Percy

Pesadelos tinham se tornado algo normal na vida de Percy. O garoto acordou assustado, sentou-se na cama e olhou de um lado para o outro. Estava no próprio quarto. Ele jogou as cobertas para o outro lado e se levantou. Percy colocou as mãos dentro dos bolsos do pijama e andou lentamente pelo corredor, até o quarto dos pais.

Ele abriu a porta devagar e olhou lá dentro.

Um volume sob o edredom indicava que a mãe dormia ali. Paul olhou em direção à porta do quarto assim que Percy a abriu. Eles trocaram um cumprimento de cabeça e Percy saiu.

Era assim nos últimos meses. Três meses haviam se passado desde o acidente. Dois meses desde que Paul tivera alta - só para pedir para ver a esposa a cada segundo - e mais ou menos sete semanas desde que Sally saíra do coma.

O relógio do celular do rapaz marcava seis da manhã. Era sábado, dia de tomar café da manhã com Annabeth e irem para o hospital. Percy já sabia o nome de todas as enfermeiras. Eles comeram numa cafeteria, Annabeth pediu um café duplo - para variar - e um pedaço de bolo de morango. Percy pediu torta de limão e um cappuccino. O celular de Annabeth tocou e ela atendeu.

Nesta manhã, ela prendera o cabelo loiro num rabo de cavalo e deixara duas mechas soltas na frente, uma de cada lado, que balançavam toda vez que ela se mexia. Percy estava observando isso desde que chegara na casa dela para buscá-la.

—Tudo bem - ela disse para a pessoa no telefone. - Mas nem um minuto depois.

Percy esperou ela desligar.

—Quem era?

—Jake. Ligou pra avisar que tá indo visitar os avós da Rachel com ela e só chega depois das oito da noite - e pegou um pedaço do bolo e comeu.

Percy levantou uma sobrancelha pra ela e segurou o riso.

—Eles estão juntos mesmo?

—O que eu posso fazer? O garoto não me ouve - ela deu de ombros.

Havia duas semanas desde que Annabeth só sabia reclamar da proximidade do irmão com a ruiva. Jake tinha jurado para Percy que eram só amigos. Mas que cara deixa de ficar em casa dormindo depois de ter passado a noite no hospital para ir sabe-se lá pra onde com uma "amiga"?

Percy guardara o pensamento pra ele, mas Annabeth não era boba e sabia que tinha algo mais ali. Eles pagaram e continuaram a rota.

Primeiro passaram no quarto de Atena, o médico dizia que ela estava melhor a cada dia. Quando Annabeth começou a morder a unha, Percy soube que era sua deixa para deixá-las sozinhas. Caminhou até o quarto do irmão mais novo com as mãos nos bolsos da calça.

Alec estava pálido. Percy deveria ter se acostumado a essa altura, mas ver o tom de pele do irmão desacordado despertava algo nele, uma vontade de fazer alguma coisa. Mas não podia.

Percy se sentou na cadeira ao lado da cama e ficou ali por um tempo.

—Bom, pirralho - começou. - As coisas estão meio difíceis desde o acidente. Mamãe não deixa o Paul ir trabalhar e ele disse que preciso ir pra empresa dele na segunda, já que querendo ou não nós dois vamos herdar negócios... Prometo te ensinar tudo que eu aprender.

Percy pegou a mão do irmão e suspirou. Sentiu um leve aperto e deu um pulo, quase caiu da cadeira. O médico que estava cuidando de Alec, Dr. Hamilton, dissera que a conversa poderia estimular um paciente em coma, mas que não era nada provado. Sally dissera ter visto manifestações físicas no filho duas vezes, mas Percy não acreditara muito, afinal se tratava de uma mãe cheia de esperança quanto ao filho caçula. Mas agora ele tinha sentido.

Sempre que falava com o irmão, Percy tinha a impressão de que ele estava prestando atenção, mesmo parecendo mais algo de sua cabeça.

—Eu sei que você vai sair dessa, campeão. E logo. E assim que estiver melhor nós vamos pra Suíça e comprar todas as caixas daqueles cookies que você quiser.

Percy ouviu alguém batendo na porta e em seguida a mãe entrou, usando uma simples calça jeans e uma camiseta verde. O garoto sorriu para ela, deu um beijo na testa do irmão, coisa que não se lembrava de fazer desde os doze anos.

Caminhou até a mãe, beijou a bochecha dela e saiu.

Ele enviou uma mensagem para Annabeth pedindo para ligar quando quisesse ir embora. Dirigiu até o shopping onde tinha marcado com Nico. O primo era uma dessas pessoas loucas que ainda compram CD mesmo quando se tem um celular. Mas ele não podia reclamar, já que estava indo lá exatamente para comprar um filme novo para sua máquina fotográfica do século passado.

—E aí, cara? - Nico se levantou do chafariz onde estava sentado para cumprimentar Percy.

—Tudo bem?

Nico deu de ombros, com a cara de morto-vivo de sempre. Eles subiram para o próximo andar e entraram na loja de CD.

Percy pegou um do Linkin Park só para não sair de mãos abanando. Já Nico, foi só empilhando vários nas mãos. Por último, pegou mais um afastado de todos os outros. Isso despertou a curiosidade de Percy, que puxou o CD do topo da pilha e leu.

—Green Day? - perguntou.

—Esse é pra Thalia - Nico disse, ficando com o rosto rosa. – Ela não tem nenhum.

—Não me diga que ela também usa aquele método antiquado de baixar músicas no celular?!

—Cala a boca, Perseus - ele revirou os olhos, pegou o CD de volta e foi para o caixa.

Depois de pagarem eles foram para onde Percy queria, se sentia uma criança no playground, como Annabeth numa biblioteca. Ele viu uma Polaroid numa vitrine, seu sonho de consumo, e não pôde evitar mandar uma foto da câmera para Annabeth com a legenda "OLHA ISSOOO" com letras maiúsculas para realçar seu desespero.

O motivo para ele não comprar a câmera de uma vez não era nada simples. A relação de Percy com a fotografia era algo que só fazia sentido para ele. Só tirava uma foto - com exceção das que mandava para os amigos - se tivesse um motivo para isso.

Annabeth não tinha visto nenhuma das mensagens ainda. Percy guardou o celular no bolso e foi almoçar com o primo.

Depois de comerem, passaram na casa de Percy e voltaram para o hospital, a pedido de Nico. Percy iria de qualquer jeito mesmo, para buscar a mãe. Enquanto Nico pedia um crachá de visitante para a recepcionista, Percy foi procurar Annabeth. A encontrou na porta do quarto de Atena, com um sorriso no rosto.

—Annie? - ele chamou.

A garota se virou para ele, sorriu mais ainda e o abraçou.

—Ela acordou - Annabeth praticamente gritou.

—Mesmo? Annie, isso é ótimo!

—Os médicos estão lá dentro fazendo uma checagem rápida, não deve demorar. E não me chame de Annie.

Percy sorriu. Annabeth estava tão animada que acabou contagiando-o. Os dois esperaram por uma meia hora. Quando uma enfermeira disse que podiam entrar já estavam cansados de ficar lá.

Annabeth já tinha falado com a mãe antes, então Percy entrou com ela. A voz de Atena estava rouca, mas ela parecia consideravelmente mais saudável do que Sally parecera ao sair do coma. Quando isso acontecera, Percy ficara tão preocupado que não tinha saído do hospital por quatro dias, até que ela tivesse alta.

—Quer que eu traga alguma coisa pra você? Livros, roupas, filmes, revistas? - Annabeth perguntou.

—Nada disso, querida, só quero ir pra casa - Atena sorriu e segurou a mão da filha. - Não se preocupe.

Pelo resto da tarde, Percy observou Annabeth contar todas as novidades para a mãe. O sol já estava quase se pondo quando o alarme de alerta vermelho tocou na cabeça do garoto.

—Querida, vamos precisar fazer muitos empréstimos para pagar essa conta – Atena deu um sorriso triste para a filha.

—Já volto, vou pegar água – Percy se levantou.

—Não se preocupe, mãe. Um dos investidores da sua empresa está cobrindo tudo.

Atena ficou em silêncio por tempo suficiente para Percy sair e ficar ouvindo atrás da porta.

—Annie, o último investidor que tínhamos desistiu uma semana antes da viajem, foi isso que eu precisei ir para LA tão rápido.