Tempo Ruim escrita por helenabenett, Lyra Parry


Capítulo 17
Sem Você


Notas iniciais do capítulo

Nesse capítulo veremos o que de fato aconteceu na festa, sob o ponto de vista de Cascão, Cebolinha e Maria. Afinal, toda história tem [no mínimo] dois lados.



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You said that we would always be 

Without you I feel lost at sea 

Through the darkness you'd hide with me 

Like the wind we'd be wild and free 

You said you'd follow me anywhere 

But your eyes tell me you won't be there 

(Without You – Avicii ft. Sandro Cavazza) 

 

Cascão 

Uma semana.  

Faltava exatamente uma semana para a festa do Hallowen e Cas não se aguentava de ansiedade, porque dentro de sete dias ele e Magali estariam oficialmente juntos.  

Seu plano, embora nem de perto tão mirabolante quanto os de Cebola, era dar um presente a Maga – uma semijoia, ele decidira; não poderia ser menos do que isso – e tirá-la para uma dança. Ele a pediria em namoro ali, a sós na pista de dança, e quando ela dissesse “sim” ele a beijaria da forma mais romântica que era capaz de imaginar, para que todo mundo pudesse ver. Era perfeito: sem mais segredos, sem medo, sem arrependimentos. Maga havia rejeitado Luke, ele e Maria estavam separados há meses. Nada poderia dar errado. 

A não ser pelo presente. 

Pensara na tal semijoia o mês inteiro sem ser capaz de decidir o que seria melhor. Um anel foi sua primeira alternativa, mas talvez soasse muito como um pedido de casamento, e não era essa a impressão que ele queria passar – quer dizer, não é que não gostasse de Magali o suficiente para casar com ela; apenas não queria parecer que estava acelerando as coisas. Gostava de como o namoro deles estava indo: devagar, cada coisa no seu ritmo. Assumir para a turma iria levantar poeira, mas ele não iria deixar que as fofocas estragassem o refúgio que o relacionamento dele com a magrela se tornara. 

“Refúgio”. Pensou na palavra com carinho. Ele queria presentear sua nova namorada com algo que a fizesse entender o que ela representava para ele. Quando estava com Maga não havia problemas, nem tristeza, nem medo. Ao lado de sua magrela ele sentia que era capaz de ser e fazer qualquer coisa. Esperava que ela sentisse o mesmo por ele.  

A segunda opção havia sido um colar. Andou por toda a cidade em busca de um que fosse capaz de expressar seus sentimentos, e por fim desistiu – primeiro porque sua busca foi um completo fracasso e em segundo porque se lembrou que Joaquim dera a Magali um colar caríssimo no aniversário de quinze anos. Não queria evocar lembranças tristes. Brincos foram a alternativa seguinte, mas como ela iria lutar usando brincos? Esperava dar-lhe algo que ela pudesse usar o tempo todo, para que nunca se esquecesse que o carinho que tinha por ela a acompanharia onde quer que estivesse.  

“Mas é claro!”, pensou Cas quando finalmente encontrou a solução. “Uma pulseira! Como não pensei nisso antes?” Além de ser um presente original, era delicado e ela poderia usar onde e quando quisesse. Tinha que ser dourada para combinar com a cor de seus olhos, e também não poderia ser muito extravagante. Maga era discreta, delicada e simples: ele tinha que encontrar algo assim. Desanimado, recordou sua peregrinação em busca do colar e percebeu que, se quisesse o presente perfeito, ele mesmo teria que fazê-lo - o que era bem mais seu estilo do que comprar um presente caro. Primeiro encontraria uma corrente dourada e acrescentaria os pingentes em seguida. Podia escolher os que mais combinassem com seus sentimentos e deixá-la adivinhar a mensagem. Sorriu consigo mesmo: “será muito mais especial assim”. Mas tinha que se apressar, o tempo não estava a seu favor. 

*** 

Magali 

Cas estava cada vez mais evasivo.  

Ela não conseguia entender. Todas aquelas semanas com ele haviam sido incríveis: cada beijo, cada palavra sussurrada, cada abraço que não precisava de palavras, tudo era perfeito. Passeavam juntos por toda a cidade enquanto os outros estavam dormindo, como se o Limoeiro pertencesse somente aos dois. E quando ela imaginava que não poderia ser mais feliz, Denise anunciou a festa do dia das bruxas, e Cascão teve uma ideia. 

— Acho que a gente deveria ir juntos, magrela.  

— Tem certeza disso? - ela perguntou. Não que estivesse com medo das fofocas, nem nada. Apenas não queria estragar a paz que ela e Cas lutaram tanto para construir e manter. 

— Tenho – ele pareceu muito confiante quando disse aquilo. - Mais cedo ou mais tarde alguém vai descobrir, e não quero que isso seja um escândalo. Não estamos fazendo nada de errado. Eles têm que saber por nós que estamos juntos e que não temos medo deles.  

Nunca pensou que diria isso, mas até que Cássio estava sendo sensato – logo ele, que sempre era tão sem-noção. “Talvez ele use isso como disfarce, também. Acho que não sou a única que tem segredos”, ela pensou, contente. 

— Então - disse Maga, por fim - se vamos juntos, precisamos combinar as fantasias. 

Cas sorriu de orelha a orelha e lhe deu um beijo carinhoso. 

— Vai dar tudo certo, eu prometo. 

E agora isso

Eles ainda estavam mantendo as aparências na escola, então Maga nem teve chance de correr atrás de Cássio quando o rapaz saiu correndo depois da aula sem mal lhe dar um “tchau”. “Onde ele vai com tanta pressa?”, ela se perguntou. Não teve chance de descobrir, porém: Mônica e as outras a sequestraram para falar dos preparativos para a festa. 

*** 

Cebolinha 

Na noite anterior à festa, um Cascão esbaforido e agitado tocou a campainha várias vezes. Cebola desceu as escadas irritado: “já vai, já vai!”.  

— Mas o que é que tá havendo, Cascão? Isso é jeito de chegar na casa dos outros? 

— Tem mais alguém aí? – o sujinho não esperou ser convidado para entrar. Cebola encostou a porta devagar. 

— Não, para sua sorte. Se minha mãe estivesse aqui iria arrancar sua orelha. 

— Ótimo. Preciso te mostrar uma coisa. 

Cebola arqueou a sobrancelha, duvidoso. Cascão tirou o moletom surrado amarrando-o na cintura e em seguida se abaixou para pegar algo na mochila. O careca não entendeu o que era até que seu amigo abriu a caixinha: uma linda pulseira dourada com vários pingentes, um diferente do outro, repousava sobre uma camada de veludo azul.  

— É para a Magali? – foi tudo o que Cebolinha conseguiu dizer.  

— Dã. Pra quem mais seria? – zombou Cascão. – Vou pedir a magrela em namoro na festa de Hallowen. 

— Não acha que está indo meio rápido? 

— Como assim, cara? Não viaja. Estamos juntos há quase três meses.  

— Não deviam esperar mais um pouco antes de assumir? 

— Esperar o quê? 

Cebolinha deu de ombros. 

— Sei lá. As pessoas podem falar mal. 

— Não ligo para o que as pessoas vão dizer – retrucou Cascão, irritado com o tom da conversa. 

— Você devia pensar um pouco mais na Magali. Ela acabou de se recuperar da fofoca sobre o Quim, e as meninas ainda estão falando sobre você e a Cascuda. Se assumirem agora, podem pensar que vocês estavam juntos antes do seu namoro terminar.  

— Eu já falei com a Maria, ela prometeu que vai me ajudar explicando tudo para as meninas. 

— Vocês ainda se falam? – ele tentou disfarçar o tom de surpresa, mas o olhar desconfiado de Cascão indicou que não fora tão bem sucedido. 

— É claro. Terminamos numa boa, lembra? Ela é minha amiga. 

— Não foi tão “numa boa” assim, pelo que me consta. 

— Você vai me ajudar ou não? 

— Claro que vou. É só dizer o que quer. 

— Está bem, preciso que faça o seguinte... 

*** 

Noite de Hallowen 

— Eu sei que combinamos de ir juntos, Cas, mas é que a Mônica teve uma emergência fashion – desculpou-se Magali ao telefone. 

— Tudo bem, pode ir lá socorrer nossa amiga dentuça. Vou estar te esperando. Um beijo. 

O sujinho só percebeu que estava nervoso quando notou que as mãos tremiam ao desligar o celular. “Calma, Cas, foi só um pequeno imprevisto. Nada vai dar errado hoje”. Ele respirou fundo, vestiu sua fantasia de Drácula (escolhida para combinar com a bruxa de Magali) e pegou a caixinha de joias amarrada com um laço de fita azul que ganhara da mãe. “Que bom que está seguindo em frente, filho”, disse Dona Lurdinha ao lhe entregar a fita de cetim. Felizmente ela não perguntou quem era a namorada misteriosa: ele ainda não estava preparado para dizer. Quando passou pela sala, seu pai e sua mãe lhe desejaram sorte. Confiante, Cássio fechou a porta e saiu para a noite fresca e sem luar. 

A primeira coisa que notou ao chegar na festa é que a decoração era de arrepiar – com direito a abóboras fluorescentes para todo lado – e que alguém havia trazido bebida alcóolica, porque muitos de seus amigos pareciam alegres demais. Jeremias ria alto como um porco e Titi corria atrás de Aninha de um jeito vergonhoso que obrigou Marina e Franjinha a intervirem. Cas olhou em volta e não viu nenhum sinal de Maga. Preocupado, foi até o balcão do ponche, onde viu Cebolinha em sua inconfundível fantasia de algum personagem de jogo online underground que só ele conhecia.  

— Isso é uma mistura de Rambo e Indiana Jones? – zombou Cas, se aproximando do amigo. 

— Fala sério, ninguém conhece The Ultimate Robots?  

— Além de você, talvez o criador e a distribuidora. 

— Engraçadinho. Onde está sua namorada? 

— Tivemos um imprevisto, pensei que ela já estaria aqui. Tudo certo com o plano? Não se esqueça, você tem que colocar a música para tocar na hora exata em que eu a beijar. 

— Eu sei, eu sei. Relaxa, cara.  

De repente, Cebolinha fez uma careta, e Cas seguiu o olhar do amigo por sobre seu ombro até a direção da mesa de doces. Demorou alguns segundos para reconhecer Maria em sua fantasia de Arlequina. Mas havia algo de errado com ela: parecia ter dificuldade para andar, se apoiando na mesa a cada passo. Compreendeu imediatamente que a garota estava bêbada. 

— Mas que merda, de quem foi a ideia de trazer bebidas? 

— Não olhe para mim – Cebola fez uma cara de santo mais falsa que uma nota de três reais, mas Cássio estava preocupado com Maria. Deixou seu amigo fingido falando sozinho e caminhou até a ex-namorada. 

— Desde quando você bebe? – ele perguntou, pegando no braço de Maria com firmeza, fazendo com que ela o olhasse nos olhos.  

— Ora, ora, Cássio, você por aqui... – ela falava enrolado, e seus olhos estavam pequenos, como se fosse desmaiar a qualquer instante. 

— Por que não senta um pouquinho, hein? – Cas tentou puxá-la para mais perto, mas ela se esquivou.  

— Você não manda em mim, nem é mais meu namorado! Me deixa! 

O sujinho ia protestar quando Maria arqueou o corpo para a frente. Cas foi rápido em segurar seu cabelo, erguendo o rosto dela para cima a fim de impedir o vômito de descer.  

— Vem comigo – ele disse, em um tom que não admitia contestação. Fraca demais para protestar e sem a menor intenção de dar vexame, Maria o seguiu até os banheiros. Ele fez sinal para as outras meninas o deixarem entrar no banheiro feminino com Cascuda, e quando ficaram a sós ele a fez se ajoelhar diante da privada. Maria vomitou apenas bílis.  

— Sabia que não se deve beber de estômago vazio? 

— Você parece a minha mãe – retrucou Maria, ainda fraca e um pouco tonta. 

— Você bem que podia obedecê-la de vez em quando. 

Maria se encostou na parede para recuperar o fôlego. 

— Por que está aqui, Cássio? – algo no tom da pergunta fez Cas notar que Maria estava recuperando o controle de si mesma. 

— Não podia deixar você daquele jeito – ele deu de ombros.  

— Sempre salvando a pátria – ela revirou os olhos. – Você é um saco de tão perfeito, sabia? 

— Foi por isso que terminou comigo? - arriscou Cássio. 

— Que eu me lembre, foi você quem me trocou por aquela comilona. 

“Ai meu Deus, a Magali! O presente!” 

— Preciso voltar para a festa – disse Cas, alarmado. 

— Isso mesmo, vai lá correr atrás dela. 

Cássio lançou um olhar gelado para Maria. 

— Primeiro vou terminar o que comecei. 

Abraçando Cascuda pela cintura, ele a amparou para que a garota conseguisse andar.  

— Obrigada – ela disse, se desvencilhando dele assim que chegaram à porta do salão. – Sei que não estamos mais juntos, mas você continua sendo um bom amigo. 

Cas demorou a responder, estava esquadrinhando o ambiente à procura de Magali. Seu coração doeu ao perceber que ela ainda não havia chegado. 

— Vê se não apronta mais por hoje, hein? – ele deu um tapinha nas costas de Cascuda e já estava a uns cinco metros de distância quando a música tocou.  

Não a versão romântica de November Rain que ele esperava (e levou o mês inteiro para escolher). A outra música. A de seu primeiro encontro com Maria depois que eles voltaram, assim que o incidente com o tal de Lucas teve fim. Era The Scientist, do Coldplay. Maria gostava muito daquela banda. 

Quando Cássio olhou para trás, a ex-namorada estava bem ao seu lado.  

— Podemos dançar essa? – Maria pediu, erguendo as mãos em gesto de paz. - Pelos velhos tempos. 

Algo lhe dizia que não era uma boa ideia. Mas ele ainda tinha muita consideração por Cascuda para recusar. 

Os dois entraram na pista de dança no exato instante em que Magali chegou. Cássio não a viu, nem Maria. Apenas Cebola, que sorriu consigo mesmo saboreando a vitória. Ele não soube dizer se Cascuda vira Magali se aproximar e escolhera apoiar a cabeça no ombro de Cas no exato momento em que a magrela passara por eles, ou se ela havia simplesmente desmaiado de bêbada, deixando o sujinho desconcertado. Cebolinha se sentiu mal ao ver o olhar de Cascão quando Magali passou pelos dois, mas a vingança o deixara imune a qualquer sentimento altruísta. Vencera, afinal. A comilona teve o que mereceu por tirar Mônica dos seus braços. Nem mesmo as palavras duras que ela lhe disse no bar foram capazes de fazê-lo perceber que o que havia feito era deplorável.  

Foi Cássio quem o convenceu do contrário. 

Assim que Maga foi até o bar, Cascão fizera menção de se livrar de Maria, mas Cebolinha acenara para ele indicando que ficasse na pista e que ele cuidaria de acalmar Magali. Mas quando a menina saiu pelos fundos sem nem olhar para trás, Cássio percebeu que algo estava terrivelmente errado. Abandonando uma Cascuda quase desmaiada aos cuidados de Aninha, Cascão gritou para Cebola: 

— O que foi que você disse a ela? Pra onde ela foi? 

— Eu tentei explicar, só que ela não quis me ouvir – desculpou-se Cê, mas pela primeira vez na vida o amigo não acreditou em suas palavras. 

— Eu vou repetir mais uma vez – Cas falou baixo e firme em tom ameaçador, enfiando o dedo na cara de Cebolinha. – O que você disse para a Magali? E por que não fez o que nós combinamos? 

Cebola emudeceu. Ia repetir a mentira, mas era evidente que Cássio não acreditava nele. Além disso, estava com medo. Se deu conta de repente de que era bem mais magro e mais baixo que Cascão, e que os olhos dele exalavam fúria. Sabia que nada do que dissesse evitaria que o amigo o odiasse. 

— Eu fiz pro seu bem – admitiu Cebolinha. 

Não teve tempo de ver o soco. Apenas sentiu a bochecha afundar e o gosto de sangue inundar sua boca. Segundos depois, Cê estava caído no chão. Ouviu a música parar e passos se aproximando para assistir ao show. Cássio o ergueu do chão pelo colarinho e os dois ficaram de rosto colado. 

— Covarde! - disse um Cascão tomado pela ira. - Você só queria se vingar dela. Me usou e usou a Maria também como bonecos no seu plano idiota. Foi você quem deu a bebida para ela e tocou a música na hora em que entramos.  

— Não se faça de santo, – desafiou Cebola – nada disso teria funcionado se você e a Cascuda não gostassem um do outro. Você ia fazer uma besteira. 

Cas o soltou, fazendo Cebola se estatelar no chão como um saco de batatas. 

— A única besteira que fiz foi confiar em você. 

Cássio saiu do salão o mais depressa que pôde. Gritou o nome da namorada por todas as ruas ali por perto, sem obter resposta. Desolado, decidiu voltar para casa, passando pela rua da casa de Magali no caminho. A luz estava apagada – ela não tinha voltado. Começou a se preocupar. Ligou no celular dela inúmeras vezes, deixou mensagem, mas é claro que ela não respondeu. Mandou mensagem para a Mônica, que se limitou a dizer: 

“Ela está aqui. Pare de ligar ou vai se ver comigo”. 

“Pelo menos ela está bem”, pensou Cas antes de finalmente tomar o caminho de casa. 

Ficou feliz de não encontrar os pais esperando por ele no sofá, não queria que vissem sua cara de derrota. Atirou-se na cama de fantasia e tudo, sentindo um pequeno incômodo do lado direito. Desesperado, tirou a caixinha de joias do bolso: estava amassada, mas a pulseira continuava inteira. 

Então começou a chorar. 


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Notas finais do capítulo

Em primeiro lugar, preciso agradecer a todos vocês, leitores antigos e novos, que fizeram nosso desejo de concluir a história reacender após tantos anos. Cascão e Magali vão se reencontrar, prometemos isso a vocês. Mas, antes do final feliz, algumas feridas abertas precisam cicatrizar.

Obrigada por nos apoiarem, queridos leitores. Vocês são a razão pela qual estamos aqui ♥



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