O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 11
Uma Mera Ida À Cidade


Notas iniciais do capítulo

E já estamos de volta, com mais um cap.
Desta vez, teremos a entrada de um personagem importante em nossa história. Espero que gostem dele.
Boa leitura!



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Sussex Downs. 4 de Maio de 1910.


            Enquanto caminhava por sua propriedade, Holmes fazia breves notas em seu bloco de anotações. Tinha feito boas descobertas naquela manha, a respeito da Apicultura. A colmeia que criara estava prosperando, e sem dúvida, haveria mel de qualidade ali.

            O dia estava agradável, embora algumas nuvens no céu anunciassem uma mudança climática não muito distante de acontecer. Curioso como já me encontro acostumado com o clima fresco de Sussex, pensava Holmes. Havia semanas que Sussex sequer enfrentava dias nublados, e Holmes nem mesmo percebia, já acostumado ao sol.

            -Mr. Holmes, eu acabo de receber este telegrama. É para o senhor.

—Oh, obrigado. – disse o detetive, surpreso.

            Holmes recebeu o envelope, ainda lacrado, das mãos da senhora. Não tinha remetente, o que era um claro sinal: alguém do governo. Ou mesmo o seu irmão Mycroft. Falando no diabo...

Nos últimos tempos, Holmes vinha desempenhando algumas tarefas importantes para o Governo. Quando até os espiões de Mr. Sparks se encontram patinando na escuridão, Holmes era convocado, muitas vezes pelo próprio Primeiro-Ministro ou seu irmão, para executar uma investigação. Já tinha sido bem sucedido duas vezes, apesar de não se encontrar mais em plena forma física. No entanto, seu cérebro continuava o mesmo, afiado e perspicaz dos bons tempos de Detetive Consultor.

O conteúdo da carta de Mycroft não era outro, senão trabalho.


Sherlock,

 

Há vestígios de que um alemão chamado Werner Boehl está em Sussex.

Não são necessárias grandes explicações, porque sei que você frustrou os planos de um empregador dele à mando de um de seus “clientes”, há muito tempo atrás. Ele estava em Londres por alguns meses, mas descobrimos que ele está em Sussex, bem próximo a você. Cometeu um crime contra o Secretário de Comércio Exterior, há dez anos atrás. Não entendemos o que faz aqui na Inglaterra, depois de tanto tempo, mas sabemos que ele não deve ficar à solta. Sua liberdade trará consequências ao país.

Descubra onde ele está e me dê notícias.

 

Mycroft.


            Holmes suspirou. Mycroft Holmes, sempre econômico... Sequer pediu por notícias suas. Werner Boehl... Holmes sabia que ele era um mercenário qualquer. Holmes olhava, entediado, para o bilhete de Mycroft.

            Deveria optar pelo caso do Quebra-Ossos, ou do entediante mercenário fugitivo?

            Sem dúvida, Quebra-Ossos.

            -Mr. Holmes, o seu almoço, ele já está pronto e... – anunciou a governanta.

            -Oh, Mrs. Morton... Lamento, mas terei de recusá-lo. Vou voltar à cidade.

            A pobre velha parecia contrariada. – Outra vez, Mr. Holmes?

            -Sim. Tenho algo de última hora para resolver. Pode recolher a comida, se quiser. Farei uma ceia fria mais tarde.

            Holmes decidira conduzir a charrete dessa vez, pois não queria abusar da sorte, afinal não era mais um rapaz para andar à cavalo em distâncias tão longas. Subiu nela, tomou-lhe as rédeas e prosseguiu de volta à cidade. Ele deixou sua charrete estacionada perto da estação, onde conseguiu comprar passagens de trem somente para os próximos dois dias.

            Ao retornar rapidamente, para sua surpresa, encontrou um moleque próximo aos cavalos. Ao perceber que tinha sido notado, o rapaz, que vestia uma boina que lhe cobria os cabelos desgrenhados tentou se explicar.

            -Eu vi que seu cavalo estava trotando mais do que o costume, Sir. Se eu fosse o senhor, iria conferir a ferradura dele, Sir, pois isso pode ficar grave, sir.

            Holmes suspirou. Deus, quantos “Sir” ele falou em apenas duas frases?

            -É um belo cavalo, Sir.

            -Sim, de fato o é.

            -Quer que eu o escove, sir? – ofereceu-se o garoto. – Um xelim apenas, sir.

            Claro, negócios. – Infelizmente, menino, eu estou com um pouco de pressa...

            -É uma pena, sir. Porque no serviço estaria incluído a retirada da pedra que está incomodando seu cavalo, sir.

            Holmes pensou duas vezes. Bem, o que custava uns minutos?

            -Cinco minutos.

            Prontamente, o menino se aproximou do animal e, mesmo sendo um estranho, conseguiu retirar com certa coragem uma pequena pedra que estava presa sobre a ferradura.

            Magro, muito magro. Deve ter passado fome nos últimos tempos. Diria que tem dez anos, pela altura. Pele queimada de sol, quase insolação. Não está acostumado com o clima, certamente é um forasteiro. Nunca o vi por aqui antes, ao menos desde o mês passado, quando estive passando por aqui. Sapatos gastos, o esquerdo quase cedendo na costura. A calça está larga, ou não era dele ou está precisando de ajustes. Se for a segunda, é sinal de que os tempos já foram mais favoráveis. A camisa é encardida, o colete está faltando um botão e o terno está com uma descostura na altura do ombro. Há uma ferida superficial perto do supercílio. Típica de briga de rua. Nenhuma outra ferida aparente, sinal de que levou a melhor. Ela está ameaçando infeccionar. A briga aconteceu há dois dias atrás, no máximo. Leve odor de rum. Hmm... Já é um viciado em bebida? É isto mesmo?

            -O que pretende fazer com esse xelim? Espero que não seja bebida ou drogas. – perguntou Holmes., deixando o menino um tanto corado.

            -Não sir, eu vou comprar um sanduíche. – disse o menino, espertamente.

            -Como é seu nome, garoto?

            -Grigori.

            -Grigori... Você não é inglês, certo? Tinha percebido pelo seu sotaque, mas não sabia distinguir ao certo de onde você é, mas... Esse nome... Rússia?

            O menino assentiu.

            Rússia... Esse país sempre lhe dava péssimas lembranças.

            -O que foi, sir?

            -Nada.  – disse Holmes, voltando a si. – Diga-me, Grigori... O que faz aqui, no interior da Inglaterra, tão longe de casa?

            -História grande, sir.

            -Não, você deve dizer “uma história longa”. – corrigiu Holmes, fazendo o menino retrair-se. Ao perceber a reação do rapaz, Holmes tentou suavizar a situação.

            -Escute, Grigori. Você é um rapazinho ainda, mas caso deseje ser respeitado neste país, infelizmente terá de falar impecavelmente o nosso idioma. Não se sinta diminuído, você está indo bem. Quero dizer, apenas acho que exagera um pouco nos “sirs”

            -Prometo diminuir, sir.

            Holmes rolou os olhos, enquanto o menino levou a mão à boca, em irritação, quase dando um tapa em si mesmo. Embora a cena fosse simples, Holmes viu alguma graça nela e soltou uma risada curta.

            -Isso é um vício de linguagem. Não se preocupe, você não está sozinho, pois há muitos ingleses que padecem disto. – Holmes suspirou, e lançou um breve olhar mais uma vez sobre aquele rapazote. – Venha, vamos comer alguma coisa no bar. Eu te pago um sanduíche.

            Assim que entrou no bar com o menino, o balconista pareceu irritado.

            -O que veio fazer aqui, Grigori? Irritar o meu Stuart outra vez?

            -Ele é meu convidado, Mr. Worth. Por favor, um scotch e um sanduíche de carne. – pediu Holmes, sentado à beira do balcão ao lado de Grigori.

            -Então, parece que levou a melhor sobre esse Stuart... – disse Holmes, arrancando uma risada de Grigori.

            -Não foi minha culpa, sir. Simplesmente, ele não foi nada gentil chamando-me de porco.

            -Bom, não foi isso que ele deu a entender.

            Holmes preferiu guardar para si a observação de que, pelo cheiro de Grigori, ser chamado de porco seria uma ofensa. Ao animal, é claro.

            Mr. Worth aproximou-se do balcão e pôs o prato com o sanduíche e o copo, todos do lado de Grigori.

            -Obrigado, Mr. Worth, mas o scotch era pra mim.

            -Oh, desculpe-me, Mr. Holmes. – desculpou-se o estalajadeiro, enchendo o copo com o whisky da casa.

            Quando o estalajadeiro se distanciou, Holmes começou a conversar, enquanto Grigori devorava com apetite quase selvagem seu sanduíche.

            -Há quanto tempo bebe, Mr. Grigori?

            -Desde os oito. – ele disse, ignorando o semblante chocado de Holmes. Claro. Tudo naquele país era muito precoce, como Esther mesmo disse. Os vícios, como o álcool, as drogas. Casamento, trabalho, mesmo sexo, sem necessariamente o primeiro fator. Embora soubesse disso, nada se comparava a estar diante desse fato em carne e osso.

            -Quantos anos você tem?

            -Treze. – disse o menino, quase terminando seu sanduíche. Ao perceber que seu semblante de faminto ainda não tinha ido embora de seu rosto, Holmes pediu outro sanduíche.

            -Fazendo caridade, Mr. Holmes? – perguntou Worth, com graça. – Não seria bom com este aí, que sequer é um dos nossos. Esse maldito siberiano fez meu filho Stuart perder o dente da frente.

            -Ele roubou o meu dinheiro! – defendeu-se o menino. – Isso não é justo!

            -Quer justiça? Por que não a procura na porra do seu país, então? O que está fazendo aqui, roubando o pão dos que são verdadeiros ingleses?

            -Mr. Worth... – pedia Holmes, ao perceber o tom de voz exaltado do homem, que acabou por alarmar todo o bar. Ao virar-se para os lados, Holmes notou que o escândalo do estalajadeiro acabou por chamar a atenção de um homem, praticamente oculto em uma mesa discreta. Os olhos de Holmes se cruzaram ao daquele senhor, que mais pareciam faiscar, mesmo que escondidos pela boina que escondia quase toda o seu rosto.

            Foi um pequeno instante, breve, até que Holmes reconhecesse o fogo que havia em seu olhar.

            Era ninguém menos que Quebra-Ossos.

            -Fora da minha estalagem! Você não é bem-vindo, moleque! – esbravejou Mr. Worth. agora munido de uma vassoura. O gesto abrupto do estaladeiro interrompeu o pequeno contato visual entre Holmes e Quebra-Ossos. Quando o detetive voltou sua atenção àquela mesa distante, notou que o assassino não estava mais lá.

            O estalajadeiro começava a gritar, enquanto alguns clientes incitavam brigas com palavras de apoio a qualquer tipo de agressão. Não havia tempo para Holmes lamentar a perda de Quebra-Ossos, não quando uma situação grave se desenhava diante de seus olhos, exigindo uma atitude.

            Por Deus, duas brigas em uma mesma semana era demais.

A confusão passou de alguns clientes desordeiros para um bar inteiro, que imediatamente começou a se agitar. Holmes sabia que a situação era tão crítica quanto a briga com os dois irlandeses, ou talvez até mais, porque envolvia um menino. Tudo bem, talvez um menino não tão indefeso assim, mas...

            -Vamos embora, rapaz. – disse, segurando Grigori pelo braço, que se levantou não muito amistoso diante da ameaça de Worth. – É burrice, e não covardia, ignorar o perigo quando se está diante dele. Vamos.

            Acabou tendo o efeito desejado, e Holmes e Grigori saíram do bar.

            -Juízo, rapaz. Juízo.

            O menino assentiu, e se despediu timidamente enquanto Holmes caminhava para o outro lado da rua. Antes de se distanciar completamente do pub, Holmes olhou para trás, onde ainda pôde ver a imagem do menino a observar os cavalos, ainda parado naquela calçada, ignorando o caminhar das demais pessoas na levemente agitada Sussex Town.

            Pobre rapaz, uma vida inteira pela frente e já completamente corroído. Ele precisa se cuidar.

            O que estou pensando?, retrucou Holmes a si mesmo. Preciso me concentrar no real objetivo e minha ida à cidade: encontrar Quebra-Ossos, e descobrir o que ele está procurando aqui em Sussex. E principalmente, para quem.

            Quebra-Ossos não deveria esta longe dali. Ele pode ter se aproveitado da confusão para fugir, mas ainda posso recuperá-lo.

            De repente, Holmes parou de caminhar.

            O menino Grigori... Sua descrição física é bastante semelhante às das 3 últimas vítimas de Quebra Ossos!

            Dando meia-volta, Holmes retoma às proximidades do pub, em passos apressados. Um misto de desespero e também ansiedade parece tomar o detetive. Holmes encontra seu cavalo, mas nada do menino.

            Onde será que ele está agora?

            Percebendo um idoso a martelar uma caixa de madeira ali perto, Holmes decide pergunta-lo a respeito de seu paradeiro. Recebeu uma resposta vaga, mas ao menos útil. Caminhando na direção apontada pelo idoso, Holmes percebeu que estava caminhando em direção ao local onde os mais pobres costumavam morar. Não era de se espantar que o menino vivesse por ali, afinal.

            -Grigori? – chama Holmes, pelo menino. Em vão.

            -Mr. Holmes? – pergunta uma voz infantil, finalmente. Seguiu-se também o som de um objeto de madeira, a cair sobre o chão. Em direção à voz, Holmes adentra a uma das ruelas fétidas daquele bairro afastado de Sussex, atrás da cidade.

            -Grigori! – exclama Holmes, ao ver o menino aparentemente amedrontado, a observar o corpo inconsciente de ninguém menos que Quebra-Ossos. A primeira reação de Holmes, curiosamente, não é verificar se o garoto escapou do “encontro” com o facínora ileso, mas checar a pulsação do homem desmaiado.

            -Vivo. – decretou Holmes. – O que houve aqui? Posso notar que ele recebeu um forte golpe na cabeça... Golpe este que uma criança de sua estatura jamais seria capaz de efetuar.

            -E-E-Eu não fiz nada, sir! – vacilou o menino. – Estava voltando para casa quando este sujeito apareceu do nada. Eu corri e ele estava tentando me alcançar, sir, quando acabei tropeçando nas quinquilharias de Mr. Smith...

            Holmes observou ao seu redor. De fato, havia uma quantidade enorme de sucata de metal caída sobre o chão. Inclusive uma barra de ferro, parcialmente suja de sangue.

            -Você teve sorte, Grigori. Muita sorte. – disse Holmes, após um suspiro.

            -E agora? Será que irão acreditar em mim? E-Eu não quero ir para a cadeia, sir!

            Holmes rolou os olhos, com o desespero infundado do menino.

            -Acalme-se. Ninguém jamais acreditaria que um menino como você poderia ser capaz de fazer este homem desmaiar com um golpe na cabeça. No entanto, você terá de ir à delegacia comigo, mas apenas como testemunha e... Grigori!

            Holmes viu o menino correr em disparada. O detetive chegou a pensar em correr atrás do menino, mas logo lembrou-se do desmaiado Quebra-Ossos, ali no chão. Não era correto abandoná-lo ali, para correr atrás de um mero moleque.

            Observando mais uma vez o corpo inerte do marginal, Holmes não viu outra alternativa, senão arrastá-lo sozinho para a delegacia.

            Que minha artrose não reclame.


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam de Grigori?
Realmente, o menino teve sorte de sobreviver a um encontro com Quebra-Ossos.

Mais uma vez, obrigada por acompanharem e até a próxima!



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