O CAMALEÃO SIDERADO escrita por MARCELO BRETTON


Capítulo 28
Capítulo 28




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/673114/chapter/28

Fora difícil convencer o seu mentor na delegacia a conseguir outra viatura, alegando que a que pegara emprestado, levara para a oficina credenciada pela polícia com problemas de freio. Mas o seu semblante estava tão decidido e, a sua temperatura corporal adaptada ao ambiente, quente e úmido, favorável a exotermia de um camaleão, que ele disfarçou o quanto pode entre os seus pares curiosos e saiu dali o mais rápido que pode, rumando para a estrada que levava ao endereço do sítio e do bar vizinho. Deu de ombros quando o delegado lhe informara que o casal fora solto.

 

Enxugava o suor da testa com uma flanela suja de graxa, enquanto tentava não cometer infrações de trânsito. Ficara tentado em ligar o giroflex, mas preferiu não chamar atenção e manter a discrição como um bom investigador faria, apesar da sua agonia interior. Nada no mundo poderia lhe trazer paz até cumprir com os desígnios que prometera a Deus. Nada poderia lhe fazer mais feliz do que ter logo o bebê em seus braços. O seu filho, que não rechaçaria como um cachorro sarnento.

 

Estava arrependido de não ter dito a verdade ao Almeida quanto a visita ao hospital, mas achava que mataria dois coelhos com uma cajadada só. Veria as condições de Joãzinho e resolveria a contenda com Florinda. Conhecera aquela criatura no centro da cidade e por causa de uns goles a mais no dia de folga e a pressão dos colegas de polícia duvidando da sua sexualidade, convencera a criatura a ir para um quartinho de pensão ali perto. Não imaginava o que estava tentando provar pra si e pro mundo. Que era um macho reprodutor como um zebu de boa estirpe, que mandava ver em qualquer racha que encontrasse pela frente sem piedade e, claro, saberia lidar com o dia seguinte após o coito. Mas não soube lidar nem com o contato do seu pênis com a vagina peluda da mulherona, nem com a notícia que ela lhe dera de que estava grávida dele. Aquilo só podia ser piada.

 

Ele seria um pai dadivoso e, acreditava piamente que adotaria uma criança para despejar todo o amor represado que um ser humano poderia ter dentro de si, mas nunca pensou em penetrar de verdade uma vagina. Fora uma experiência asquerosa. Lembra de ter vomitado no banheiro fedido a água sanitária barata e a mulher ajoelhada atrás de si com o lençol imundo a lhe limpar os lábios com restos ressequidos de um cachorro quente. Não seria pai daquela maneira nojenta.

 

Dava graças a Deus por não tê-la encontrado no hospital. Ela devia ter mentido sobre as contrações. Ao mesmo tempo poderia até agradecê-la por ter encontrado o seu filho ali, de corpo e alma e, milagre, se alguém acreditasse.

 

O trânsito ajudara, e em menos de três horas estava no cruzamento da rodovia principal, que já era bastante ruim de trafegar, com uma estradinha de terra que mais parecia uma picada aberta no mato. Ali na esquina estava os destroços calcinados de uma construção que outrora poderia ter pertencido a um bar. O cheiro de queimado ainda estava forte, e a despeito do dia estar no seu fim, e a luz escassa, jurava ver caracóis de fumaça saindo do terreno. Estacionou a viatura em frente a cancela, saiu e bateu palmas, como faziam os visitantes que chegavam sem avisar.

 

Com o advento de um ribombar no céu que já se fechava em prenúncio de tempo ruim, ele pulou a porteira e caminhou até o estábulo.

— Estranho. O carro de Selma com os pneus arriados e nem sombra de gente – Pensou com as mãos na cintura, que depois colocou na cabeça quando viu uma panela de comida com moscas voando ao redor e já pedindo clemência para ir ao lixo. Examinou as dependências e viu rastros de uso recente nos quartos sem ignorar o cheiro de esperma seco nos lençóis dos dois quartos e de merda no banheiro de um deles. Saiu dali em direção a casa principal com a mão na coronha da arma e passando pelas jaqueiras encontrou dois buracos cavados no tamanho que só os coveiros das antigas saberiam cavar. Entrou na casa pela cozinha e viu sinais de movimentação recente. Pensou ter ouvido algo vindo dos fundos do terreno. Sacou o revólver e caminhou com cuidado até a área em que imaginava ser a produção da pinga que Almeida lhe falava tanto, devido ao forte cheiro da fruta que trouxe fama ao bar.

 

Havia alguém nadando pelo ruído de braçadas que ele distinguia, mas não havia piscina ali. Deu a volta pela parede de trás da construção e entrou pela lateral menos visível a quem estivesse dentro. De arma em punho entrou no recinto quase na penumbra e viu bolhas saírem do tanque. Momentos depois, uma cabeça emergiu e ele apontou seu 38 para ela sem saber o que fazer diante do inusitado da situação.

 

###

 

— Você parece cansado – Afirmou a mulher trêmula de tanta atividade sexual nas últimas horas.

— E estou, mas é um tipo diferente de cansaço. Não é físico. É quase como uma estafa que está me consumindo a energia – Respondeu mais para si, enquanto Selma e Gemima chegavam com o tatu quente. Improvisaram juntar duas mesas e arrumavam pratos e talheres. Sérgio, que apresentava grandes olheiras e parecia andar com as pernas bamboleando, logo se juntou ao grupo. Franco voltava do mato onde fora tirar água do joelho e não tinha uma cara muito boa quanto a obrigação de degustar o Nagasaki, mas o faria de bom grado para compensar o trabalho que deu pra sua gordinha caçar o bicho. Se tivesse engolido a coroa de pedras preciosas da Rainha Elizabeth, aquele bicho teria condições de fazê-lo cagá-la inteirinha e polida pronta pra qualquer cerimônia real.

 

— Você não parece animado hein? – Ralhou Selma já se servindo da iguaria.

— Tô enfastiado.

— Mas não vai fazer desfeita, né coroa? – Intimava Gemima, já pondo um prato na frente do velho, que depois de uma sequência quase coreografada de caretas, criou coragem pra pegar o garfo.

 

Dorotéia e Sérgio que não estavam acostumados a comer carne de caça, avançaram no ensopado com um apetite fora do normal.

— Dizem que é afrodisíaco – Proferiu Gemima buscando olhares de aprovação. Encontrou o casal católico dando bicotas e achando graça do comentário da gordinha. Se aquilo aumentasse ainda mais o tesão deles, teriam que tomar um remédio pra febre. Comeram em silêncio, tendo a cantoria dos grilos como pano de fundo.

 

Quem primeiro avistou o veículo foi Diolindo. De longe não parecia ser um carro comum, se parecia com um, com um, carro de polícia!?

— Polícia? – Pensou em voz alta, chamando a atenção de todos na mesa para o veículo com uma luz no teto.

Pensou em pedir que Franco se escondesse, mas não poderiam saber que eles estavam ali. A não ser que tivessem chegado até o velho que lhe vendera a carroça, e este lhe dito que rumo teriam tomado. Olhou para o pai que lhe adivinhava os pensamentos e procurou se manter calmo até para não assustar o casal que lhes tinham recebido com tanta boa vontade. Selma olhou Diolindo sabendo o que ele estava pensando mas continuou a comer como se nada tivesse acontecido.

— Temos visita – Disse Sérgio levantando-se para se se dirigir a beira da estrada e ver do que se tratava. E de quem se tratava.

 

###

 

O ônibus estava lotado e atrasado. Era a única viação que atendia a região onde sua filha morava e os horários eram poucos. Conseguira uma vaga de última hora por desistência de um passageiro que passara mal pouco antes de embarcar. Pelo jeito só iria chegar de madrugada e pedia aos céus que Selma estivesse bem, pois teria que lhe contar o sucedido com a sua irmã e o cunhado. Também rezava para que o seu neto estivesse em segurança com ela. E fez um adendo na oração pedindo que Fredson já estivesse com os dois.

 

Ao seu lado estava sentado uma senhora com semblante carregado, como aflita por algo que lhe assombrava. Queria puxar assunto com alguém para fazer a viagem passar mais rápido.

— A senhora está bem?

A mulher na casa dos setenta anos se deu conta que aquele cavalheiro estava lhe dirigindo a palavra e o fitou nos olhos e começou a gesticular apontando seguidamente para a boca e os ouvidos. Era surda muda. O melhor a fazer seria tirar um cochilo. Devolveu o sorriso a mulher com o rosto carregado e refestelou-se como pode na poltrona, embalado pelos solavancos da estrada. Esperava ter notícias boas em poucas horas. Esperava voltar o mais breve possível para os braços da sua nova companheira e da sua criança. Testemunharia ver o seu neto e a sua filha crescerem juntos até a idade que Deus permitisse ele viver, e que fossem muitos anos. E foi imaginando que entrava na igreja babando, sentado em uma cadeira de rodas de mãos dadas a sua Babi na flor da idade, que ele adormeceu profundamente, derrotado pelo cansaço, e não viu o ônibus passar direto pelo ponto onde deveria ter descido.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O CAMALEÃO SIDERADO" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.