Primaveras escrita por Melli


Capítulo 40
Capítulo 40




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— Mas porque está me entregando isso? Eu não estou entendendo... – Sage se referia ao embrulho que estava em sua frente.

— É uma gentileza! Ontem você repartiu seu lanche comigo, então hoje eu trouxe um só pra você!

— Ah, valeu... Não precisava se incomodar. E colocar tanto papel brilhante. Hahaha!

— Gostou do papel? Mas o gostoso mesmo está aí dentro! – Apontei para o pacote.

— Hmm, vejamos...  – Ele desembrulhava o pacote.

— Você vai gostar, eu tenho certeza!

— Uou! Sanduíche de presunto e queijo! – Depois de desenrola-lo do papel, Sage logo o abocanhou.

— Pois é! Eu coloquei na sanduicheira para que o queijo ficasse derretido. Acho que assim fica ainda melhor, você também não acha?

— Cara, tá perfeito! É ótimo assim! O seu é só de queijo, não é? – Ele olhava para o meu.

— Sim... Eu não gosto de presunto...

— Porque? Já comeu?

— Eu experimentei uma vez. Achei muito salgado, esquisito... Sei la! Hahahaha. Eu não gosto de nada, essa é a verdade...

— Eu iria te oferecer um pedaço, mas já que não gosta...

— É só pra você esse aí! O meu acho que você deve achar sem graça, mas está servido?

— Não, obrigado... O que foi? – Ele percebia que eu estava olhando para fora do refeitório, onde Karen e suas amigas cochichavam enquanto nos olhavam e riam.

— Ai...

— O que foi, Melli? Eu não te fiz nada dessa vez...

— Não, não é você... Eu não sei se você se importa, mas... Estamos sendo observados.

— Sério? Por quem? – Disse, dando mais uma mordida em seu sanduíche.

— Disfarça... Olhe em direção ao banco perto das árvores lá fora.

— ... – Sage olhou para a direção onde eu havia lhe falado e logo mostrou o dedo do meio para as meninas.

— Menino... O que você fez? – Perguntei espantada.

— É pra essa idiota parar de mandar beijos pra mim! E que me deixe comer em paz!

— Ah, ela tá te mandando beijos, é? – Opa... Acho que deixei o ciúme escapar. – Digo... Não liga. Finge que não está vendo!

— Bem, eu não ligo de que fique olhando, mas acho que você sim. Venha, vamos sair daqui. – Assim que nós dois nos levantamos, ele segurou em minha mão e logo saímos dali.

Era estranho ele fazer isso, e ao mesmo tempo não. Ele já havia segurado em minhas mãos em outras situações, mas não era com tanta frequência, e seu toque nunca me causara nenhuma reação, o que não acontecia agora. Tudo o que eu mais queria era que ele não olhasse para meu rosto naquele momento, pois eu já deveria estar azul, de tanta vergonha. Já devem ter percebido que eu fico envergonhada muito facilmente. Eu não queria também que ele reparasse no quão nervosa eu estava em estar segurando suas mãos. As mãos dele eram grandes e bem maiores que as minhas. Tão grandes que minhas mãos se perdiam nas suas. Ah, como eu gostava da sensação que seu toque me proporcionava. Como um garoto tão agitado consegue segurar com tanta delicadeza a mão de uma garota? Era como se ele estivesse segurando a mão de uma boneca de porcelana, cuidando para que sua mão por falta de atenção não a apertasse demais. Logo encontramos um banco no pátio e a essa altura eu estava me perguntando onde estariam Sagi e Tiffany, que até o presente instante não haviam dado as caras.

— Ei Sage, tá ficando com a mina e nem fala nada? – Alguns dos amigos dele apareceram ali para irrita-lo com brincadeiras.

— Seu... – Quase ele soltou um palavrão, mas em respeito a mim não disse nada.

— Ela também hein... Na festa estava com um e agora está com outro? Tá deixando de ser criancinha! Vou trazer uns manos meus pra você conhecer, tá? – Acho que falou comigo.

— Ela não está interessada nos seus camaradas. Saiam daqui! Ela está com vergonha, não estão vendo? – Sage se levantou do banco e os afastava.

— Ok, ok... Vamos deixar vocês ficarem em paz.

— Eu não estou ficando com ele...Ai... – Tarde demais, os meninos já foram embora e certamente estavam espalhando boatos por aí.

— Desocupados! Não de atenção a esses babacas! – Sage novamente se sentou ao meu lado.

— Mas com certeza irão sair por aí dizendo coisas que não são verdades.

— É só não se preocupar. Eu cuido de tudo pra você, tudo bem assim?

— Se você diz...

— Relaxa... Se eu fosse ligar para tudo o que dissessem de mim, eu estaria louco. – Depois de olhar para minhas mãos, ele olhou em meu rosto.

— Com certeza as meninas irão vir até mim perguntando sobre tudo... Eu não vou saber o que dizer... – Eu esfregava uma unha na outra para retirar o esmalte.

— Para! – E novamente ele segurou em minhas mãos, dessa vez para que eu parasse de estragar as unhas. – É só negar tudo e pronto! Você não precisa dizer coisas para agrada-las. Diz que não é verdade e acabou! Ninguém tem a ver com sua vida. Se um dia você ficar com um menino, qual é o problema?

Olhei para os lados a fim de ver se ninguém estava por perto.

— Enquanto todas as meninas já deram o seu primeiro beijo, eu ainda não... E por causa disso, para elas eu ainda sou criança. Não gosto de ir em baladas pra ficar com os caras, e por isso elas me julgam de uma maneira muito ruim.

— Ai como vocês são complicadas... Meu, Sagi não beijou ainda, então você não é a única. Outra coisa, os meninos não tem uma visão muito boa sobre essas meninas que saem por aí ficando com todos.  E ir pra balada não te faz mais legal do que outras pessoas, afinal, nem todo mundo gosta de ir... Acho que a gente tem que ir aos lugares que a gente gosta e não aquele que as pessoas acham que temos que ir! Você não tem que mudar, Melli... As pessoas gostam de você assim! Esqueça essas babacas!

— Puxa... Acho que você tem razão. Minha mãe me diria isso, mas você? Estou admirada! Hahaha!

— Se for preciso, digo umas poucas e boas para as idiotas. Mas você pode fazer isso também... Não tenha medo!

Com o passar das horas, o horário da saída se aproximava. Na última aula, o professor nos informou que quem terminasse os exercícios poderia se sentar no pátio e esperar até que o sinal da saída soasse. Eu não fui a primeira a terminar, mas saí uns trinta minutos antes da aula terminar, junto de mim ninguém mais saiu. Assim que cheguei no pátio, decidi me sentar em um banco e abrir o pacote de batatinhas que eu havia ganho da Tiffany, e quando eu o abri, comecei logo a pensar no que havia se passado hoje.  Não demorou muito para que meus pensamentos fossem cessados por uma voz irritante que se aproximava de mim.

— Aiiii Melli, eu estava te procurando! – Toda aflita, Karen sentou-se ao meu lado.

— Você? Me procurando? Não pode estar falando sério... – Coloquei uma batatinha na boca.

— Estou falando seríssimo, amiga!

— Amiga? Desde quando? Você sempre me humilhou na frente de todo mundo e ainda diz que sou amiga? Você está brincando comigo...

— Claro que não! Olha, eu fiquei sabendo que você ficou com um menino na sua festa! E ainda por cima está ficando com o Sage! Olha, eu pensava que você não era de nada, mas me diz, o que você fez pra ficar com tantos garotos? Eu preciso da fórmula a-go-ra!

— Eu não estou ficando com ninguém! E me deixe em paz! – Saí andando e a deixei sentada falando sozinha.

— Ei, espere! – Ela foi atrás de mim. – Eu queria te convidar pra ir em uma festa...

— E você acha que devo aceitar?

— Mas é claro! Vai ter vários gatinhos e área vip! Eu posso comprar seu convite. – Karen tirou da bolsa a tiracolo um bolo de notas de dinheiro. – Você vai poder ficar com vários!

— Estou pouco me importando pra tal festa. Vá você e divirta-se! Eu não iria nem se tivesse comida de graça!

— Vamos, Melli... Por favor! – Ela balançava meus braços e começava a me irritar.

— Não. Eu não quero.

— Bem, vai perder a oportunidade de tirar do rosto essas sardas feiosas. Eu iria te mandar pra um spa antes da festa, mas fique assim mesmo, ridícula!

— Deixe as minhas sardas quietas! E ridícula é quem me chama! Vá ao spa você, e engula sais de banho pra ver se fica bonita por dentro. Bye bye e beijinhos, querida! – Entrei de volta na escola e a deixei falando sozinha.

Quando percebi que não era mais alvo do olhares da Karen, eu corri o mais rápido possível até um banheiro que ficava no corredor. Assim que cheguei ali, encostei a porta para que ninguém me descobrisse ali. Olhei para o espelho e tudo o que ele refletia era o que eu não gostava de ver: O meu rosto “bolachudo”, repleto de sardas que cobriam parte das minhas bochechas avermelhadas e nariz. Certa vez, visitei um dermatologista que disse a minha mãe para que não se preocupasse muito com as sardas do meu rosto, pois elas não apareceram por descuido, mas sim por conta da genética. Bastava olhar no rosto de minha mãe para perceber que ela também era sardenta assim como eu. Suas sardas iam mais além, estendendo-se até o colo, costas e um pouco também nos braços, enquanto as minhas concentravam-se apenas no rosto e nos ombros. O médico também disse para mamãe, que era muito importante que usássemos protetor solar,e me garantiu que as pessoas iriam gostar das pintinhas em meu rosto, já que eu era criança e estranhava que cada vez mais estivesse pintadinha, entretanto isso não aconteceu, e as pessoas logo começaram a me chamar de um apelido que até hoje não gosto: Ferrugem. Não era fofo, magoava e me magoa até hoje. Não gosto das minhas sardas, não aceito olhar no espelho e ver todas essas pintas aglomeradas em meu rosto. Não aceito ser chamada de ferrugem, ou dizerem que fui esquecida no sol. Odeio esses apelidos! Frente ao espelho, cobri meus olhos com as mãos e a essa altura, o meu rosto “enferrujado” já estava coberto de lágrimas. Me sentei ao lado de uma das pias, e recordei o que Karen me disse há instantes atrás.

“ –Bem, vai perder a oportunidade de tirar do rosto essas sardas feiosas.”

Alguém abriu a porta e rapidamente me levantei e lavei o rosto para evitar que alguém dissesse que meu rosto estava vermelho de tanto chorar.

— Melli? – Era Sagi quem ali entrava. – Você tá passando mal?

— Ai...

Oi – Diz pra mim... Comeu e ficou com dor de estômago? – Logo ela deixou a mochila no chão e se aproximou de mim.

— Não...

— Você está chorando?

E foi só me perguntar, que novamente comecei a chorar.

— O que aconteceu?

Expliquei a ela tudo o que aconteceu, e assim que terminei, não deu cinco segundos para que ela fosse atrás da Karen. Eu pedi para que deixasse quieto, mas ela não me ouviu. Sagi acabou a levando para o gabinete da diretora, e eu fiquei sentada no pátio mantendo a maior distância possível da confusão. Ainda estava magoada com as coisas que havia escutado momentos atrás, e meus olhos que ainda estavam com lágrimas, olhavam para o saquinho de batatas que eu havia guardado em minha mochila. Eu com certeza não conseguia ofender a Karen, mas mesmo que me irritasse, eu não gostaria de ser irritante como ela. Prefiro ficar quieta do que me meter em confusões, mas eu teria de fazer algo para que ela parasse de me irritar, entretanto, eu não sabia mais o que poderia ser feito. Talvez vou ter que dizer a minha mãe para vir até a escola conversar com a diretora, ou eu mesma vou até a diretoria explicar o que está acontecendo, mesmo tendo a certeza de que nada vai acontecer.

— Porque está suspirando? – Sage apareceu ali e logo se sentou ao meu lado. – Ai, você está chorando de novo? O que foi dessa vez? A idiota veio falar alguma coisa pra você?

— Sim... Veio se fazendo de amiga, mas na verdade ela deve estar com segundas intenções.

— Ela quer te afastar de mim, mais não vai conseguir, porque não tô nem aí pra ela. O que ela te disse?

— Ela me convidou pra ir a uma festa, dizendo que lá teriam vários meninos para eu ficar... Eu disse que não ia e no final ela me disse que me mandaria para um spa fazer um tratamento pra acabar com as minhas sardas... Ela ainda disse que elas eram feiosas! Eu odeio as minhas sardas, e ela dizendo isso piora mais a situação!

— Ai, Melli... Ela quer te deixar pra baixo mesmo! Você não pode dar atenção ao que ela fala, porque ela quer que a nossa amizade acabe, ela quer tomar o seu lugar! E mais do que isso, quer que você se sinta o pior possível! E as suas sardas... – Sage deslizou os dedos sobre elas, limpando as lágrimas que ali ainda escorriam. – Pode ter certeza que ela tem inveja! Você é diferente, e suas sardas acabam chamando a atenção para seus olhos. – Neste momento, ele acabou olhando para eles. – Você precisa aceita-las! Aceitar que são parte de você! Sem sardas você não é Melli!

— Não?

— Não! Elas chamam a atenção para o seu rosto, mas não é de maneira negativa! E outra... Você não precisa de maquiagem como a Karen que parece que enfiou a cara em um saco de farinha...  Na minha opinião, as meninas não são bonitas quando usam maquiagem demais.

Será que foi um elogio? Olhei para ele novamente, e busquei o seu olhar. Rapidamente ele também me olhou e eu começara a sentir vergonha, mas mesmo assim continuei o olhando, quando ele começou a aproximar o seu rosto do meu. Fechei os olhos e meu coração estava batendo a mil. É agora! Delicadamente ele retirou da minha testa algumas mechas da minha franja e sutilmente deu um beijo em minha testa.

— Não fica assim... – Depois de me aconchegar em seus braços, ele acarinhava o meu braço.

O que estaria acontecendo com ele? De repente ficou tão sensível aos meus sentimentos... Talvez ele estivesse se colocando no meu lugar, talvez também tivesse doendo o seu coração, ou ele estaria apenas sentindo pena. Eu gostaria que ninguém nos flagrasse nessa situação pois certamente se alguém nos visse assim, os boatos iriam se confirmar. Eu gostaria que ele fosse meu namorado, ah como eu queria... Ele é um rapaz bonito, engraçado, tem um sorriso lindo e os olhos tão brilhantes... Ele é como um sol. O sol da minha vida! Ele a torna mais viva, me ilumina quando eu mais preciso, e me faz companhia todos os dias, além de aquecer a mim e ao meu coração, que sem sombra de dúvida palpitava mais forte por ele. Eu estou apaixonada, não tenho mais dúvidas. Eu gostaria que ele soubesse o quanto eu o amo, mas tenho medo do que possa me responder. E se nossa amizade terminar? E se nunca mais me procurar? E se nunca mais me olhar? Isso começava a trazer certa dor a mim. Eu não percebia, mas meus olhos mais uma vez estavam cheios de lágrimas. Sem querer, soltei um suspiro e na calmaria em que se encontrava o pátio, ele não pode deixar de escutar.

— O que foi? Está chorando de novo?

Eu não tive tempo de responder, porque logo o sinal tocou e uma multidão de alunos corriam no pátio e a calmaria logo teve fim.

— Eu... Vou pra casa. – Coloquei minha mochila nas costas, e antes que eu pudesse ir em direção ao portão, ele segurou minha mão.

— Espere... Você não vai ir com a gente? Podemos te deixar no seu apê...

— Não, obrigada. Minha mãe vai passar aqui pra me buscar. Vamos almoçar no shopping hoje. Tchau, até amanhã! – Logo saí andando rápido até o portão.

~ mais tarde... no shopping...~

— Eu preciso sair de lá, mãe... Por favor, eu já não aguento mais essa menina! – Eu me referia a Karen.

— Bem, filha... Eu vou até a sua escola novamente conversar com a diretora. Assim você poderá ficar aliviada por alguns meses, mas você vai mudar de escola sim. Basta ter um pouco de paciência.

— Ai... E meus amigos? Os tri... A Tiffany... Vai todo mundo ficar lá!

— Você poderá visita-los quando quiser! Os trigêmeos moram pertinho de casa, você nunca deixará de vê-los! E a Tiffany, você sempre vai conversar com ela por computador, e pode chama-la para ir a nossa casa! Pode visita-la também.

— Hm... Visitar a Tiffany? Não sei... A avó é um pouco séria, não sei se ela permite uma coisa dessas. – Assim falei, e levei a boca uma garfada de macarrão ao molho branco.

— Falando na sua amiga, você já a convidou para viajar conosco nas férias?

— A senhora está adiantada, não acha? Haha. – Brinquei.

— Para viajar a gente tem de planejar muitas coisas, filha!

— Eu estou brincando. Eu já chamei sim, e ela ficou muito feliz! Só faltava a avó não a deixar viajar com a gente...

— Se ela quiser, pode falar comigo. Não vai ter problema algum! Mas claro, nem todas as pessoas se dão conta disso.

— Ainda mais a avó dela... A senhora não disse que ela sempre fica de cara fechada nas reuniões?

— Sim... E sempre fica alguns minutos depois da reunião para conversar com os professores. Até mesmo pergunta para eles se não conhecem cursos para que a Tiffany seja matriculada.

— Acho que a senhora deveria conversar com a avó dela...

— Se eu tiver a oportunidade...Porque não?

— Eu acho que a Tiffany tem que descansar nas férias e não estudar.

— Concordo, mas acho que estudar também é importante. Uma hora de estudo por dia já basta. Depois a gente tem mesmo que se divertir, e isso você faz muito não é,filha?

— Com certeza! Hahahaha!


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