Na manhã seguinte, acordo sem Kyle do meu lado. Franzo o cenho e me sento quando vejo um papel em seu travesseiro.
"Não quis te acordar. Coloquei seu celular para carregar na tomada ao lado da cama já que ele estava morto. Tive que entrar mais cedo no trabalho. Pode levar a chave com você, te pego mais tarde no Dangerous Woman. Vamos sair pra comer alguma coisa, se você quiser. Você que decide o programa. Se cuida, boneca".
Sorrio por causa do bilhete, pelo modo como ele me chama de boneca - e antes eu odiava isso - e também pelo fato de ele confiar a chave de seu apartamento a mim.
Levanto-me da cama e abro a porta do quarto. Vou até o banheiro e pego sua escova de dente. Sei que não é muito higiênico, mas eu não posso ficar sem escovar os dentes. Lavo meu rosto com a água fria e olho meu reflexo no espelho. Graças a Deus pareço mais descansada.
Abro uma gaveta do gabinete da pia por curiosidade e dou risada baixinho quando vejo o tanto de pacote de camisinha que há ali.
Penteio meus cabelos com os dedos e o deixo solto já que não tenho um prendedor ali.
Abro a porta do banheiro e paraliso no momento que vejo que não estou sozinha. Os olhos verdes de Matt me olham no mesmo instante e ele parece bem surpreso também. Queria muito estar vestindo outra roupa que não fosse apenas uma camiseta do Kyle. Ele está usando um suéter de lã num tom verde escuro, calça jeans azul um pouco desbotada e um Vans preto.
–Desculpa, não sabia que você estava aqui. - ele diz e desvia o olhar.
Olho para meus pés descalços no chão e depois ao redor.
–Está tudo bem.
–Eu já estou indo.
–Não. -digo e ele olha para mim. - Digo, você acabou de chegar não é? Eu ia fazer um café, você não quer?
Me sinto ansiosa e constrangida. Digamos que ficar perto de Matt é estranho. Analiso seu rosto. Ele parece cansado, na certa não dormiu muito. Seus olhos cansados transparecem isso.
Matt coça a barba loira e dá de ombros.
–Okay.
Atravesso a sala e vou para a cozinha. Abro a geladeira e tiro o pó de café de lá. Kyle é como eu, guarda-o na geladeira.
–Você gosta de panquecas? - pergunto enquanto coloco colheradas de café na cafeteira.
Olho para Matt que está me olhando.
–Sim. - ele dá de ombros.
Assinto com a cabeça e me volto para a cafeteira. Ele está com uma cara tão esquisita e... abatida. Me sinto mal por ele. Não sei o que aconteceu na festa na noite anterior, mas parece que ele está bem chateado.
Volto para a geladeira e começo a pegar o leite e os outros ingredientes para fazer a massa da panqueca.Misturo a farinha de trigo, o leite e o ovo numa travessa de plástico e começo a mexer com uma colher de pau.
Olho para ele que continua a me fitar. Sinto uma sensação estranha quanto a isso.
–Posso te perguntar uma coisa?
–Você já está perguntando. - ele responde.
Sorrio.
–Certo, posso te perguntar outra coisa então?
–Essa já é outra pergunta.
Coloco a travessa em cima da pia com a massa pronta e suspiro. Coloco os cabelos atrás da orelha e digo:
–Tudo bem, eu desisto.
–Tudo bem, pode perguntar.
Coloco uma quantidade de massa na frigideira antiaderente e me viro para olhá-lo.
–Você está bem?
–Ótimo. - ele diz sem emoção.
–Tem certeza? O que aconteceu ontem?
Matt suspira.
–Olha, isso não é da sua conta. Não é nada.
Pisco algumas vezes surpresa com seu jeito rude e me afasto voltando para o fogão.
–Desculpe. - digo. -Não quis me intrometer.
Ouço-o suspirar.
–Olha, eu sei que não sou a pessoa mais legal do mundo. - digo e olho para ele. - Mas quero que saiba que não quero atrapalhar sua amizade com Kyle. Entendo que a chata da história sou eu porque não me drogo, mas, quero dizer que não tenho nada contra você. Desculpa se fiz alguma coisa pra você me odiar assim.
Ele está me olhando de cenho franzido. Eu sustento o olhar de Matt. Não sei de onde veio essa minha onda de honestidade repentina.
–Olha, eu preciso ir. - ele diz se levantando. - Fala pro Kyle que eu já deixei a chave aqui.
Franzo o cenho e o observo colocar uma chave prateada em cima do balcão. Ele se levanta e vai até a porta e sai.
Estou sozinha no apartamento novamente e confusa.
Não acredito que uma pessoa possa me odiar tanto assim. Não entendo muito bem o porquê de ele me odiar assim.
Meus devaneios cessam quando sinto o cheiro de queimado subir. Apago o fogo rapidamente e tiro a frigideira de cima do fogão.