O Mistério do Fabergé Proibido escrita por Soleil Rouge


Capítulo 3
Um passeio por Whitechapel


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos leitores, espero que gostem do terceiro capítulo :) boa leitura!



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Logo que Nicolau Romanov foi embora, Miss Collins e eu nos endireitamos e voltamos para sala. Holmes fez uma rápida e quase imperceptível expressão de desgosto ao ver que Miss Collins ainda estava conosco.

— Watson, por que não a mandou embora pela porta do fundo?

Realmente não pude compreender até o momento deste relato o porquê de Sherlock Holmes não gostar e não querer a presença de Miss Collins em seu apartamento, afinal, já vi Holmes apreciar atitudes ousadas de mulheres em outras ocasiões.

— Mas que absurdo! Ainda bem que ele não o fez! — exclamou Miss Collins pousando as mãos na cintura, em seguida, esboçou um sorriso travesso. – Pois saiba que se me expulsarem dessa investigação, a primeira coisa que farei depois de sair daqui será ir ao The Times.

— Faço as investigações sozinho, Watson só estava me visitando por acaso, não vai investigar nada neste caso e, normalmente, só participa dos casos para dar opiniões, ele não me acompanha para outros lugares fora do apartamento, o que receio que terei que fazer para solucionar o mistério que tira as noites de sono do herdeiro do trono russo.

— Eu sei que o Dr. Watson participa ativamente de suas aventuras. — o olhar de Miss Collins desafiava Holmes.

Fiquei surpreso com o fato de que Miss Collins, além de saber meu nome antes de chegar no apartamento, sabia de minhas participações em alguns casos de Sherlock Holmes. Contudo, meu companheiro, como sempre, parecia esperar que a jovem soubesse esse tipo de coisa. O que me fez perguntar a mim mesmo se eles já não se conheciam.

Holmes suspirou e olhou Miss Collins de cima a baixo pela segunda vez naquela manhã.

— Esperem aqui. Pegarei os disfarces. — anunciou Holmes, de má vontade.

Miss Collins deixou aquele sorriso contido que tinha quando chegou e deu um muito largo, alegre e pulinhos de excitação. Eu, no entanto, continuei pasmo, Holmes e Miss Collins continuavam me surpreendendo e não sabia como iria lidar com essa sucessão de surpresas e com um caso extraordinário ao mesmo tempo. De fato

Bem, não tenho a mínima ideia do que o Dr. Watson ia escrever depois de “De fato”, de qualquer maneira, eu, Maud Collins, decidi que deveria continuar a narrativa de nossa aventura devido a um acidente que Dr. Watson sofreu. Mas não se preocupem (quem que seja que vá ler este relato), Mr. Holmes me disse que não é nada grave, contudo não posso deixar que essa minha aventura deixe de ser contada caso o Dr. Watson venha sofrer perdas de memória recente! Aliás, para quem o Dr. Watson escreve as aventuras de Sherlock Holmes? Eu deveria mandar tudo isto aqui para um jornal, o The Times, é claro.

Sr. Holmes voltou vestido de terno preto e carregando várias peças de roupa. Ele as jogou na poltrona em que Dr. Watson estava sentando quando cheguei.

— Watson, use o conjunto marrom. Miss Collins, pegue o que sobrar. — disse ele suspirando, coisa que ele fez várias vezes desde que eu cheguei aqui.

Não me importo com essa atitude que Mr. Holmes tem quando fala comigo. Meu objetivo é ser aprendiz dele, saber como é esse tal método de lógica dedutiva que só vira Dupin usar. Acontece que Dupin é fictício, e Mr. Holmes é real, será mesmo que ele consegue resolver esses casos dessa forma? Será que ele é mesmo o herói que eu sempre imaginei quando me contavam sobre seus casos?

Peguei um conjunto masculino de blusa branca, calça e casacos pretos. Olhei para Mr. Holmes e ele apontou para um corredor. Não sabia em qual cômodo entrara, mas acho que era o quarto que Dr. Watson ocupava quando morava neste apartamento. Nele, havia uma cama, arrumada com lençóis brancos e um armário de madeira, o quarto estava vazio e sem vida.

Despi-me com uma demora razoável, pois Geraldine havia dado um nó no meu espartilho em vez de fazer um laço, sinceramente, não sei por que ela faz isso, ela sabe que torna as coisas um pouco mais complicadas. As roupas que Mr. Holmes me emprestara faziam parte de um conjunto masculino e aparentavam serem muito velhas, a calça, que deveria ter sido preta, tinha um aspecto mais acinzentado, a blusa estava furada embaixo do braço e a cor era bem estranha, talvez tenha sido mostarda antes.

Quando terminei, olhei-me através de um espelho que encontrei na porta do armário, que ficava de frente para a cama bem arrumada e que estava vazio, isso só confirmava as minhas suspeitas de que era mesmo o antigo quarto do Dr. Watson. Eu estava parecendo um garoto de treze anos, por sorte, a camisa era larga o suficiente para não conseguirem notar meus seios.

Voltei à sala, havia alguns brotos de suor no topo da minha testa, como sempre acontece quando tento trocar de roupa rapidamente e quando tenho que lidar com nós não esperados.

— Mas que demora, Miss Collins. — repreendeu-me Mr. Holmes parecendo agitado.

— Desculpe. — falei, ele tinha razão, tínhamos uma joia rara e caríssima para encontrar, cada segundo deveria ser bem aproveitado.

— Tome esta boina. — Sr. Holmes me deu uma boina preta e muito velha, tinha até um furo na parte de trás. Gostaria muito de saber de onde vinham essas roupas, espero que ele não tenha roubado de algum pobre mendigo, não, é claro que ele não roubou, Mr. Holmes é um homem honesto.

Em seguida, ele abriu a porta e saiu. Olhei para Dr. Watson, seu terno marrom estava em muito boas condições, assim como o terno preto de Mr. Holmes, ele sorriu e fez um gesto para que eu fosse na frente, é um homem muito simpático e gentil, durante nossa aventura, sempre tentou fazer o possível para que eu me sentisse confortável.

— Aonde iremos? – perguntei para Dr. Watson, Mr. Holmes já estava muito à frente e não poderia gritar para ele, chamaria a atenção.

— Não faço ideia. Mas suponho que iremos conhecer o primo da futura noiva.

*******

Alugamos uma carruagem e fomos ao centro de Londres. Chegamos a uma área na qual eu nunca havia estado, era suja, tinha muitos homens por ali, não vi nenhuma mulher, afinal, que mulher gostaria de passar por ali? A imagem de mamãe passou por minha cabeça, o que ela diria se soubesse que eu estive aqui? Bom, a única coisa que eu esperava naquele momento era não pegar tuberculose.

Whitechapel! — um arrepio percorreu por todo meu corpo quando percebi onde estávamos. — Não foi aqui que ocorreu aquela série de assassinatos horrorosos há dois anos?

— Foi aqui mesmo, Miss Collins. — afirmou Dr. Watson, ele pegou minha mão esquerda, que estava apoiada sobre a janela da carruagem. — Mas não há por que se preocupar, ainda é manhã e a senhorita está muito bem acompanhada.

O estado de euforia de Mr. Holmes passou durante o trajeto. Ali, em Whitechapel, ele estava concentrado, parecia que tinha esquecido a minha existência e a de Dr. Watson também.

— Holmes. — chamou Dr. Watson quando a carruagem parou no local em que o Mr. Holmes havia combinado com o cocheiro.

Mr. Holmes, que estava sentado ao meu lado, levantou-se em um salto, como se tivesse acordado subitamente e desceu da carruagem, sem esperar por mim e pelo Dr. Watson, de forma que tivemos que nos apressar para descer e ir atrás dele. Apesar de ter sido ajudada por Dr. Watson a descer do veículo, foi uma ótima experiência descer de lá vestindo uma calça, desde aquele momento, penso em repetir a experiência mais vezes, no entanto, acho que isso poderia matar mamãe.

Mr. Holmes passou por um homem gordo, sujo e muito feio, e me lançou um olhar rápido, quando estreitei meus olhos pensando qual poderia ser o plano do famoso detetive, o homem gordo me puxou pelo braço.

Levei um grande susto e não sabia o que fazer, não poderia gritar nem falar com minha voz normal, afinal era um menino, não uma moça. Olhei desesperada para Mr. Holmes, mas ele ficou encostado na parede, de braços cruzados, olhava tudo a sua volta sem me dar a menor atenção. Olhei então para o Dr. Watson, ele parecia estar mais confuso e assustado do que eu e deveria estar pensando em uma forma de me ajudar.

— Solte o rapaz. — disse uma voz masculina com um sotaque que não consegui identificar. Os únicos estrangeiros que já ouvira falar em inglês foram franceses, e não era um sotaque muito agradável.

Olhei para o dono da voz e desejei estar vestida como uma moça, usando meu melhor chapéu, que homem! Era alto, cerca de um metro e noventa, deveria ter um pouco mais de 25 anos, seus cabelos eram loiros, dividido para o lado esquerdo com auxílio de gel, seus olhos eram de um azul profundo. Suas roupas pareciam ter sido feitas por um bom alfaiate, mas estavam um tanto sujas e ele aparentava estar um pouco suado.

— Só quero saber se ele me trouxe as fichas. — resmungou o gordo me soltando. — Trouxe?

Não sabia o que falar, todos estavam me encarando, olhei de relance para o Dr. Watson.

— Ele sofreu um acidente e as fichas caíram numa poça de lama. — disse Dr. Watson tentando me livrar do problema, Mr. Holmes deu uma fungada, tenho quase certeza de que ele estava segurando uma risada.

Apenas assenti freneticamente, com exceção do bonitão, estava tudo dando errado, na verdade, essa parte também estava terrível, não queria passar por essa situação humilhante na frente de um jovem que poderia ser meu noivo dentro dos meus sonhos. Será que o Mr. Holmes estava me pregando uma peça? Mas que estupidez!

— Ora, seu monte de estrume! — gritou o gordo para mim.

Dei um passo para trás, morta de medo dos próximos movimentos daquele homem, seu olhar era assustador, pude reconhecer a raiva ali.

— Acredito que, infelizmente, suas apostas só poderão ser feitas amanhã. — interveio Mr. Holmes, finalmente.

O homem gordo não tinha notado a presença de Holmes até aquele momento, olhou bem para ele e decidiu ir embora sem falar nem fazer mais nada. O que estava acontecendo? Naquele momento Mr. Holmes era o quê? O rei da Inglaterra? Para variar, Dr. Watson estava tão confuso quanto eu, como ele pôde ter vivido tantas aventuras com Sherlock Holmes e não prever suas atitudes àquela altura?

Definitivamente não estava nos meus melhores dias, suspirei e ajeitei minha boina, que tinha ido um pouco para trás, fazendo com que meu rosto ficasse muito amostra, esperava não ter arruinado meu disfarce.

— Friedrich de Mecklenburg, estou certo? — perguntou Mr. Holmes ao bonitão.

Passei alguns segundos tentando imaginar como Mr. Holmes não só sabia seu nome, como também sabia que Friedrich de Mecklenburg, apesar de aparentar ser um homem de bens, rondava por aqueles lados de Londres. Conclui, ao refletir melhor sobre os disfarces de Mr. Holmes e Dr. Watson, que Mr. Holmes já tinha conhecimento de alguns detalhes da vida de Friedrich (se me permitem chamá-lo pelo primeiro nome) e esperava encontrá-lo em Whitechapel, afinal a vestimenta de ambos aparentava ser da melhor qualidade também.

Dessa forma, Mr. Holmes pareceu finalmente ser o herói quem eu pensava que era, fiquei muito ansiosa para saber o que mais estaria por vir em nossa aventura e senti ainda mais necessidade de provar a Mr. Holmes que ele não iria se arrepender de me aceitar como sua aprendiz.

— Exatamente! Estava no ranking ontem? — perguntou Friedrich, algo me diz que Mecklenburg não é o sobrenome, e sim o lugar de onde ele veio, talvez o Dr. Watson possa corrigir essa parte depois que ele voltar.

— Não. Mas eu e meus amigos aqui — Mr. Holmes fez um gesto indicando Dr. Watson e eu. — ouvimos falar que o senhor anda tendo muita sorte nos jogos. Gostaria de saber o segredo.

Friedrich deu risada.

— A única explicação é sorte, talvez uma interferência divina ou a chuva londrina. — respondeu ele. — São grandes apostadores?

Não sabia ainda do que se tratava essa aposta. Acredito que, seja lá o for, ocorria toda noite.

— Briga de cães não me interessa, mas posso apostar bem alto quando me dizem que tal cão é bom. — respondeu Mr. Holmes. — Acredito que meu amigo aqui também não goste, ele apenas me acompanha algumas vezes. E este menino só se importa mesmo com as fichas, não é mesmo? Um escândalo e tanto quando elas caíram na água.

— Na lama. — corrigi o Mr. Holmes, que fungou novamente ao ouvir minha voz falsa (tentei engrossá-la o máximo possível).

Dr. Watson se virou e se afastou um pouco de nós. Não consegui ver sua expressão, pois estava escondida pelo chapéu, mas seus ombros tremiam. Ó, Senhor! Ele estava rindo de mim!

— As meninas pobres normalmente vão trabalhar na fábrica de meu pai. Acho que seria melhor do que viver sempre em risco aqui. — disse Friedrich, olhando-me nos olhos e fazendo com que eu corasse até a raiz dos cabelos.

Não me arrisquei olhar para Sherlock Holmes. Meu disfarce deu totalmente errado. Falhei como aprendiz, passei pela vergonha de ser identificada e ainda por um dos homens mais bonitos que já vira e que, até aquele momento, pensava que eu sou sozinha no mundo, vivendo na rua ou em um dos cortiços do distrito. Não poderia estragar o disfarce dos dois, assim me mantive firme em minha nova personagem.

— Não posso, tenho família para alimentar.

Friedrich me analisou e franziu o cenho. Ele estava em um momento de sentimento de pena. Bom, pelo menos isso era só uma personagem. E, pelo visto, ele acreditou nessa.

— Ora, o senhor não é daqui. — comentou Mr. Holmes, tive a impressão de que ele havia enxugado uma lágrima, mas do que teria sido? Decerto seria a fumaça que pairava por ali.

Dr. Watson se reaproximou de nós, evitou olhar diretamente para mim, provavelmente para não ter outro ataque de riso.

— Não, sou alemão. Estou aproveitando as boas lutas de cães que só existem aqui.

— De fato! Então quer dizer que é seguro hospedar-se por aqui? Problema resolvido, meu caro amigo, Skiner. — afirmou Mr. Holmes animadamente para o Dr. Watson.

— Então meu problema está resolvido, vou verificar as instalações do Smith’s. — respondeu Dr. Watson fazendo menção de atravessar a rua.

— O... O quê? Não, não, Sr. Skiner. – gaguejou Friedrich, confuso, eu também estava confusa, pois antes de eu ser os centros das atenções, Mr. Holmes falava de apostas, não de hospedagens. — Estou hospedado no Savoy, com meu irmão.

Ah! Que jogada de mestre! Naquele momento, censurei a mim mesma por ter duvidados dos planos de Sherlock Holmes, ele sempre está um passo à frente das mentes comuns.

— Compreendo... compreendo. — disse Mr. Holmes, pensativo. – Bom, Skiner, acho que teremos que procurar em outro lugar. Obrigada, senhor Mecklenburg.

Os dois seguiram caminho, eu não sabia o que fazer, queria segui-los, no entanto, isso não seria estranho para o meu papel?

— Rapazinho não tão rapazinho assim, ajude-nos a encontrar uma carruagem decente e a ganhará uma boa gorjeta. — chamou-me Mr. Holmes.

Lancei um último olhar para Friedrich, que sorriu para mim e disse:

— Minha oferta estará sempre de pé.

Ah! Quem me dera se essa oferta fosse um pedido de casamento!


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado desse capítulo! Não se esqueçam de dar o feedback, assim poderei melhorar ainda mais ;) Assim, estou colocando em prática um dos conselhos que recebi (obrigada, BadWolf!), a partir desse capítulo, colocarei algumas notas explicativas para vocês.
O jornal The Times é um jornal muito antigo, iniciou suas publicações por volta de 1785 e já tinha notado o Sherlock Holmes com ele nas mãos nas histórias originais;
Miss Collins cita ser fã de Dupin, criação de Edgar Allan Poe, tem um estilo semelhante ao de Sherlock Holmes, gosto bastante também;
Whitechapel era o distrito em que Jack, o Estripador, atacou suas vítimas, era um distrito em que operários moravam em situações precárias durante a revolução industrial;
a “futura” czarina Alexandra tinha primos com o sobrenome Mecklemburg, tirei o sobrenome de sua árvore genealógica, porém Friedrich e tudo que diz a seu respeito foram frutos da minha imaginação mesmo.



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