Estrela da Manhã escrita por Luna MM


Capítulo 4
Céu ou Lamaçal?


Notas iniciais do capítulo

"Por toda a vida aprendi a amar.
Ora de minhas artes a maior irei provar
E declamar minha paixão – céu ou lamaçal?
Ela não vai me dar o céu? Não faz mal!"
— Robert Browning, "One Way of Love"



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Clary recuou um passo, por puro instinto de proteção, mas não conseguiu tirar os olhos de Sebastian, ainda parado na frente do túnel escuro. O ambiente havia sido tomado pelo silêncio, exceto pelo som leve de sua respiração ofegante e as batidas apressadas de seu coração, como se o tempo houvesse congelado para todos, menos para ela. Parecia que apenas Clary era capaz de enxergar o que estava acontecendo ali.

Sebastian mantinha o olhar preso nela, um sorriso brincando nos lábios, enquanto a encarava tão intensamente, como se ela fosse um troféu que ele havia batalhado muito para conquistar, algo que nem mesmo ele acreditasse ser possível encontrar. Silenciosamente, Clary tentou desesperadamente encontrar alguma coisa que soasse apropriada para falar ou fazer naquela situação, mas de certa forma, havia algo naquele olhar negro indecifrável e no sorriso maldoso em seu rosto que a impedia de pensar racionalmente; era como se existisse um feitiço ali, tão forte e poderoso que podia prendê-la no lugar em que ela estava, a deixando completamente vulnerável.

Quando estava perto de Sebastian, Clary se sentia tão frágil quanto um caco de vidro.

 – Estava ansioso pelo momento em que nos veríamos novamente – Sebastian falou, aproximando-se dela com passos lentos, calculados, um de cada vez. – Eu tenho sentido tanto a sua falta, irmãzinha. Você sentiu saudade de mim?

E então, de repente, as últimas lembranças que Clary tinha do irmão, as lembranças que ela se esforçara tanto para esquecer, invadiram sua mente; Sebastian lutando com ela no apartamento e a própria mão dela segurando um caco de vidro em cima do peito dele, mas parando no ar ao se dar conta de que iria matar Jace caso seguisse em frente. Por todo aquele tempo, ela realmente havia se esforçado para tentar esquecer o medo que sentira do irmão naquela noite e até mesmo evitara falar com qualquer pessoa sobre isso, mas aquela sensação sempre a atormentaria, presente em seus piores pesadelos. Aquela sensação sempre estaria junto dela, como uma sombra que nunca desaparece, nem mesmo quando o sol vai embora. Acha mesmo que existe algum lugar nesse mundo para o qual possa ir onde eu não vá encontrá-la?

E naquele momento, ouvindo a voz de Sebastian e vendo ele se aproximar lentamente, sem nunca deixar de encará-la com os olhos negros atentos, Clary sentiu o medo tomar conta dela mais uma vez. Ela tentou conter o impulso de correr, mas suas pernas se moveram antes mesmo que ela formasse um pensamento sequer e Clary recuou para trás, com passos apressados, até sentir suas costas baterem contra algo duro. Virando o rosto devagar, ela encarou Meliorn parado na entrada do quarto, os braços fortes cruzados sob o peito, numa pose que lembrava um guarda e que só significava uma coisa: não havia outra saída. Clary estava presa num quarto com Sebastian Morgenstern e a Rainha Seelie.

  – Você me desaponta, minha irmã – Sebastian disse atrás dela, soando preguiçoso, o tom de voz leve, mas ainda assim capaz de provocar arrepios nela. Ela temia olhar para trás e ver que ele havia se aproximado mais, que a distância entre os dois diminuía perigosamente. – Você só sai daqui se eu quiser que saia, então por que não facilita as coisas para nós dois e encara o que está por vir? Não é educado ficar de costas para quem está falando com você, Clarissa.

Clary fechou os olhos com força e tentou respirar fundo, mentalmente dizendo a si mesma para não deixar o pânico tomar conta de si e ser corajosa, como uma boa Caçadora de Sombras seria. Já havia lidado com Sebastian antes e sobrevivido em todas as vezes, então podia fazer isso de novo.

Girando o corpo para ficar de frente para o irmão, Clary relaxou os ombros e ergueu a cabeça, forçando-se a manter os olhos nele, sem demonstrar qualquer sinal de fraqueza. Disfarçadamente, ela pousou a mão no cabo da adaga que estava presa em seu cinto de armas, mantendo-a lá por precaução.

  – Sebastian – ela murmurou, a voz saindo mais firme do que esperava, apesar das circunstâncias. – Por que está aqui?

Ele levantou mais a cabeça e suavizou o olhar, numa expressão de satisfação.

  – Agora está melhor – respondeu, dando uma piscadela. Em seguida, deu de ombros. – Suponho que você e a Rainha Seelie já tenham conversado sobre isso antes da minha chegada, estou certo?

Ao ouvir o nome da Rainha sair pela boca de Sebastian, Clary finalmente pareceu se lembrar da presença dela no quarto, a poucos metros dele, os lábios coloridos e delineados curvando-se num sorriso enigmático. Ela mal parecia notar que Clary ainda estava ali.

  – A proposta já está feita, meu amor – ela respondeu, aproximando-se de Sebastian, dando a volta por trás dele, e postando-se na sua direita logo depois. Delicadamente, ela apoiou a mão no ombro dele, as unhas coloridas destacando-se na roupa de combate preta que ele usava. – Mas os termos do acordo são seus, apresente-os da maneira que achar melhor.

Meu amor? Clary pensou, estreitando as sobrancelhas e perdendo-se em pensamentos por um instante. E então, a ficha caiu em sua cabeça como se pesasse uma tonelada e ela se sentiu uma tola por não ter notado antes. Ela gosta de ficar do lado vencedor, a Rainha Seelie, seu irmão havia dito na última noite em que ela o vira. E esse lado será o nosso.

  – Você é aliada de Sebastian – Clary disse estupidamente, olhando da Rainha Seelie para o irmão, que ainda a encarava intensamente. – Foi assim que eu desviei o meu caminho e fui atraída para cá, não é? Ele estava me seguindo.

A Rainha Seelie soltou um riso baixinho como resposta, o que deu a certeza de que Clary estava certa.

 – Eu diria que somos mais do que aliados, – ela disse, os olhos azuis-claros brilhando tão afiados quanto uma lâmina – mas use a palavra que preferir. Isso não está em questão aqui.

Clary abriu a boca para retrucar, mas Sebastian fez um aceno com a mão e aproximou-se dela, e automaticamente as palavras presas em sua garganta foram deixadas de lado quando uma nova sensação chegou. Ele se posicionou do lado direito dela e tocou seu rosto com uma mão, o toque gelado dele fazendo-a estremecer; ou talvez fosse apenas o medo se manifestando em seu corpo. Mesmo sem ousar virar o rosto para encará-lo, Clary tinha plena consciência da proximidade entre os dois e, engolindo em seco, ela apertou mais o cabo da adaga na mão.

 – Eu observei você desde que deixou o Instituto mais cedo, minha irmã – Sebastian disse, tão perto que ela podia sentir o hálito frio dele. – Eu vi o cansaço tomando conta de você, vi o desespero e o medo no seu olhar, vi a esperança se apagando no minuto em que você saiu pela porta do Instituto. Você quer salvá-lo, mas está tão perdida que não consegue enxergar uma solução. E você sabe disso.

Clary levantou a cabeça devagar e tentou focar o olhar nos tecidos coloridos que cobriam as paredes do quarto, na tentativa de esvaziar sua mente o suficiente para que as palavras de Sebastian não fizessem efeito nela.

 – Então você é meu psicólogo agora? – Clary perguntou, arqueando as sobrancelhas.

 – Se você estiver disposta a aceitar um acordo meu – ele prosseguiu ao seu lado, ignorando-a como se ela não tivesse dito uma palavra sequer –, eu posso ajudá-la. Posso fazer Jace voltar a ser quem era antes e será como se ele nunca tivesse se ferido.

O olhar de Clary cruzou com o da Rainha Seelie, que estava sentada graciosamente em seu trono no centro do quarto. Por um instante ela apenas curvou os lábios delineados num sorriso torto e, em seguida, balançou a cabeça levemente, como se a desafiasse a seguir em frente. Vamos lá, pergunte a ele, Clary quase podia ouvi-la dizer. Ou será que você é medrosa demais para querer saber?

 – E o que eu teria que fazer em troca? – Clary finalmente perguntou, a voz falhando por um breve segundo.

Sebastian se colocou diante dela e ergueu o queixo da irmã com o polegar e o indicador, forçando-a a encará-lo. Os cabelos platinados dele estavam penteados para trás, de um jeito que o fazia parecer com um Valentim mais jovem, o que deixava os olhos negros dele ainda mais sombrios, como dois túneis escuros que ela podia facilmente se perder se continuasse olhando.

 – Salvar a vida de Jace, é isso o que você quer? Bem, então você também terá que me dar o que eu quero – Sebastian disse, abrindo um sorriso que fez os pelos de Clary se arrepiarem. – Você.

Ao ouvir isso, o peito de Clary se apertou e ela foi invadida pela sensação que a atormentava o tempo todo desde a última vez que vira o irmão: medo. Insegurança, desconfiança, temor. Tentou recuar para trás, mas não havia como fugir quando a única saída do quarto estava inacessível. E então, subitamente as palavras de Sebastian explodiram em sua mente. Por que não facilita as coisas para nós dois e encara o que está por vir?

Concentrando-se nisso, Clary tomou fôlego e encarou Sebastian com toda a confiança no olhar que podia. Um desafio silencioso de uma Morgenstern para outro Morgenstern.

— Você nunca terá o que quer, então – Clary disse, cuspindo as palavras no rosto do irmão, ao mesmo tempo em que sua mão direita agarrava o cabo da adaga com força e a arrancava do cinto, direcionando a lâmina para a garganta de Sebastian.

Mas a ação dela não durou tempo suficiente para que ela pudesse comemorar silenciosamente a pequena vitória. Antes que a adaga tocasse a pele de Sebastian, ele pegou o braço dela que segurava a arma e girou Clary com uma força desumana, em seguida jogando o corpo dela contra ele, as costas dela apoiada contra o peito duro dele e cabeça amparada pelo ombro dele. Clary tentou se mexer para escapar do aperto dele, mas Sebastian havia tomado a adaga da mão dela e a mantinha em sua garganta, imobilizando-a no lugar.

 – Não seja estúpida, Clarissa – ele disse, a respiração dele contra o rosto dela. – Não tente me desafiar.

 – Eu disse que ela não iria aceitar de boa vontade – a Rainha Seelie murmurou, soando incrivelmente entediada. – Ela não tem coragem de fazer sacrifícios nem mesmo quando se trata da vida do garoto que ama. Tem certeza de que são irmãos, meu amor? Ela é tão fraca.

Clary se esforçou para escapar de Sebastian mais uma vez, mas isso só serviu para que ele pressionasse ainda mais a lâmina em sua garganta.

 – É só por isso que está disposto a salvar a vida de Jace, não é? – Clary perguntou, o tom de voz tão baixo que Sebastian só conseguia escutá-la por estar perto dela. – Você sabe que esse é o único jeito de me ter ao seu lado.

 – Não sou tão insensível assim, irmãzinha – ele respondeu, soando verdadeiramente ofendido. – Você é da família, não gosto de vê-la tão infeliz.

 – Ser infeliz e passar para o seu lado são praticamente a mesma coisa para mim – ela rebateu, com frieza. Em seguida, ergueu a cabeça e disse: – Encontrarei outro jeito de ajudar Jace, sem precisar recorrer a você.

Subitamente Sebastian soltou o aperto de Clary e a empurrou levemente contra a parede, sem muita força. Girando o cabo da adaga dela na mão, ele caminhou pelo quarto. Apesar de ele ter se virado, Clary notou quando ele trocou um olhar com a Rainha Seelie.

 – Não existe outro jeito, garota tola, caso contrário sua amada Clave e os Irmãos do Silêncio já teriam encontrado uma solução, não é mesmo? – A Rainha Seelie murmurou, levantando-se do trono graciosamente e parando ao lado de Sebastian, lançando a ele um sorriso que quase parecia carinhoso.

 – Devia preocupar-se mais com a Clave, senhora, já que você se aliou ao inimigo deles. O que aconteceria com sua Corte se eles descobrissem isso? – Clary perguntou, dando um passo à frente, agindo mais por impulso do que por razão.

A Rainha Seelie olhou para Clary por alguns instantes, arqueando as sobrancelhas curiosamente e, em seguida, aproximou-se da menina até que estivessem a poucos centímetros uma da outra. Ela ergueu uma mão e levantou o queixo de Clary para encará-la, as unhas afiadas beliscando sua pele.

 – Em quem você acha que eles iriam acreditar: na Rainha da Corte Seelie que há séculos faz parte do Conselho deles e que teoricamente não pode mentir, – a Rainha disso, fuzilando-a com o olhar – ou numa garota que está tão exausta pela falta de sono que mal se lembra de como chegou até aqui?

Clary tentou pensar em algo inteligente para rebater, mas de repente se deu conta de que estava correndo muito mais perigo do que ela pensava e que precisava tomar cuidado com as próprias ações. Sebastian, que até então só as observava de longe com um ar divertido no rosto, deu alguns passos até estar ao lado das duas. Delicadamente, ele tomou a mão da Rainha que segurava o rosto de Clary e a aproximou de seus lábios, depositando um beijo nas costas da mão dela de um jeito charmoso que fez Clary pensar em um Valentim mais jovem.

 – Ela não irá contar nada, milady. Não se preocupe com isso – ele disse e até mesmo seu tom de voz havia mudado, repleto de encanto que, a julgar pelo brilho nos olhos da Rainha, a gradava –, Clarissa irá aceitar o acordo, mais cedo ou mais tarde.

A Rainha soltou um riso levemente satisfeito e voltou para seu trono, parecendo cansada.

 – E se eu não aceitar, você irá me manter presa aqui para sempre? – Clary perguntou, franzindo a testa para Sebastian que ainda não havia movido um passo sequer para longe dela.

Sebastian ponderou por um instante, o olhar negro dele tão intenso nela que Clary sentiu vontade de se encolher na parede. E então, ele abaixou uma mão para o cinto de armas dela e puxou a estela, colocando-a na mão dela em seguida, seu toque na pele demorando-se mais que o necessário.

 – Desenhe um Portal e vá para o Instituto, irmãzinha. Dê uma boa olhada em seu Jace inconsciente e pense melhor em minha proposta, depois me envie uma mensagem de fogo e te encontrarei no mesmo instante. – Sebastian falou, colocando a mão livre no rosto de Clary. Ela sentiu vontade de se afastar. – Pense bem. Você tem até o fim dessa noite, quando a lua se pôr no céu.

Sebastian se afastou, dando a ela espaço para se mover no quarto e fazer uma runa na parede, mas Clary se manteve parada, tentando formar algum pensamento útil. Mas a única coisa que pensou em dizer foi:

 – Você esqueceu de devolver a minha adaga.

Sebastian riu, a voz saindo um pouco rouca.

 – Ela ficará comigo por enquanto – ele disse, girando-a na mão distraidamente –, essa não é a última vez que nos vemos, minha irmã.

Clary assentiu, desejando sair dali mais do que tudo. Temendo virar as costas, ela apoiou a ponta da estela em uma parede e desenhou o Portal, que imediatamente se abriu numa janela brilhante e sem fim. Engolindo em seco, ela olhou para trás e teve uma última visão da Rainha Seelie sentada no trono olhando-a com desprezo e ao lado dela, Sebastian observando-a com um aviso estampado no olhar: nós nos veremos em breve.

Respirando fundo, Clary deu as costas e deixou que sua mente fosse tomada pela imagem de Jace, o seu Jace. E pulou no Portal.

 – Você está perdendo tempo com essa garota – a Rainha Seelie disse para Sebastian, um instante depois que Clary desapareceu e o Portal se fechou.

 – Ela irá mudar de ideia e tomar a decisão correta – ele disse, com tanta confiança na voz que a Rainha podia ter tomado o assunto como encerrado, mas ao invés disso, perguntou:

 – E como tem tanta certeza disso?

Sebastian ficou tão quieto por um tempo que nem mesmo parecia ter escutado a segunda pergunta. Perdido em pensamentos, ele encarava a adaga em sua mão como se o objeto fosse uma relíquia preciosa perdida, algo que significasse muito mais do que uma simples arma.

 – Você não a conhece como eu conheço. Eu acabei de dar a ela uma chance de se destacar, seja salvando ou destruindo alguém – ele disse finalmente, num sussurro baixo –, e ela irá aceitar porque nasceu para isso. Ela é uma Morgenstern.


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Notas finais do capítulo

Peço perdão pela demora, fiquei tão presa num bloqueio criativo que passei 2 semanas sem conseguir escrever mais que um parágrafo :( Por isso, talvez esse capítulo não tenha ficado tão bom quanto o esperado. Mas enfim, espero que tenham gostado mesmo assim e deixem comentários! Quero muito saber o que estão achando de cada capítulo :)
Bem, é isso. Espero vê-los em breve, beijos e se cuidem ❤