O casal de policiais nos pede para sair da casa de Kate, cabisbaixos obedecemos e nos reunimos no gramado. A brisa fria da madrugada arrepia os pelos do meu pescoço, sinto minhas entranhas se contorcendo, a bile ameaça vir à tona e engulo em seco.
O frio me desperta um pouco do meu torpor alcoólico, mas ainda estou muito chapado para me manter ereto, me apoio em uma árvore, ou numa parede, mais provável em uma pessoa; não sei dizer. Me apoio em algo. Essa coisa me ajuda a não despencar e comer grama.
Sinto uma respiração pesada no rosto, um cheiro forte de cerveja queima os pelos do meu nariz. Ergo meu olhar e vejo que estou me apoiando em Daniel, que por sua vez está com o braço ao redor do meu pescoço. Nos encaramos por alguns segundos.
Estou tentando entender como isso foi acontecer, meio que estou em choque. Ao mesmo tempo que começo a sentir seu toque, começo a sentir vergonha.
Meu rosto se torna rubro e eu o empurro, porém não é ele que cai. Me desequilibro e vou ao chão balançando os braços tentando agarrar alguma coisa. A grama amortece a queda, mas ainda sim sinto dor na cabeça, instintivamente levo a mão onde sinto dor e encontro sangue.
Por sorte a atenção de todos está voltada para os adultos que discutem sobre como estamos fodidos, então ninguém nota minha estupidez.
Quando chegar em casa vou ganhar a maior bronca da minha vida, e apesar de Rachel ser contra surras, nada garante que não dormirei com o rabo quente.
Minha cabeça está ferida, meu orgulho destroçado e provavelmente tomarei chá de chinela.
Faço um pequeno esforço para levantar, contudo acabo percebendo que ficar deitado aqui não é tão ruim. As estrelas no céu brilham sobre nossas cabeças embriagadas, desenho linhas invisíveis no ar tentando encontrar as constelações, mas nunca fui bom nisso.
Isso tudo é um monte de merda, eu deveria estar surtando agora, porém estou traçando linhas difusas e imaginárias na esperança de encontrar conjuntos de estrelas, que dizem formar desenhos, mas que na real não se parecem com porra nenhuma.
"Que merda você está fazendo, Roman?"
Essa pergunta ecoa na minha cabeça, flutuando a cima de todos meus pensamentos. Tento achar a resposta, mas não a encontro em lugar algum, talvez ela nem exista.
— Você está bem? — Ele pergunta ao mesmo tempo que oferece sua mão para me ajudar a levantar.
Ainda não tenho certeza se quero levantar, por isso só respondo que não estou morrendo ou coisa parecida.
Sua mão desliza até o bolso de seu jeans e permanece lá.
— Noite agitada. — Agora ambas as mãos estão escondidas nos bolsos do jeans. Imagino que seja por causa do frio.
Não me esqueci o que disse a ele mais cedo, por isso me pergunto se a tarefa de "desgostar" dele também inclua ignora-lo.
E então mais uma vez a mesma voz grita na minha cabeça:
— Que merda você está fazendo, Roman?
Ela continua gritando a mesma frase, repetidas vezes, pois eu me levanto e me aproximo dele. Daniel parece surpreso com meu movimento súbito, porém não se abala e permanece ereto com seu nariz roçando o meu.
— O que eu deveria fazer? — Pergunto.
— Não pare de gostar de mim. — Me afasto dele com a dificuldade que um imã possui em se afastar do metal — Eu valho a pena.
A deixa perfeita surge quando ouço a voz escandalosa de Rachel atravessar a pequena multidão e vir até mim. Ela chama meu nome, não de forma preocupada, não que ela não esteja preocupada, mas a forma como ela grita meu nome faz com que os pelos do meu braço saltem.
— Já vou, mãe. — Grito de volta como se estivéssemos em casa e ela estivesse me chamando para o jantar.
Evito olhar para Daniel, quando lhe dou as costas sinto seu toque em meu braço. A sensação de seu toque permanece ali até o momento em que me encontro com uma Rachel descabelada e raivosa; uma Kate com lágrimas negras escorrendo por seu rosto; um casal de pais dialogando com os policiais falando sobre advogados, leis e blá blá blá blá...
Os olhos cansados de Rachel se encontram com os meus, por um instante vejo sua expressão se suavizar para logo em seguida a furia materna tomar conta de seu corpo.
— Que merda você está fazendo, Roman? — Essa não é a primeira vez que escuto isso hoje — Você tem noção da merda em que você se meteu? Eu pensei que você estaria numa festa, não em uma boca de fumo.
Nem preciso dizer que todos olham pra ela, depois pra mim, e de volta pra ela. Os pais de Kate não pareceram se ofender com a parte da "boca de fumo" e tal, eu nem mesmo sei o que ela quis dizer com isso.
Os policiais encontraram birita e não maconha.
Ela continua dizendo que quando chegarmos em casa nós vamos ter uma "conversa", que eu estou encrencado, que ela não consegue pensar em um castigo adequado agora, porém eu não devo me preocupar pois ela vai arranjar alguma coisa.
À medida que sou alvejado com ameaças por parte da mulher que me fez, começo a sentir uma dor latejante na cabeça. Provavelmente ela já está aqui desde o momento em que caí, contudo só agora percebo que ela existe.
Três Rachels apontam dedos furiosos pra mim, gritam e esperneiam, mas logo sua furia se dissipa momentos depois de meus joelhos fraquejarem.
Vou ao chão, não antes de vomitar uma mistura esverdeada nos saltos de alguém.
Lá no âmago da minha mente, no lugar mais profundo da minha alma juvenil, eu ouço:
— Que merda você está fazendo, Roman?
E mais uma vez eu respondo:
— Não sei.