O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 46
A Fazenda


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!
Curtindo o feriado?

Pensando em vocês, decidi antecipar o cap de quarta.
Finalmente, teremos o primeiro cap na Fazenda. Boa parte do desenrolar dessa reta final será para entendermos o quê é, afinal, essa "Fazenda" tão falada pelo Vlad e pelo Abraham. Iremos saber se o objetivo de campo de extermínio dos tempos do Duque Ivanov foi preservado ou não. Palpites?
E creio também que em breve saberemos se, afinal, há cães comedores de carne humana lá, rs.

Boa leitura!



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Montes Urais, Rússia. Setembro de 1910.

Proximidades de Ecaterimburgo.



            O que quer que estivesse fazendo, Abe sabia que não haveria volta.

            A neve tinha dado uma folga naquela tarde, mas o solo permanecia fofo. Apesar do incômodo de uma caminhada na neve, em meio aos pinheiros, Abe permanecia firme, ao lado de Mr. Holmes, até o local que ele sabia que levaria a tal Fazenda, onde o idoso passara anos de tortura e miséria nas mãos de homens pagos por Ivanov.

            -Estamos indo pelo local onde eu fugi. Lembro como se fosse ontem... O cheiro dos incêndios, os gritos dos judeus em meio aos fuzilamentos... Fugimos eu e mais três pessoas que eu sequer conhecia. Nada nos unia, além da descendência de Abraão e do nosso desejo de sobrevivência.

            -Como eles te acharam? – perguntou Holmes, enquanto ajudava Abe a subir por uma pedra.

            -Eu estava preso em um buraco, que eles usavam como solitária. Um deles tropeçou e acabou deixando uma pedra cair sobre minha cabeça. Estava dormindo profundamente, e acabei soltando um grito de dor. Eles se surpreenderam em me ver, e um deles conseguiu cerrar a grade. Usaram um casaco deles como corda, e assim pude sair. Acabamos trabalhando em conjunto, em meio ao caos do extermínio que faziam na Fazenda, e conseguimos escapar com vida. Eles planejavam uma fuga da Rússia e perguntaram se eu queria ir. Não sei porquê, mas eu me recusei a acompanha-los. Acho que eu estava com medo de ser capturado outra vez.

            -E o que fez depois que fugiu?

            -Me escondi nas montanhas, e então, esperei as coisas se acalmarem. Acabei me estabelecendo, montei uma cabana e passei a viver de caça, usando um rifle que peguei em meio à fuga da Fazenda. Até hoje, mato coelhos, linces e até ursos para me alimentar e vender as peles no vilarejo. Veja, aquela é a cerca. – disse o idoso, enquanto se aproximava com Sherlock Holmes de uma cerca, solitária em meio à neve implacável dali.

            -O que diz? – perguntou Holmes, enquanto Abe limpava do gelo uma placa presa ao arame da cerca, para revelar seu conteúdo.

            -Parece que não andaram atualizando os avisos de segurança. Esta placa é de minha época. Diz “Cuidado, Área Restrita”. O que significa que estão autorizados a matar a partir do momento que verem alguém a ultrapassar esta cerca.

            Mesmo ouvindo o argumento de Abe, Holmes pulou a espinhenta cerca com cuidado, estando dentro da propriedade.

            -Estive longe demais para voltar atrás agora. – ele disse. Abe concordou, e fez o mesmo, aceitando igualmente o perigo.

            Não era difícil perceber o porquê da escolha daquela rota em específica. Aquele era, tal como dissera Abe, o local mais isolado e menos vigiado da Fazenda, que Holmes já não sabia mais como chamar. Já tinham andando alguns bons metros e não avistaram nenhum guarda a vista.

            -Este canto sempre foi isolado por causa da montanha. Deslizamentos costumam ser normais neste local. Alguns soldados que vigiavam aqui inclusive morreram. Por isso ele é mal vigiado. – explicava Abe,

—Faz sentido. – disse Holmes, dando um último olhar à imponente montanha, abarrotada de neve de uma forma que dava margens à preocupação.

—Vamos. – disse Abe, indicando para Holmes andar com cuidado.

Holmes e Abe ficaram à espreita no que era escombro de um antigo muro, derrubado por um deslizamento de neve. Holmes pôde notar que o local era repleto de soldados, todos armados até os dentes. Não havia nenhum indicativo da presença de crianças por perto.

Holmes e Abe continuaram a avançar, andando rentes a muros e evitando janelas. Entretanto, uma  coisa chamou a atenção de Abe.

—O que foi? – perguntou Holmes, ao perceber o idoso dar atenção a uma janela, semicoberta de gelo.

—Parece que você estava certo, Mr. Holmes.

Holmes voltou seus olhos à janela. Notou que, do lado de dentro, havia muitas, na verdade incontáveis beliches, todas abarrotadas de meninos. Todos pareciam dormir, à exceção de um, que arrumava uma espécie de saco com alguns pertences, sempre atento aos lados, como se temesse ser descoberto.

O coração de Holmes disparou, ao notar melhor as características do menino: loiro, olhos claros, com uma altura que apontava para dez anos, no mínimo.

Será que esse menino é meu filho?

—Veja, Mr. Holmes... – disse Abe, que trabalhara limpando a neve sob seus pés enquanto Holmes vigiava o aposento. A limpeza de Abe acabou por revelar o chão, sem a neve, e também a tampa de uma fossa. Ao abri-la, Abe notou de imediato uma corda, amarrada à tampa.

—Não tamparam a fossa. Lembro que a utilizamos como parte de nossa fuga. Ela dá até o rio, mas não pudemos fazer tal alternativa de fuga porque umas pessoas que nos acompanhava não sabia nadar. – lembrou-se Abraham, passando a vigiar a janela enquanto Holmes voltava sua atenção à fossa.

—Mas esta corda é recente. Veja, está nova. Não pode ter sido de seu tempo, Mr. Katz. A julgar pelo comportamento desse menino, ele está prestes a fugir, e por esta rota. – disse Holmes. – Mas por quê?

—Não faço idéia, realmente. Mas convenhamos, Mr. Holmes. Ainda sinto a mesma áurea de perigo e medo de meus tempos neste lugar. Fugir de um lugar isolado e cheio de guardas é o mínimo que alguém desejaria. Veja só, eu acho que o menino terminou de arrumar suas coisas, Mr. Holmes. O que fazemos?

—Vamos nos esconder naquele canto e tentar segui-lo em sua fuga. Teremos uma conversa privada com ele. Assim entenderemos o que se passa nesse lugar.

Holmes e Abe voltaram rapidamente aos escombros do muro, onde, escondidos, esperaram por poucos minutos até que a janela finalmente fosse aberta, e uma sacola fosse lançada. Depois, foi a vez de duas pernas saírem, para então o menino se encontrar completamente do lado de fora. Entretanto, um detalhe chamou a atenção do menino, e o fez recuar.

—Por que ele não quer entrar na fossa? – cochichou Abe.

—Ele notou que limpamos a tampa da fossa da neve. Agora, está desconfiado.

Holmes sentiu uma pontada de orgulho, ao notar que o menino era esperto a ponto de acreditar que esse mero detalhe era um alerta a uma armadilha. Certamente, esta era uma boa manifestação dos genes da família Holmes.

Pare de se iludir, Holmes. O menino foi criado em um local repleto de capangas de toda espécie, tendo-se sabe lá qual tipo de vida e educação. Estar desconfiado é parte de sua natureza.

—Acho que ele vai entrar assim mesmo. – observou Abe, retirando Holmes de suas vãs divagações.

—Vamos aguardar um pouco. Depois, será nossa vez de entrar.

E foi o que Holmes fez, aguardando cerca de cinco minutos, para então também adentrar na fossa. Ele e Abe acordaram que ficariam em silêncio durante a caminhada, e assim o fizeram.

Fazia muito frio na fossa. Não era, na verdade, uma fossa de esgoto, mas uma tubulação de água potável, com uma corrente de água fortíssima, notou Holmes. Sem dúvida, aquela água era captada do rio, que ficava a alguns quilômetros dali. O túnel tinha um pouco mais de um metro e meio de comprimento, o que forçava Holmes e Abe a manterem a cabeça parcialmente curvada e roçando o teto. O som de alguns ratos, e um gotejar insistente preenchiam o som de turbulência das águas. A água passava com força no sentido anti-horário, o que significava que o mero descuido os lançaria para dentro da casa dos inimigos, e o que é pior, com alguns bons arranhões.

Holmes e Abe seguiam a rota, atravessando-a com a ajuda de uma tábua, posta ali de maneira improvisada. A cada pisar na tábua, Holmes ouvia o ranger dela atravessando o local. Se o menino estava à espreita, desconfiando de uma armadilha, certamente ele saberia da presença de invasores.

Algo lhe dizia que isso não era nada bom.

De repente, o disparo de um tiro, que mais parecia um estrondo dentro daquela tubulação. Holmes e Abe se agacharam, imediatamente, fazendo a tábua ranger de modo assustador.

—Você está bem? – perguntou Holmes.

—Indo. – disse Abe, levando a mão ao antebraço. Holmes notou que seu sogro fora ferido de raspão, e se amaldiçoou por coloca-lo em perigo, naquela idade e em uma situação que ele se sentia o único responsável.

—Céus, Mr. Katz... – lamentou Holmes.

Uma voz irrompeu pela tubulação.

—Quem são vocês? O que querem? – perguntou-se, em inglês.

Holmes notou que era a voz de uma criança, mas uma voz firme, muito mais firme que a de muitos adultos que ele conhecera.

Esse menino deve ser mesmo o meu filho.

—Nós somos amigos, acredite ou não! Não pretendemos feri-lo! – respondeu.

Holmes levantou-se, devagar, e continuou a caminhar pela tábua, com as mãos erguidas em sinal de paz. Notou que estava cada vez mais próximo de um feixe de luz, onde certamente era o final da tubulação. Já do lado de fora da tubulação, Holmes notou que o menino loiro, que vira através do vidro embaçado de uma janela, estava com um revólver.

—Mais um passo seu, e eu atiro na sua cabeça. – ordenava, friamente, o menino. Holmes fez tal como ele dissera, ao perceber que o menino teria frieza o bastante para assim fazê-lo.

—Não vou te machucar...

—Quieto. – ordenou o menino, com forte sotaque russo. – Apenas fique quieto. Onde está o outro homem?

—Ferido. – assumiu Holmes. – Não há com o quê se preocupar com ele.

—Com ele, talvez não. Mas você ainda está aqui para me preocupar.

—Não trabalhamos para eles. Você tem a minha palavra. – argumentou Holmes.

—Suas palavras... – disse o menino, desengatilhando o revólver. – Não valem qualquer coisa para mim.

Como acontecera muitas vezes em sua vida, Holmes pensou que aquele era seu fim, mas desta vez sentiu um amargo sabor. Receberia um tiro na cabeça de alguém que poderia ser seu próprio filho de dez anos. Nem Moriarty, ou qualquer outro inimigo, poderia desejar um fim tão macabro e doloroso.

Porém, o disparo que Holmes ouviu não tinha lhe acertado em lugar algum. Ao notar que não havia dor em nenhuma parte de seu corpo, Holmes abriu seus olhos e se deparou com o menino sendo apartado por seu sogro Abe.

Certamente o idoso, que já estivera naquele local antes, tinha conseguido dar a volta e aproveitou-se a distração do menino e o deteve, antes que ele disparasse. Entretanto, Abe tentava tirar-lhe o revólver, em vão.

Holmes correu para ajuda-lo, e após alguns esforços, conseguiu tirar o revólver das mãos fortes do menino.

—O menino é duro na queda. – assinalou um ofegante Abraham.

—Está vendo, garoto? – disse Holmes, lançando o revólver para um canto. – Não iríamos te machucar. Tudo que queremos é conversar...

—Me deixe em paz!

Proferindo a última frase em um grito aterrorizante, o menino aproveitou-se da desatenção de Holmes e deu-lhe um empurrão nas pernas, o suficiente para desequilibrar Holmes e fazê-lo cair na turbulência das águas.

Holmes sentiu a força das águas lhe levando tal como um boneco inanimado. Ele tentava nadar, mas era impossível. O máximo que pôde fazer foi se desviar de alguns troncos e galhos, mas nem isso foi o bastante para evitar que ele se machucasse. Em menos de quarenta segundos, ele fez de volta todo o percurso que demorara bons minutos em uma caminhada em repleta escuridão. Cada vez mais, ele percebia se aproximar de um paredão de pedra, do qual não pôde evitar o baque que lhe tirou por completo da consciência.


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Notas finais do capítulo

Se eu fosse o Holmes, procurava correndo um Raio-X para a cabeça, porque tá demais... Coitado...

Então? Alguém suspeita sobre quem, afinal, é esse menino?
É, não deixei nada muita pista... Mas deixei o bastante para suspeitas..

No próximo cap, FINALMENTE teremos a entrada de um personagem muuuuito aguardado por todos. Preparem-se!

Obrigada por acompanharem e até o próximo! E deixem reviews!



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