O Livro de Eileen escrita por MundodaLua


Capítulo 19
O Misterioso Caso do Homem em Dobro


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente me desculpem pelo atraso de uma semana, eu tive umas complicações na faculdade. Mas agora que tudo foi resolvido é só aproveitar as férias.



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A estada no hospital foi curta, o corpo de Edith Miller mostrava claros sinais de estrangulamento, haviam marcas roxas ao redor de seu pescoço e sua face estava toda colorida em um tom de “azul asfixia”. Ou, pelo menos, foi isso que Holmes balbuciou enquanto rodeava o cadáver, o resto do grupo por sua vez esperava a uma respeitosa distância. Assim que os laudos médicos chegaram, apenas confirmaram o que o detetive já deduzira, Watson leu em voz alta os resultados, mas a exceção dele e de Holmes, ninguém mais entendeu uma única palavra dentre todos aqueles termos técnicos. Assim que deixaram o prédio Holmes começou:

— As marcas formadas ao redor do pescoço batem com o tamanho da mão do Sr. Parker. - Disse em tom de lástima – Porém, tais marcas exigiram uma força brutal para serem feitas, a senhorita Miller não é nenhum peso-leve, ela resistiu, e uma boa olhada por baixo de suas unhas me confirmou isso. Ainda sim, pela forma como as marcas foram deixadas eu diria que ele conseguiu erguê-la do chão enquanto a estrangulava. - Ao mesmo tempo em falava ele fazia gestos como se estivesse segurando um corpo no ar – Vocês todos viram, Mr. Parker é um alfaiate, esbelto, sem um único músculo em seus braços. Ele jamais conseguiria erguer alguém como Sra. Miller.

— Um alfaiate, você diz. - Começou Watson – Ele não nos contou em que trabalhava.

— Ele tinha pequenas marcas de agulhas pelas pontas dos dedos, algumas recentes, outras já antigas, além disso ele se vestia muito bem, mas sua fala e sua história não sugerem que seja muito rico, ele faz as próprias roupas.

— Isso é tão legal. - Eileen fez-se ouvir em meio ao grupo. Os olhos brilhavam em pura admiração. Watson e Holmes a observaram com o mesmo semi sorriso.

— Vamos dar uma olhada no beco onde acharam o corpo. - Sherlock disse por fim, e todos seguiram, desconfortavelmente exprimidos em uma carruagem que os levaria até Cadogan Square.

Logo grandes casarões começaram a aparecer no cenário, os primeiros indícios de que estavam seguindo pelo caminho correto. Sam falhou em tentar não parecer impressionado, aquele lugar tinha um trabalho de arquitetura que faria os estudantes, que o mais novo conheceu certa vez enquanto ainda frequentava a universidade, chorarem de inveja por ele. Eileen por sua vez passou a viagem inteira exprimida entre Dean e Castiel, sem muitas chances de uma boa olhada lá fora, a não ser é claro quando eles pararam.

— Chegamos. - Anunciou Watson, e todos deixaram a carruagem.

O local até onde Edith Miller foi arrastada não trouxe boas notícias para Holmes. As pegadas que encontraram, batiam perfeitamente com o número usado pelo Sr. Parker, assim como o tamanho de suas passadas indicavam que, quem quer que tenha estado ali, também compartilhava a mesma altura do alfaiate. Os fatos não estavam favorecendo Oscar, e tanto Watson, como Eileen começaram a ver os primeiros sinais de frustração no olhar do detetive.

— E se nós dermos uma olhada por ai. - Começou Eileen – Quem fez isso provavelmente mora por perto. Quero dizer, se Oscar realmente tivesse feito, porque ele se daria ao trabalho de trazer o corpo até aqui? Essa é uma parte rica da cidade, se isso quer dizer alguma coisa, é que devem haver mais policiais e muito mais segurança do que no resto dos lugares. Um péssimo local pra dispor um corpo.

— Essa é uma excelente observação. - Sherlock disse – Segundo Lestrade algumas pessoas testemunharam o ocorrido, sugiro que procuremos por elas a fim de saber o que viram e quem sabe jogar alguma luz nesse mistério.

Assim eles fizeram, e o grupo se dividiu para cobrir o máximo de área no menor tempo possível. Dean e Sam seguiram juntos para o sul, Watson e Holmes pegaram o cominho a oeste e Castiel e Eileen foram para o norte. O anjo e a menina andaram por um longo tempo em silêncio, interessados mais nas casas que os cercavam. Tinham como destino uma estalagem ali perto, onde esperavam que alguma informação pudesse ser obtida.

— Você realmente gosta deles. - Castiel começou. E a menina suspirou.

— Desde que eu descobri Sherlock Holmes, os livros vêm sendo uma espécie de apoio emocional quando eu me sinto deprimida. - Eileen começou, as luvas estavam começando a incomodar, mas ela sabia que não deveria tirá-las – Eu sempre carregava uma versão de “O Cão dos Baskerville” comigo, onde quer que eu fosse. E agora minha “escorregada mental” nos trouxe até aqui. - Ela concluiu, e houve uma pequena pausa.

— Isso não é o passado. - Castiel afirmou – Você já deve ter chegado a essa conclusão também. - A menina assentiu – Por que você acha que não conseguiu voltar?

— Não sei, talvez eu deva estar aqui e agora, todos nós. - Os dois se encararam por alguns segundos – Talvez a gente possa ajudar com esse caso, e o livro sabe disso, por essa razão eu não consegui nos levar de volta.

— Eles não perguntaram sobre o livro.

— É, ninguém parece ter muita curiosidade sobre ele, deve ser alguma magia que impede as pessoas de notarem que ele está ali, a menos que eu fale a respeito. É muito útil na verdade, seria bem inconveniente se eu tivesse que sair explicando o tempo todo porque o carrego por ai. - Castiel assentiu.

Caminharam mais algum tempo, e quando estavam a quase dez metros do local, Cas segurou Eileen pelo ombro. - O que foi? - Ela perguntou, se virando para encarar o anjo, este por sua vez tinha um ar de dúvida em suas feições.

— Aquele não parece Oscar Parker? - Apontou em direção a entrada de um pequeno jardim público ao lado da estalagem. Uma figura de cabelos ruivos e compleição pequena caminhava jardim a dentro, mesmo com a distância era possível dizer claramente que aquele era o Sr. Parker, andando com total tranquilidade – É idêntico a ele, mas tem algo de errado.

— Mr. Parker foi preso essa manhã. – Eileen começou – Ele sem dúvidas se parece com Oscar Parker, mas é impossível que, de fato, seja o mesmo homem. - A menina pensou alguns segundos e continuou – Vamos atrás dele, caso a gente descubra algo de importante, nós voltamos pra encontrar o resto do pessoal.

Seguiram o sósia de Parker por bons quinze minutos, andando alguns passos atrás e tentando chamar o mínimo de atenção possível. Atravessaram toda a extensão do jardim, e foram em direção a um sobrado que algum dia tivera uma aparência pomposa, mas agora mais parecia uma clássica casa mal assombrada. O falso Sr. Oscar passou pelos portões do sobrado e seguiu para a parte de trás da construção. Assim que o homem adentrou a casa, Eileen usou seu poder na fechadura do portão, que se abriu.

Quando chegaram a lateral da casa, as várias janelas quebradas forneceram uma boa vista do interior do lugar, mas o que eles encontraram lá dentro foi uma novidade para Eileen. Assim que notaram o homem andando na casa, tanto o anjo quanto a menina se abaixaram, as janelas eram gigantes, então mesmo agachados como estavam, ainda podiam ver o que estava acontecendo, e Eileen desejou estar mais psicologicamente preparada para aquilo. Dentro de um dos cômodos mofados estava o falso Oscar, que começou a despir, se livrando do fraque, colete e da blusa de algodão branca. Tão logo a última peça de roupa deixou seu corpo ele começou a puxar pedaços de sua própria pele, que pouco a pouco foi se descolando.

Eileen encarou Castiel com sua melhor expressão de espanto, o anjo por outro lado só parecia confuso. Os dois continuaram a assistir enquanto o homem se desprendia de sua pele, e um fluido amarelado escorria por entre os espaços de pele que já haviam caído. - O que diabos é esse cara? - Eileen sussurrou.

— Quer entrar e tentar pegar ele? - Castiel sugeriu, e a menina acenou que sim. Eles eram os dois mais fortes ali, se alguém teria que segurar o falso Oscar até o resto chegar, eram eles.

Ainda agachados, contornaram a construção, até chegarem a uma porta semiaberta. Entraram no local ouvindo os gemidos de dor que o homem soltava, e, quando estavam quase chegando ao cômodo em que ele se encontrava, vozes foram ouvidas lá fora, e de súbito, os sons dentro da casa cessaram. Tudo não levou mais do que uma fração de segundo, o tempo que Eileen levou para reconhecer as vozes de Sam e Dean, ela e Castiel invadiram o espaço onde esperavam que o falso Oscar fosse estar, mas nada encontraram.

Um vulto passou apressado na sala ao lado, o anjo e a menina chegaram a janela a tempo de ver o homem correndo pelo lado de fora da casa, saindo por um segundo portão que levava a rua. Logo em seguida os irmãos passaram também correndo, mal notando a presença de seus amigos na janela.

— Vamos logo. - Eileen disse, pulando para fora. Ela ergueu o vestido o melhor que pode e começou a correr atrás dos irmãos.

Talvez pelos dois não serem exatamente humanos, ou pelo fato de Sam e Dean estarem sem treino, logo Castiel e Eileen os alcançaram. O homem ia logo a frente, parte de sua pele ainda se desprendendo, deixando para trás o mesmo pus amarelado. Pela expressão na cara de Dean, a menina deduziu que ele sabia o que aquele homem era. Correram por algum tempo quando encontraram Holmes e Watson, que logo se juntaram a perseguição, mas esta não durou muito mais. O falso Oscar se embrenhou por um beco, e quando os demais chegaram ele havia sumido.

— Sem saída. - Watson começou – Para onde diabos ele foi?

— Primeiro – O detetive começou – Explicações, o que estava acontecendo com aquele homem, ele tem uma espécia de descamação severa na pele, eu nunca vi coisa igual.

— Era um metamorfo. - Dean soltou, e todos a exceção de Sam o olharam surpreso – Isso vai parecer maluco, O.K., mas é real. Nós – Ele gesticulou em direção a Sam e de volta para ele – Já tivemos vários problemas com esse tipo. Eles podem se tornar, fisicamente, qualquer pessoa que eles quiserem. Esse que nós vimos estava trocando a pele, provavelmente vai tomar a identidade de outra pessoa, nós nunca vamos achá-lo antes de Oscar ser enforcado.

— Me perdoe senhor. - Watson começou, sua voz entre a ofensa e a confusão – Mas que maluquice é essa que você está falando.

— Não é maluquice. - Foi a vez de Sam falar – É nosso trabalho, nós caçamos criaturas assim. Esse que nós vimos é só um dentre vários outros monstros a solta por ai.

— Mas eu e Castiel concordamos que isso não é o passado, mas sim uma espécie de dimensão alternativa, eu achei que ela seria livre de monstros, já que nos livros nunca existiu nada sobrenatural. - Eileen disse, tentando ignorar as expressões de Holmes e Watson.

— Talvez as coisas tenham se misturado nessa dimensão. - Sam começou – A última vez que isso aconteceu comigo e com Dean, o lugar no qual nós fomos parar não tinha nem mesmo magia. Eu acredito que cada dimensão funciona de uma maneira particular.

— Eles são loucos. - Watson soltou, as faces se tornando vermelhas pela quantidade de absurdos que ele ouvia. Holmes por sua vez não emitiu um único som, apenas adotou um semblante enigmático enquanto ouvia a conversa.

— Vocês querem provas, eu posso provar. - Eileen começou andando em direção a um amontoado de caixas velhas, jogadas pelo beco. - Ignihs. - Ela disse, e em menos de dois segundos já não havia mais caixa alguma, todas completamente consumidas pelo fogo verde. Assim que ela se virou, se arrependeu de sua rispidez ao mostrar seus poderes.

— Ela é uma bruxa. - Watson gritou, agora já totalmente vermelho e irritado.

— Não diga bobagens Watson. - Holmes disse – Acalme seus nervos.

— Eu não sou uma bruxa, é bem mais complicado que isso. - Eileen começou – Nós não somos simples estrangeiros, eu trouxe todo mundo pra cá por engano. Mas acontece que agora temos um problema com o qual eles dois – Apontou para os irmãos – sabem lidar, nós não podemos simplesmente deixar aquele homem sumir, ele matou uma pessoa. Agora, John – Ela se virou para Watson – Você é uma das pessoas que eu mais gosto em todo o mundo, é gentil e corajoso, você consegue lidar com isso sem ter um ataque de nervos. E Sherlock, eu tenho absoluta certeza de que você pode achar o local pelo qual nosso assassino fugiu, e se o fizer estará um passo a frente de fazer descobertas que vão mudar seu mundo por completo.

Holmes continuou com sua expressão enigmática, era impossível dizer o que ele estava pensando – Eu vou ganhar uma explicação satisfatória a respeito do que eu acabei de ver agora?

— No futuro? Vai. - Eileen disse. Eles se encararam por longos segundos antes do detetive começar a andar pelo beco em busca do local de fuga do falso Oscar.

— Me desculpe. - Watson disse, se aproximando da menina – Eu.. Eu nunca tinha visto nada assim em minha vida, estou chocado ainda.

—É compreensível.

— O que você é? Se me permite a pergunta.

Eileen pensou, sem saber muito bem como responder sem deixar Watson ainda mais assustado – Mitrahá é o nome da minha “espécie”. - Watson assentiu, não perguntaria mais, deixaria para ouvir todas as explicações junto de Holmes.

— Encontrei. - Ouviram Sherlock dizer. Todos se reuniram ao redor de um alçapão, que outrora estivera disfarçado junto as lajotas no chão. Em seu interior havia uma escada que descia para a escuridão total – Precisamos de iluminação.

— Acho que eu posso ajudar. - Eileen disse, e virou-se para is irmãos – Descobri um tempo atrás que eu conseguia fazer isso, mas nunca achei que seria relevante contar. - A menina sorriu e de suas mãos o mesmo fogo verde, que caracterizava o início dos feitiços, brotou. Todos pareceram preocupados, mas para mostrar que estavam seguros, ela encostou na parede mas próxima e nada aconteceu – É só iluminação, completamente inofensivo.

Assim, um a um eles desceram em direção a um túnel escondido sob as ruas de Londres. Erguido com não mais que um e oitenta de altura, e apertados um metro de largura, o túnel seguia indefinidamente na escuridão a frente deles, e foi com um último arquejo de determinação vindo de Eileen que o grupo começou a andar. Formaram uma fila com Castiel e a menina nas pontas. Eileen foi a única que andou confortavelmente, sem ter que se envergar, mas logo o ato de ter que manter sua mão em um ângulo esquisito para prover a iluminação, também se tornou um desconforto. Caminharam em silêncio a maior parte do tempo, o túnel se provou muito mais longo do que qualquer um deles tinha imaginado. Holmes trouxe a conhecimento que aquele poderia ter sido um antigo túnel usado na idade média turante guerras.

Andaram pelo que pareceu uma eternidade, até que Eileen avistou uma outra escada. O segundo alçapão os levava para dentro de um quarto. A julgar pela falta de iluminação no local, dos vidros quebrados nas janelas, e da madeira solta no chão, estavam em alguma casa abandonada.

— Isso não é uma simples casa. - Watson começou – Esse é o Silverwood Medical Center. - Disse olhando pelo que restava da janela – Um hospital que faliu há uns dez anos atrás.

Dean ia fazer algum comentário, mas eles ouviram um ranger de tábuas ali perto. - Ninguém aqui está armado? - Watson perguntou.

— Nós teríamos que usar prata – Dean começou – É só o que consegue ferir um metamorfo. Mas de qualquer jeito nós temos a Eileen e o Cas.

— Mr. Castiel tem alguma arma feita de prata?

— Não, mas ele é um anjo. - Eileen disse em tom casual, deixando a sala onde eles estavam para seguir o som que ouviram.

Watson encarou Castiel por longos segundos, mas apenas balançou a cabeça em negação e seguiu a menina. Enquanto andavam, ouviram mais sons vindos do andar de cima. - Eu acho melhor que vocês fiquem ai em silêncio, e eu vou ver que barulho é esse. - Eileen sugeriu – Se todos tentarem ir ao mesmo tempo vamos chamar muita atenção. Cas você fica de olho neles. - Dizendo isso, e sem esperar qualquer reposta ela se foi, deixando seus amigos em breu de fim de tarde.

O lugar cheirava a madeira velha e poeira, e a menina pensou que se ainda conservasse sua essência majoritariamente humana, ela teria sofrido um choque anafilático por tocar em tanta sujeira. Os sons começaram a ficar cada vez mais altos e inteligíveis, e logo ficou claro que uma conversa estava acontecendo em alguma daquelas salas. Eileen se escorou na paredes e retirou os pequenos saltos que há muito já a vinham incomodando, assim ela se preveria de qualquer som desnecessário que poderia alertar quem quer que estivesse ali.

Não demorou muito para que ela achasse o lugar de onde vinha a conversa. Pelas frestas de uma porta quebrada, ela observou o interior do que algum dia fora uma sala de visitas. Lá dentro, sentadas em sofás velhos, estavam duas adolescentes. Trajavam roupas simples, as duas tinham o porte físico de quem praticava box, mas seus rostos, apesar de aparentarem certo cansaço, revelavam uma jovialidade e felicidade enquanto elas conversavam animadamente sobre vestidos que elas viram na cidade. Eileen soltou um suspiro, elas não pareciam perigosas.

Porém, no segundo em que a menina relaxou, e decidiu que entraria ali para fazer algumas perguntas, ouviu um alto gemido de dor e sons gerais de confusão vindos da direção onde seus amigos estavam. As duas outras garotas também ouviram, e logo Eileen se pôs a correr em direção ao barulho, enquanto notava que, as outras duas figuras, correram na direção oposta.

Assim que ela alcançou o local onde seus amigos deveriam estar, ela encontrou somente Castiel, os olhos arregalados e cheios de pavor. Em seus braços Eileen observou uma figura que se debatia ferozmente. Assim que o anjo avistou a menina ele começou:

— Foi tudo muito rápido, eles vieram de todos os lugares. Esse tentou me pegar, mas… Mas eu consegui capturá-lo antes. - Eileen nada disse a princípio, chegando perto da figura que tentava se soltar do aperto que Castiel impunha.

— Ele é um metamorfo? - A menina perguntou, e o anjo acenou que sim.

— Eu acho que vou tentar uma coisa. - Eileen começou olhando com seriedade nos olhos do anjo – Lembra o que eu te falei do meu último poder, como eu o usei para tirar Lúcifer do seu receptáculo? - O anjo concordou – Talvez eu possa usar para tirar os poderes dele. Eu sinto, que na essência isso é uma espécie de maldição, a condição de metamorfo, se assim for eu devo conseguir expurgar usando o feitiço. - A menina não perdeu tempo colocando sua teoria a prova – Livahnoun. - Disse, e o fogo verde brilhou, indo em direção ao corpo do rapaz. Castiel o soltou e eles assistiram enquanto a magia se espalhava. Não demorou muito até que uma massa avermelhada deixou o rapaz, indo em direção a Eileen. Como a menina não tinha nada para poder passar a maldição ela foi obrigada a absorvê-la, e isso mais do que a magia inicial a consumiu violentamente.

Ela cambaleou e foi amparada por Castiel, que, sem precisar de uma palavra, a curou. Um “obrigada” foi dito, e eles voltaram a focar no rapaz, cuja a aparência foi se alterando, sua primeira pele cedeu de uma só vez, dando lugar a um garoto completamente diferente daquele que viram. Eileen foi até ele.

— Onde estão seus colegas? - O que está acontecendo aqui? - Perguntou, erguendo-o do chão.

Apavorado, o rapaz nada disse, até que Eileen o sacudiu brutalmente – Me responde! - Ela gritou.

— Eu não sei... - Disse, ainda grogue – Podem estar nas salas ou... Ou no salão. O que você fez comigo. - Ele perguntou, tocando sua pele natural, algo que ele não via fazia muito tempo.

Sem responder, a menina apenas o soltou. - Precisamos achá-los, vamos. - Disse, e começaram a procurar em cada uma das salas. O lugar era um labirinto de quartos e escadas, Castiel e Eileen se viram obrigados a olhar cada um dos aposentos em busca de seus amigos. Como a noite já havia caído, Eileen usou sua iluminação o tempo inteiro, e foi com grande frustração que os primeiros quinze minutos de procura foram em vão.

Logo se depararam com uma figura vindo em direção a eles, Eileen reconheceu as feições de Dean, mas um rápido olhar para Castiel foi tudo que ela precisou para saber que aquele não era de fato seu amigo. Sem esperar qualquer saudação, ela usou novamente seus poderes, e mais uma vez eles viram pele ceder, e um novo corpo surgir.

Eileen tirou a luva de sua mão esquerda e tocou no rapaz, ela esperava obter qualquer informações sobre para onde seus amigos foram levados, mas os pensamentos ruins daquele homem remetiam somente a fome, miséria e a morte de seus companheiros, que para o total desespero de Eileen, eram muitos. - Você não consegue dizer onde eles estão? - A menina perguntou, voltando-se para Castiel.

— Não, mas eu posso dizer quando são os metamorfos. - Eileen acenou, e eles continuaram a caça aos seus amigos.

Mais um tempo se passou até que a figura esguia de Sherlock apareceu. Mais uma vez a menina olhou para o anjo em busca de confirmação, embora lá no fundo ela mesma pudesse dizer quem eram os monstros e quem não era, ter a confirmação de Castiel ajudava. Aquele era mesmo Holmes, parecia assustado e Eileen imaginou que esse fosse um sentimento que ele não experimentava sempre.

— Eles tentaram me pegar – Começou – Mas felizmente eu tinha isso – Ele mostrou uma espécie de alfinete usado para prender a manga de casacos, tinha uma fina e afiada ponta que agora estava manchada de sangue – É feito de prata. Eu consegui escapar e andei a ermo até que encontrei Watson, mas algo em sua postura e no modo como ele me olhou me confirmaram, aquele não era de fato meu companheiro, eu fugi, e agora encontrei vocês. Mas felizmente eu acho que sei para onde os demais foram levados.

“Se meu conhecimento sobre esse hospital está correto, existe um grande salão principal no primeiro andar, na ala conseguinte a essa, pelo que eu pude entender da fala de meu raptor, eles estão em grande número. Aquele salão é o único realmente grande. Eu não creio que eles nos queiram mortos, mas ao julgar todas as novas informações que adquiri hoje, temo que não serei capaz de afirmar mais nada com certeza.”

A ala conjugada àquela aparentemente era habitada pelos pacientes com os casos mais simples, logo detinha uma grande sala comunal onde os familiares e os doentes poderiam passar algum tempo juntos. Quanto mais o trio se aproximava do lugar em questão, mais ficava claro de que Holmes tinha razão, o burburinho no interior era intenso.

— Certo – Eileen começou – Cas, eu provavelmente estou prestes a fazer uma coisa bem estúpida, então eu espero que você esteja aqui por mim caso eu passe mal, e eu também quero que você proteja Mr. Holmes. Vou entrar ai e tentar falar com os metamorfos. - Disse, cheia de determinação em sua voz. Castiel não temeu por ela, a força da menina era mais do que aparente, ele apenas confirmou com a cabeça e a viu caminhar para a porta.

Eileen respirou fundo um par de vezes e então entrou. Seus olhos se abriram em surpresa ao encontrar o salão cheio de rostos que instantaneamente se viraram para ela. Numa rápida checagem da sala, ela achou seus amigos, amarrados em um canto com mordaças em suas bocas.

— Olá – Ela disse – Eu acredito que vocês tenham capturado meus amigos, e eu espero que vocês possam devolvê-los para mim. - O salão inteiro caiu em um silêncio sepulcral – Além disso, eu gostaria que o verdadeiro assassino de Edith Miller apareça e confesse, Mr. Parker não pode ser incriminado por algo que ele não fez certo? - Novamente nada foi dito em resposta. Eileen entrou completamente no salão – Nós podemos fazer isso do jeito fácil, ou do jeito difícil. Vocês podem entregar meus amigos e o assassino, de outro modo, eu garanto que as coisas vão ficar bem, bem feias. - Ela continuou, a voz inabalável.

— Não vamos entregar um dos nossos. - Veio a voz feminina no meio do grande grupo – Nós não somos assassinos, ou, pelo menos, não é assim que ganhamos a vida. Roubar é o que traz nosso sustento, se precisamos matar uma ou outra pessoa quando elas ficam muito afoitas e tentam revidar, não chamamos de assassinato, mas sim de efeito colateral. - A mulher se aproximou, tinha olhos castanhos quase amarelados e longos cabelos negros – Agora menina, se você quer seus amigos de volta, eu espero que tenha algum dinheiro com você, de outra maneira, nós vamos manter esses três. Nunca tivemos humanos de tamanha beleza entre nós, estou certa de que podemos encontrar algum uso para eles.

— Eu não vou sair daqui sem eles. - Eileen tinha o rosto fechado em uma feição série e autoritária.

— Você não vai sair daqui de jeito nenhum. - A mulher continuou – Descobriu nossa morada, não podemos deixar que você saia por ai espalhando para a polícia onde vivemos. - Ela começou a andar em direção a Eileen de forma ameaçadora.

— Esse é seu último aviso, eu tenho certeza que nós podemos conversar e resolver isso. - A menina tentou em vão argumentar. No segundo seguinte a mulher se jogou em direção a ela, que mal teve tempo de proferir o feitiço, caindo ao mesmo tempo em que o fogo verde deixou sua mão. A mulher desabou ao lado dela, e como antes, sua pele simplesmente cedeu por inteiro. A metamorfo se ergueu abalada, olhando seu corpo natural, os olhos eram azuis, e o cabelo um tom claro de castanho.

— O que você fez comigo? - Ela gritou enraivecida. Tentou mudar sua pele, mas não conseguiu. A mulher começou a soltar gemidos de pavor e ódio, e logo ordenou a todos os outros ali que atacassem.

“Eu não vou matar ninguém”, a menina pensou consigo mesma, “Vou livrá-los da maldição”, e com esse mantra em mente, ela proferiu o poder uma última vez, esperando que atingisse a todos os metamorfos, que nesse momento vinham em direção a ela com olhos carregados de fúria. O fogo se espalhou e possuiu o corpo de cada uma das criaturas, e logo dúzias de massas avermelhadas voltaram para Eileen, o choque da quantidade a jogou no chão uma vez mais, e, assim que o feitiço havia terminado, a última coisa que sua consciência registrou foi a voz de Holmes, incitando Castiel a ir ajudá-la.

Eileen acordou em um salto, soltou um longo gemido de dor quando a luz do sol atingiu em cheio suas pupilas. Ela estava na sala de estar do apartamento de Watson e Holmes, e uma rápida olhada ao redor a fez pular de susto. Sentados nas poltronas ao seu lado, estavam seus cinco amigos a observando atentamente – O que… - Ela tentou dizer, e sua cabeça pareceu dar um giro – O que foi que aconteceu? - Conseguiu terminar, Watson estendeu um copo de água para ela.

— Quando você caiu, eu tentei te curar. - Castiel começou – Mas o dano foi muito severo. Sam e Dean me contaram que novos poderes exigem mais de você, e, bem, aquilo foi praticamente enfrentar um exército sozinha. Eu pude tratar uma parte das avarias, mas você continuou desmaiada.

— Cas e Sherlock nos soltaram enquanto os metamorfos ainda estavam confusos. - Dean disse – Mas logo que eles tomaram consciência do que tinha acontecido, tentaram lutar. Sem a maldição eles não são muito fortes, e agora eles são vulneráveis a mais coisas do que somente a prata.

— Não foi difícil contê-los. - Watson completou.

— Mas e o assassino, conseguiram descobrir quem era?

— Quando visitamos o lugar em que o corpo de Edith Miller foi achado, eu pude discernir um estranho cheiro de limão, açúcar e certas especiarias, característico de uma bala feita e embalada na Índia, um artefato muito caro, mas a julgar por onde estávamos não era nada fora do padrão. Porém, ontem, enquanto subjugávamos aqueles monstros, eu senti o mesmo cheiro vindo do hálito de um deles. Quando tudo acabou, foi só uma questão de ameaçá-lo para que ele se entregasse. Mr. Parker não está mais preso, foi solto logo essa manhã.

— Foi um ato de muita bravura. - Watson disse, olhando com carinho para Eileen – Sem você jamais teríamos conseguido.-  A menina sorriu.

— Agora eu acredito que certas explicações devem ser dadas. - Sherlock disse, e aquela frase já estava virando uma constante na vida de Eileen, mas, felizmente, dessa vez ela não seria a única a ter uma história fantástica para contar.

A manhã se seguiu com uma conversa que de fato mudou a vida de Sherlock e de John. Eileen desconfiou que aquele mundo ganharia dois caçadores, a julgar pelo fascínio nos rostos dos homens enquanto ouviam relatos a respeito de bruxas, vampiros, lobisomens, anjos e demônios. Eles tentaram se abster de contar ao dois que, na dimensão de onde vinham, eram personagens de livros, mas a menina achava que Holmes já havia deduzido isso pela conversa que tiveram antes de descer para o túnel.

Quando o sol já começava a baixar uma vez mais no horizonte, as despedidas começaram – Você vai escrever sobre isso? - Eileen perguntou para Watson.

— Certamente, os leitores ficarão admirados com tamanha aventura.

— Como você vai chamar a história?

— O misterioso caso do homem em dobro. - Disse, cheio de orgulho. Sherlock torceu o nariz, e os demais foram obrigados a rir – O dia em que recebemos a singular visita de dois americanos cheios de coragem e conhecimento a respeito do sobrenatural, Sam e Dean, e seus raros olhos verdes que o delataram ao meu amigo. Junto a eles Castiel, o anjo, vejam só, que nos ajudou a cuidar de todos aqueles monstros e curou nossa pequena heroína, Eileen. - E nesse momento ele adotou um olhar cheio de ternura – Valente Eileen, o Mitrahá, livrou todas aquelas criaturas da maldição. Esperamos que todos eles possam achar um rumo correto na vida, e que desistam dos roubos e de assassinatos.

— Se eles não desistirem, sempre teremos vocês dois aqui. - Eileen disse.

Um último adeus foi dado, e a menina acenou pensando em como toda aquela aventura fora surreal, e ainda sim ela lembraria daquele momento como o melhor de sua vida. Eileen fechou os olhos e desejou estar de volta ao bunker, finalmente conseguindo. Logo se viram na mesma posição que estavam antes de serem jogados na dimensão alternativa, com as mesmas roupas. Foi como se o tempo não tivesse passado, e com uma rápida olhada para o relógio em seu notebook, Sam confirmou a teoria.

— Nem um segundo se passou desde que a gente foi pra lá.

— Foi como uma viagem a Nárnia. - A menina soltou.

— Não brinca com isso. - Dean começou – Eu preciso de, pelo menos, uma semana pra digerir o que aconteceu, antes de ter que falar com um leão gigante, ou uma rainha de gelo. - Dito isso ele foi para a cozinha, ouvindo um riso baixo vindo de Eileen e de seu irmão.

Eileen e Castiel voltaram a conversar sobre os poderes secundários da menina, Sam voltou a pesquisar por casos, ou por algum sinal da Escuridão, enquanto Dean reaparecia na biblioteca trazendo duas latas de cerveja e uma de coca. O mais velho abençoou aquele clima de normalidade que se instaurou, e se permitiu um rápido sorriso ao olhar a menina e o anjo conversando acaloradamente sobre telepatia e visões do futuro. Ele deu um longo gole em sua bebida e começou a imaginar quanto tempo até que a tempestade invadisse a calma na qual eles pareciam ter entrado.


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Notas finais do capítulo

Gente que capítulo grande, desculpem se tiver algo absurdamente errado, eu revisei umas mil vezes, mas sabe como é né. Espero que tenham gostado ♥