Choque de Tempo escrita por Miss Krux


Capítulo 20
Capítulo 20 – Remorso, culpa e você merece.




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A casa da árvore estava quieta, extremamente quieta; se não fosse pela luz do laboratório acesa, John poderia jurar que todos estavam dormindo. Ele havia andado sem rumo pela selva, não caçava, não procurava nada, o que tinha visto e lido estava como que lhe açoitando. Também sentia vergonha pelos amigos, pois eles nada tinham a ver e, no entanto, participaram do desenrolar de toda a discussão, de todo o desentendimento.
O caçador entrou silenciosamente e rumou sem fazer sequer um ruído para o quarto de Marguerite; ele a esperava dormindo, mas mesmo assim seria o único lugar que ele tinha para dormir, uma vez que sua cama estava lá desde que assumiram o relacionamento, assim ele pensava. Para a sua surpresa, quando entrou no quarto viu apenas a cama de Marguerite e vazia, duas folhas de papel e a aliança; logo o caçador pensou ser uma carta que ela havia escrito com alguma explicação, mas quando começou a ler, cada palavra escrita era como uma faça que cravava no corpo, a culpa lhe chicoteava a mente, as mãos tremiam, lágrimas brotavam de seus olhos, mais lágrimas, ele já havia chorado muito naquela tarde pensando, claro, estar certo, mas agora que lia aquilo, não podia ser pior, era pior que a culpa de ter matado o irmão porque desta vez ele tinha realmente causado tudo aquilo, era culpa dele.
J - O que eu fiz? John, seu idiota, olha o que fez. Mas que droga, eu deveria ter lido o resto do diário... deveria... eu perdi Marguerite. Não, não… eu não vou permitir, vou consertar isso. Por Deus, Marguerite estava disposta a compartilhar seus segredos e sentimentos comigo.
O caçador imaginou que a herdeira estivesse na varanda, era o lugar favorito dela quando estava chateada; ele dobrou as folhas, guardou-as no bolso junto com a aliança e em passos rápidos foi para lá. Porém, ela não estava, ele debruçou-se, olhou para o céu, estava com olhos marejados de lágrimas, sentia remorso, culpa, estava confuso sobre o que faria, poderia perder Marguerite.
Um ruído de madeira rangendo o fez virar de costas e ver que era Verônica. Não era quem ele esperava e sua decepção ficou estampada no rosto.
V - Acho que não era quem você esperava, não é mesmo? E acho que não será tão cedo, John.
John sentiu vergonha diante da amiga, ela o encarava, parecia estar brava com ele e não lhe tirava o direito, mais cedo havia agido como um animal, como o animal que havia dentro de si.
J – Verônica, me desculpe, por favor, por tudo mais cedo. Mas onde está Marguerite? Eu agi errado, preciso falar com ela.
Verônica olhou para o caçador, o homem estava chorando, mas era merecido, o que ele havia causado mais cedo... ela se lembrou do que viu quando entrou no quarto da herdeira, portanto, qualquer que fosse a atitude dela quando acordasse seria merecida.
V - Não é pra mim que você deve desculpas. John, você tem idéia da proporção do estrago que fez? Tem idéia de como Marguerite ficou quando você saiu daqui? Acha mesmo que irá querer falar com você?
O caçador encolheu os ombros. Não, ele não tinha ideia do que havia feito, de como Marguerite havia ficado. Na verdade, ele só pensou em si mesmo, em se defender; ele a ofendeu, acusou-a e saiu sem olhar para trás.
Verônica percebeu que não teria uma resposta de John, ele estava começando a sentir o que seus atos haviam causado. Ela, então, tirou da gaveta de uma mesinha próxima ao sofá um pedaço de pano pequeno que embrulhava algo e lhe entregou. Quando ele abriu sentiu como se perdesse o chão, arrepiou-se por inteiro: era um pedaço de espelho não muito grande e, para seu desespero, com vestígios claros de sangue. Ele levantou o rosto com olhos amedrontados para Verônica, angustiado.
V - Marguerite jogou um pequeno vaso no espelho, tornando os dois em vários pedaços, rasgou vários de seus diários e, pior, ela pegou um estilhaço e cortou todo o seu braço direito, cortes superficiais, mas segurou-o com a mão esquerda tão forte, de tanta dor, dor que você causou, e provocou um corte bastante profundo. Tem ideia do que é para mim vê-la como a encontrei: sentada no chão, chorando de soluçar em meio a folhas de papel, estilhaços de vidro e sangue? Sabe, ela nem sequer reagiu quando a levei para o meu quarto. Aliás, ela pediu para tirá-la de lá. Não reagiu nem quando eu limpava os ferimentos, nem quando tomou o chá que Malone preparou para ela dormir. John, você tem idéia do que causou?
John estava branco como um fantasma. Marguerite havia se ferido, ele era o responsável por isso, ele a tinha feito se ferir. Estava se sentindo tonto. Ele que sempre prometeu protegê-la, que lhe daria o último ar, agora havia lhe tirado sangue. Algo lhe assombrou a mente: e se Verônica não tivesse chegado?
Porém, antes que pudesse se pronunciar ele foi interrompido. Challenger havia entrado na sala e acabou ouvindo tudo que Verônica falou - não foi sua intenção, ele estava indo ver William, mas ouviu - e não podia acreditar. Marguerite havia se cortado, havia se ferido... Ela que sempre foi a mais controlada de todos eles, nunca agiu sem pensar no mínimo duas vezes, sempre racional, agora havia feito isso com ela mesma, e o pior: o responsável era John.
C - Eu confiei em você, meu amigo. Está certo quando falam que eu nunca saberei o que é ser pai, não biologicamente, mas não precisa ser pai biológico para saber o que significa ser um. Como falei e torno a dizer, tenho Marguerite como uma filha e confiei em você como protetor dela, mas pelo visto só a feriu. Como sabe, ou deve imaginar, desaprovei sua atitude mais cedo, mas até então não tinha consciência do quão grave tinham sido as consequências para Marguerite. Minha jovem, por que não me contou isso? Eu deveria saber.
Verônica não contava com a presença de Challenger e muito menos que ele interferisse como acabara de fazer, estava surpresa, mas também sabia que não tinha sido intencional.
V - Porque você a conhece, sabe do orgulho dela, não iria querer que os outros soubessem do que ela fez. Acho que não iria querer nem mesmo que eu soubesse.
C - Está certa. Conhecendo nossa Marguerite, ela não vai gostar nem um pouco. No entanto, o que está feito, está feito. Sabe, John, não esperava isso de você. Acho melhor deixá-la em paz por um bom tempo e rever suas condutas, seus pensamentos para com Marguerite, nos próximos dias. Prefiro que mantenha distância, ou melhor, eu mesmo farei isso. Acredito que ela não merece mais sofrimento do que já teve. Verônica, se não se importar, vou vê-la.
V – Não, Challenger, claro que não me importo.
O cientista deixa a sala com a fisionomia pesada, estava bravo com a declaração de Verônica e preocupado com Marguerite, claro.
Verônica olhava para o caçador, que estava de cabeça baixa; nem ela mesma esperava por Challenger. Mas foi merecido o que ele havia dito. Os dois ainda ficaram em silêncio por mais alguns minutos, John olhava para o pedaço de espelho quebrado em sua mão, suas lágrimas caíam pelo rosto, o sangue que havia ainda ali lhe fazia pensar em tudo que tinha causado a todos e, principalmente, a Marguerite.
A garota esperava que ele ainda falasse algo, mas como ele não fez, ela mesma teve a iniciativa de se pronunciar:
V – Bem, John, como Challenger falou, e até mesmo como eu falava anteriormente, espero que pense muito bem em sobre o que você fez, o que causou a Marguerite. Não irei me opor se ela não quiser mais falar ou olhar para você, se Challenger tentar te manter longe e, principalmente, se ela quiser que seja assim. Eu tendo visto o que vi, compartilhando a dor dela, acho que qualquer coisa pelo qual ela optar, será merecido.
Verônica virou as costas e desceu para ir ver Marguerite; também não queria olhar para o caçador, não agora.
Ele, por sua vez, seguiu para seu antigo quarto, calado, chorando. Cada palavra dos amigos, as palavras da própria Marguerite escritas em seu diário... ele não acreditava no que foi capaz de fazer. Perdeu tudo; ele demorou anos para tê-la e quando conseguiu agiu como um garoto imaturo, cego de ciúme. Certamente, Marguerite não merecia isso, não merecia ele.

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No quarto de Verônica, onde a herdeira estava passando a noite, Challenger e a garota da selva observavam-na adormecida. O cientista chegava a pulsação da mulher, pois tinha ficado impressionado com sua palidez, mais intensa do que de costume.
C - A pulsação dela está um pouco acelerada, deve ser por causa do quanto chorou antes. Verônica, pode, por favor, descobrir o outro braço dela? Quero ver os cortes, se não corre risco de infeccionar ou mesmo inflamar, ainda que sejam superficiais.
Verônica assim o fez, descobriu o braço direito da herdeira e mostrou-o para Challenger. Eram vários cortes espalhados, como se um gato a tivesse unhado, um pouco mais profundo, mas nada grave.
V – Challenger, ainda não acredito que ela tenha feito isso. Ela sempre pareceu ter tanto domínio, autocontrole, autopreservação.
O cientista verificava o braço da herdeira; a garota da selva havia cuidado muito bem dos ferimentos, limpado, não era necessário mais do que havia feito. Ele também não acreditava no que a herdeira havia feito consigo mesma, mas sabia muito bem que uma pessoa quando perdia o autocontrole, principalmente por amor, era capaz até de tirar a própria vida.
C - Verônica, minha querida, há muitos estudos sobre o comportamento humano e alguns dizem sobre quando pessoas perdem seu autocontrole, o que creio ter acontecido com a nossa Marguerite. Isso pode ser fatal. Se não tivesse chego e a amparado as consequências poderiam ser piores.
Verônica ficou assustada diante da conclusão do cientista, ela não havia pensado por esse lado e não queria nem imaginar em quão piores poderiam ser as consequências. Vê-la como viu, seu estado, já tinha sido o suficiente. Não queria pensar nisso.
V - Não havia pensado nisso, Challenger. Na verdade, não quero nem pensar.
C - E não devemos. Bem, vamos, também precisamos dormir.

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No café da manhã estavam apenas Verônica, Challenger e Malone.
O caçador não havia dormido a noite inteira, pensando em tudo o que tinha causado, se Marguerite tivesse tomado uma outra atitude, algo mais drástico, se ele a perdesse não se perdoaria. Mas, para o seu temor, ele havia perdido seu amor e tinha sérias dúvidas se conseguiria reconquista-lo. Seus próprios amigos estavam dispostos a acatarem o que Marguerite decidir, sendo que ele mesmo não sabia o que ela faria, e temia isso. O caçador havia saído logo cedo em busca de frutas e caça, o estoque estava baixo mesmo e só pretendia voltar na hora do almoço.

Durante a parte da manhã, na casa da árvore, correu tudo tranquilo.
Challenger passou a maior parte do tempo em seu laboratório. Malone ficou com William conversando sobre as cidades para onde ambos tinham viajado, os dois haviam se dado muito bem, chegaram até mesmo a morar no mesmo bairro durante uma breve estadia de William nos Estados Unidos. Malone pode descobrir que a Família Roxton era mais rica do que ele pensava, - eram propriedades em vários países, negócios espalhados pelo mundo, tinham vários representantes para cuidar de tudo e a fortuna era incalculável (se isso era de quando William ainda era vivo, pelo que o jornalista pôde entender, depois que John assumiu o comando deveria ser maior ainda). Agora ele entendia porque o caçador era tão bem-educado, por conta dos negócios, isso lhe forçava a ser um nobre, um perfeito cavalheiro – claro, se não fosse pelo fiasco do dia anterior.
Verônica aproveitou para ler os diários que Malone havia lhe deixado sobre suas viagens, suas aventuras enquanto esteve fora, mas também ia de hora em hora ver Marguerite. Por volta de 11 horas, Verônica foi surpreendida: ela estava deitada no sofá, lendo atentamente o diário e tinha ido olhar Marguerite não fazia vinte minutos. Quando um som vindo da cozinha a fez olhar por cima do ombro.
M - Pelo visto acabou o café. Acho que dormi demais.
V - Mar… Marguerite você estava dormindo há pouco, eu fui ver. Como pode estar aqui? Quer dizer, não fez barulho nenhum.
M – Ora, como posso estar aqui... não está me vendo? Eu acordei, levantei e vim tomar café; simples. Estou faminta.
Verônica nem se importou com o mau humor da morena. Era compreensível e ela estava certa, pois o café havia acabado. A garota não havia pensado nisso, mas, na verdade, estava tão feliz em ver a amiga em pé e procurando se alimentar, que nenhuma ofensa iria atingi-la. Verônica, depois do que ouviu de Challenger, mal tinha dormido. Ela e a herdeira tinham sim suas diferenças, mas não queria o seu mal.
V – Sim, estou te vendo. E se quer saber, vou fazer café para você. Por que não toma um banho enquanto isso?
Marguerite levantou uma das sombracelhas para Verônica, cruzou os braços, como sinal de desconfiança. Não se lembrava de muita coisa, era como se tivesse um borrão em sua mente, depois que começou a rasgar seus diários, ela só se lembrava de ter perdido o controle.
M – Verônica, você está bem? Quero dizer, porque está me tratando assim?
Verônica congelou ao ouvir a confissão. Será que era possível ela não se lembrar do que tinha acontecido? Será que tinha perdido tanto seu autocontrole para chegar a esse ponto?
V – Marguerite, sente-se, eu vou lhe contar tudo.
Passados alguns minutos, ao ouvir os relatos de Verônica, o que antes eram borrões na cabeça de Marguerite agora eram memórias limpas, nítidas e dolorosas. Ela olhava para si mesma, para o braço cheio de cortes, tirou a faixa da mão direita e pôde ver o corte profundo. Se lembrou exatamente de como havia feito todos os cortes, fez cada corte em si em silêncio, e se lembrou de que quando apertava o estilhaço na mão eram as palavras de John que lhe vinham à cabeça, ele lendo seus diários, suas ofensas, seu sentimento sendo jogado fora pelos ares. Lágrimas escorriam novamente pelo rosto de Marguerite, tudo doía tanto, eram memórias que ela não iria esquecer com facilidade.
O silêncio entre Marguerite e Verônica foi quebrado pelo som do elevador subindo.
J – Verônica, eu trouxe…
Era John com várias frutas recém colhidas e caça. Ele viu a princípio Verônica, pois esta estava de pé próxima ao fogão, mas logo que avançou viu Marguerite de costas. Talvez ela estivesse tomando seu café da manhã, pois ainda vestia uma camisola, porém, ao vê-la ele não pronunciou mais uma palavra e até deixou as coisas caírem no chão.
A bela morena levantou-se e se virou para encarar o caçador. Estava mais branca ainda que o normal, seu rosto estava molhado por conta das lágrimas, seu cabelo estava solto, ainda que ela tivesse acabado de acordar continuava deslumbrante, e só não era mais bela por estar tão abalada. John pôde ver os cortes agora, estavam bem vermelhos ainda, o que se contrapunha com a pela branca da herdeira.
Os dois se fitavam, John com remorso, arrependimento, olhava a herdeira de cima à baixo, mas lhe doía saber que o responsável por aqueles cortes era ele, ficou imaginando a dor que ela havia sentido. Tantas coisas lhe passavam pela cabeça, e não pôde deixar de perceber as lágrimas que teimavam em rolar no rosto de Marguerite.
M - Está apreciando o que causou, Lord John Roxton? Está vendo cada corte, cada lágrima que me obrigou a fazer? Mas o que isso lhe importa, não é mesmo? O que lhe importa o estado de uma golpista, uma ladra? Isso não lhe importa NADA!!! Nunca importou. Eu me achava egoísta, mas descobri que você é pior, é mais baixo do que eu. Você só sabe se importar consigo mesmo, só a sua opinião que conta, só você está certo, só o seu dinheiro pode comprar e pagar tudo, um dinheiro limpo e não sujo como o meu, não é mesmo? O grande caçador branco, conhecido mundialmente, é isso que lhe importa: sua fama e glória. E por causa disso você sempre tem razão, você tem que ser o último a falar, ou melhor, depois da sua “evolução” de ontem agora não é mais nem perguntar, é bater. Eu o menosprezo, você me enoja. Todos esses cortes, principalmente este aqui (Marguerite levanta a mão esquerda, mostrando o corte profundo), serão cicatrizes, provas de que você, John Roxton, foi mais imundo do que qualquer outro homem que esteve na minha vida. Essas cicatrizes, quando eu as olhar, serão as minhas provas para NUNCA, NUNCA MAIS, chegar perto de você. Eu juro para você que agora, mais do que todos esses anos, irei me empenhar em sair desse maldito platô. E quando eu sair eu irei sumir, para que nunca mais tenha que olhar na sua cara. Aliás, o mínimo que pode fazer é respeitar minha opinião de quere-lo longe. Se puder, preferiria que não mais se juntasse a nós nas refeições, mas isso não cabe somente a mim decidir. Porém, na minha vida pessoal mando eu e não quero nunca mais ter que olhar para você, não faz mais parte da minha vida, como nunca deveria ter feito.
Apesar de todas as brigas que John teve antes com Marguerite, ela nunca o havia tratado de tal forma. Ele sabia que merecia, que ele era o causador disso tudo, mas achava que ela estava errada sobre muitas coisas. Ele nunca se importou com dinheiro e fama e, além do mais, agora tudo o que lhe preocupava era o seu amor por Marguerite. Ela tinha deixado claro que se somente a opinião dela contasse, certamente ele não se juntaria mais com eles nas refeições, na verdade, em nenhuma atividade que envolvesse ela, porém ainda tinha os demais moradores para decidir quanto a isso.
J – Marguerite, eu entendo sua raiva e sua dor, sei que se está fazendo isso comigo é porque eu certamente mereço, mas tente me entender, eu errei, me vi cego por ciúme. Além disso, dividimos o mesmo teto, não pode agir assim, não tem esse direito.
Antes mesmo que o caçador prosseguisse com sua linha de raciocínio, a herdeira estreitou os olhos medindo-o dos pés à cabeça, dava para ver em seus olhos sua dor e raiva.
M - Eu não só posso fazer, como irei. Mais tarde espero todos nos reunirmos para decidir o que será feito. Sabemos muito bem que, infelizmente, não temos para onde ir, mas o máximo que puder lhe manter longe de mim, seja nas refeições, seja nas atividades internas e principalmente externas, eu farei. Qual parte você não entendeu?
John involuntariamente se aproximou dela, fazendo carinho no braço que não estava com os cortes. Estava próximo demais para Marguerite, ela havia deixado claro que não o queria por perto, muito menos como estava naquele momento. Por impulso, ou até mesmo com certas intenções de querer assusta-lo, ela pegou uma das facas que estava sobre a mesa e a forçou na jugular de John, fazendo-o soltar de imediato o seu braço; Até Verônica, que assistia a tudo calada e de cabeça baixa, agora estava atenta. Marguerite estava segurando a faca com firmeza, seus olhos brilhavam de puro ódio, encarando John direto nos olhos.
M - Escute aqui, eu acho que não fui clara o suficiente: não o quero nem sequer me olhando, quem dirá me tocando. Eu juro que, se quando William chegou aqui eu perto dele só andava armada, agora farei com vocês dois; e se tiver que matar um de vocês para me manter segura eu farei. Estamos entendidos? Não preciso falar mais nada. É você cuidando da sua vida e eu da minha, isso se você der valor ao ar que respira. Se não eu não me importarei em tirá-lo e, acredite, será da pior forma possível.
Marguerite apenas abaixa a faca e sai andando em direção ao banheiro. John não pronunciou nada, nem pensar conseguiu; Marguerite, a mulher que ele amava, o havia ameaçado de morte e deixou muito claro isso.
M – Ah, John, antes que eu me esqueça: tire tudo o que é seu do meu quarto, quero sair do banho e encontrar nada mais do que minhas coisas. E só para deixar claro, não estou pedindo, estou ordenando, porque se eu encontrar seja o que for seu no MEU QUARTO, eu juro que você vai preferir ver um T-Rex na sua frente do que eu.
Finalizado, Marguerite, como deixou claro, foi tomar banho.
Verônica estava com a água no forno para fazer o café, que, por sinal, havia fervido.
John ainda continuava parado, sem fazer nem sequer um movimento.
V – John, acho melhor fazer o que Marguerite falou. Ou quando ela sair do banho sabe se lá o que pode fazer com você.
O caçador virou-se para a amiga; estava triste, ambos estavam, mas surpresos também, a atitude da herdeira havia surpreendido aos dois.
J - Acha mesmo possível as coisas piorarem? Acha que ela seria capaz de me matar de verdade?
V - Acho. Acho que as coisas possam sim ficar piores para você. Agradeça que ela ainda manteve o bom senso e preferiu que todos nós nos reunissemos para decidir o que será feito. Meu amigo, eu estou do lado dela, esteja ciente disso. No que diz respeito em querer se afastar de você até irei ajudá-la, se for preciso. Mas existem coisas que não concordo: não posso deixar que ela expulse você da casa ou mesmo de dividir as refeições conosco, afinal, você é um dos moradores da casa da árvore. Porém, muitas coisas mudarão aqui. E se machucá-la novamente já sabe que não terá minha benevolência intervindo entre vocês para, pelo menos, convivermos.
O caçador engole em seco e decide ir arrumar suas coisas no quarto de Marguerite antes que ela chegasse, pois, de fato, ela o estava ameaçando, Verônica a defendia em partes, Challenger também provavelmente iria fazer quando tivesse a oportunidade.
A tarde na casa da árvore corria silenciosa, ouvia-se apenas o barulho da chuva forte caindo. John, no seu quarto, finalmente conseguira cochilar, mas até mesmo enquanto dormia, imagens de brigas, seu irmão e ele, seu irmão junto a Marguerite, os cortes da herdeira, o que estava escrito, as folhas que ele leu tarde demais, tudo lhe causava pesadelos, imagens que lhe vinham à mente só de fechar os olhos.
A herdeira, por sua vez, havia saído de seu banho, pego uma xícara de café, algumas frutas e desapareceu na escada rumo ao seu quarto. Nem mesmo o almoço aconteceu, pois o ar na casa da árvore pesava tanto que não tiveram apetite. Challenger apenas subiu para fazer um de seus caldos para William e não apareceu mais.
Já no fim da tarde, William estava bem melhor, recuperando-se, Challenger tinha ido vê-lo várias vezes durante o dia, mas quem ficou mesmo ao seu lado foi Malone, assim permitindo o descanso dos demais. Os dois agora conversavam sobre a aldeia Zanga, as trocas que faziam, sobre os guerreiros, as pedras que eles possuíam, o Xamã etc., quando uma voz melodiosa os interrompeu.
M - Será que posso entrar?
Era Marguerite. Ela parecia estar bem.
W - Claro, pode entrar, Marguerite.
M - Obrigada. William, precisamos conversar. Malone, se importa de nos deixar a sós?
Malone já ia se levantado, dando espaço para que ela assumisse seu lugar.
N - Não, não, de jeito nenhum, Marguerite. Aliás, me chamem para o que precisarem.
O jornalista se retira, deixando os dois a sós. Marguerite prefere manter-se em pé, ainda olhando o homem que estava deitado, reparando os ferimentos e até mesmo a expressão de cansaço.
M – Sabe, William, como deve ter notado, não faço rodeios. Portanto, irei direto ao ponto. Meu motivo de estar aqui agora é porque quero lhe pedir desculpas pelo o modo como vim lhe tratando com desdém e também quero que saiba que sinto muito pelo seu estado. Estou disposta a uma trégua. Acredite, esses dias têm sido tão cansativo para mim, quanto para você - isso se não tiver sendo pior.
William não esperava um pedido de desculpas da bela herdeira, na verdade, não esperava nada dela, mas nem por isso deixava de admirá-la. Ainda analisando a mulher, não deixou de notar que o brilho dos olhos de Marguerite parecia estar ofuscado, a voz continuava tão melodiosa quanto antes, mas estava num tom triste, com certo ar de mágoa.
W - Você não precisa se desculpar por nada, Marguerite. Eu acho que sei o porquê fez isso.
M - Ah sabe, é? E por qual motivo, então, pensa que preferi lhe manter afastado?
W – Ora, por dois motivos. Primeiro, por ter se lembrado de mim, por ter sentido receios quanto aos seus sentimentos achando que poderia sentir algo como sentiu por mim na noite em que me viu te admirando enquanto cantava, ficou com medo que seus sentimentos a traíssem. Segundo, conhece meu irmão melhor do que qualquer outra pessoa, de certa forma queria que nos acertassemos, queria o nosso bem, que ficássemos bem e seguros também.
O homem tinha razão, eram exatamente os pensamentos que haviam passado pela cabeça da herdeira; ela acima de tudo os queria bem, que tivessem de fato chegado a um acordo, e também sentiu medo de ser traída por seus sentimentos, mas medo de sentir de fato algo. Porém, ela percebeu que nem mesmo o retorno da sua primeira paixão, era mais forte que o amor que sentia por John.
M - Besteiras. Não fiz por nenhum de vocês dois, fiz por mim mesma. Eu sou egoísta, lembra? Só penso em mim mesma. Bom, acabei o que tinha para lhe falar, com licença.
W – Marguerite, espere. Por favor.
A herdeira vira-se novamente e retoma para próximo da cômoda; os braços cruzados, nitidamente impaciente. Queria saber o que ele tinha para falar e a irritava que ele tivesse acertado em cheio os motivos pelos quais ela o afastou, principalmente depois da sua reação - a negação e a pressa para sair do quarto.
W - Como lhe falei, não me fez nada. Consideremos isso como um recomeço para todos nós. Aliás, sobre John e você…
M - Sobre John e eu não existe mais. A não ser John cuidando da vida dele e eu da minha. Acho que acabamos aqui. Como disse, um recomeço para todos.
Marguerite já estava saindo do quarto, então, William apenas disse:
W - Espero que fique, Marguerite.
A voz dele não continha malícia, não dessa vez, e nem pena; só a verdade. Ele não queria o seu bem acima de tudo.
Marguerite apenas esboçou um sorriso de canto, porém sincero e singelo, de agradecimento e retirou-se.


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