O Legado de Pontmerci escrita por Ana Barbieri


Capítulo 19
Amère, Douce Vengeance


Notas iniciais do capítulo

Boa Leitura!!!

(N/T: Amarga, Doce Vingança)



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Capítulo 19

O sorriso que carregava em seus lábios era perigoso, extremamente confiante. E a curiosidade de Holmes apenas aumentou ao verificar hesitação e um quê de loucura e desespero nos olhos tão negros quanto os de sua Anne.

— Sou eu. – disse Josephine, jocosamente. – A mulher cuja vida você destruiu.

Milverton riu, quase deixando o charuto que estivera fumando durante sua espera cair no chão. Contudo, pela primeira vez, a visão da matriarca francesa pareceu amedrontá-lo.

— Minha cara, nós já passamos por isso antes. – retrucou com seu sorriso afiado. – Por que alastrar ainda mais a sua humilhação? Mas, eu creio que não seja tão surpreendente assim... Foi teimosa demais. Por que me impeliu a tais extremos? Eu lhe garanto que, por mim, eu nunca faria mal a uma mosca, mas, entenda, todo homem tem seu negócio, e que posso eu fazer? A senhora mesma reconheceu que agiu mal se recusando a pagar a primeira quantia fixada...

— Então você enviou as cartas ao meu marido, e ele – o mais nobre dos cavalheiros que já existiu, um homem cujas botas nunca fui digna de amarrar –, seu nobre coração foi partido e ele morreu. – esbravejou Josephine, um pouco da loucura de seus olhos agora refletindo-se em sua voz. – Você se lembra que naquela última noite, quando entrei por essa porta, roguei e supliquei que tivesse misericórdia, e você riu na minha cara como está tentando rir agora, sem conseguir, porque seu coração covarde não consegue impedir seus lábios de se crisparem? Sim; você nunca pensou em me ver aqui de novo, mas foi naquela noite que aprendi como poderia encontrá-lo face a face, e a sós. Bem, Charles Milverton, que tem a dizer? Eu disse que ambos acabaríamos no inferno...

— Não pense que pode me intimidar. – disse ele erguendo-se. – Basta que eu levante a voz para chamar meus criados e mandar prendê-la. Mas vou levar em conta sua ira natural, os franceses sempre foram extremamente passionais, não é verdade? Pois bem, deixe esta sala imediatamente, como entrou, e não direi mais nada.

Josephine continuou parada, a mão no peito e o mesmo sorriso sinistro em seus lábios.

— Não destruirá mais vidas como destruiu a minha. Não atormentará mais corações como atormentou o meu. Estou aqui para liberar o mundo de uma peçonha. – disse retirando de dentro de suas vestes um pequeno revólver. – Tome isto, cão maldito, e isto!... e isto... e isto! – exclamou disparando bala por bala no corpo de Milverton, o cano a sessenta centímetros de sua camisa.

Charles Milverton se encolheu e depois caiu de frente sobre a mesa, tossindo furiosamente e agarrando os papeis. Depois cambaleou, recebeu mais um tiro e rolou no chão.

— Você acabou comigo! – exclamou, e ficou imóvel. Josephine fitou-o intensamente e calcou o salto do sapato sobre seu rosto virado para cima. Olhou de novo, mas não houve nenhum som nem movimento.

— Eu o verei em breve. – murmurou recolocando o véu sobre a fronte maquilada e guardando o revolver novamente no decote, pondo-se furtivamente para fora da sala pela porta dos jardins. Em nenhum momento vira Holmes, não parecia ver mais nada a não ser sua vingança.

Com sua partida, o pomposo detetive caminhou até o cofre, reabrindo-o e jogando todos os papéis contra o fogo, num torpor de violência. Watson mirava o corpo inerte de Charles Milverton com as sobrancelhas arqueadas. Fizera menção de parar a mulher, mas Holmes o deteve com um aperto de mão. Aquela guerra não era deles. No fim, nenhum dos dois possuía algo a ver com o assunto. Bem, não era inteiramente verdade. Madam de Pontmerci pedira a ele para que resolvesse o caso e em nenhum momento dera sinais de que pretendia fazer justiça com as próprias mãos. Na mesa de Milverton, estava o bilhete avisando de sua visita... Holmes o encarou.

Por aquela mulher pagara um caro preço. Naquele momento, a detestava tanto quanto sua esposa. Tanto, que seria capaz de deixar o bilhete ali... o bilhete que levaria as autoridades até Josephine de Pontmerci e a faria pagar por todo o mal que fizera em vida. De repente, seus pensamentos voltaram-se completamente para Violet... Seria capaz de perdoá-lo não só pela traição, mas também por mandar uma mulher para a forca...? Nós dois já cruzamos vários limites da lei... mas no que diz respeito a você e eu. Sentimentos... o nosso casamento... nossos filhos... A voz fraca de Anne retumbava por sua cabeça... Eles conhecerão a traição, mas nunca poderemos ser nós os traidores. Ela era culpada. E era sua cliente. Aquele poder não lhe pertencia e fazer uso dele significaria abrir mão do, talvez, último resquício de moralidade que aquele caso lhe exigia. Respirando fundo, Holmes jogou o bilhete na lareira junto ao resto das cartas.

Subitamente, deram-se conta do tumulto que o som dos tiros causara na casa e puseram-se em retirada pela mesma porta que Josephine atravessara, mas trancando-a por fora em seguida.

— Por aqui, Watson. – disse. – Podemos pular o muro do jardim nessa direção.

A casa até então envolta por silêncio aterrador, subitamente se iluminara e criara vida. Às suas costas, John ouvia as vozes dos criados e o barulho de passos pelo lado de fora. Parecia quase impossível que o jardim já estivesse repleto de pessoas, pensava o doutor enquanto tentava acompanhar o passo rápido de seu amigo. Holmes conhecia o terreno como a palma da mão, no entanto, isso não impediu que ambos fossem avistados por um dos homens de Milverton.

— Aperte o passo. – advertiu Sherlock, avançando por entre uma plantação de árvores pequenas, Watson nos seus calcanhares. O homem de Milverton, talvez Hensworth, seguia-os ofegante; Se aproximaram do muro, uma construção de um metro e oitenta. Holmes pulou-a sem hesitar e o doutor não conteve um bufo de admiração. Seu companheiro estava realmente determinado a deixar aquela mansão para trás. Imitando-o, John apoiou as mãos no muro, preparando-se para pousar do outro lado, quando sentiu uma mão segurando-o pelo tornozelo... – Vamos lá! – chamou o pomposo detetive, do outro lado.

Impaciente, John despendeu um pontapé contra o rosto de seu perseguidor, perdendo um pouco do equilíbrio sobre uma crista do muro forrada com cacos de vidro, acabando por cair de cara entre alguns arbustos do outro lado. Reprimindo um risinho, Holmes o ergueu num instante e, certificando-se de que estava tudo bem, continuaram a despistar os cães de Milverton.

— Holmes... você ouviu o que aquela mulher murmurou? Algo sobre ver Milverton em breve... – comentou Watson, correndo ao lado de Holmes. Ele não respondeu, parecendo absorto com os arredores. O repentino clique de um gatilho sendo armado chamou sua atenção; passos ainda eram ouvidos ao fundo. Sem se importar, o detetive se jogou na direção daquele clique que, em meio ao silêncio de Hampstead Heath, soava como um prenúncio sinistro.

Watson seguiu-o lançando olhares furtivos às suas costas. A busca pelos dois mascarados invasores continuava, mas, talvez aquele desvio lhes concedesse certa vantagem; assim esperava o médico. Encontrou Sherlock novamente em meio a uma luta fria. A assassina de Milverton tentava arrancar a arma do crime de suas mãos, sendo indiferentemente impedida e empurrada contra dois grandes arbustos. Seu grito abafado impeliu o doutor na sua direção. Ela cheirava fortemente a xerez e álcool. Imaginando a razão para que o pomposo detetive se visse forçado a afastá-la da arma daquela maneira, sua expressão para Madam de Pontmerci foi de pena.

— Ela está bêbada, Holmes. – ralhou abraçando-a pelas ombros, ajudando-a a se reerguer. Sendo veemente afastado pela senhora.

— Não pode me culpar. – disse ela num sussurro duro. – Eu fiz o que precisava para proteger meu filho... já havia matado antes... que mal traria a minha alma fazê-lo uma segunda vez...? Ao menos desta vez pude aproveitar...

— Não consigo acreditar que seja parente dela... – murmurou Holmes consigo mesmo. – Para que contratar meus serviços então? Se pretendia dispor de seus próprios meios o tempo inteiro! Teria me poupado o espírito imensamente! – esbravejava, ainda tentando manter a voz baixa. Josephine permanecia em silêncio. A maquiagem que fizera para esconder sua identidade derretendo. Sherlock a fitava duramente, ao passo que Watson tentava manter o foco em seus possíveis perseguidores. Estes, no entanto, pareciam ter desistido... ou simplesmente foram buscar os cães...

— Temos que sair logo daqui, Holmes. – advertiu ele, ansioso. Seu companheiro assentiu, fazendo um gesto para que ele ajudasse a mulher.

— Vocês dois se merecem. – murmurou Josephine, entre soluços e se recusando a aceitar o braço de John. Erguendo seus olhos na direção do pomposo detetive. – É mais cômodo culpar-me por seus infortúnios, não é mesmo? Ela, ao menos, ainda possui algum motivo... Mas suponho que foi isso o que o impeliu a me impedir de fazer o que deixaria a todos mais felizes? Talvez, de um jeito ou de outro, eu acabe lhe rendendo um caso! – a voz dela estava arrastada e uma sombra do sorriso cruel que despusera para Milverton passava por seus lábios. – Ora, e por que ainda está aqui? Senso de dever para com a titia perdida...?

— Venha. – Sherlock resumiu-se a responder, lançando outro olhar de ordem a Watson, tomando a dianteira para longe dali.

Vendo-se deixado para trás, os olhos do doutor recaíram impulsivamente sobre a figura decrépita de Josephine de Pontmerci. “Titia perdida”... Só então ele se lembrara da revelação de Anne. De que a nova cliente de Holmes era, também, sua tia. Quando da revelação dela, acreditou que fora apenas o choque que a levara a repulsa; mas, ao vê-la dirigindo-se a Holmes daquela maneira, concluiu que sua amiga deveria possuir demasiados motivos para não a querer em sua vida.

Em outra tentativa de ajudar Madam a se erguer, resumiu-se a estender sua mão. Ela ainda mirava o caminho por entre as árvores tomado por Holmes. Não conseguia ver sua expressão, mas Watson supunha que estivesse infeliz; e talvez um pouco louca. O que mais teria levado uma mulher alcoolizada a cometer um homicídio, senão a loucura? Certamente, sua vítima mencionara o temperamento passional francês, contudo, Watson sempre fora de opinião tendenciosa no que dizia respeito ao sexo feminino. Apenas as piores provações poderiam levá-lo a atos como aquele... De fato, ele sentia pena dela. Todavia, o risinho desdenhoso que soltou antes de se levantar sozinha, seria capaz de inspirar qualquer sentimento, exceto a compaixão.

— Bêbada. – disse, irônica, mirando-o de cima a baixo. – Francamente...

Caminharam por três quilômetros. Holmes à frente e de ouvidos abertos para seus perseguidores. Parecia que finalmente haviam conseguido despistá-los.

— Ele sempre caminha empavonado assim? – perguntou Madam de Pontmerci, após um considerável período de silêncio, para John.

— Já que me livrei das evidências que poderiam relacioná-la ao cadáver que está caído naquele gabinete neste momento, – retrucou Sherlock, frio, antes que seu companheiro pudesse responder. – E já que me causou uma considerável perturbação pessoal, agradeceria se guardasse o silêncio...

— O senhor assistiu à morte de um compatriota inglês, verme ou não, sem fazer nada... E sua esposa me julga com a mesma facilidade que um homem julga seu algoz... O senhor não é melhor do que eu, nenhum dos dois é e eu já estou farta de vocês fingirem o contrário!

A força com a qual afundou a bengala no chão acabou quebrando-a, fazendo com que ela percebe o equilíbrio por um momento; Watson apoiando-se a ela a tempo de impedir que caísse.

— O que quer que tenha feito para atormentar seu espírito a culpa é sua! – continuou ela sem se abalar pelo olhar frio do pomposo detetive. – Eu pedi para que resolvesse o caso, senhor Holmes. Os meios que utilizou para isso são responsabilidade sua!   

O sangue de Watson gelou. A falta de iniciativa de Holmes em se defender, significavam que, em seu íntimo, concordava com as acusações de Madam de Pontmerci.

— Quanta ingratidão! – exclamou. – Meu amigo arriscou sua reputação mais de uma vez pela senhora e é assim que o agradece? Após uma tentativa de acordo fracassada, ele poderia muito bem ter abandonado seu caso e entregado sua cabeça de bandeja para aquele calhorda...!

— Não vale a pena, meu caro. – interpôs Holmes, erguendo a mão num gesto para que seu amigo parasse; em seguida fazendo o caminho que o separava de sua cliente. – Tem razão. A responsabilidade é inteiramente minha e, sim, assisti enquanto a senhora dava cabo de Charles Milverton. Diga o que quiser a meu respeito, Madame. Mas não ouse mencionar o nome de minha esposa. – advertiu. O olhar de Josephine continuou impassível. – Bem, penso que teremos de escoltá-la de volta para o Savoy...

— Não tenho intenção de voltar ao hotel esta noite. – interpôs ela, friamente.

Holmes soltou um riso abafado de desdém.

— A nobre dama tem coragem para disparar a arma contra seu chantagista, mas não para encarar seu filho em sua vergonha? Talvez, não seja melhor do que a senhora, todavia, certamente há uma diferença de fibra entre nós. – concluiu acenando para um cabriolé.

Josephine soltou um muxoxo de descontentamento.

— Está fazendo de novo, senhor Holmes. – desdenhou, soltando-se de Watson. Por um minuto, parou para analisar o pomposo detetive de cima a baixo. – Já que estamos em família, lhe darei um conselho: certifique-se de que sua esposa, de fato, o perdoe. – disse passando por eles imperiosamente, entrando no cabriolé e fechando a porta com força antes que ambos pudessem segui-la. – Pode afastá-lo da forca, um dia. – concluiu batendo o punho contra o teto da condução, para que seguisse.

Holmes e Watson se entreolharam, esperando pelo próximo cabriolé que passasse.


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Notas finais do capítulo

OLHA O TIROOOOOOOOOO!! *abaixa para não morrer de bala perdida*

Eu cumpri a minha promessa, ou não? Acho que sim, hein! Pessoas, esse capítulo foi uma delícia de escrever, não porque seja um dos mais amados por mim ou porque estava esperando há tempos por ele, não, esse capítulo foi uma delícia de escrever porque FOI ÓTIMO imaginar a cena acontecendo com o meu casting imaginário. Vou dividir com vocês: Jeremy Brett como Holmes, David Burke como Watson, uma mais velha Vivien Leigh como tia Josephine, Robert Hardy como Charles Milverton... misture tudo isso na minha mente e temos: PERFEIÇÃO! Sério... eu queria que minhas fics virassem filme... kkkkkkk

Bem, Watson diagnosticou tia Jo como bêbada. De fato, ela havia bebido antes de se dirigir para Appledore Towers, mas bêbada de cair na calçada, acho que ela nunca ficaria porque como disse Mycroft: ela não é uma mulher de perder a compostura com facilidade. Entretanto, ela perdeu a compostura aqui... Holmes a impediu de cometer um suicídio ao retirar a arma de suas mãos. Falarei mais sobre isso no próximo capítulo... vocês devem deduzir para onde ela foi. Sim, sobrou para o Mycroft! E ESSE CAPÍTULO É O MAIS AGUARDADO POR MIM DESDE O COMEÇO DA FANFIC! Então, esperem por toda a dramaticidade que sou capaz de dar a um momento...

Obrigada a todos os views, a todos os comentários, tem sido ótimo!! Um beijooooo!! Até a próxima!



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