Nem sabia por que estava ali novamente. Havia conseguido se livrar da obrigação de completar o artigo, então não precisava vê-lo nunca mais.

Por que, então, estava parado na frente da porta da casa dele?

Abriu a porta, que estava destrancada. Garoto irresponsável, e se por acaso fosse um psicopata –coisa que Yuki não era...– querendo matá-lo?

Tirou os sapatos e entrou. A casa estava como as ultima vez, no quesito de bagunça. Mas no que se referia a presença se Shuichi, já era outra historia. O único sinal de algum ser vivo por perto era uma pasta azul jogada sobre a mesa. Caminhou pela sala, inconscientemente se dirigindo para o quadro, o qual ficou olhando longamente até que o barulho de uma porta se abrindo o chamou a atenção.

-quem é você?- perguntou um rapaz alto de cabelos longos e compridos, que parecia ter a idade de Shuichi e trazia nas mãos uma sacola de compras.

-não, eu só...- Yuki balbuciou, sem saber o que dizer.

-Shuichi não está.- respondeu em um tom levemente rude –nada comparado ao tom que Shuichi usava. Ele colocou o que segurava sobre a mesa e puxou uma cadeira para sentar-se nela.-você veio aqui em busca de sexo, não é?- perguntou, tirando as compras da sacola.

-não, eu sou o redator de uma revista.- explicou Yuki, as fazes tingindo-se levemente de raiva por ter sido confundido com um daqueles homens.-eu vim para conversar com ele.

-sim, claro... Contudo, você é igual a todos os outros. Me desculpe, agora mesmo Shuichi esta transando com outro.

-eu imagino- Yuki suspirou.-ele é seu amigo?

-isso não é assunto seu- disse o jovem, finalmente olhando para Yuki. Agora me recordo... você que escreveu sobre as obras dele.

Ele colocou o resto das compras no chão e pegou uma edição da “Splash” na pasta, folhando-a até encontrar uma pagina com uma enorme foto de Shuichi.

-escreveu aquele artigo que saiu a pouco?

-sim, em parte.- disse Yuki, sentando-se do lado oposto da mesa.

-eu leio tudo o que publicam sobre Shuichi, mas esse artigo foi o pior.

-pode ser mais especifico?- pediu Yuki, tentando esconder a ponta de desdém que escorria por sua voz.

-você não entende absolutamente nada do que é a arte dele.

-do que você está falando?

-“o que me chamou atenção quanto à obra de S. Shindou foi a mescla suave e exótica de cores e traços. Sua obra reflete inteiramente o amor de seu publico. Sua satisfação é sentir-se querido.”

-não está correto?

-você não sabe nada sobre Shuichi. Nada.

-bom, é o que parece.- disse Yuki, apoiando o queixo sobre as mãos cruzadas.

-as obras do Shuichi não refletem sentimentos. Ele mesmo reconhece isso. –explicou.- o único quadro em que ele os demonstra- ele se levantou e foi em direção ao quadro do menino e o mar – é esse aqui.

-agora que mencionou... - disse Yuki percebendo o quanto Shuichi fora rígido em não lhe falar absolutamente nada sobre o quadro.

-hein? Shuichi te disse isso?- disse o garoto, um pouco surpreso.- você parece ser uma boa pessoa. Você sabe por que Shuichi pinta?

-se sei por que ele pinta? Não.- confessou Yuki, vendo a deixa para satisfazer sua curiosidade.

-faz para se distrair- disse o rapaz, como se tivesse começado a confiar em Yuki.- da mesma forma que se deita com um cara diferente todas as noites.

-o que você quer dizer?

-ele não está feliz.- respondeu o rapaz, caminhando pela sala e olhando os desenhos, um por um.- não se deita com homens por ser divertido. Está sempre tão triste. Não para de desenhar essas ilustrações tolas e de deitar com homens para se distrair.

-você gosta de Shuichi, não é?- perguntou Yuki, já prevendo a resposta.

-se eu gosto?- ele se perguntou, melancolicamente.- não. Eu amo Shuichi.

-então, por que permite que ele se deite com outros?

-por que acredito nele.- o rapaz olhou para Yuki- acredito que no final ele me escolherá.

Yuki desviou o olhar, sentindo o clima ficar pesado. Então era por isso que Shuichi se comportava daquela maneira. Mesmo assim, as respostas que obtivera apenas haviam gerado mais duvidas.

-era você no quadro?- perguntou Yuki, tentando fazer o amigo de Shuichi falar mais.

-infelizmente, não. É Ryuuichi, seu amigo de infância.- suspirou. – conheço Shuichi a fundo. É mais frágil e fraco que qualquer pessoa. Então, não seja muito duro com ele.

“Amar é quase acreditar”, Hugo.