Young Gods - Interativa escrita por honeychurch


Capítulo 1
Prólogo




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O vento gelado fazia com que seus cabelos se voltassem contra ela. Era como se uma centena de minúsculos chicotes lhe flagelassem a pele. Mas a dor era refrescante, a dor era amiga, a dor era a prova da vida, e Cassandra era grata por senti-la.

“Foi a dor que me trouxe a esse mundo, a dor de minha mãe. E será a dor que me levará dele, a minha dor”

Ela pensou com os olhos fechados saboreando o vento que entrava em seus pulmões de maneira quase violenta, e sorriu. Como era frágil. Apenas um corpo leve e quebradiço que se colocava na linha da morte, e se deixava ficar a mercê de deus.

Lá estava ela, sua camisola de linho branco dançando e tocando sua pele, os cabelos soltos, os pés descalços, o rosto sorridente, de bom grado se equilibrando nas ameias da torre mais alta do maior castelo do continente. Que felizarda ela era por ter a coragem de se colocar daquela maneira à disposição de um poder muito maior do que sua vã existência. A mais leve mudança de brisa a jogaria direto ao chão, e ela iria contente para os braços daquele que a requisitara.

E afinal, não fora sempre ali onde ela estivera, na linha da morte? O casal real do Reino de Ferro teve duas crianças que competiam entre si para ver quem era a mais adoentada do continente, e agora parecia que finalmente Cassandra conquistaria esse título.

A saúde da princesa só ficava mais e mais delicada com o passar do tempo, enquanto a do príncipe parecia finalmente estar se fortalecendo, mas Cassandra não o invejava, ela não tinha medo da morte. Morrer foi sempre a única coisa que todos acharam que ela seria capaz de fazer, e mesmo que os decepcionasse ano após ano ficando viva, a corte ainda acreditava que cada um desses anos seria o seu último.

Como eram todos invejosos, e só agora Cassandra era capaz de ver o quão invejosos eles todos eram. Mesmo que ingenuamente, a corte de seu pai deve ter notado aquilo à que Cassandra tinha sido ignorante esse tempo todo: Ela era uma escolhida de deus, e todos eles não passavam de criaturas pequenas e sem importância.

Na condição privilegiada em que estava, Cassandra não se importava em flertar com a morte. Ela confiava nele, e o que ele decidisse ela acataria sorrindo.

Mate-me ou revigore-me, sou sua e sua apenas”

Mas com um puxão em seu braço o momento de fé foi desfeito, e sua mãe a levou desesperadamente para longe dali.

Meio minuto depois ela estava sentada com uma manta em seus ombros, e olhar inquisidor do rei, da rainha, e do conselheiro real sobre toda a sua pessoa.

— Deus fala comigo – Ela explicou com sua voz quase inaudível – Ele vem até mim nos meus sonhos.

— Então seja uma boa fiel, e se mantenha saudável. Como irá adorar aos Sete expondo sua vida de maneira tão irresponsável?

Cassandra tremeu com raiva seu corpo magro – resultado de uma vida de saúde delicada – ao ouvir as palavras da mãe.

— Eu não irei adorar aos sete nunca mais! Um verdadeiro deus fala comigo mamãe, e eu devo abandonar todos esses falsos ídolos para merecê-lo.

O rei apontou o dedo acusadoramente para o conselheiro.

— Você mostrou a ela aqueles livros sobre os deuses de Essos! Não sabe que jovenzinhas são facilmente impressionáveis?

— Ninguém me mostrou coisa alguma – Ela disse com toda a força que seus fracos pulmões permitiam – Ele veio até mim em um sonho. Primeiro surgiu com a face da Donzela, e me disse que era a hora de mudar, eu tinha que me tornar o Guerreiro. Naquele momento eu não pude entender, mas então ele veio mais uma vez, e me explicou que aquela era sua verdadeira forma, e que em sua gentileza ele se apresentou com o rosto de um falso ídolo para que eu não me assustasse. Deus é feito de fogo papai! Nós devemos deixar essas bobagens de sete face para trás, ele só tem um rosto, o rosto das chamas! Só vamos atrair sua ira se continuarmos adorando deuses falsos!

O rei se aproximou, pegou ambas as mãos da filha, e a olhou com um olhar ansioso e culpado.

— Eu a amo querida, e por isso faria de tudo para vê-la bem.

Cassandra só entenderia o significado daquilo depois, quando estivesse trancada em seu quarto com as janelas cerradas com pregos. Sem luz do Sol, e sem poder ver ninguém que não fosse o rei, a rainha, o meistre, e o septão. Esse último deixou de vir quando Cassandra cuspiu em seu rosto descrente e o acusou de não querer ver a verdade.

Seus próprios pais negavam a natureza divina com a qual ela tinha sido agraciada. Eles poderiam guiar seu povo para a prosperidade que viria ao se acreditar no deus verdadeiro, mas mesmo assim prefeririam trancá-la como uma criminosa. Eles seriam punidos, mas do que os outros, ele seriam severamente punidos.

Cassandra arrancava tufos de seu cabelo, ela precisava sentir alguma coisa em seu martírio, ela precisava sentir dor.

“Foi a dor que me trouxe a esse mundo, a dor de minha mãe. E será a dor que me levará dele, a minha dor”

Aquilo já durava uma semana, e em todo esse tempo nem apenas um sonho. Não era incompreensível, afinal deus devia estar zangado com ela. Cassandra tinha falhado em sua missão de converter os dois monarcas, tinha falhado com ele, e por isso tinha sido largada para morrer.

A princesa não resistiria, já havia três dias desde que parara de comer, ou beber, e em breve seu corpo frágil e franzino não suportaria mais outro dia naquele mundo.

— Cass!

Ela ouviu seu nome ser sussurrado atrás da porta depois que batidinhas foram dadas na madeira. Era a voz de Edmund interrompendo suas reflexões, e apenas por isso ela não se importou. Seu amado irmão era o que mais lhe fazia falta, e quando deu por si Cassandra estava com o ouvido colado contra a porta.

— Edmund! Estou tão feliz por ouvir sua voz, só poderia ser mais feliz se visse o seu rosto.

— Papai anda com a chave pendurada no pescoço, caso contrário eu já teria entrado para vê-la.

— Ele não deixou guardas na porta?

— Sim, deixou, mas eu... eu... eu os subornei.

Cassandra riu prevendo que seu irmão estava fazendo a expressão engraçada que ele sempre fazia depois de cometer qualquer transgressão.

— Vou tirá-la daqui! Eu prometo, vou arrumar um jeito de te tirar daqui.

— Não, tudo que você precisa fazer é me ouvir! Querido Edmundo um dia você vai ser rei, e talvez se você me escutar, se você for capaz de entender, então talvez eu possa me redimir, caso o contrário eu prefiro morrer.  


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