A Vida de uma Anônima escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 4
Lembranças




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/680422/chapter/4

Nunca pensei que seria tão difícil ligar a luz do meu quarto. Cada vez que faço isso, meu coração aperta: Ali estamos pregados em cada canto das minhas paredes, em cima de todos os meus móveis, nos cd's , em cada livro da minha estante e na tela do meu computador. Nós dois, sorrindo, beijando, olhando um para o outro, felizes e apaixonados. Senti um misto de inveja e tristeza. Inveja, pois queria ser aquela garota da foto novamente. E tristeza, já que não me acho capaz de amar e ser feliz novamente, não daquele jeito.

Tirei a maior foto emoldurada da parede que ficava na frente da minha cama, era a do nosso noivado. Lembro que me senti imensamente feliz e segura naquele dia. Éramos o que sempre sonhei. Passei a mão na parte dele da foto, estava com o sorriso que sempre me desconcertava. Coloquei a foto na cama, enxuguei minhas lágrimas fui tirando as restantes, uma de cada vez. Sentei na cama, segurava a nossa primeira foto. Não éramos um casal ainda, mas foi ali que tudo começou.

***

Outubro de 2008

Olímpiadas escolares era o evento que eu mais detestava de todo o ano. Era a reunião de todas as escolas da cidade para disputar uma série de esportes que eu não praticava, durante uma semana. Para piorar , quando a escola era quem sediava o evento, nenhum aluno poderiam faltar as aulas. Neste ano, a escola onde eu estudava era a sede. Ainda bem que era meu último ano escolar.

Para sobreviver à semana, fui até a biblioteca e peguei quatro livros emprestados. Apesar de ser proibido emprestar livros durante aquele período, o bibliotecário era meu amigo e autorizou. Escondi os livros na mochila e me direcionei ao ginásio, feliz. Virava o corredor quando trompei em alguém:

—Desculpa - disse me afastando do peitoral do garoto. Sabia quem era o garoto, o que me deixou vermelha – Oi... Diego.

— Oi, batatinha – respondeu com meu apelido enquanto segurava meus braços – Você está bem? Machuquei você?

Diego era meu melhor amigo desde o ensino fundamental, além de ser o garoto por quem meu coração batia todos os dias. Ele era moreno, alto, cabelos cacheados, olhos castanhos, seu corpo estava cada vez mais definido (bem diferente da quinta série) e, definitivamente, lindo. Ele se tornou uma das estrelas principais do clube de natação, no qual eu entrei, mas era péssima. Tornou-se popular no ensino médio e mesmo assim não parou de falar comigo, ia sempre comer comigo no refeitório durante o intervalo. As garotas enlouqueciam pelo fato de eu ser a única a quem ele dava total atenção. Na verdade, ele era meio lento para perceber se alguém estava interessado nele, como era o meu caso. Eu já era tímida demais para me declarar. Então vivia o amando platonicamente.

— Estou bem – sussurrei ainda vermelha- Como você está?

— Nem doeu – respondeu. Ele me olhou e notou que estava perguntando de um modo geral – Ah... Desculpa... Estou nervoso. Sabe, é a minha última competição pela escola. Quero uma medalha de ouro para fechar o terceiro ano. E você?

Queria poder dizer que estava feliz por ser o nosso último ano, mas sentia uma pontada de tristeza. Não veria mais o Diego com tanta frequência e muito menos só de sunga. Então encolhi os ombros e respondi:

— Ansiosa... Nervosa... Triste... É um misto de emoções. Um ciclo se fechando, a turma dispersando, cada um seguindo seu caminho... – parei de falar. Fiquei surpresa, pois Diego estava sorrindo mostrando que tinha tirado a última marca nerd que existia nele: O aparelho dentário – Você tirou o aparelho? Quando foi isso?

— Ontem à tarde. Eu queria ter te contado ontem pelo MSN, mas você não entrou. Tenho mais uma coisa para te contar e é importante– respondeu. Eu já estava derretida por aquele sorriso. Então ele olhou por cima de mim e continuou – Tenho de ir, vai começar a bateria. Você vai assistir né?

— Sim, estava indo para lá – menti. Acho que ele percebeu afinal eu estava indo me esconder em uma das salas – Só irei beber água e vou para a arquibancada. O que ia me dizer?

— Duvido que você vá mesmo. Mas como sou um bom amigo e sei que é curiosa, farei o seguinte: Se você for assistir, eu conto. – me deu um beijo na testa e saiu correndo em direção à piscina.

"Eu nunca mais irei lavar a minha testa" pensei enquanto via-o sumindo entre os alunos.

***

♪ Injeta!

Injeta!

Injeta a injeção!

Se não as outras turmas vão morrer do coração! ♪

Esse era um dos muitos gritos "criativos" que surgiam nas arquibancadas. O barulho era tanto que nem conseguia ouvir meus próprios pensamentos. Lembrei-me do motivo pelo qual detestava as Olímpiadas Escolares, aquilo parecia a vinte cinco de março no fim do ano. Então Diego apareceu, estava de roupão, touca e os óculos de natação, ainda ia aquecer antes de começar a competição. Algumas das meninas gritavam enlouquecidas o nome dele, eu só conseguia suspirar. O que será que ele tinha para contar? Será que ele ia se declarar? . Então decidi me preparar, peguei o meu caderno e uma caneta e comecei a escrever uma declaração para ele:

"Não sei como te dizer... Então resolvi escrever... Que o amor que sinto por você..." Então surgiu uma sombra na minha frente, levantei a cabeça e uma mulher olhava para mim balançando a cabeça negativamente.

— Nada de estudar na arquibancada – disse a monitora dos alunos fechando meu caderno. Durante as olímpiadas nenhum aluno poderia estudar, para não tirar vantagem sobre aqueles que estavam competindo.

— Não estava estudando – retruquei abrindo novamente meu caderno.

— Não me interessa o que estava fazendo. Não pode. Guarde o caderno imediatamente ou então será punida – ordenou ainda em pé na minha frente.

Guardei meu caderno, então ela saiu e foi separar um casal que estava na minha frente. Já que eu não podia "estudar", decidi ler. Peguei um dos livros da mochila e abri. Não demorou dez minutos e surgiu novamente uma sombra. "Droga, será que até leitura estava proibida?". Levantei a cabeça já disposta a retrucar quando vi uma garota cheia de sardas no rosto, com os cabelos loiros presos com pompom ao estilo maria-chiquinha, com o uniforme da escola e calça de ginástica, estava sorrindo para mim. Seu nome era Jennifer, presidente do comitê de formatura, representante de turma, capitã do time de vôlei e outras várias atividades que a colocavam na categoria "popular". Apesar de conhecer tudo a seu respeito, tenho certeza de que não era recíproco.

— Oi, meu nome é Jennifer – estendeu a mão em minha direção – Mas acho que sabe disso. Está ocupada?

— Sim... – comecei a responder, mas fui interrompida com ela enxotando as pessoas que estavam sentadas ao meu lado, para poder sentar.

— Olha só, Eu sei que você o Diego são reservados a respeito do namoro de vocês, mas eu preciso que você siga as orientações quando for entregar a medalha de ouro para ele.

Olhei para ela sem entender. "Eu e o Diego namorando... entregar a medalha dele... orientações... Do que aquela garota estava falando?"

—Não estou entendendo... Por que eu entregaria a medalha dele? – perguntei fechando o livro.

— É a tradição da escola, quando alguém do terceiro ano recebe a medalha de ouro , ela é dada pela a namorada, ficante ou alguém que a pessoa gosta muito. – então ela olhou para ele - No caso do Diego... É você.

Meu coração quase saltava pela boca, eu era a escolha do Diego. Ele gostava mesmo de mim. Realmente gostava.

— Mas só se realmente vocês estiverem juntos... É o caso né? – perguntou. Senti que Jennifer estava me perguntando, mas não pelos motivos certos. - Ele não falou nada sobre o assunto então vim perguntar a você.

—Quem dera... – murmurei olhando para ela. Sentia medo de mentir para ela e depois ser envergonhada na frente de todos. Vai que ele escolheu alguém e não me contou, ou talvez fosse isso que ele ia contar. Estava muito confusa, mas não iria mentir - Somos apenas amigos, melhores amigos.

—Mas vocês ficam? – perguntou curiosa.

—Não – estava muito vermelha, sentia meu rosto pegar fogo – Somos apenas melhores amigos. Talvez ele receba a medalha de outra pessoa.

— Ah tá... Ele está solteiro... Só amigos mesmo... Que pena – então ela pigarreou, não estava sendo sincera – Desculpa, que gafe a minha. Esqueça que eu perguntei.

— Tudo bem – respondi. Ela levantou com uma cara alegre demais para quem estava envergonhada.

Antes de ir, a Jennifer virou e me pediu:

— Não fale da nossa conversa para o Diego. – disse sorrindo. Ficou esperando eu balançar a cabeça positivamente para sair.

"Que merda foi essa?" foi tudo em que consegui pensar enquanto abria novamente o livro. Já estava conseguindo ficar entretida quando tocaram a buzina. Começava a competição de 200 metros nado borboleta masculino individual.

Diego havia feito uma boa largada, mas os outros competidores estavam muito próximos dele ainda. Nos primeiros 25 metros, todos viraram praticamente juntos. Eu estava muito nervosa, queria gritar igual às inúmeras garotas que estavam na arquibancada, mas eu não era tão boa nisso, parecia uma gralha em época de acasalamento. Diego já estava completando 50 metros da prova, eu estava cada vez mais nervosa.

— Tem alguém sentado aqui? – perguntou uma voz masculina jovem. Eu conhecia aquela voz o que me dava certeza de que não era comigo.

Diego estava uma cabeça atrás de um dos alunos da escola rival, naquele momento alguém tocou em meu ombro. Suas mãos estavam suadas, sujando um pouco a minha blusa.

— Ei! Qual é o seu problema? – esbravejei tirando sua mão. Quando levantei a cabeça, enrubesci. – Está livre, Arthur.

Arthur era o garoto mais popular da escola desde o maternal, segundo alguns alunos. Ele era muito branco e sua pela fazia um harmonioso contraste com seus cabelos pretos, olhos verdes que deixavam qualquer garota sem fala. Porém o que mais me chamava atenção era o sorriso largo que fazia seus olhos ficarem apertados. Ele sentou ao meu lado, apesar de suado, o cheiro do perfume que usava invadiu minhas narinas, me deixando amortecida.

— Desculpa, não quis te atrapalhar. Achei que não gostasse de esportes.

Naquele momento, agradecia imensamente o poder dos meninos de não se tocarem quando uma garota fica sem graça perto deles. "Ele sabe quem sou eu? O MEU DEUS! Ele sabe quem sou eu!"

— Bom... Não gosto... Mas... – tentei responder. "Por que eu estava ali mesmo? Ah o Diego."

— Já sei. Diego – disse ele olhando para a piscina – O único que te faria encarar uma arquibancada lotada... Não me olhe assim... Sei mais de você, que possa imaginar.

—É mesmo? – perguntei, de forma provocativa, olhando para a piscina, mas não prestava atenção. Droga, eu estava sorrindo igual uma boba – O que sabe a meu respeito?

— Que você senta sempre no meio da sala, tem a mesma mochila desde a oitava série, Seu lugar favorito é a biblioteca– apontou para o livro que estava na minha mão – e gosta de ler, principalmente romances. Fala com apenas três pessoas, a professora de literatura, a Letícia e o Diego... Com quem namora. Viu só?

—Você errou em duas coisas, eu sou apenas amiga do Diego e... - comecei a dizer até ser interrompida pela buzina. A competição havia acabado e todos gritavam. Não conseguia ver quem ganhou.

Levantei-me para ver o Diego. Arthur também levantou e tocou na minha mão, fazendo com que eu olhasse para ele:

— Eu quero ser o cara do seu livro – desabafou apertando a minha mão – Ainda mais agora que eu sei que não há nada entre vocês.

Eu não acreditava no que ele tinha dito. Ia dizer alguma coisa, quando anunciaram o nome do Diego: ele ganhou a medalha de ouro.

— Desculpa, eu preciso sair daqui – disse soltando da mão dele. Arthur ficou me olhando sem entender. Peguei a minha mochila e o livro e comecei a andar.

Tentei ir em direção à piscina, mas todos pareciam fazer o mesmo, não me deixando andar. Alguém segurou meu braço me forçando a virar: era o Arthur novamente.

— Sabe, estou esperando uma resposta – disse nervoso acariciando meu braço e me olhando intensamente.

— Não parecia uma pergunta... Ah... Você não pode ser o cara do livro... Ou melhor... Não vai querer ser o cara desse livro – olhei em direção a piscina e Diego já estava colocando o roupão. Daqui a pouco seria a entrega da medalha e eu tinha de estar lá – Desculpa.

— É claro que eu quero ser o cara do livro. Isso não está claro? – perguntou confuso – O que me diz?

O Diego tinha ido para trás do pódio improvisado. Ia começar a cerimônia de premiação. A monitora pediu para que todos sentassem para ouvir o mestre de cerimônia.

— Ele é um machista, que agride fisicamente a personagem, abusa sexualmente dela, trai e para completar passa AIDS para ela. – respondi olhando para ele – É esse cara que você quer ser?

— Que livro é esse que você está lendo?- perguntou arrancando o livro da minha mão. Então leu o título – Depois daquela Viagem, Valéria Piassa Polizzi? Nossa... Eu nem sei o que te dizer... Quer dizer... Claro que não quero ser esse cara! Não faria uma coisa dessas com você.

— Eu não gosto de livros de romance romântico, essa foi à segunda coisa que errou. – respondi olhando para a piscina novamente. Desejava ter conseguido chegar lá a tempo.

Todos gritaram quando chegou à vez do Diego receber a medalha, mas o que me surpreendeu foi quem entregou para ele: Jennifer. Senti que havia algo muito ruim para acontecer. Não conseguia me concentrar em Arthur que continuava falando comigo.

Jennifer colocou a medalha no pescoço de Diego que sorria para ela. Ele levantou a medalha e gritou para arquibancada, deixando todos enlouquecidos, depois abraçou Jennifer e por fim ela deu um beijo nele.

Tudo ao meu redor passava em câmera lenta, Arthur me chacoalhava e eu só conseguia olhar para Diego e Jennifer se beijando. Olhei para os lábios de Arthur tentando entender o que ele dizia, foi algo relacionado a beijar. Tomada pelo impulso o beijei.  

O pessoal da arquibancada começou a gritar mais ainda, já não sabia mais se era pelo beijo do Diego ou se era pelo o que dei em Arthur. Então Minha ficha caiu, tinha dado meu primeiro beijo no garoto mais popular da escola. Aliás, ainda estava. Seus lábios tocavam os meus com delicadeza e sua mão apertava a minha, enquanto seu outro braço apertava minhas costas, seu rosto estava sereno com os olhos fechados. Resolvi me entregar ao momento, já que Diego estava com certeza se divertindo com Jennifer lá na piscina. Então veio uma luz em nossos rostos fazendo a gente parar.

— Hey, pombinhos! Façam uma pose aí para a formatura! – disse Yago preparando a máquina, ele era o aluno que ficou responsável pelas fotos da turma - Sorriam!

Sorrimos sem graças para a foto, olhei para Arthur e vi que ele estava muito vermelho. "Será que ele estava com vergonha de ter ficado comigo? Ou queria ficar só ficar escondido de todos? Como eu sou besta".

—As fotos vão estar lá na comunidade da formatura no Orkut, falou? – disse indo tirar fotos das outras pessoas.

Afastei-me do Arthur que agora me olhava confuso, comecei a andar para a saída da arquibancada. Então Arthur segurou a minha mão e saiu comigo dali de mãos dadas, sem se importar com os olhares das outras pessoas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Vida de uma Anônima" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.