Ele não parecia nem um pouco surpreso em me ver. Na verdade, um sorriso sarcástico cobria seu rosto.

Naquele momento, não tive dúvidas de que ele planejara aquilo tudo. Ele sabia que eu estaria ali com a Aster e queria manter os olhos em nós dois.

"Thomas, conheça Harry o novo membro de nossa família." a senhora Duchassel disse animada.

"Nós já nos conhecemos de velhos tempos."

"Ah, que ótimo! Fico feliz em saber que juntei velhos amigos." tive que me segurar para não fazer uma careta.

Thomas era tudo menos meu amigo, principalmente agora que eu conhecia Aster.

A senhora Duchassel não estranhou a falta de comprimento entre nós. Nada de aperto de mão ou de aceno de cabeça.

Apenas olhares que travavam uma guerra pior do que com punhos.

Senti algo, ou melhor, uma pessoa trombar em mim naturalmente, já que eu estava no fim da escada.

Segurei a cintura de Aster ao mesmo tempo que ela segurou meus ombros.

Vi seu rosto assumir um tom de rosa que não seria possível comparar com a falta de cor segundos depois, quando ela notou quem estava presente.

"Thomas, o que faz aqui?" ela disse após tirar suas mãos de mim como se eu estivesse pegando fogo.

Fui esperto o suficiente para tirar as mãos da sua cintura, antes que aquilo ficasse pior do que já estava.

"Pensei que gostaria que seu primeiro jantar aqui fosse comigo, mas como não fui a única pessoa que deixou para trás resolvi dividi-la com sua avó. Claro, se você se sentir confortável."

Aster olhou rapidamente para mim e depois limpou a garganta:

"Claro que sim! Acho melhor nos sentarmos à mesa logo, não quero atrasar o jantar de vovó."

A sala de jantar da senhora Duchassel era aconchegante, mas não era enorme.

A mesa era de seis lugares e resolvi não colocar Aster em uma saia justa sobre do lado de quem ela sentaria, então esperei que ela escolhesse primeiro.

Enquanto a matriarca Duchassel sentou-se calmamente no topo da mesa, Thomas praticamente fez um show ao puxar a cadeira ao seu lado e quase pregar Aster ali.

Revirei os olhos e me acomodei bem em frente a ela. Aster deu um sorriso amarelo para Thomas enquanto eu me sentava e quase ficou vermelha como tomate ao notar o sorriso cúmplice que eu direcionei inconscientemente a ela.

Ela desviou o olhar e conversou algo com Thomas baixinho.

Apesar de ser um babaca e não prestar atenção em nada que Aster falava, nem mesmo Thomas Brams era capaz de resistir ao encanto dela.

Eu não sabia se ele estava fazendo aquilo para me provocar, mas o modo como ele olhava para ela era intenso. Analisando bem, Aster tinha amadurecido muito durante nesses poucos dias que passamos juntos.

Eu gostava de pensar que parte daquela mudança era minha causa. Saber que eu fiz parte de um processo importante na vida dela, me fazia desejar fazer parte definitivamente disso.

Engoli a seco quando Thomas acariciou a bochecha dela com a ponta do nariz. Desviei o olhar para outra direção encontrei Judy, a avó de Aster, me olhando.

Eu já estava prestes a me explicar para ela quando ouvi de repente.

"Então você já foi morador de Lakeport?" senti cada músculo do meu corpo relaxar enquanto juntava sua pergunta inofensiva com o cheiro da macarronada que Judy posicionava ao centro da mesa.

"Sim, eu nasci na Inglaterra, mas já antes de eu nascer meu pai já tinha um desejo de vim para os Estados Unidos então viemos para cá. Quando ele se separaram, incrivelmente voltamos todos juntos para Londres, depois de um tempo minha mãe voltou para Lakeport e então New Hampshire e eu fiquei viajando o mundo com o meu pai."

Aquela conversa era a minha oportunidade de tirar o foco do casal perfeito na minha frente.

"Eu acho que me lembro de você e da sua mãe, ainda que vagamente."  a senhora Judy finalmente sentou-se à mesa. "Aster e Thomas não fiquem de cochichos na mesa. Além de ser falta de educação, vocês estão excluindo o Harry."

Eu estava pronto para contestar quando ouvir a voz de Thomas:

"Nos desculpe, a senhora tem toda razão." ele olhou para mim com desdém antes de dizer. "Não queremos que Harry se sinta deslocado, não é, amor?" ele beijou a testa de Aster ainda me encarando.

Respirei fundo enquanto a senhora Duchassel me entregava o meu prato já repleto de comida.

"Por que não conta para nós, Harry, um resumo de sua vida?"

"Creio que acabei deixar a senhora Duchassel atualizada com a minha breve biografia e acho que tive bastante tempo para conversar sobre mim com Aster durante a nossa viagem." Vi a compostura de Thomas se alterar e Aster se remexer na cadeira antes de tentar dar um chute na minha canela.

Segurei o seu pé antes que ele me atingisse e observei seus olhos se arregalarem junto com sua tentativa de se desvencilhar de mim, e então se suavizarem quando meus dedos passaram a acariciar, como podiam, seu pé.

"Creio que sim." Thomas disse entre dentes. Se ele soubesse o que estava acontecendo ali embaixo da mesa tenho certeza que ele teria derrubado aquela mesa. "Porém estou surpreso de você não ter agregado mais alguém a essa viagem. Você nunca foi um cara que fica muito tempo sem alguém."

Senti o pé de Aster se tencionar sem motivo. Eu nunca iria expor minha garota daquele jeito.

Não era nada fácil comer apenas com uma mão, mas o esforço valia a pena. Mastiguei lentamente antes de responder:

"Algumas pessoas mudam, outras não. Fico feliz por fazer parte dos que mudaram."

E o jantar  seguiu.

Aster

Thomas conseguiu fazer o jantar ficar mais desconfortável do que eu tinha imaginado. Suas indiretas para Harry já estava me dando nos nervos. Talvez eu teria dado um tapa em sua boca se eu não estivesse concentrada no garoto à minha frente.

Harry tinha esse poder.

Clamar toda a atenção para si, sem dizer uma palavra e até mesmo sem estar consciente disso.

Tom custou a ir embora e eu acho que sabia o porquê de toda a sua relutância. Apesar de ser meio boba.

Eu e Harry já tínhamos ficado vários dias confinados numa kombi, se nós quiséssemos fazer algo de "errado" nós já teríamos feito, certo?

Errado.

Apesar de me envergonhar disso, ele não tinha ideia das coisas que meu corpo pedia para que eu fizesse com o Harry. Acho até o próprio Styles se ouvisse ficaria meio assustado.

Droga, eu estava assustada com tudo isso.

Eu já estava no meu quarto vestida para dormir quando minha avó entrou pela porta.

"Ainda acordada?"

"Estou sem sono, incrivelmente." eu disse tirando os meus óculos e guardando posicionando-o no criado-mudo.

Meu Deus, como eu era cega. Minha querida vó Judy era praticamente um borrão na minha frente.

"Ansiosa para amanhã?" eu tinha contado para ela durante o jantar sobre a proposta da editora. Frequentemente, eu me esquecia daquilo. Então naquele momento vontade de dormir foi de 0 para -137. "Quer que eu faça um leite quente?"

Se esse leite quente conseguir acalmar esses hormônios dentro de mim e expulsar os pensamentos impuros com o garoto dormindo na porta ao lado, eu aceito sem piscar.

"Não precisa, vó. Já tá tarde, vá descansar." ela deu um beijo na testa e eu pedi a sua benção.

Pedi para que ela apagasse a luz e ela o fez antes de sair pela porta.

Nem 10 minutos depois, a porta se abriu novamente.

Nessas ocasiões eu tenho dois tipos de pensamentos:

1- Logicamente é minha avó vindo perguntar algo.

2- Provavelmente esse momento daqui a uns 20 anos vai servir de inspiração para um filme de terror baseado em fatos reais.

Para minha surpresa e ao mesmo tempo horror, era apenas um Harry entrando pela porta e fechando-a em seguida.

"Por que você está segurando o abajur como se fosse uma arma?" sua voz estava num tom mais rouco do que o permitido e eu respirei fundo algumas vezes antes de responder.

"Porque se não fosse você ou a minha avó entrando pela porta, ele certamente seria uma arma."

Ele riu e sua gargalhada aqueceu, ou melhor, incendiou todo o meu corpo.

Quase bati nele quando se sentou na ponta oposta da minha cama.

"Está sem sono também?" perguntei deslizando sorrateiramente para mais perto dele.

Ele assentiu com a cabeça:

"Não se importa se eu ficar aqui por alguns instantes?" ele olhou para mim, mas eu não via muita coisa. Então lembrei dos meus óculos.

Ele segurou minha cintura quando me inclinei para pegá-los.

"Pensei que você ia se afastar." ele disse com um tom meio envergonhado.

"Não fui eu que sentei a quilômetros de distância de você."

Harry passou a mão pelos cabelos e suspirou fundo:

"Eu não sei porque ajo feito um louco quando estou perto de você."

"Eu também não uma das pessoas mais normais e sensatas do mundo quando o assunto é você" ele me olhou de canto.

"Ah, sim, você é sensata. Eu que deixo claro que quero uma coisa e faço outra. Como agora, por exemplo. Eu não tive o trabalho de vim ao seu quarto para ficar afastado de você, ainda assim foi a primeira coisa que eu fiz quando cheguei."

Eu passei a mão por suas costas e me surpreendi ao ver que ele estava sem camisa.

Não era grande coisa. A Califórnia fazia um calor dos infernos e eu mesmo estava com um shorts leve e uma blusinha de alça.

Minha consciência acordou no mesmo momento que meus hormônios entenderam a situação.

Eu e Harry estávamos vestindo praticamente nada num quarto escuro, sozinhos, muito perto um do outro, enquanto meu autocontrole estava em proporções negativas.

Soltei um gemido baixinho quando percebi a encrenca.

Pelo modo como os olhos de Harry brilhavam, eu tive certeza que seu autocontrole também não seria um salva-vidas naquele momento.

Ele me olhou e me analisou como se fosse a primeira vez.

Quando minhas palavras saíram elas não eram minhas, mas de algum lugar muito obscuro da minha mente:

"Eu também tenho problemas com fazer o que eu realmente quero. Eu estou mantendo uma distância sensata de você, mas na minha mente eu adoraria estar grudada em você."

Esperei a risada e a tiração de sarro, mas ela não veio. O olhar de Harry apenas se tornou mais intenso e sua voz mais rouca quando disse:

"Então o que acha de darmos voz ao que nós realmente queremos?"

E então meu autocontrole negativo simplesmente desapareceu.

*