O CAMALEÃO SIDERADO escrita por MARCELO BRETTON


Capítulo 27
Capítulo 27




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Diolindo recebera a notícia da fuga dos jumentos como se já esperasse que aqueles animais tivessem vontade própria e tivessem voltado pro verdadeiro dono. Aquela altura estavam se banqueteando no melhor pasto da região. O que ele não sabia era que os bichos estavam comendo o capim pela raiz.

 

Depois de passar um tempo acarinhando a barriga alterada de Desirée, foi ter com o pai quando o dia já se ia, e o velho já resmungava pela falta de álcool, quase sugerindo que aquilo era uma tragédia de proporções apocalípticas. Ele não estava nos melhores dias.

 

— Sei que ser ..só quase.. não dá pro gasto. Vivi nos subúrbios da vitória, onde todos queriam arrombar os portões do centro da cidade pra lamber as botas dos pederastas envernizados. Quando o gosto de merda subia na boca, se sabia que o melhor caminho a seguir era o de volta pra nossa insignificância e morrer na cadeira de balanço entupido de analgésicos e remédios pra depressão. Merda por merda, a minha fedia menos – Resmungava olhando pra garrafa de vinho canônico batizado e, quase no fim.

 

— Você teve a chance de fazer a coisa certa, não teve? – Indagou o filho respirando fundo como pedindo paciência para ouvir os discursos evasivos do pai torto.

— Lindinho, você não esta enxergando o cerne da questão. É como assistir filme pornô e ficar elogiando a sobrancelha da atriz – Contemplava fazendo uma cara de espanto.

— Franco, você não admite nunca que desde cedo não serviria pra nada. O seu pai, meu avô, tanto sabia disso que lhe empurrou pra igreja como um jeito de lhe dar tenência, tomar um rumo.

— Isso é mel de zangão, ou seja, mentira. Naquele tempo já havia recessão e já se engrossava feijão com farinha, você não sabe de nada.

— Vá a merda e fique lá um tempo! – Proferiu Selma que ia se chegando e recebeu um olhar de reprovação de Diolindo que a fez repensar sobre o que seu homem sentia por aquele velho decrépito e pérfido. Inventou uma desculpa e foi pra cozinha do acampamento esquentar o Nagasaki para comerem logo mais no jantar.

 

Com a mudez do filho e uma ardência no pinto, Franco saiu em direção do banheiro improvisado.

 

— Preciso aliviar o joelho, parece que desde ontem tô mijando alfinetes. Gemima deve tá com alguma doença venérea. Mas também mulher gostosa, asseada demais e com tutano só se for louca de pedra fugida do hospício. Prefiro urinar pus do que ver um pavão doido desses em cima de mim – E saiu gargalhando e criando coragem pra pôr na boca o tatu que mais tarde seria servido.

 

Diolindo ficou ali matutando como a sua vida tinha dado uma guinada brusca em tão pouco tempo. Perdera sua mãe que imaginara ser uma pessoa e depois de morta soubera que era outra. Pra onde teria ido a sua alma? Será que com todos os pecados Deus ainda teria coragem de recebê-la com pompa no céu, enquanto tanta gente com mais merecimento esperava na fila? Era a sua mãe e esperava piedade do Criador pra que ela pudesse espiar pelos seus pecados longamente. E rezaria pra que ela encontrasse Agenor, o homem que ela lhe dizia que era o seu pai e, de conluio com o seu pai verdadeiro, mandara matá-lo. Dentro dos limites da sua parca compreensão do mundo, Franco desde sempre fora manipulado. Pela igreja, pela sua mãe e pelo seu vício. Um homicida bom. Homicida bom? Quando chegou nesse ponto, preferiu parar de raciocinar, caso contrário poderia entrar em parafuso. Acordou do seu transe com as mãos trêmulas de Dorotéia no seu ombro.

 

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Os gomos de jaca ficavam curtindo na pinga num pequeno tanque circular coberto por uma lona, que ele retirou com cuidado, aspirando o aroma que lhe subira nas ventas. Extasiado com o cheiro forte da fruta misturado ao aguardente, começou a se despir. Nu, ligou uma mangueira e banhou-se antes de entrar na piscina da bebida que sempre lhe despertara a curiosidade e nunca saciara. O miserável se negava a lhe vender uma mísera garrafa. Nem quando começara a lhe vender fiado ele se pronunciara sobre o seu pedido. Aquela porra não era uísque Escocês, era uma pinga de jaca! Ele sabia que era das boas, a única que ele conhecia, ainda mais de jaca, a sua fruta preferida. Se ao menos ele lhe dissesse onde poderia comprar uma garrafa. Mas não, sempre com evasivas, evitava-o e o deixava ainda com mais vontade. Agora ele estava ali sozinho, pronto pra mergulhar na bebida que quase o enlouquecera de curiosidade. Se aquilo fosse vendido no seu bar, hoje estaria rico, andando com couro de jacaré nos pés.

 

Aproximou-se do tanque e colocou um pé dentro do líquido espesso seguido do outro. Sentou no tanque com o líquido cobrindo-lhe o peito e, com as mãos juntas, fez uma concha pra sorver o primeiro gole. Errara tanto na vida. Cobrara tantos fiados com valores inventados. Era os juros que cobrava dos bêbados que não sabiam o quanto tinham bebido na noite anterior e portanto não podiam reclamar. Também adulterava as bebidas que comprava com metanol. Sabia que era culpado por algumas mortes. Falta de ar, visão turva, convulsões, tontura, lábios roxos e diarréia. Quando via alguém bebendo no seu balcão com esse pacote de aflições, sabia que o pobre diabo não tinha muito tempo de vida. Não sentia nenhum remorso, era apenas negócio. Nunca tivera mulher, nem outro filho, mas fizera um bom pé de meia pra um dia ir atrás do seu filho. Não por caridade, nem por sentimento paterno, mas apenas pra ter alguém ao lado de seu leito de morte. Descobrira o câncer há pouco tempo, e o filho da mãe estava se espalhando rápido.

 

Mergulhou a cabeça dentro da piscina de pinga e quando voltou à tona se deparou com o rosto que buscara a vida toda, fitando-lhe com uma expressão nada amigável. E apontando-lhe uma arma.

 

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Enquanto Godô pilotava a duras penas o caminhão na estrada ruim, Romeu alisava a garrucha como uma lâmpada mágica. Era como se um gênio fosse sair dali a qualquer momento e lhe concedesse mais um ricocheteio épico quando melhor lhe aprouvesse . O seu aparato dera conta de gente e de bicho duma vez só. Seu pai ficaria orgulhoso. Porém, o homem ao volante estava ressabiado.

 

— Vire esse troço pra lá! – Implorava fazendo um gesto brusco com a mão direita, enquanto controlava o bichão com a outra.

— Calma Romeu. Isso aqui obedece os meus comando hômi! Essa belezura é capaz de fazer milagre na hora do aperto.

— Espero que ela esteja de bom humor na hora que a gente encontrar o padre e sua turma. Mas vô logo avisando que num quero esse bate aqui bate lá pegando em Gemima. Da minha mulher cuido eu!

— Fique sossegado Godô. Minha menina lê os meus pensamento. Ela sabe quem eu quero que fique com a marca de uma azeitona no couro – Profetizou beijando sua arma ainda com uma bala na agulha.

Seguiram calados por um par de quilômetros até o bichão bufar e morrer no meio da estradinha. Godô olhou pro painel e se culpou pelo que viu.

— Diacho! Esqueci de abastecer lá na estrada. Pane seca – Disse abaixando a cabeça e encostando a testa no volante.

— Vixe Maria. Agora temo que ir a pé.

— Mas nem que seja de joelho esfolado nos vamo pegar aqueles lá – Proferiu Godô batendo a porta do bichão com violência.

 

Olharam pro sol se pondo, conferiram as armas carregadas e puseram-se a caminhar, mas não sem antes enrolarem unzinho pra clarear as ideias e talvez ajudá-los a se explicar ao carro de polícia que logo apareceria diante dos seu rabos suados.

 

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Transtornado como um peru temperado com álcool antes de morrer para encontrar o caminho do forno, Almeida passou no hospital pra ver Florinda e a filha. Providenciou informá-la para que endereço deveriam ir no dia seguinte de táxi, após a alta médica. Deu-lhe a chave da sua casa e a orientou explicando o que teria que fazer.

— Meu querido, se é que já posso chamar-lhe assim, você é um anjo sem asas que apareceu nas nossas vidas e nos amparou.

— Ao contrário, você salvaram a minha vida – E deu-lhe um beijo testemunhando com alegria a pequenina mamar com vontade nos peitos carregados da mulher por quem se apaixonara – Escute minha querida, tenho uma missão a cumprir. Preciso ir de encontro a minha filha caçula e do meu neto. Acho que estão no mesmo lugar, mas não tenho certeza. Preciso esclarecer algumas coisas e logo estaremos junto para sempre.

— Almeida. Me deixe ao menos falar sobre o pai de Babi para que não tenhamos problemas. Não quero surpresas desagradáveis, logo agora que a minha vida parece que ganhou força, quando tudo o que eu queria era morrer! – E chorou amparando o bebê que lhe sugava os seios.

— Seja o que for, não tenho nenhum interesse em saber nada sobre esse sujeito.

— Tudo bem. Como você quiser. Você é um homem experiente e confio em você. Me sinto segura ao seu lado e tenho certeza que será um pai exemplar pra nossa Babi!

 

Almeida, com os olhos marejados, beijou-lhe outra vez, desta vez na boca, pela primeira vez e, ali selaram o sentimento que estava represado desde o primeiro momento em que se viram.

Levantou-se da beira da cama exultante de felicidade e caminhou de ré até a porta do quarto soltando beijos para os seus novos amores seguindo para a rodoviária com as intenções mais insalubres latejando em seu coração. Alguém teria que pagar pelo sofrimento que estava lhe consumindo, e fosse quem fosse, enfrentaria a sua ira desconhecida até para ele mesmo, até então.


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