Era um dia qualquer em Clover. O sol brilhava forte no céu, tão insuportavelmente quente que quase ninguém se atrevia a sair de casa. Desses poucos dispostos, muitos estavam, como já era de costume, no Ichiraku Ramen - um restaurante de macarrão na periferia da cidade que, apesar de não muito rica, era incrivelmente popular. Eram comuns os dias onde a loja ficava cheia em todos os horários de alimentação, mas hoje era especial: era 10 de outubro de X776, aniversário de Naruto Uzumaki, um dos três funcionários do estabelecimento, junto com Tuchi e Ayame - respectivamente, seu pai e irmã adotivos.

Nessa data, como quase todos da cidade já sabiam, o restaurante Ichiraku oferecia uma tigela grátis de Ramen para todos os clientes habituais - e, considerando que mais de metade da cidade eram clientes habituais, o trio recentemente vinha pensando seriamente em mudar essa promoção. Ninguém admitiria isso abertamente, mas era quase como se aquele lugar fosse uma segunda casa para todos, e ali eles se sentiam tão à vontade quanto se sentiriam com suas famílias.

— Naruto! Acorda! — Teuchi gritou, entrando repentinamente pela porta da cozinha do restaurante.

Naruto rapidamente chacoalhou a cabeça e se virou. Por algum motivo, ele estava bastante distraído hoje.

— O quê?

— Mais ramen! Preciso de cinco tigelas o mais rápido possível!

Chacoalhando novamente a cabeça, o loiro se virou e pegou uma panela cheia de ramen cozido e despejou em cinco tigelas diferentes enquanto usava a outra mão para adicionar tempero em outra. Teuchi rapidamente equilibrou as cinco tigelas cheias e correu para fora da cozinha, quase derrubando tudo no chão conforme fazia isso.

Menos de um minuto depois, foi Ayame quem entrou pela porta. A garota, uns quatro ou cinco anos mais velha que Naruto, parou por um segundo para ver Naruto cozinhando. Fazia quatro anos desde que ele começou a ajudar com o restaurante, mas até hoje ela não entendia como ele conseguia usar três fogões ao mesmo tempo.

— Naruto, eu preciso de três tigelas de Miso-Ramen. — disse ela, tentando não o assustar.

— Ok Ayame-neechan! — ele respondeu e correu até uma prateleira.

Pegando três tigelas, Naruto rapidamente as colocou sobre um balcão e encheu cada uma delas com macarrão, água e vários ingredientes diferentes. Vários gritos e sons abafados de pancadas vinham do lado de fora da cozinha, provavelmente clientes impacientes com a espera. Ayame as pegou o mais rápido que conseguia sem derrubar nada e se virou, mas no momento em que ia sair um corpo alto e robusto entrou em seu caminho, fazendo-a cair para trás.

— Pai, cuidado c-... — ela parou de repente ao olhar direito para a pessoa na porta: não era seu pai, com certeza. O homem era pelo menos uns vinte centímetros mais alto, e usava roupas pretas e em péssimo estado.

— Quem é você? Aqui é só pra funcionários. — Naruto disse, caminhando para ajudar Ayame a se levantar.

O homem, porém,  simplesmente continuou andando cozinha a dentro. Quando Naruto tentou se por em seu caminho, ele o empurrou com tanta força que o garoto voou contra um balcão e bateu a cabeça numa das quinas de madeira. A última coisa que ele ouviu antes de tudo ficar escuro foram os gritos de Ayame o chamando.

Algumas horas mais tarde...

— Ele acordou.

Foram as primeiras palavras que Naruto ouviu ao acordar. Sua cabeça ainda latejava, e as coisas ao seu redor pareciam girar enquanto ele piscava repetidamente os olhos. Passos acelerados vieram em sua direção, e antes que ele soubesse o que estava acontecendo Naruto sentiu dois braços o apertarem com força.

— Graças a Deus! — a voz era com certeza de Ayame — Graças a Deus, eu pensei que você fosse morrer.

Lentamente, tudo parecia fazer mais sentido. Naruto se lembrou do homem na porta, os gritos vindo de fora da cozinha, Ayame no chão... ele arregalou os olhos e saltou do banco de madeira sobre o qual provavelmente o haviam colocado após seu desmaio. Outra vez ele viu o mundo ao seu redor girar rapidamente e cambaleou, mas conseguiu se segurar numa mesa.

— Fomos assaltados! — ele gritou, exasperado. Várias pessoas ainda estavam no restaurante.

— Naruto, você desmaiou — Ayame disse com a voz trêmula — Você acabou de acordar, se acalme.

Naruto girou rapidamente e viu a garota mais velha olhando para ele com olhos bastante vermelhos e inchados de chorar. No mesmo momento, ele sentiu toda a vontade de discutir se esvaindo.

— Ayame-neechan, não se preocupe — disse ele, forçando um sorriso — Estou bem.

— E-Eu sei, m-mas eu... — ela murmurou, tossindo. — Eu pensei que você...

Naruto rapidamente olhou para os lados, nervoso. Por mais que ele quisesse dizer algo que pudesse ajudar, ele nunca foi muito bom em conversas que envolvessem um lado mais emocional. Felizmente, um dos clientes ali dentro pareceu notar seu nervosismo e falou.

— Hahaha, como se uma coisa dessas fosse afetar o Naruto — ele riu. — Todo mundo sabe que a cabeça dele é dura demais pra isso.

Algumas pessoas riram com isso, o que ajudou a melhorar um pouco o clima entre eles.

— Ei! — Naruto gritou, irritado — Eu acho que vou aumentar os preços pra você.

— Viu só? — outro resolveu entrar na brincadeira. — Mal acordou e já tá cobrando pela comida.

— É, agora vocês já podem sair! — ele respondeu, apontando para a porta, mas então percebeu que faltava alguém ali. — Espera aí, cadê o Teuchi-san?

As reações de todos foram bastante variadas. Uns olharam para os lados, como se repentinamente encontrassem coisas interessantíssimas nas paredes e no teto. Outros se entreolharam ou olharam para ele com uma expressão nervosa. Ayame, que havia se acalmado um pouco, voltou a chorar.

Outra pancada na cabeça teria doído menos que perceber a verdade.

— Não me diga que... — ele já estava preparado para o pior. Provavelmente perceberam isso, mas um dos clientes o interrompeu antes que ele pudesse continuar.

— Não sabemos — disse o homem — Eram dois assaltantes... eles e Teuchi discutiram algo, então eles o desmaiaram e levaram ele com eles. Eles...

— Eu sei quem eles eram. — outro disse. — Eram os tais Irmãos Demônio. Há cartazes deles por toda a cidade. Dizem que têm um esconderijo na floresta.

— Mas o que eles queriam com o Teuchi-san? — a essa altura, Naruto havia sentado ao lado de Ayame estava abraçado a ela. Eles não se pareciam fisicamente em nada, mas qualquer um que os visse não teria a menor dúvida de que eram irmãos.

— Não sei. Eles pegaram aquela garra de ouro do Teuchi e levaram ela e o Teuchi juntos. Provavelmente estão tentando entrar naquela tumba horrível fora da cidade.

Naruto, é claro, sabia de que tumba falavam: a cerca de oito quilômetros da cidade, havia uma antiga tumba que se acreditava datar de antes do nascimento de Zeref. Ninguém sabia exatamente o que era, mas ninguém nunca conseguiu passar da primeira câmara: a maioria morria, e mesmo que sobrevivessem, a passagem estava lacrada magicamente e só podia ser aberta por uma espécie de garra.

Havia um bom tempo, Naruto suspeitava que a garra de ouro de Teuchi era a chave para essa lendária porta, e muitas vezes havia dito isso tanto a ele quanto a Ayame, mas seu pai adotivo sempre dava um jeito de desviar o assunto. Agora, de alguma forma esses dois criminosos descobriram sobre a garra (um presente de um amigo de infância de Teuchi, pelo que ele sabia) e fizeram a ligação entre ela e a tumba. Provavelmente achavam que Teuchi conhecia o segredo, por isso haviam o levado junto.

— Teuchi-san está vivo — Naruto disse, soando bastante convicto disso — Eles acham que ele sabe como abrir a porta, por isso levaram ele junto. Eu acho que eles não vão entrar na tumba à noite. Ninguém faz isso.

As palavras dele pareciam ecoar pela sala. O próprio Naruto se surpreendeu por ter deduzido tudo aquilo — como se algum tipo de força estivesse falando com ele, ajudando-o a manter o foco. Ayame a essa altura havia parado de chorar outra vez e o estava olhando, surpresa.

— Precisamos fazer algo. — ele disse.

— Ei, já sei — um dos clientes falou — Que tal se fizermos um pedido de ajuda pra alguma guilda? Se nos juntarmos, acho que podemos pagar a recompensa de uma missão Rank S.

— Não. Não posso pedir pra vocês ajudarem com dinheiro.

— Naruto, todos aqui gostam do Teuchi — outro cliente disse, e vários outros concordaram com a cabeça. — Bem mais do que como apenas um dono de restaurante. Eu vou ajudar sem pensar duas vezes. — ele se levantou.

— Eu também. — um outro falou, levantando-se também.

— Eu também. — outro. — Pense nisso como se fosse um presente de aniversário de todos nós.

A cada um que se levantava, Naruto tentava conter as lágrimas, e percebeu que Ayame fazia o mesmo. No meio daquilo, ele sentiu algo bem no fundo de sua cabeça, quase como se sua própria mente estivesse conversando com ele. Aceite. Ele ouviu aquilo com tanta clareza que pensou ter sido dito por alguém no exterior. Fairy Tail. Rank S. 2 milhões. A voz falou outra vez e voltou a se silenciar.

— Fairy Tail. — Naruto repetiu as palavras. — Precisamos de dois milhões de jewels.