Sim, eu sei. Mas ouvi dizer que um dos pares está lá. — O loirinho pegou seu tabardo e começou a vesti-lo.

O Paradinight fechou os olhos e conteve um suspiro. De novo aquela história sobre os olhos. Não aguentava mais isso! Será que existiria naquele hospital algum remédio para a obsessão do Kuruta? Ele não sabia. Mas, em todo caso, o loirinho não era o único que precisava deixar de ser tão obcecado.

— Eu não vou te dizer como ir. Se quiser ir até lá, terá de descobrir sozinho — resmungou, malcriado, enquanto pegava alguns frascos, curativos e ataduras.

— Então, está bem.

Leorio largou os objetos calmamente sobre a cama e se encaminhou à porta a passos largos. Contornou o Kuruta e parou a sua frente, bloqueando o caminho. Sustentou seu olhar teimoso por um breve segundo e começou a empurrá-lo de leve. Contrariado, o mais novo fez um som com os lábios e voltou para seu lugar sobre o colchão. Despiu o tabardo e a blusa de manga comprida, jogando-os sobre a cadeira.

— Você é louco, sabia? — murmurou Leorio. Era a primeira vez que usava um tom gentil.

Kurapika suspirou, cansado.

— Sim, eu sei. — Ele ergueu um pouco os olhos. — Desculpe.

Leorio deu de ombros e começou a cuidar do ferimento. Limpou-o como podia, contendo uma careta de dor. O braço do loirinho estava em carne viva em diversos pontos, e uma crosta de sangue seco cobria boa parte da pele. Não havia muito o que pudesse fazer. Teria de levá-lo à emergência. Imediatamente! Mas, se fizesse isso, não poderia cuidar pessoalmente do mais novo.

O Paradinight trincou os dentes. A mera ideia de permitir que um médico tocasse seu loirinho causava-lhe nojo. Ele nunca abdicaria de seu direito de cuidar daquele corpo tão belo e frágil que vivia se machucando pelos arredores do mundo. Tentou se controlar, tentou de verdade, mas, quando ergueu um pouco a cabeça, encontrou os olhos culpados do Kuruta, e todos os seus pensamentos vazaram por sua íris.

— É muito grave? — perguntou Kurapika, mansamente.

— Sim... — Leorio resistiu ao suspiro. — Terei de mandá-lo para a emergência.

— Não quero ir para a emergência — rebateu o loirinho, mimado. — Eu quero que você cuide de mim, Leorio.

O coração do mais velho bateu mais forte. O Kuruta acabara de dizer que queria que ele, e apenas ele, cuidasse de seus ferimentos! Mas, seria mesmo? O Paradinight ouvira direito? Ele encarou o loirinho de novo, só para ter certeza. Deparou-se com o rubor de suas faces.

— Se qualquer um servisse... — Kurapika abriu um sorriso tímido. — Eu não teria vindo até aqui.

Leorio não se conteve. Deu um beijo suave nos lábios rosados do Kuruta. Em pensamentos, é claro. Se fizesse isso de verdade, provavelmente seria ele o próximo a receber um safanão na orelha. Pigarreou, orgulhoso, e tentou gesticular com as mãos.

— Bem, eu não sou tão bom assim...

Ouviu-se o barulho de um frasco quebrando. Leorio dera uma de Tohru e derramara um dos medicamentos. Xingando baixinho, fez menção de se agachar para limpar a bagunça, mas o Kuruta tocou seu ombro de leve.

— O que foi? — indagou o mais velho.

Em silêncio, ele observou o loirinho fechar os olhos e se concentrar. Quando as pálpebras se ergueram, suas íris estavam escarlates. Eram tão belas e intensas! Leorio quase se perdeu nelas. Lentamente, Kurapika ergueu o braço direito, e a corrente com o crucifixo flutuou no ar, contornada por uma aura rósea. Ela envolveu o ferimento, que vibrou no mesmo tom de cor. Em apenas um segundo, o mais novo estava completamente curado.

— Pronto. — O loirinho sorriu. — Agora não vai ter de me dividir com ninguém.

Leorio observou o braço de Kurapika com uma expressão de jogador de pôquer. Sem dizer uma só palavra, pegou o bisturi e, em um movimento rápido e preciso, quase gracioso, fez um corte um pouco abaixo do ombro do mais novo.

— Ai! — O Kuruta exclamou, encolhendo-se um pouco. — Você enlouqueceu, Leorio?!

O Paradinight não respondeu. Apenas pegou um pedaço de algodão e começou a limpar o sangue que escorria fino do corte. Trabalhou durante longos minutos. Sua atenção era inabalável. Aplicou o remédio, costurou os pontos, fez um curativo, completou o serviço com duas leves camadas de atadura. Quando sua obra prima estava pronta, sorriu para o loirinho.

— Pronto. Agora eu cuidei de você.

Os olhos azuis de Kurapika faiscaram de alegria. Naquele momento, ele surpreendeu o mais velho pela segunda vez. Atirou-se em seus braços e o envolveu pelo pescoço. Leorio sentiu como se tivessem jogado água fria em seu corpo. Não conseguiu se mover, de tão estarrecido que estava com aquela repentina e efusiva demonstração de carinho. Para ser sincero, ele sequer imaginara algum dia que o loirinho soubesse abraçar. Quando finalmente aceitou a realidade e fez menção de retribuiu o abraço, o Kuruta se afastou.

— Preciso ir agora — segredou em um murmúrio. — Obrigado, Leorio.

O Paradinight respondeu no automático:

— Não há de que, Kurapika.

O loirinho ficou de pé mais uma vez, pisou os cacos do frasco de vidro, e caminhou até a cadeira para vestir suas roupas. Leorio ficou parado em seu lugar, admirando-o. Gostava de ver o Kuruta com o tabardo, mas preferia quando ele usava apenas uma camisa sem mangas e a calça comprida. Era nesses momentos que via com mais clareza o quanto ele era belo.

— Ei, Kurapika.

O mais novo ajeitou o tabardo e olhou para trás, receoso. No fundo, ele já sabia que pergunta estava por vir. E não se enganou.

— Se você podia ter se curado desde o início, por que se deu ao trabalho de vir para cá?

Eles ficaram em silêncio por alguns minutos. Kurapika abaixou o rosto, ciente de que o mais velho o observava. Ele tinha esperanças de que essa terrível pergunta não lhe fosse feita e agora, para seu desespero, não sabia o que responder. Aproximou-se do Paradinight a passos mansos, a cabeça ainda abaixada. Sussurrou baixinho:

— Saudades.

Leorio não conseguiu acreditar no que ouvia. Saudades? O loirinho estava com saudades? Dele? De Leorio? Surpreendido pela declaração, fez a única coisa que poderia fazer em um momento como aquele. Deu outro safanão na orelha no Kuruta.

— Leorio! — Ele exclamou, irritado. — Está querendo me deixar surdo?!

Seu protesto foi interrompido por um abraço. O Paradinight envolveu-o, prensando seu corpo pequeno e frágil contra o corpo forte dele. Tímido, o loirinho pousou suas mãos naqueles ombros largos e suspirou. Sentiu o cheiro de uma colônia masculina inebriante que combinava com a personalidade do mais velho. Guardou aquele cheiro na memória. O cheiro de Leorio.

— Não precisa se machucar para vir me visitar — sussurrou o mais velho.

— Eu sei. — Kurapika fechou os olhos, exausto. — Acho que eu só... precisava de um pretexto.

Leorio fez menção de soltá-lo, mas o Kuruta apertou seus ombros com as mãos.

— Por favor — pediu em um tom de voz que não lhe era comum. — Você pode continuar me abraçando? Só por mais um tempo? É que eu não me lembro da última vez... que abracei alguém assim.

O Paradinight sentiu um aperto estranho em seu peito. Sentiu seus olhos marejarem, mas não se atreveu a chorar. Abraçou o loirinho mais uma vez e deixou que ele encontrasse um abrigo em seus braços. Não era todo dia que o Kuruta se rendia ao afeto. Ele precisava aproveitar cada segundo daquele momento mágico.

— Leorio? — chamou o loirinho.

— Sim? — Ele sussurrou.

Kurapika afastou-se. Seus olhos azuis pareciam tristes.

— Eu preciso ir agora.

Leorio sentiu seu mundo ruir aos poucos. Uma dor imensa dominou seu coração. Ele fechou os olhos de novo, consertando-se. Assentiu levemente.

— Bem, eu... — O Kuruta hesitou. — Obrigado.

Leorio permaneceu em silêncio. Queria que o loirinho fosse logo embora. Não suportaria vê-lo abrindo a porta e desaparecendo pelo corredor. Queria ter momento mágico de volta. Queria o abraço de volta. Onde estava o maldito bisturi, para que pudesse fazer um corte no outro braço do mais novo?

— Adeus.

Ele sentiu um movimento leve diante de si. Achou que fossem apenas os cabelos loiros de Kurapika balançando com seu andar. Então, ele sentiu o toque. Suave, singelo, quase imperceptível. Um calor fugidio sobre seus lábios. Um calor que logo se dissipou. Abriu os olhos no mesmo instante, mas o loirinho já estava longe. Ele nunca saberia se o beijo existira ou não. Cerrou os punhos, contrariado.

Afinal, tudo tem seus limites.

— Leo... — arfou Kurapika ao sentir um puxão violento em seu braço.

Em segundos, ele se viu prensado contra a parede, e seus lábios foram tomados pelo Paradinight. O ataque causou-lhe espanto, e suas íris foram tingidas por um escarlate profundo. Ele queria apenas um toque leve, como um roçar. Agora tinha os lábios de Leorio por inteiro. Balançou os braços em desespero, louco para se livrar daquela situação que o assustava. Mas o mais velho não o deixou fugir.

Leorio passou os braços por trás do corpo do loirinho, puxando-o contra seu peito ao mesmo tempo em que o empurrava contra a parede. Sentiu-se imensamente feliz quando aquelas mãos delicadas tocaram seus ombros, apertando-os de leve. Ele aproveitou cada segundo daquele beijo, sentindo o gosto dos lábios que tanto desejava.

Então, eles ouviram o som da porta se fechando, e se afastaram com um sobressalto. Leorio olhou em volta, mas não viu ninguém. Talvez fosse apenas Tohru espiando o cômodo para saber se estava tudo bem. Que garota desastrada! Aquele devia ser um novo recorde. Quebrar o momento tão precioso do Paradinight!

— Leorio... — murmurou uma voz.

O mais velho teve outro sobressalto.

— Ah! Desculpe, desculpe!

Ele passou as mãos pelos cabelos, sem jeito. Nunca fora sua intenção beijar o Kuruta à força. Ao mesmo tempo, não se arrependia. É que, às vezes, temos de agir assim, no ímpeto. Ele não poderia ser tão otimista a ponto de esperar uma nova repentina e efusiva demonstração de carinho por parte do mais novo.

— Tudo bem. — Kurapika encolheu os ombros, envergonhado. — Eu não queria...

Leorio ergueu o rosto, apreensivo.

— Resistir... — completou o loirinho em um murmúrio.

O Paradinight aproximou-se e tomou uma de suas mãos delicadas. A mão da corrente.

— Para ir até a Floresta Kokiri — começou, encarando aqueles olhos escarlates —, você terá de ir até Hiwada. É uma cidade pequena que fica a alguns quilômetros daqui. De lá, você poderá pegar um ônibus até a Estrada dos Felinos. Então, terá de seguir a pé até o Vilarejo Mirai. A Floresta Kokiri fica logo ao lado.

— Hiwada. Estrada dos Felinos. Vilarejo Mirai — repetiu Kurapika.

— É o caminho mais seguro até Kokiri. — Leorio levou a mão do loirinho aos seus lábios e a beijou. — Tome cuidado com os mercenários da Estrada dos Felinos.

— São perigosos? — indagou o Kuruta, cauteloso.

O mais velho sorriu.

— Brincadeira de criança.

Kurapika balançou a cabeça, sorrindo, e recuperou sua mão. Encarou Leorio por um instante e suspirou.

— Eu preciso ir.

Leorio apertou os lábios.

— Posso te beijar uma última vez?

O loirinho piscou, e, por um breve segundo, suas íris tornaram a ficar escarlates.

— Não.

Leorio abaixou os ombros, decepcionado.

— Se você me beijasse de novo — explicou o Kuruta —, eu não conseguiria ir embora daqui.

— Hum... — O mais velho coçou o queixo. — Então, quer dizer que a sua partida vai depender da minha boa vontade de não te beijar?

— Leorio! — exclamou Kurapika, os olhos faiscando em escarlate mais uma vez.

— Estou só brincando. — Leorio balançou os ombros. — Mas eu bem que queria.

Kurapika lambeu os lábios, constrangido.

— É melhor eu ir.

— É — concordou o mais velho.

— Mas eu vou voltar. Prometo.

— Ferido? — Leorio lançou-lhe um olhar preocupado.

Pela primeira vez naquela tarde, Kurapika riu.

— É claro! Eu sou orgulhoso demais para voltar aqui são e salvo. Você me conhece.

Leorio passou a mão pelos cabelos. Ele era paciente. Não desistiria daquele pequeno embate tão fácil assim.

— E vai se curar sozinho de novo na minha frente?

— Talvez — respondeu o Kuruta, provocante.

— Se você fizer isso... — Leorio ergueu o queixo. — Eu vou te beijar.

Kurapika ergueu o queixo também, insolente.

— Quero ver você tentar.

Mas o loirinho estava certo. O Paradinight o conhecia. Ele se inclinou para o mais novo e sussurrou em seu ouvido:

— Quero ver você resistir.

Kurapika recou, as íris brilhando, escarlates.

— Eu te dou um safanão na orelha!

Leorio jogou a cabeça para trás, um sorriso enorme em seu rosto.

— Então, estaremos quites!

— Eu preciso ir — rebateu o Kuruta.

— Já disse isso umas cinco vezes.

— Então, agora eu estou indo de verdade!

— Pode ir! Ninguém está te impedindo!

Eles se encararam por um minuto, intensos. Então, abriram um sorriso.

— Adeus. Leorio.

— Adeus. Kurapika.

O loirinho caminhou até a porta e a abriu gentilmente. Lançou um último olhar ao mais velho.

— Eu... — começou, mas as palavras entalaram em sua garganta.

— Estarei aqui quando você voltar — disse o Paradinight. — É uma promessa.

Kurapika sorriu de novo e assentiu de leve. Saiu do cômodo e fechou a porta.

Cansado, Leorio caminhou até a cama e se sentou sobre o colchão. Esfregou o rosto, desanimado. Agora que o Kuruta sumira de seu campo de visão, ele estava triste. Tohru surgiu de repente, fitando-o, preocupada.

— Leorio-san?

Ele ergueu o rosto para ela. Tentou sorrir, mas só conseguiu fazer uma careta.

— O senhor está bem?

— Sim. — Ele suspirou. — Só um pouco cansado.

— O senhor quer ir para casa? Eu posso cobrir as suas horas. Tenho certeza de que a Doutora Michelle não vai se incomodar.

Leorio dispensou a proposta com um gesto.

— Não, não. Está tudo bem. Eu só preciso de um tempo sozinho.

O semblante de Tohru ficou triste.

— Quer que eu feche a porta?

— Sim, por favor.

Ele esperou até estar sozinho no quarto para se dirigir à janela. Debruçou-se sobre o parapeito e observou a rua lá embaixo. Ela não ficava muito distante. Ele estava no segundo andar, e o hospital era pequeno. Viu as roupas inconfundíveis de Kurapika em meio às pessoas que caminhavam na direção do prédio. O Kuruta não olhou para trás em momento algum. Não acenou. Apenas seguiu caminho a passos largos, até desaparecer da visão de Leorio.

Ele suspirou de novo. Tirou as luvas — por que, raios, ainda estava vestindo aquele troço? — e limpou a bagunça que fizera mais cedo. Lavou as mãos de novo e começou a organizar o quarto, como sempre fazia quando estava com a cabeça cheia demais. Ao pegar o estetoscópio, segurou-o com força, imaginando como seria usá-lo para escutar o coração do loirinho. Em seus sonhos mais loucos, imaginava ouvi-lo dizer...

— Eu te amo — sussurrou, guardando o objeto em uma gaveta.

A porta se abriu de repente, e ele teve o terceiro sobressalto do dia. Uma senhorinha aproximou-se, tímida, esfregando as mãos. Ela sempre aparecia no hospital, e sempre pedia para ser atendida por Leorio, pois ele ouvia atentamente suas infindáveis histórias de tempos passados. Ela estava sozinha na vida, a coitada. O marido falecera alguns anos atrás. Os filhos partiram para a cidade grande e nunca mais voltaram. Ela vivia sozinha no pequeno vilarejo. Suas únicas companhias eram o gato e o jovem estagiário que lhe sorria.

— Leorio-san, meu querido.

— Obaa-san. — Ele respondeu, carinhoso. — Como está a senhora?

— Ah, meu querido! Estou sentido tantas dores, tantas dores.

— Sente-se aqui. — Ele colocou o banquinho em frente à cama e fez um sinal para a humilde senhora.

Ela subiu no banquinho e se sentou na cama com dificuldade. Apertou a mão de Leorio em agradecimento.

— Eu não sei o que estou sentido...

— Obaa-san, isso só pode ser o coração.

— O coração? — Ela ergueu as sobrancelhas, surpresa.

Sim, o coração. Leorio sabia muito bem, pois sentia a mesma dor que a pobre senhora.

— É... Talvez você tenha razão, meu querido.

Ele abriu um sorriso terno.

— Conte-me como tem passado, Obaa-san.

Os olhos dela se iluminaram de alegria, e ela se pôs a falar. As mesmas histórias de sempre, com as mesmíssimas palavras. Leorio ouviu tudo como se fosse a primeira vez. Estava tudo bem. Ele era um homem paciente.


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Notas finais do capítulo

Hey, people! o/ A história ainda não acabou. No próximo capítulo, postarei o final alternativo. A rigor, era para ele ter sido o final verdadeiro, mas eu gostei tanto do final da senhora Figg que simplesmente tive de usá-lo como principal. Espero que tenham gostado. Até breve!