Um Sussurro nas Trevas escrita por Will, kveronezi


Capítulo 2
O Abraço


Notas iniciais do capítulo

O segundo capítulo introduz um novo personagem: Marcos, que tal qual Vinicius encarou uma face oculta do Mundo das Trevas.
Espero que lhes agrade.



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MARCOS

Se tinha uma coisa que Marcos sentia naquele momento, era frio. Mesmo o blazer que vestia por cima da camisa fina não era o bastante para espantar o frio da noite de Nova Independência. A luz cálida da lua cheia banhava todo aquele pátio com luz, exceto por alguns cantos.

Marcos era um rapaz de pele branca, cabelos castanhos arrepiados e a barba sempre por fazer. Trabalhava como segurança num depósito de valores, valores cujos quais o rapaz nem mesmo fazia ideia. Naquela noite em especial, Borges, seu colega inseparável, faltou devido a um gripado ou algo do tipo.

Pálido de frio, Marcos sacou o celular do bolso. O relógio marcava 4:52.

A porta do barracão se abriu, deixando escapar uma baforada morna que fez o segurança sentir inveja dos que estavam lá dentro. Quem saía era Elias Martins, um senhor de uns 50 anos, a pele negra contrastava com os cabelos grisalhos, bem cortados. Vestia-se com um terno fino, um Armani, como Marcos identificou, de cor cinzenta com detalhes dourados delineando as bordas.

— Parece que está com frio. -Brincou Elias sorrindo para o empregado. Marcos franziu o cenho- Fique tranquilo, Marcos. Assim que o pessoal lá dentro terminar a descarga eles mandarão um segurança deles para assumir o seu turno. Aí pode ir pra casa tomar um banho quente e se jogar debaixo das cobertas.

Elias sentiu o vento frio e logo encolheu-se, enfiando as mãos nos bolsos e indo em direção de seu Honda Civic. Marcos então respondeu.

— Sim, senhor Elias. Se demorarem mais dez minutos, morro aqui congelado.

O senhor abriu a porta do carro e entrou e, antes de fechar a porta, falou:

— Não seja pessimista assim, rapaz. Daqui a pouco vai estar em casa. Bem, até amanhã.

Elias manobrou o carro e saiu do estacionamento do galpão pelo portão automático. Novamente, deixando Marcos sozinho.

Os minutos se passaram como se fossem horas, os homens lá dentro sequer davam sinais de vida. Foi quando um calafrio arrepiou o corpo todo de Marcos. Um medo sem motivo tomava conta dele. Sentia algo de errado, mas não sabia o que era. Foi quando, vindo das sombras entre os edifícios, alguém apareceu. Apele era extremamente pálida, com veias azuladas a mostra, saltadas na pele. O corpo esguio, alto chegava a ser desproporcional. Ele era careca, a testa era longa e coberta de veias salientes. Os olhos negros eram profundos e sem vida. Apesar do frio, vestia apenas um jeans surrado, um par de botas e uma regata preta, o corpo estava coberto de ferimentos e as roupas sujas de sangue. Não fosse pela sensação horrível que causava em Marcos, ele diria que o homem era só um skinhead bêbado perdido.

O segurança fitou o estranho. Ele sabia exatamente o que devia dizer, havia treinado centenas, se não milhares de vezes, o procedimento de interceptação de algum transeunte não autorizado. Mas as palavras simplesmente se recusavam a sair da boca de Marcos. Precipitadamente, o segurança sacou a arma que trazia escondida na cintura, uma simples Glock e gritou, visivelmente abalado:
— Vai embora daqui ou eu atiro! Entendeu? Vai logo!

Para o desespero de Marcos, aquele homem sorriu para ele. Os caninos eram alongados e pontudos.

— Devo ter medo só por que está apontando esse brinquedo para mim, seu merda? -respondeu cuspindo as palavras, com uma voz profunda e cheia de sarcasmo.

Marcos não iria falar mais nada. Não, nem mesmo sabia o que diria para afastar o homem esguio. "Vai pro inferno" pensou movendo o dedo para apertar o gatilho e disparar. Ele mirava uma lata de lixo, talvez um susto seria o bastante para afugentar o estranho. Mas não. Ele não pôde atirar. Num piscar de olhos, o estranho estava diante dele, tomou a arma de sua mão e a arremessou por cima do ombro.

—Espera aí, rapaz. -seu sorriso era frio- Se atirar vai atrair os caras lá de dentro. Eles atrapalhariam o meu jantar.

Uma gota de suor desceu a testa de Marcos. "Não acredito... É o próprio demônio... Ele... Veio me...buscar?"

O segurança iria gritar por socorro, mas novamente antes que pudesse agir, o dito demônio o acertou em cheio com a palma da mão sobre seu peito. Tamanha foi a força do golpe que arremessou Marcos por vários metros, parando no muro do depósito.

Ele podia sentir a dor das costelas que se partiram com o golpe e com a colisão, rasgando a carne de dentro pra fora, mexeu o pescoço e avistou a janela do andar superior do galpão da qual saia um feixe de luz. Se ao menos conseguisse gritar por ajuda. Estava atordoado com a dor, no limiar da consciência. Não iria conseguir. O homem esguio vinha em sua direção. O agarrou pelos cabelos e o ergueu do chão, tudo o que Marcos conseguiu foi gemer dolorosamente, o movimento fazia os ossos estilhaçados rasgarem ainda mais de dentro pra fora.

— Você deve estar pensando "Como?" ou " Por que eu?". Você deu o azar de estar no lugar errado, na hora errada, cara. Podia ter sido aquele seu patrão esnobe. Qualquer um daqueles viados bombados lá dentro. Mas foi você...
A medida que falava, o homem pálido carregava Marcos para dentro do beco escuro. Era o fim. Ao chegarem no fundo do beco, o estranho arremessou o segurança moribundo contra a parede, segurou seu ombro, com a outra mão puxava-lhe os cabelos na direção oposta, liberando o pescoço. Os olhos do homem brilharam ao ver aquela jugular pulsante e exposta.

Outra vez, Marcos viu aquelas presas pontudas, ameaçadoras. Então veio a dor. A dor lacerante dos caninos rasgando o seu pescoço, seguida por uma estranha onda intensa de prazer. Ao mesmo tempo que sentia o sangue esvair de seu corpo, a sensação que acompanhava era equiparável ao melhor dos orgasmos que já teve em toda a vida. A medida que o estranho sugava o sangue, as feridas em seu corpo se fechavam sem sequer deixar cicatrizes, como se nunca nem mesmo tivessem existido. Marcos fechava os olhos, aos poucos parava de lutar, se entregava a deliciosa sensação da morte.
"Assim que é morrer? Mas... Ainda não é a hora, não... Isabela... A minha Isabela está grávida...meu filho... Não, não posso abandoná-los... Eu... Não vou... Morrer... Aqui!"

Uma onda de adrenalina percorreu seu corpo, despertando sua mente e fazendo-o usar o que restara de sua força. Para sua surpresa, Marcos parecia ter vencido o torpor de seu Beijo, e estava fazendo o que podia para empurrá-lo com as forças que lhe restavam. O misterioso homem sugava avidamente aquele sangue morno e, enquanto se alimentava, ficava absorto com o deleite da saborosa refeição. Era fácil, depois que as mordia, as pessoas se entregavam de corpo e alma ao prazer do Beijo. Mas dessa vez foi diferente.

Marcos, que estava lutando contra o prazer do Beijo, começou a lembrar do doce sorriso de Isabela, do futuro que havia planejado junto a ela para seu filho. Ele não podia desistir ali, Ele tinha que conseguir. Por mais inútil que fosse o esforço, era notável que um simples humano pudesse ter quebrado o transe do beijo.

Ele afastou a boca do pescoço do rapaz, lambeu sobre os furos causados por suas presas e eles se fecharam.

— Já é o bastante. Obrigado, eu estava mesmo precisando disso. Agora, agonize nesse beco, seu merda. Ninguém vai vir pra te ajudar. Você merece os meus parabéns! Não é qualquer um que resiste ao Beijo de um vampiro assim. Não que isso faça diferença agora.

Ele largou Marcos contra a parede, deu as costas e saiu andando. O moribundo lutava para se manter consciente após a perda de sangue. A vista ficava turva, tudo o que via era a silhueta daquele que se dizia um vampiro se afastando, banhado pela luz da lua cheia. Era o fim.

Aquela sensação de medo foi aos poucos passando. De fato, Marcos notou, quem causava aquilo era o vampiro. A mesma sensação que sentira antes de ser mordido, voltara e ainda mais forte. Ele estava voltando? Decidiu por um fim em sua vida de uma vez por todas?

Uma nova silhueta apareceu. Não era tão alta quanto o outro, o corpo era mais curvilíneo, e uma cascata de cabelos ruivos se agitavam ao vento. A pele, no entanto, era igualmente pálida. Vestia roupas pretas cobrindo quase todo o corpo.

— É difícil de acreditar que o covarde do Albert é capaz de tamanha atrocidade. -A ruiva falava em um tom compadecido, com pena do homem agonizante diante de si. Se ajoelhou diante dele e o ajudou a levantar a cabeça para olha-la nos olhos. - Me perdoe. A culpa de estar assim é toda minha. Se eu tivesse matado Albert quando tive chance -sua voz era carregada de arrependimento.

Marcos fitava-a nos olhos, esperava que de alguma forma ela fosse ajudá-lo.

— A...juda... Pelo... Amor de... Deus....

A vampira ergueu as sobrancelhas, ponderando a possibilidade de ajudar.

— Se a culpa disso é minha, então é minha obrigação te ajudar. Não vou deixar que morra aqui.

Marcos, sem forças, só conseguia pensar em Isabela e sua filha. Ele não podeia morrer. Isso fazia com que ele arrumasse forças para continuar a respirar.

A situação se repetiu. Quando separou os lábios, a moça se revelou ser igual ao outro, com dentes pontudos. Ela cravou os caninos em Marcos, tal qual o outro fez, e começou a sugar o sangue do homem.

Outra Vez, Marcos sentia a deliciosa sensação do Beijo a medida que o que restou de sangue deixava o seu corpo. Mas destas vez, ele pensara que seria a última vez que sentiria dor, como também seria seu último dia. Não teve mais tempo de pensar em nada, de amaldiçoar sua sorte, o seu destino ou aquela mulher. Dessa vez, ele se entregou a morte. "Me perdoe, Isabela... Me perdoe, filho... Eu amo vocês."

E a morte o buscou. As últimas palavras que ouviu e que pareciam tão distantes foram:

—É melhor procurar abrigo. Logo vai amanhecer.


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