Flor da meia-noite escrita por Tha


Capítulo 15
XV – Adina Hale


Notas iniciais do capítulo

IAEEE MEUS QUERIDOS, VOLTEI RÁPIDO, ME AMEM



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/689331/chapter/15

— Tem certeza que quer fazer isso, Flor? – Jason diz andando em círculos pelo grande deposito do galpão abandonado em Liechtenstein.

O espaço é meio sufocante e nada agradável aos olhos. As janelas são sujas, o que mal permite a entrada de raios solares. Não que haja raios solares agora porque está anoitecendo, mas vale a pena ressaltar. Caixas estão espalhadas pelo local e tudo parece ter mofado há muito tempo.

— Eu preciso.

— Tá, mas não tem volta.

— Eu sei.

— Será como uma guerra dentro de você.

— Eu sei.

— Será como...

— Jason – Pego sua mão e a aproximo do meu peito, apoiando o queixo nela em seguida. Sua pele na minha me esquenta e me dá a segurança que preciso – Obrigada por me deixar tomar essa decisão sozinha.

— O que disse?

— Obrigada.

— Que gosto sentiu ao dizer essa palavra?

Eu ri.

— Um gosto terrível.

— Ally, estamos prontos – Adam diz de uma porta no canto e eu respiro fundo.

— Me deseje sorte – Suplico encarando os olhos escuros de Jason.

— Você não precisa.

E assim eu me solto de sua mão, sentindo um inexplicável vazio de repente. Como se tudo que eu precisasse naquele momento era ele, e só ele. Jason era o alimento da minha alma, eu me sentia uma completa inútil sem ele do meu lado, uma garota sem identidade.

Me lembrei de como ele havia ficado ao atacar David, de como me senti com medo. E logo depois me lembrei de como ele tinha ficado assim que o toquei. As asas voltaram ao dourado. O círculo de emoções e lembranças ao seu redor se tornou quase puro de novo e seus olhos voltaram a ficar escuros e misteriosos. Ele olhou pra mim e aí tudo parou, a sala inteira congelou e ele largou David no chão, que correu como um cachorrinho abandonado.

— Temos que pegar ele – Jason disse ainda olhando pra mim.

Apertei seu braço um pouco mais forte.

— Hoje não.

O complexo abaixo da construção era incrível. Todo equipado com a maior variedade de armas. Algumas pessoas treinavam umas com as outras, era só o barulho que eu conseguia ouvir, gemidos, respiração, socos, facas cortando o ar. Era reconfortante, mas ao mesmo me deixava ainda mais nervosa do que eu já estava.

Eu sentia Jason atrás de mim, me protegendo, me vigiando, me amando. Ainda não tinha superado aquelas três palavras que ele tinha dito com tanta facilidade. E embora eu soubesse disso lá no fundo desde o momento que ele me contou sobre as vidas passadas, ainda foi estranho ouvir aquilo de outro cara que não fosse o Jake.

Ah Jake, eu ainda sentia falta dele, sentia falta de mergulhar em seus olhos azuis, de sentir seu cabelo macio entre meus dedos, sentia falta da voz dele. Mas ao mesmo tempo eu sentia que tinha conseguido seguir em frente, que ele esteve comigo em uma fase da minha vida e que agora estava começando outra sem ele. Jason uma vez me falou sobre amor verdadeiro. Que só existia um no mundo inteiro. Se o Jake não era meu amor verdadeiro, então o que a gente viveu foi o que? Porque eu amava ele, realmente amava. Mas agora refletindo sobre tudo, enquanto eu ainda era Allyson Hale, me fez pensar que talvez ele tenha sido apenas uma preparação pro que ainda estava por vir, algo grande.

— Ok, Ally, pode sentar ali – Adam aponta pra uma sala, quando eu mal percebi que tínhamos chegado.

Era escura, fria e vazia. Tinha uma única cadeira de metal no centro, e uma mesa pequena com uma seringa posta no meio. Senti meu coração bater um pouco mais rápido e me sentei antes que eu me arrependesse da decisão.
Peter entrou, olhou pra mim como se pedisse permissão e balancei a cabeça.

— Se lembra de tudo o que eu te falei? – Balancei a cabeça novamente – Adina está dentro de você, tente lutar, vai ser meio difícil manter as duas na sua cabeça, ela ficou escondida por muito tempo, mas confie em si mesma, lembre-se de quem você é e tudo ficará bem.

— Me lembrar de quem eu sou.

— Isso, e Ally, não tem volta, vai ficar mais forte, mas vai ser como um farol.

— Quero fazer isso.

— Tudo bem, relaxe.

A última coisa que me lembro antes de apagar completamente era de encarar bem fundo os olhos de Jason.

♕♕

Memórias. Memórias invadiam minha mente a milhões de quilômetros por hora. Me senti tonta e inconscientemente agarrei os apoios da cadeira. Uma parte de mim acordou mais forte, com sede, com fome, mas não de comida, de guerra, de sangue, de justiça. Enquanto a outra parte se contorcia com a dor, com o medo de falhar, de não ser boa o bastante, com medo do sangue.

Adina queria se libertar. Eu, Adina, queria me libertar, queria sair daquele aperto e correr pela floresta, sentir o vento no rosto, não via a hora de me sentir invencível de novo.

Mas eu, Allyson, queria voltar pra escola, terminar o ensino médio, ir na entrevista da faculdade e fugir pra bem longe dessa cidade. Fugir dos lobisomens, dos vampiros, das bruxas, dos monstros.

Finalmente consegui abrir os olhos. Senti minha respiração ofegante e me concentrei nos meus sapatos. Eles eram horríveis. Não, eles eram lindos e confortáveis. Onde está minha bota? Que cabelo é esse? Não, meu cabelo só precisa de uma boa chapinha.

Então eu vi. Jason. Ele estava sorrindo pra mim, mas seus olhos tinham uma sombra de preocupação. Não consegui pensar direito. Mas senti que meus pés se moviam em direção a ele, logo eu estava correndo. Jason. Precisava de uma boa dose de Jason.

— Allyson! Não! – Peter disse.

Ficamos nos encarando e, sem ter a intenção, mas depois tive intenção e um desejo voraz tomou conta de mim, me aproximei dele. Ele hesitou, mas estendeu um dos braços, me segurou pela nuca e me puxou em sua direção. Nossos lábios colidiram com aspereza. Senti saudade desse beijo. Mas eu nunca tinha o beijado. Mas esse beijo, ah, esse beijo foi ávido e bruto, como se anos de emoções reprimidas tivessem explodido. E na verdade, não era realmente isso? Nossas mãos se soltaram; as minhas encontraram o cabelo dele e se emaranharam ali. A outra mão dele foi parar na minha cintura, me puxando ainda mais pra perto, como se fosse humanamente possível. Meu peito se expandiu, mas ao mesmo tempo eu não conseguia respirar direito. Porra Allyson. Mas também não precisava de ar. Precisava dele. No meio de tudo, um medo terrível tomou conta de mim. Me lembraria da minha vulnerabilidade, do meu desejo, da minha necessidade por muito tempo. Nem mesmo Adina conseguiria deixar aquilo menos constrangedor.

Allyson assumiu e eu me afastei.

— Mas o que foi isso?! – Adam gritou e eu levei um susto.

Jason passou as mãos pelo cabelo e começou a andar de costas até a saída. Ele parecia perturbado. Ah não, suas asas. As asas?

— Pra onde ele tá indo? – Perguntei ao Peter, mas ele manteve a cabeça abaixada – Jason!

— Deixa – Adam segurou minha mão e eu o encarei com raiva. Quem esse cara pensa que é? – Ele provavelmente precisa de um tempo.

Cheguei em casa e bati a porta pra fechar, mas assim que fiz isso pequenas rachaduras se formaram ao redor. Ai que ótimo.

— Ally, é você? – Mamãe perguntou do escritório.

— Não, Adina. Quer dizer, sim, sou eu – Deixei as chaves na mesinha de centro e me virei pra ela, que parecia cansada já que as olheiras já tinham começado a se formar. Era assim que nossa mãe sempre se parecia? Sim, mas nem sempre.

— Você...?

— Sim – Respondi cruzando os braços. Eu devia abraça-la? Claro,  imbecil.

— Como se sente?

—Estranha, mas me sinto bem, mais corajosa – Lanna veio até mim e passou os braços ao redor da minha cintura. Passei as mãos pelos seus cabelos e suspirei – Tá tudo bem, mãe.

Levei ela pra cozinha e comecei a esquentar o leite pra fazer um chocolate. Encontrei a mistura no armário e assim que ficou pronto dividi o líquido em duas canecas.

— Ei, me desculpe por fazer isso sem avisar – Lhe entreguei uma e esquentei minha mão com a outra.

— Foi tudo minha culpa, eu é quem deveria estar me desculpando.

— Pelo que? Por ser humana? – Agora que Adina fazia parte de mim eu podia enxergar tanta coisa, entender tanta coisa. A mulher na minha frente estava em pedaços. Lanna, mãe, o que quer que fosse pra mim, eu estava preocupada – Desculpa se te fiz passar por isso.

— Foram muitos erros, Allyson, eu cometi um monte de erros. Ou Adi, nem sei do que te chamar agora – Ela sorri e eu pego sua mão.

— Eu gosto de Ally. Mas escuta, vai dar certo. O que quer que aconteça, ficaremos bem.

— Eu deveria dizer isso pra você. Quer dizer, eu sou sua mãe. Eu sou sim a sua mãe.

— É, você é sim. Mas olha, não vai ser tão ruim, de repente eu até escrevo um livro, muita gente faz isso.

— Teve sorte de não ter herdado meus genes, principalmente o gene das más escolhas.

— Mas eu queria sim, ter herdado, queria ter o seu dna inteiro, mas aprendi muito com ele, porque assim significa que eu serei esperta, corajosa, e vou cantar as melhores músicas pra minha filha quando ela estiver com medo, porque você me ensinou tudo direitinho, mãe. Mas tá na hora de eu seguir meu caminho, o meu destino. E graças a você, vou me sair bem, devo tudo a você.

— Sabe o quanto eu te amo? – Uma lágrima cai de seus olhos e eu respiro fundo.

— É, acho que eu sei. Obrigada por cuidar de mim por dezoito anos.

— E obrigada por me deixar fazer isso.

♕♕

Naquela noite eu tive um sonho, outro sonho. Mas agora não era uma lembrança de alguém, era minha.

Me reconheci quando tinha oito anos. Estava brincando na frente de casa quando uma mulher loira apareceu, ela olhou pra mim e sorriu.

Qual seu nome? Perguntou.

Allyson Estendi minha pequena mão E o seu, moça bonita?

Ah, meu nome é Marie. Acha que podemos ser boas amigas, Ally?

Claro! Sorri.

Allyson! Entre agora! Mamãe tinha dito e eu corri pra dentro de casa Não quero você conversando com estranhos, entendeu? Esqueça que essa Marie existe.

Mas, mãe...

Esqueça.

— Adi? – Ouço meu nome e acordo alerta, olhando ao redor do quarto, encontro Hazel sentada na ponta da cama. Logo corri para abraça-la.

— Ah, Hazel, que saudade! – Gritei, mas então percebi que a vi hoje e franzi as sobrancelhas.

— É, você é a Adi – Ri e abaixei a cabeça, mexendo na barra da camisola pela milésima vez – Trouxe uma coisa.

— O que é? – Ela tira uma coisa da bolsa, não é muito grande, mas parece ser bonito pois vejo muitas cores. Logo percebo do que se trata – Um apanhador de sonhos. Você me deu um apanhador de sonhos.

— Jason me contou que anda sofrendo com lembranças, então me mandou aqui. Mas só funciona se você acreditar.

Hazel se levantou e achou um jeito de pendurar o presente acima da minha cabeceira, em um prego pequeno no qual eu tinha prendido um desenho antigo.

— Porque ele mesmo não veio?

— Dá um tempo pro Jason. Ainda é tudo muito novo.

— Ele me conhece.

— Eu sei, Adi, mas...

— É Allyson.

— Você ainda vai me matar de confusão – Ela ri e se senta de novo pegando minha mão – Aconteceu uma coisa e ele vai precisar se afastar de você por um tempo.

— O que? Por que?

— Eu não sei.

Como se uma lâmpada tivesse se acendido em cima da minha cabeça, eu me levantei em um salto e procurei meu celular. Andei em círculos até lembrar que o aparelho só podia estar na minha bolsa. Tive que ligar três vezes até ela finalmente me atender.

— O que é, Allyson?

— Ei, ahn... Clove! Pode vir aqui em casa? Preciso falar uma coisa urgente com você.

40 minutos depois ouvi o barulho de pneus passando pela brita do meu mais novo jardim e parei de roer as unhas, mas que mania mais feia.

Clove subiu as escadas e assim que ela abriu a porta, senti sua vibração. Uma onda de poder passou pelo meu corpo e consegui ver sua alma, agora eu sabia que era realmente sua alma. Estava desfocada e fora de ordem, como se alguém tivesse mexido. Mal deixei ela falar e posicionei meus dois polegares em cada uma de suas têmporas.

Fechei os olhos e senti sua energia passando por mim. Era uma tarefa difícil e quase impossível, eu nunca tinha feito isso, não assim. Reorganizei seus pensamentos o mais rápido que pude, e quando senti que era o suficiente, as duas caímos derrotadas no chão.

— Ei, o que foi isso? – Hazel correu até nós e segurou meu braço. Depois arfou assim que olhou pra Clove. Também fiz isso e notei que seus olhos tinham voltado ao verde natural, mas aí ela começou a chorar.

— Eu matei o Jake.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Flor da meia-noite" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.