Young Gods - Interativa escrita por honeychurch


Capítulo 3
Capítulo 02




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— A batalha das Sete Estrelas! Sete Estrelas, Alyce, Sete Estrelas!

Como Alyce não sabia a resposta sua septã grasnava com a voz estridente. Sua língua raspava nos dentes e ela repuxava todo o rosto ao repetir como um corvo velho “Sete Estrelas” “Sete Estrelas”.

A princesa fechou os olhos tentando se lembrar da detestável batalha e de quem estava nela. Como ela gostaria que o meistre não estivesse doente, ele era sem dúvida um professor muito mais agradável que a odiosa septã.

— O cavaleiro falcão!

— O nome Alyce, sempre o nome.

Se não era para que o conhecessem como cavaleiro falcão então porque sempre o chamavam assim?

— Eu não sei!

— Se passasse menos tempo colocando flores na cabeça, e mais a enchendo de conhecimento você saberia. O nome era Artys Arryn, agora me diga o que ele conquistou.

Com um suspiro Alyce apoiou a cabeça em uma de suas mãos. Septã Cylesse era tão injusta. Os deuses sabiam que Alyce era uma boa aluna, e se fosse o velho e bondoso meistre fazendo as perguntas talvez ela tivesse as respostas, mas a septã era tediosa e toda vez que as lições com ela começavam a princesa ficava em tamanha angustia que se esquecia de tudo que tinha aprendido

— Ele se tornou rei?

—Seja mais específica menina!

A septã vociferou batendo a palma da mão contra a mesa. Alyce estava pronta para mais uma conhecida e longa reprimenda, mas então lady Anya Redfort apareceu solene como uma irmã silenciosa.

— Peço perdão pela interrupção, mas a rainha Claude requisita a presença da filha imediatamente.

À menção do nome da rainha a voz da septã se adoçou.

— Mas estamos no meio de uma lição! Sem dúvida que vossa majestade entende o quão prejudicial é para a princesa perder lições.

— A rainha disse que era urgente, mas se a senhora quiser eu posso voltar e dizer para vossa majestade que você acredita que seus assuntos com a princesa são mais importantes do que os que ela possa vir a ter, tenho certeza de que a rainha vai entender.

A septã não precisou de mais do que isso para liberar sua aluna, e quando as duas moças já estavam distantes o suficiente Anya soltou uma risada que a obrigou a se curvar sobre si mesma.

— Você viu a cara dela?

— Anya não temos tempo para isso!

Sua amiga riu ainda mais alto.

— Não há nada que sua mãe queira lhe dizer, bobinha! Eu precisava falar alguma coisa para livrá-la das garras daquela galinha velha.

Agora Alyce se permitiu rir com a amiga, talvez aquilo a metesse em problemas mas isso era algo para depois, e não a impediria de ser puxada pela mão para correr entre os corredores de mármore do Ninho.

— Seu irmão está treinando no pátio com os outros cavalheiros, eu achei que seria algo que você gostaria de ver tanto quanto eu.

Anya adorava suspirar pelo irmão de Alyce, Henry, na verdade era algo que todas as jovens, e também as não tão jovens, damas da corte adoravam, pois em todo lugar se dizia que o jovem rei Arryn era o mais bonito dos homens, o mais galante, o mais agradável, o mais atlético, e todos os “o mais” que conseguissem pensar.

— Fale baixo, ou a septã irá nos ouvir e me arrastar de volta para a tortura.

A jovem dama soltou um risinho que tratou de abafar com a mão, e as duas continuaram a pequena corrida pelo castelo, com as saias erguidas até os joelhos e os cabelos se soltando dos grampos. Seria uma bela visão para os rapazes do pátio, mas não tão agradável assim para a rainha Claude que vinha por aquele corredor junto de suas damas e de um embaixador.

Alyce fez o que pôde para se ajeitar, mas não haveria jeito de deixar seu cabelo apresentável, ou de conter a respiração ofegante.

— Mamãe.

Ela disse em uma mesura mal feita.

— Alyce! Junte-se a nós querida, o embaixador dos Hoare estava agora mesmo me dizendo que tinha uma notícia ruim do reino de Ferro, quando você apareceu tão inapropriadamente.

A princesa não tinha o que responder, então se limitou a obedecer tomando seu lugar ao lado da mãe. O embaixador parecia ultrajado por terem rompido o clima sombrio que tentava criar, e não deu mais do que um olhar severo para a princesa.

— Sei que a senhora e o rei Benard são primos, então o que vou lhe contar deve ser doloroso, saiba que eu não tenho qualquer prazer em lhe trazer qualquer dor.

— Sugiro que fale de uma vez, a espera só me faz sofrer mais.

O rosto da rainha não parecia nada apreensivo, e Alyce sabia que sua mãe quase nunca se abalava.

— A jovem filha de meu mestre, a princesa Cassandra foi acometida por uma terrível pestilência, e, infelizmente veio a falecer.

Para a rainha era como se o embaixador tivesse dito que estava chovendo mais esse ano, mas para Alyce eram notícias terríveis. Aquela pobre moça, morta tão cedo, e de maneira tão terrível.

— Benard deve estar inconsolável – Sua mãe finalmente disse e depois continuou – Muito me entristece essa notícia, e tenho certeza de que meu filho ficará também enormemente abatido. Quando ele era mais jovem, Henry passou alguns anos na corte de Harrenhal, e lá, apesar da diferença de idade, ele criou grande afeição pelos filhos de Benard.

— Sim, o rei sempre tem elogios para se referir ao jovem Henry, talvez uma mensagem do filho de vossa majestade para o meu mestre fosse lhe trazer algum consolo. Meu querido amo tem motivos para estar infeliz, parece que andam circulando histórias a respeito da morte da princesa.

— E que histórias seriam essas?

Para responder o embaixador se inclinou e sussurrou tão discretamente que Alyce teve que se esforçar para ouvir.

— Dizem que a senhora Cassandra não teria adoecido, e sim enlouquecido. Pobre criança, em um ataque de insanidade, segundo comentam, a jovem dama teria se jogado de sua janela.

A princesa tentou conter a surpresa, a rainha por outro lado não tinha o que esconder – ou escondia muito bem – ela continuava serena como uma estátua de mármore.  

— Falarei com o rei a respeito da mensagem, as histórias absurdas não valem a pena serem contadas, e pela graça dos deuses essas invenções vis jamais chegarão a essa corte. Agora se nos der licença eu e minhas damas temos mais um motivo para ir ao septo.

Com o embaixador longe a rainha pôde se concentrar na filha.

— Mas o que deu em você para aparecer assim no meio do corredor?

E junto com a pergunta veio um olhar mortal dirigido à Anya.

— Estávamos só... brincando um pouco.

— Pois então nunca mais brinque assim, vá ao seu quarto e recomponha-se.

— Sim mamãe. Eu sinto muito por isso, estarei pronta para quando formos ao septo.

Sua mãe a olhou confusa.

— E por que iria ao septo nesse horário?

— Por Cassandra é claro, a senhora disse que...

— E o que você queria que eu dissesse ao embaixador? Deveria eu dizer que não me surpreende a notícia? Que todos sabem que a rainha Isabel só foi capaz de gerar duas criaturazinhas enfermas? Ou ainda melhor, posso chamá-lo de volta e contar como meu filho, o rei, sempre viu o príncipe e a princesa de Ferro como as duas pessoas mais medíocres que já conheceu!

Claude se virou e discretamente segurou o braço da filha, sua mão real de aparência exemplar apertou o braço de Alyce com a força de um ferreiro.

— Não ouse contar essa história sobre moças se jogando de torres, não seja tão estúpida. Se Henry descobrir ele irá por uma peruca em um de seus amigos e teremos Cassandra a louca correndo por esse castelo.

As arquibancadas eram desfeitas, as tendas desarmadas, os estandartes abaixados. A liça daquele torneio que alguns dias atrás parecia tão sólida quanto as próprias paredes de Jardim de Cima, logo não seria mais do que uma lembrança.

Todos que estiveram no torneio em homenagem ao décimo sexto aniversário de sua irmã mais nova haviam estado genuinamente alegres, e agora a corte devia fingir estar triste, pois a noiva do príncipe tinha morrido. O rei tinha dado ordens sobre como o luto devia prosseguir. Era quase que obrigatório comparecer ao Septo, dança estava proibida, música era inconcebível, brincadeiras impensáveis. Se os cortesões estavam tristes era pelo o luto à sua diversão, e não por causa da princesa Hoare.

Da última vez que o rei Perceon instalara algo parecido com aquele regime, foi quando sua amada rainha morreu, mas quem se importaria de prestar luto a uma senhora tão adorada por todos? Já a jovem Cassandra não era nada além de um nome que tinham ouvido falar, não havia razão pela qual devessem abrir mão de sua felicidade.

Mas o que era incompreensível para os cortesões, era por sua vez muito claro para a princesa Morgana. Seu pai queria fazer um gigantesco espetáculo para o rei do reino de Ferro, para mostrar ao colega que Cassandra tinha sido – para todos os efeitos – uma rainha da Campina, e que a amizade entre os dois reinos estava baseada em vínculos verdadeiros e honrosos. Visto por esse ponto sacrificar a euforia da corte parecia um preço pequeno a se pagar para ter a amizade de Ferro.

Anos atrás quando seu pai estava no primor da idade – ainda príncipe e não rei – ele tinha dado um jeito de acabar com o costume que os homens das ilhas de ferro tinham de invadir os Escudos saqueando toda a costa do Vago. Perceon começou por encontrar um truque que afundou vários dos navios dos ilhéus, e depois jogou fogo naquele amontoado de madeira, em uma pira que ardeu durante semanas, e quando ela ameaçava apagar o jovem príncipe ordenava que fosse reabastecida com mais madeira. Sem os barcos, ou meio de abrirem caminho pelo rio, os homens de ferro eram obrigados à prosseguirem por terra, onde Perceon já tinha providenciado meios para que fossem massacrados por suas máquinas de guerra. Aquele jovem não tinha poupado nenhum ilhéu que tivesse ido até o seu reino. Garotos verdes como a grama, velhos grisalhos como neblina, e mulheres bonitas como flores, todos foram abatidos.

Com os ossos desse exército Perceon tinha mandado que se construísse um navio, e com a pele que tinha sido arrancada de todos eles – alguns quando ainda estavam vivos – foram feitas as velas desse navio. Último era o nome da monstruosidade, pois seria o último barco onde qualquer ilhéu que tentasse assaltar o Vago navegaria.

Um ou outro ainda tentou recuperar a fama das ilhas, mas tudo o que conseguiram foi aumentar o tamanho de Último, até que ninguém mais quisesse arriscar perder seus homens, navios e reputação apenas pelo prazer de saquear o reino de Perceon.

Aquele jovem, no entanto, não tinha intenção de terminar seus feitos ali, e logo após ter sido coroado rei ele moveu seus exércitos para Dorne, onde o príncipe Mors governava seu reino com a leveza de uma flor. Os dorneses então aprenderam de maneira ainda mais pesada o que era carnificina. As montanhas vermelhas ganharam um novo rio, feito pelo sangue de seus defensores, e depois de anos de guerra elas pertenciam ao reino da Campina.

O rei se retirou de Dorne, e voltou para seu castelo com a intenção de descansar seus exércitos e então poder abocanhar outra parte daquele território. Mas mesmo que Perceon tivesse dado grande parte dos castelos da região para seus lordes, o povo das montanhas não pôde ser acalmado, e mais derramamento de sangue seria uma catástrofe, pois a cada rebelde que o rei matava mais dez apareciam para vingá-lo. Ele então tomou uma rainha dornesa – contra a vontade da garota – com a intenção de acalmar os ânimos das montanhas. Foi uma união infeliz, todos diziam que a rainha gritava alto o bastante para que Dorne a ouvisse toda vez que o rei ia vê-la a noite, e por isso ele raramente visitava os aposentos da esposa. Filhos pareciam impossíveis, e mesmo assim a rainha ficou grávida mais de uma vez, e matou os filhos de Perceon ainda em seu ventre. Na última gravidez, no entanto, ela deixou a criança crescer dentro dela, e a corte toda parecia feliz, o rei mais do que todos, até que um dia encontraram-na jogada no chão de seu quarto morta em uma poça de sangue, com um frasco na mão e um sorriso nos lábios. Ela tinha esperado, mas apenas para poder matar a criança e a si mesma de uma vez.

Perceon tratou de cuidar de seu reino, e das montanhas, conquistar era uma ambição adiada, pois o rei estava cansado de sangue. Os anos seguintes foram os mais calmos, uma nova rainha foi encontrada, uma doce e bela moça chamada Alyce, que deu ao rei seus três filhos, e trouxe suavidade para sua vida. Quando ela morreu de febre, Perceon lhe prestou luto por mais de dois anos. Ele nunca mais tomou outra esposa.

A Campina foi tranquila e sem guerras, até que surgisse uma oportunidade e o rei fizesse todo o possível para agarrá-la na esperança de conquistar toda Dorne definitivamente. Mas tinha sido um embuste arranjado por um bastardo, e o rei não só não conquistou Dorne, como também perdeu as montanhas vermelhas. Isso para o Perceon já tinha sido o inferno mas as consequências iam muito além, pois com o rei velho e desestabilizado pela derrota, os ilhéus começaram a se aventurar mais uma vez, e o rei Hoare reacendeu a chama do ressentimento pelo o que a Campina tinha feito aos seus agressivos súditos.

O reino da Campina poderia vencer o de Ferro se este atacasse só pela fronteira Norte, ou só pelo Vago, mas não pelos dois. Com a rainha do rochedo sendo uma Hoare, ela se negaria a ajudar o irmão lhe cedendo passagem e homens? Nesse caso eles teriam outra fronteira que defender. E os Dorneses? Aqueles ratos pardos se esquivariam de cravarem suas lanças em um inimigo tão desestabilizado?

Durante muito tempo essa catástrofe tinha sido evitada pelo fato dos Hoare odiarem muito mais os Durrandon do que odiavam os Gardener, e estando tão ocupados em travarem guerra com o reino da Tempestade, não lhes sobrava tempo para pensarem em outros desafetos.

Mas agora Hoare e Durrandon assinavam tratado atrás de tratado de paz, e o casamento entre seu irmão Garth e a princesa Cassandra não mais seria possível. Restava então apenas uma solução óbvia para que a amizade tão necessária entre as duas casas fosse mantida, e era apenas uma questão de tempo para que seu pai a sugerisse.

— Você parece nervosa irmã

Morgana observou quando as duas estavam ajoelhadas diante da imagem da donzela no septo.

—Eu? Não, que motivos eu teria para ficar nervosa?

Narcisa respondeu com um doce sorriso nos lábios, fechou os olhos e voltou para sua prece. Morgana teria se dado por satisfeita, mas então sua irmã voltou a falar.

— Nós fomos dos risos ao luto em poucos dias, e isso me causa uma sensação terrível, como se tivesse saído de um banho quente para pisar na neve.

Morgana concordou, mas no fundo não acreditava em nada do que Narcisa falava. Uma vez tinham sido amigas íntimas, e por isso sabiam uma sobre a outra mais do que seria confortável para ambas. Pelo o que sabia Morgana podia afirmar que sua irmã não simplesmente falava sobre seus sentimentos, ao menos não sem estar mentindo.

— Não se preocupe, papai nos chamou para jantar com ele, e quando isso acontece geralmente temos boas notícias.

Morgana falou em tão de troça, já estava cansada de ficar ajoelhada rezando por uma garota que nunca tinha conhecido, e qualquer coisa – até conversar com sua irmã – parecia melhor

— Ele vai mandar uma de nós duas para Ferro. Imagine, casadas com um bando de selvagens, os Hoare não passam de piratas com uma coroa, e até a coroa eles conquistaram com muita barbaridade e nenhum direito.

Narcisa gostava de sofisticação, e ninguém com origem naquelas ilhas árduas tinha sido famoso por possuir essa característica, isso somado ao fato de terem sido inimigos do reino era suficiente para conquistar a antipatia da irmã.

— É uma pena que você pense assim, por que provavelmente falta pouco tempo para que se torne a rainha dos selvagens.

— Por que devo ser eu a virgem a ser sacrificada?

— Não acredito que papai fosse me confiar uma missão tão importante.

O silêncio do septo foi então quebrado pela entrada brusca do príncipe Garth que com alguns outros de seus homens trouxe um claridade incômoda ao abrir a porta. Ao ver o espanto das damas da corte amontoadas ali ele inclinou sua cabeça e disse “senhoras” depois elas ganharam a mesma relevância das pedras do piso.

Garth foi atrás do septão e o puxou pela gola para lhe dizer alguma coisa, meio minuto depois o homem veio ungir as espadas e abençoar os cavalheiros, com seus assistentes balançando incenso e cantando em coro.

O irmão delas estava visivelmente impaciente quando as princesas foram até ele. Narcisa afastou o véu e revelou um rosto abatido de preocupação.

— O que é isso tudo irmão?

Ela perguntou tomando uma das mãos de Garth nas suas.

— Rei Bernard.

— Ele está nos atacando? Enquanto rezamos pela alma da filha dele?

Garth não as olhava, na verdade se esticava para ver acima de suas cabeças avaliando se a benção do Septão ainda iria demorar muito.

— O que? Não, não é nada disso. Ele está passando na espada qualquer seguidor de um tal deus de fogo vindo de Essos. Fiéis e qualquer um que os abrigue ou esconda são considerados inimigos da coroa por tanto condenados a morte.

— O deus, você quer dizer R'hllor?

Morgana perguntou, grata que o véu ainda estivesse tapando seu rosto.

— Deve ser esse o nome. O fato é que temos uma horda vinda de Ferro querendo se abrigar aqui, e o rei me mandou até a fronteira Norte onde devo rechaçá-los de volta para a justiça dos Hoare. Ou, se resistirem, devo eu mesmo executá-los.

— E você vai mesmo fazer isso?

— São ordens do rei, e aparentemente ele me confunde com um cão pastor.

O septão tinha terminado sua benção, e Garth saiu apressado com seus homens. Agora Morgana entendia, para lutar contra outro deus e matar fiéis, era recomendável ter a benção dos sete primeiro, e o rei Preceon certamente teria exigido mais isso do filho.

“Se puder não matá-los...”

A frase ficou presa em sua garganta, e o anel de rubi mais pesado em seu dedo.

Narcisa então se virou para ela e disse com a voz cheia de amargor:

— Viu? Um bando de selvagens, e se deixarmos vão nos transformar em selvagens também.    

O bosque sagrado de Harrenhal era muitas vezes chamado de bosque dos fantasmas, pois diziam que só os mortos vagavam ali, naquele lugar gélido e silencioso. Mas aquilo não era verdade, duas crianças costumavam brincar entre aquelas antigas árvores, se molhavam no riacho o suficiente para deixar sua mãe apavorada. Faziam bonecos com folhas, galhos e flores. Se perseguiam, escalavam árvores, e riam sem nenhum motivo aparente.

Dessas crianças a única que restou havia sido Edmund, e agora ele estava sozinho, pois não haviam fantasmas ali, nem mesmo o de Cassandra. Ele estava sozinho, e tudo podia ter sido diferente se tivesse dito não para a irmã, mas ao invés disso Edmund tinha feito tudo o que Cassandra lhe pedira.

Ela, sua irmã, chorou tanto, e lhe implorou com tanto desespero, que não havia mais o que fazer a não ser por um fim em seu sofrimento. No momento ele estava só ajudando Cassandra, mas agora parecia um grande erro, um erro pelo qual seus pais jamais lhe perdoariam caso descobrissem.

Cassandra estava em paz, era Edmund quem perdia o sono.

Lá fora, depois das muralhas de Harrenhal, alguns homens sórdidos vendiam mechas de cabelo ruivo dizendo serem de sua irmã. Outros faziam canções ou encenavam peças, mas todos chamavam Cassandra de louca. Seu pai os matava em praça pública e usava suas cabeças como adornos para as muralhas de Harrentown, mas ao invés de silenciar a história tudo o que ele conseguiu foi fazer com que criassem uma nova versão. A princesa não mais teria se jogado da torre, e sim tinha sido jogada pelas mãos do próprio rei.

Eu sou um Hoare” era a frase que seu pai vivia repetindo aos gritos pela corte, e com isso queria dizer que podia ser tão cruel quanto os antigos reis que vieram das ilhas de ferro. Sangue estava regando o reino, sangue de cantores atrevidos, junto com o de fiéis do senhor da luz, e a cada dia que passava ele adicionava uma camada de crueldade às execuções.

Edmund gostaria que o rei parasse de insistir que ele fosse cruel também, pois aquilo não levaria a lugar nenhum, e ao invés de sentir o olhar de reprovação de seu pai sobre si, Edmund preferia se isolar no bosque sagrado, sentado no banco de mármore ao lado do represeiro, quebrando folhas entre o dedos.

Havia o barulho do córrego, o farfalhar das folhas e a lembrança dos risos da irmã. Quando eram crianças Cassandra se escondia tão bem que era como se fosse invisível, até que saísse correndo de entre as árvores com os braços abertos como um pássaro. Mas agora quem saia dele não era sua irmã, e ele nem ao menos sabia dizer quem era.

Uma garota correu em sua direção vestida em trapos e se jogou aos seus pés, agarrando-o pelo gibão, suas lágrimas deixavam uma trilha ao rolarem lavando a poeira de seu rosto.

— Por favor alteza, por favor eu lhe imploro, eu imploro, por favor.

Edmund não teve tempo de se levantar, e aquela pobre garota suja e esfarrapada escondia o rosto em uma de suas pernas, molhando-o de lágrimas, e sem dúvida o fazendo corar.

— Senhorita, eu posso... o que você quer? Por favor se levante.

Mas ela não se levantou, ao invés disso continuou soluçando contra a calça dele.

— O rei, ele vai... ele vai.

— O que?

— Ele vai me matar senhor.

Finalmente a garota levantou o rosto, mais sem soltar as vestes dele.

— O que você fez? Meu pai não iria...

— Não se trata do que eu fiz, e sim do que eu sou. Eu fui mandada para esse país para fazer discípulos, mas nunca pedi por isso, como nunca pedi que me levassem para o templo. Por favor não me deixe ser punida por algo que eu nunca quis fazer.

Edmund levantou a garota pelos ombros seu rosto e seu sotaque denunciavam que ela não tinha nascido naquele continente.

— Qual templo?

— R'hllor, senhor, o templo de R'hllor.


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