— Watari, precisamos conversar.

A ruiva adentrou a sala sem cerimônia. O velho assentiu, e deixou o que estava fazendo para sentar-se na pequena mesa onde os dois costumavam tomar chá. Ele a percebeu mais séria do que de costume.

— Você está com o semblante pesado. Imagino que estes últimos dias devem estar sendo difíceis.

Chiara baixou a cabeça e suspirou.

— Tem sido difícil há muito tempo...

— Mas diga-me, o que a trouxe aqui? Disse que precisava conversar.

— É algo muito sério, mas preciso do seu apoio.

Uma ruga de preocupação surgiu na face de Watari.

— O que você está planejando dessa vez, Chiara?

Ela suspirou novamente, como que para se acalmar e controlar sua ansiedade.

— Watari, você ama o L como se ele fosse o seu filho, não é?

O velho ficou surpreso com a pergunta.

— Não é algo que eu costume colocar em palavras. Todos nós temos uma missão na vida, e eu acredito que a minha seja cuidar dele. – Watari mantinha uma expressão serena.

— Você também sabe que o talento dele pode salvar muitas vidas, não é?

— Sem dúvida nenhuma. Eu estou há muito tempo com Ryuzaki e nem posso contar quantas vidas foram salvas graças e ele.

— Deve sentir muito orgulho dele, não é?

— Ryuzaki é uma daquelas pessoas que fazem diferença para o mundo. Inclusive, eu nem sei como seria o mundo se ele não estivesse se esforçando dia e noite para torná-lo melhor.

Essa foi a deixa que Chiara precisava.

— Então, é sobre isso que eu vim falar com você. – Ela fez uma pausa. – Sabe do risco que ele está correndo nessa investigação, não sabe?

— Sim... Ryuzaki coloca o senso de justiça acima de tudo, até mesmo da própria vida. – Uma marca sutil de tristeza pôde ser percebida na voz de Watari. Como um bom inglês, não deixava suas emoções evidentes.

— Agora, que o Shinigami está aqui, o risco que L está correndo é muito maior. Ele suspeita que Light e Misa sejam os Kiras, e eu também.  – Ela fechou os olhos por um momento, concentrando-se no que dizia. - Eles podem usar o Shinigami para matar o L a qualquer momento!

O temor no rosto de Watari já não estava mais tão contido assim.

— Você parece ter um plano em relação a isso, não é mesmo?

— Sim. Mas eu vou precisar da sua ajuda. E que você entenda que isso é pelo bem da investigação. Afinal, ninguém mais pode prender o Kira senão o L.

— Então me diga, do que se trata?

— Eu vou tornar L imune ao caderno. – Ela despejou a frase de uma vez só, como se lhe custasse dizê-la lentamente. – No pequeno pedaço do Death Note onde Sam escreveu meu nome ainda tem espaço suficiente para que eu escreva mais alguns nomes. Para imunizá-lo eu tenho que escrever o nome do detetive quatro vezes de forma incorreta. Mas para isso eu preciso saber o nome dele, pois escrever incorretamente é diferente de escrever outro nome que não seja o dele.

Watari não conteve sua de expressão de espanto.

— Quer que eu lhe diga o verdadeiro nome de nome de Ryuzaki? – Ele parecia não acreditar no que ouvia.

— Sim. E como garantia de que eu não vou matar ele usando o pedaço do Death Note, você vai apontar uma arma pra mim enquanto eu estiver escrevendo. Eu vou escrever incorretamente apenas o primeiro nome. Se você vir que eu escrevi o primeiro nome corretamente, você atira antes que eu possa terminar, assim você pode ter certeza de que eu não vou matar o detetive. – A ruiva falava com urgência, como se todo o plano dela devesse ser executado no minuto seguinte. Parecia que ela queria terminar logo com tudo para abreviar a ansiedade que sentia naquele momento.

Watari ficou em silêncio por um tempo, que para Chiara durou uma eternidade.

— Por favor, diga algo! – Ela estava impaciente.

Watari refez-se e assumiu um tom austero novamente.

— O Shinigami disse que você não está livre de morrer caso tente imunizar alguém. Faria isso por Ryuzaki?

Chiara desviou os olhos por um momento.

— Desde o início o meu objetivo era pegar Kira a qualquer custo. Se for necessário morrer para que Kira seja pego, que seja. Mas eu preciso vingar a morte do Sam.

— Faz ideia do que está me pedindo, menina. Sabe que tenho grande afeição por você. Quer que eu assista enquanto você se mata?

— Você tem interesse nisso por que ama o L e sabe que o mundo precisa dele. Além do mais, não vai ser tão ruim, não precisa se preocupar comigo. O Shinigami disse que todos vão para o mesmo lugar depois de morrer, o vazio. Eu posso encontrar o Sam lá... e vai ficar tudo bem. – O tom de voz dela era de quem implora um favor.

— Então seu objetivo também é encontrar seu noivo... Sente muita falta dele, não é mesmo? Não é sobre isso que fala a tatuagem em seu braço?

Por reflexo, Chiara olhos imediatamente para o braço direito, percorrido por duas frases tatuadas em letras delicadas. A música da qual ela retirou o trecho tatuado começou a tocar em sua cabeça:

“Enquanto houver você do outro lado

Aqui do outro eu consigo me orientar”

Seus olhos se umedeceram com a lembrança.

— Então... é isso. Meu plano é perfeito, Watari. Só preciso que você diga sim.

O velho ajeitou-se na cadeira.

— Eu tenho outra teoria pra justificar o que você quer fazer hoje.

A ruiva franziu o rosto.

— Do que você está falando?

— Você está mentindo pra si mesma, Chiara. – Ele deu uma pausa para enfatizar. – A verdade é que você deseja morrer faz tempo, eu percebo isso desde o primeiro dia em que você esteve aqui. Deu o seu nome verdadeiro sem ter certeza se estava realmente imune. Arriscou-se indo arrancar informações do Higuchi e ao bater de frente com o Shinigami. Você esperou por isso o tempo todo. E não foi por que você ama o Sam e o perdeu. Você não é do tipo que morre por amor.

A ruiva apenas escutava em silêncio. A umidade em seus olhos já havia se transformado em lágrimas, que ela segurava para que não escorressem.

— A grande questão é que você sente culpa – continuou o velho. – Você se sente culpada pela morte de Sam e acha que não merece seguir em frente e ser feliz por causa disso. E agora, você se apegou a Ryuzaki. Eu sei que vocês estão juntos. Você não quer perdê-lo como perdeu Sam, e principalmente, você não acha que merece ser feliz com ele. Por isso você está aqui, me pedindo para morrer.

Chiara estava sem ter o que dizer. Watari havia deixado a sua alma desnuda, e ela se sentia frágil e sensível, como um nervo exposto. Não esperava que o velho reparasse tanto nela a ponto de perceber isso tudo, nem que fosse capaz de jogar no ar verdades tão dolorosas da forma como ele fez. Os atos de Chiara não eram conscientes, mas ele estava correto quanto à culpa que ela sentia. Pra ela era difícil seguir em frente sabendo que uma pessoa excepcional como Sam havia desistido de viver para que ela vivesse. Ela não queria isso.

— Na verdade, investigar Kira foi a forma que você encontrou de não ter que encarar tudo isso. – Watari tornou a falar.

— Mesmo assim – disse Chiara, respirando fundo, tentando se recompor e assumir novamente uma postura firme. – Eu ainda quero executar o meu plano. Já está decidido.

Watari fez uma expressão de desacordo.

— Por favor, Watari...

— Está bem, mas façamos o seguinte: volte para o seu apartamento. Amanhã você terá o dia todo para pensar. Abrace a sua gata de estimação, toque um pouco de piano, coma sua comida preferida. Se ainda estiver decidida a seguir com o plano, volte aqui amanhã nesse mesmo horário e eu a ajudarei.

— Um dia pode ser tarde demais, Watari.

— Isso o destino é quem resolve.