Atendimento #011: Não quero saber

Existem vários tipos de pessoas e personalidades, mas para se trabalhar com qualquer coisa que tenha contato com o publico é necessário entender e tolerar todas as formas de manifestação de pensamento, desde os mais calmos e lerdos até os mais irritados e apressados, até por que eles são os que pagam as contas daqueles que os servem.

Mesmo com toda a paciência de buda, algumas pessoas insistem em sua forma intolerante e acabam não sendo ajudadas.

— Não quero saber, eu não quero ouvir sua voz, eu só quero que resolva meu problema neste exato momento! — O cliente esbravejava pelo telefone, sua respiração bufante expressava toda a ira que sentira.

— Senhor Luiz, se me disser qual o problema terei prazer em tentar auxiliá-lo.

Ezequiel gostava de receber cliente furiosos, eram raros os casos que este conseguia deixá-lo irritado, em geral ou ele resolvia o problema e fazia o cliente se desculpar, ou o mesmo desligava a chamada rapidamente. Porém aquele parecia que não seria fácil.

— Você está surdo? — O cliente se exaltou ainda mais. Estava a ponto de explodir.

— Senhor Pareto. Eu só quero ajudar por que não me—

— Você está surdo?— Interferiu o cliente elevando ainda mais o tom. — Não quero ouvir sua voz, quer saber vou fazer uma reclamação sua agora. — Cliente pareceu anotar algumas informações.

— Mas eu não consegui nem ao menos tentar auxiliar o senhor. — Ezequiel respirou fundo, tentava entender o que acontecia, mas o cliente nem se quer lhe dava uma pista. — Só me diga o que —

— Me passa para o seu supervisor. — Interrompeu. — Fica de boca fechada seu babaca incompetente você nem merece ouvir minha voz. Chama a porcaria do teu supervisor agora!

Boquiaberto Ezequiel abriu os braços colocando a ligação no mudo. Não sentiu vontade de insultar o cliente. Queria apenas queimá-lo lentamente como se faz com um leitão a pururuca. Ergueu o braço, chamou o supervisor.

— Igor, — falou o atendente tirando o headfone da cabeça.— eu tentei resolver o problema, ele nem me disse o que queria e já foi me insultando.— Entregou o dispositivo para o encarregado. — Resolve você.

— Pera, pera. — Igor comia naquele instante um pedaço de bolo de chocolate, ofereceu uma fatia ao subordinado. — Ele te insultou? — Ezequiel acenou que sim com a cabeça. Engoliu o alimento. — Coloca a ligação no viva aê.

A ligação no auto falante era audível para toda a operação.

— Igor Alastor supervisor da operação falando. Como posso ajudar senhor Luiz.

— Você é o supervisor mesmo?

— Tá surdo? — Respondeu o encarregado de pronto.

— Como? — O cliente questionou sem compreender.

— Sim to comendo bolo meu parceiro, — Falou de boca cheia. — Mas ignore esse fato e vá mandano aê, quê que deu ruim ai?

— Você não parece o supervisor da operação. — Afirmou o cliente incrédulo.

— Tá me vendo por acaso pra poder dizer? Tu tem voz fina e nem por isso disse que é mulher. — Rebateu ainda mais ácido. — Vamos amigo, quer dizer o que ta acontecendo ou não?

— Olha, olha não quero saber se você é o supervisor ou não, quem vai resolver o meu problema é você...

Durante os minutos seguintes o cliente cuspiu suas reclamações, essas iam desde o produto que era de péssima qualidade até Ezequiel que não conseguiu resolver seu problema. Estava claro que tudo o que o cliente queria era reclamar. Porém, durante toda a sessão de insatisfações Igor percebeu algo que era crucial para o atendimento.

Depois de quase perder o fôlego o cliente concluiu. Este esperou a resposta vir do doutro lado da linha, como o silêncio permaneceu o cliente chamou.

— Igor? Igor você está ai?

Naquele momento todos os atendentes já prestavam atenção na ligação do supervisor. Eram raras as vezes que ele atendia algum cliente pra valer. Mas sempre que isso acontecia todos pediam um momento para apreciar o show.

— Falaê. — Respondeu o supervisor ainda com a boca cheia.

— Você escutou tudo o que eu falei? — O cliente continuava bufante.

— Olha eu vou ser bem sincero com o senhor está bem?— tomou um gole de café. Estralou o pescoço. —  Foda-se.

A operação ficou muda, de olhos arregalados todos observavam atentos.

— Como é que é? o que você falou ai?

—  Eu disse foda-se. —  Repetiu mordendo outro pedaço do bolo. —  Foda-se você, foda-se seus problemas e foda-se seu produto. Em resumo vai se foder.— Seu arroto foi audível ao cliente do outro lado da linha. — Entendeu ou quer que eu desenhe?

— Você percebeu o que acabou de dizer?—  Luiz não queria acreditar.

—  Claro que eu percebi, se a censura do livro não fosse doze anos eu teria falado coisas muito piores sabia?— O encarregado ironizou o contexto em que estava inserido.

—  Mas eu não falei disso, você é um supervisor perdeu o juízo?

— Molecote a culpa não minha não, se por acaso sabe ler?

— Claro que sei, tá me taxando de burro? Eu sou advogado.

— Foda-se se você adêvogado, se tu sabe lê mesmo faz esse favor e vê ai qual marca é a do teu produto. — O cliente mesmo a ponto de explodir acatou a ordem e verificou. — Seu asno! Vai insultar a tua mãe, meu agente não têm culpa se você é incompetente de ligar para a central errada. Vai por um monóculo no teu olho que não vê sol rapá. Agora vai logo e liga pra marca do seu produto.
            — Não tô acreditando nisso.—  O cliente Pareto perdera toda a razão em um instante.

— Não quero saber o que você acredita ou não, já falei, foda-se. — Igor mastigou o bolo de chocolate com coco. — Vai querer ouvir mais ou vai desligar?

A chamada emudeceu. O cliente saiu da linha.

Igor ergueu as duas mãos com os dedos médios levantados, os atendentes comemoraram com uma salva de palmas a vitória de seu superior imediato.