O Curioso Caso de Daniel Boone escrita por Lola Cricket, Heitor Lobo


Capítulo 8
Love On The Brain


Notas iniciais do capítulo

Vocês devem estar pensando "olha a cara de pau daquele menino em aparecer quase um mês depois da última atualização"... é, eu sei que querem nos matar. Então vamos logo às explicações.
Luce iria escrever este capítulo, mas aparentemente o último mês complicou tudo na vida daquela menina e ela só conseguiu fazer umas 750 palavras ou algo assim (inclusive eu as usei nesse capítulo; logo, os créditos vão para nós dois), e acabou não saindo a tempo para o dia 30 de março. Aí eu peguei a produção pra mim e desenvolvi o episódio todo em menos de uma semana, e cá estamos nós! Quem nos segue no Twitter e Facebook já sabia de tudo isso, e se você não nos segue por lá, é uma boa ideia pra ficar sabendo de tudo por trás de OCDB ;)
Agora, falemos sobre o capítulo. "Love on the Brain" é uma música da Rihanna - do álbum novo ANTI que é destruidor, aliás - e esse é o nome do episódio, caso não tenham visto acima. Temos a introdução de dois personagens novos nessa história, Klaus Furler (a.k.a. Shawn Mendes) e Peter Zaslavski (interpretado por Daniel Radcliffe [!]). Vocês saberão as funções deles ao longo do capítulo, que está E-N-O-R-M-E para os meus padrões, se é isso que querem saber. Não querendo enrolar mais, só queria que vocês deixassem comentários ao final de Love On The Brain. Opiniões são importantes.

Boa leitura!



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Washington, D.C.

15 de Abril de 2015

367 dias antes da facada que pode ou não ter me matado

O botãozinho do “vai dar merda” apitou junto com o despertador, que entoava a plenos pulmões — ou seria alto-falantes? — alguma canção cristã que eu coloquei pros meus pais ouvirem e sentirem orgulho de seu filho que acorda já dando glória a Deus por ter acordado. Mal sabem eles o quão dark é minha alma.

Mas OK. Sigo em frente na minha caminhada árdua e batalhadora rumo ao banheiro para lavar o rosto, escovar os dentes, vestir uma roupa aí, tomar café da manhã — e dessa vez sem ninguém na cozinha pra atazanar meu juízo às seis e meia da matina — e pagar penitência naquela prisão horrorosa que chamam de escola. Ao chegar no banheiro, me encaro no espelho e procuro em meu rosto as marcas de quem completaria 15 anos de vida às 20 horas e 35 minutos.

Pois é. Daniel Arthur Boone é o aniversariante do dia. Viva!

Depois de me transformar em uma pessoa decente que pelo menos se preocupa com o visual antes de sair de casa, chego à cozinha e me deparo com meu famoso pão e presunto, um copo de suco de uva e um bilhete. E eu até poderia passar reto pelo bilhete e sair direto pra parte onde meu estômago se sacia, mas não é todo dia que alguém faz seu café da manhã por você, certo? Certo. Por isso resolvo ler logo o que tem escrito ali.

“Aproveite que é o melhor dia do ano pra você e desfrute dessa regalia. Quando terminar, me acorde de novo pra sairmos. Feliz aniversário.

— Aaron, seu pai”

Admito: demorei quase o tempo de uma vida inteira pra decifrar o que havia escrito ali, porque que nem os médicos, a letra de meu pai É MUITO RUIM DE SER LIDA. Sério, não sei como os funcionários dele conseguem entender as papeladas feitas à mão, porque nem eu consigo.

Ai, é. Eles só recebem números escritos pelo Aaron. Por isso entendem.

Despertando desse devaneio, me sento à mesa e me alimento sozinho do jeito que sempre quis que fossem todas as manhãs da minha vida. Afinal, ninguém merece ter gente no pé do ouvido reclamando da nova polêmica do Kanye West logo cedo, não é mesmo? E enquanto o pedaço de pão com presunto (já falei que amo presunto? Já? ENTÃO FALO DE NOVO) desliza pela minha garganta, começo a assimilar o que vai acontecer no dia: bem, é quarta-feira. Pelo menos isso. A semana tá quase acabando! Okay, próximo segmento do dia: não preciso sair esfregando na cara da sociedade toda que é meu aniversário. Até porque não quero levar ovada na cabeça. Próximo tópico? Ah, sim. Hoje não tem aula, é só uma prova específica que esse colégio bendito faz a cada dois meses NÃO SEI PRA QUÊ. Mas vida que segue, né?

Termino de comer e olho fixamente para a pia da cozinha, me perguntando se tem mais algum dado que esqueci de repassar antes de acordar meu pai e tocar o dia. E então me lembro que, pelo fato de ser uma prova para a qual ninguém estuda e eu saio cedo dela, ganho o direito de ir mais cedo na primeira das viagens do transporte escolar 086. Para completar o pacote, a turma do garoto dono dos meus pensamentos não faz essa prova no mesmo dia que eu. E com isso, quero dizer: nada de Shawn Hans dividindo ar comigo na van.

É aqui que eu começo uma longa discussão com minha própria consciência, tão longa que ela perdura até eu chegar à porta da escola. Devo ir embora na primeira oportunidade que tenho? Ou devo esperar dentro do colégio até a hora que o sino bate pro meu crush ser liberado da aula e pegar a van de volta pra casa e ir com ele na mesma viagem só pra ver se a coisa anda porque a mesma coisa referida antes não tá andando desde o início do mês?

Pelo amor de Cristo, Daniel, relaxe, respire enquanto fala, porque nem assim os leitores te aguentam.

E desde quando eu tenho leitores, consciência?

Não é da sua conta.

Internem-me num hospício.

Okay, parei.

[...]

 

Com os nervos a flor da pele, as mãos salpicando pequenas gotículas de suor e com uma expressão nada convincente; adentro no carro ao lado de meu pai, Aaron, que batucava com os dedos no volante não parecendo nem um pouco aberto a conversas.

Prendo o cinto com pouca cerimônia e vislumbro o carro andando em uma velocidade média, a cidade ao lado da janela não passando de um mais puro borrão. O sol nascia entre as colinas aos poucos, algumas nuvens — talvez — impediram do dia ser ensolarado, ainda mais com aquele vento que arrepiava até os cabelos da Mãe Diná.

O carro para abruptamente em frente à escola e solto um sonoro suspiro. Seria um dia difícil e longo, e eu torcia para que ninguém — absolutamente ninguém — lembrasse que neste dia era obrigação baterem palmas para mim e para minha cruel existência. Tudo bem, eu não era a pessoa mais badalada, popular e cobiçada da escola, mas existia a droga da possibilidade de pessoas idiotas — Alá Shawn Hans — se recordarem da data e fazerem a maior comemoração ao meu redor.

Merda.

— Tenha um bom dia — Aaron deseja em palavras ensaiadas e abre um sorriso um pouco forçado — A propósito, feliz aniversário.

— Obrigado, pai — assinto e abro a porta rapidamente, desejando sair daquele carro e do ambiente pesado que ele exalava toda vez que a família adentrava ali. Exceto quando Justin estava presente — Tchau.

Aaron acelera o carro preto e deixa-me sozinho no estacionamento. Seguro com mais força a mochila entre os meus dedos e abro caminho entre as pessoas, desejando encontrar Raven ou Peter no meio daquele caos de animais famintos por fofoca e carne fresca.

Pode parecer irônico — além de todas as situações que já vivi neste pouco tempo nesta escola maluca — é que me tornei amigo de uma pessoa do sexo masculino. Palmas para mim, claro. Peter Zaslaski era um serzinho de altura razoável, de olhos um pouco pequenos e de uma corridinha gazela. Não que ele se importasse com isso, claro. E só pra deixar claro: eu não faço a mínima IDEIA de como eu conheci esse garoto. Sério, não lembro do exato momento em que eu encontrei essa gazela humana e disse “oi”; só sei que de repente estávamos papeando sobre séries dos States e o quanto somos feitos de trouxa pelo universo.

Amizades de verdade começam assim, compartilhando suas vidas e se unindo no azar.

— Olá, olá — Raven surge no meu campo de visão cantarolando com uma felicidade disfarçada — Adivinha de quem é aniversário hoje?

Peter revira os olhos e cruza os braços na altura do peito.

— Sorte que não é o meu — lhe direciono um sorriso arrogante — Pois não conseguiria aguentar essa barra que é aguentar Shawn Hans em pleno aniversário.

— Ele não vai lembrar que hoje é aniversário do nosso Daniel — Raven resmunga com desgosto para Peter — Então, vamos agir como bons amigos e deixar esse fato escondido embaixo do tapete.

— Agradeço a sua compressão, Raven — pressiono seu ombro de leve e retribuo o sorriso que ela me direciona — Agora o que acha de sairmos daqui e irmos para a maravilhosa aula de Biologia?

— Estou procurando o lado positivo nessa frase.

Dou risada e empurro de leve o ombro de Peter.

— Deve ser porque ele não existe.

Deixamos nossas bobeiras para lá e seguimos em direção à sala de aula. Por nossa sorte — ou nem tanta — encontramos apenas os amigos de Shawn e não o ser em pessoa, mas o lado ruim foi os olhares estranhos que recebi de um moreno com topetinho e o garoto sardento da primeira semana de aula.

Perseguição do Diabo, só poderia ser isso.

— Parece que o macho alfa não consegue manter a boca fechada quando o assunto é você, Daniel — Peter murmura em um tom baixo quando nos sentamos em nosso costumeiro lugar.

Raven joga a bolsa sobre a carteira e tira de dentro uma quantia exagerada de cadernos e canetas coloridas, as quais ela provavelmente nunca terminaria de usar. Ela fecha o zíper da bolsa depois do processo e inclina o corpo em nossa direção, mantendo uma das mãos na barra da mesa para não cair no ato.

— Na verdade — seus olhos rondam a sala e volta para nós dois — Até mesmo o professor gostoso ali sabe do caso de nosso shipper sem final feliz.

Peter olha discretamente para o professor sentado na cadeira de madeira que mantinha a atenção nos papéis que tinha nas mãos. O encaro também e tento entender como um professor desatento e cheio de compromissos como os dele poderia notar os problemas que os alunos passavam.

Provavelmente deveria haver uma matéria dessas na faculdade; “como desvendar a alma dos alunos e usar isso como vantagem em algum problema futuro”.

— O que?! — seu tom surpreso e a voz esganiçada faz meu tímpano chiar como uma chaleira — Você só pode estar de brincadeira com o meu bigode, Fields.

— Você nem tem bigode, Peter — revira os olhos azuis — Mas, sim, nunca falei tão sério na minha vida.

— Santo Deus! — levo a mão ao peito no mesmo exato que o moreno sentado na cadeira a minha frente — Lamento dizer isso, Daniel, porém sua vida é uma merda.

— Como se eu já não soubesse disso — murmuro baixinho quando o sino toca e o professor fecha a porta da sala em um baque seco — Agora vamos respirar fundo e ter uma aula linda sobre divisões celulares e sabe lá mais o quê.

Peter e Raven assentem juntos e se viram para frente fingindo algum interesse no que os dedos longos de Lucian rabiscar a data 15 de Abril em letra de forma e jogar o giz na caixinha podre que a escola fornecia como “presentinho do mês”.

— Então, alunos — seus passos começam a se direcionar próximo de nós — O que acha de terminamos o assunto da semana passada? — resmungos são processados pela sala — assim como da minha boca — Meu entusiasmo é grande como o de vocês, mas vamos nessa, galerinha…

— Espera aí, queridinho — só espero que o sr. Furler não perceba a ironia no tom do “queridinho” que a Raven faz o favor de soltar como vocativo — nós não só viríamos pra escola fazer aquela bendita prova e ir embora?

— Os coordenadores pensaram melhor e resolveram deixar dois horários de aulas, com um intervalo no meio, e depois vocês farão a prova lá. Ou seja: vão ter que me aturar por 100 minutos sim.

— Onde é que a gente vai pra pedir demissão dessa coisa chamada “vida”? — Peter sussurra ao meu lado, e eu não consigo controlar uma risada meio retardada que atrai a atenção de pelo menos metade da sala de aula.

— Você não presta.

— Seu senpai também não, mas você continua lá por ele…

— Hey, isso já é outra história. Não se mete — ergo o dedo indicador na direção do seu nariz — agora cale essa sua boca, vira pra frente e não me incomode. Sabe como Biologia é difícil pra mim.

— Tão difícil quanto fazer seu crush notar o quanto você gosta dele? — O Zaslavski (oh, sobrenome complicado, viu? De onde esse garoto veio? Da Rússia? Alemanha? Mundo dos Minions?) é interrompido por um tremelique em sua cadeira, seguido de um urro de dor vindo de sua garganta.

Era Raven Fields salvando o dia com um chute nas panturrilhas do idiota.

— De nada, Danico — ela pisca o olho esquerdo, antes de se virar para a frente e já se assustar com o tanto de anotações que já haviam no quadro negro.

Bufo com desânimo e tento prestar atenção no que Lucian dizia sobre a biologia e seus estudos idiotas, mas sem deixar o bendito pensamento sobre Shawn Hans longe de minha mente.

Será que ele lembra que hoje é meu aniversário e saiu contando pras amizades? Por que cassetetes ele tem aqueles caras egocêntricos e que se acham os fodões da vez como amigos? O que ele tem na cabeça pra tomar tanta decisão estranha, tipo ser hétero e ouvir forró brasileiro?

É domingo, no Fantástico! Ah, não, espera.

[...]

Como os meus horários não bateram com os do Shawn hoje, acabamos não tendo que respirar o mesmo ar no tempo de intervalo — ou recreio, ou hora do lanchinho, chamo como quiser. Por um lado isso foi bom porque não tive a obrigação de me perguntar se ele ou algum de seus amigos estariam à espreita, prontos para me dar um bote, uma ovada ou alguma coisa vergonhosa em nome do meu aniversário de quinze anos de idade. Por outro lado, aquela parte de mim que gostaria muito de gritar para os quatro cantos do planeta que este ser humano quer proteger Shawn a qualquer custo de choques externos como se fosse uma placenta protegendo um feto (não me pergunte de onde saiu essa filosofia de vida) ficou contando os segundos — SIM, A PORRA DOS SEGUNDOS — para que ele fosse liberado de sua classe e o pacto que o universo fez com as sacanagens da vida continuasse em aberto.

Pois é.

Daniel Arthur Boone e sua grande burrice chamada: vou esperá-lo sair da aula pra irmos na van juntos, qual o problema nisso?

— Existem vários problemas nisso, seu idiota! — Foi mais ou menos o que Peter Zaslavski me diz, quase gritando, quando eu revelo a ele meu plano do dia.

— Conte-me um motivo pra eu não fazer isso e eu penso em mudar de ideia — respondo de volta, ainda decidido a fazer aquilo.

— Que tal dois? Um: ele não sabe que você gosta dele, logo, essa sua atitude bastante altruísta não será compreendida por ele da mesma maneira que um shipper como eu entende, por exemplo.

— Não tô nem aí pra você shippando nós dois juntos porque já me conformei com a ideia de que nunca terei algo de verdade com ele, e além disso, já fiz outras coisas por ele nessa mesma condição de agora — arqueio as sobrancelhas, como se eu fosse o vencedor de uma briga — próximo argumento?

— Dois: e se ele estiver de mau humor hoje e nem olhar na sua cara?

Alerta! Alerta! Tocou no ponto fraco dessa história tresloucada!

— Você mesmo já me contou algumas vezes sobre isso, Daniel — ele continua a falar — que tem dias que ou ele não te nota e você fica todo machucadinho por dentro como se fosse a Kelly Clarkson em “Cry”... — de repente eu perdi meu reinado de rei das referências pra esse cara? — ou quando ele te nota, só faz bullying disfarçado de piadinhas sobre sua magreza e sua atitude de puritano e quase sempre te empurra pro lado sabendo que você voa direto para a parede se fazem isso contigo.

Continuo encarando Peter nos olhos enquanto me pergunto mentalmente como ele se lembra de todas essas coisas que eu contei a ele num desses dias onde minha língua é mais rápida que meu cérebro e despeja na mesa todos os detalhes da minha vidinha de merda sem pensar nas partes que deveriam ser secretas.

Ele provavelmente deve ser um monge. Ou só um vidente. Ou filho da Mãe Diná.

Jesus Cristo, faço muitas piadas com a mortinha Mãe Diná. Preciso parar.

— Por um lado, até que você tem razão… eu poderia simplesmente parar de me humilhar tanto fazendo esse tipo de coisa — eu digo, quando minha mente pousa na Terra outra vez em menos de 12 horas vividas nesse dia — mas nem você entende meus motivos, Peter.

— Seria mais fácil se você me contasse, não é mesmo?

— Nem adianta tentar arrancar informações sentimentais desse garoto, Zasla-alguma-coisa que eu não consigo pronunciar porque é complicado demais pros meus padrões — Raven chega por trás dele bem na hora, dando um tapa na cabeça do moreno gazela — se em dez anos de amizade eu nunca o vi se revelando, imagine em dez dias, que é o tempo que vocês se conhecem.

Pois é. Dez dias e esse menino sabe mais dos meus dramas que meus próprios pais.

— Não custa tentar, ué! — Responde de volta para a morena, que se situa numa das duas cadeiras vazias da mesa onde estamos sentados desde que terminamos aquela prova desnecessária.

— Tente mais uma vez e isso com certeza vai te custar alguma coisa — ameaço de leve, deixando os olhos de meu amigo arregalados.

— Relaxe. Ele não vai te agredir — a Fields estraga o clima imposto pela minha pequena ameaça — até porque todos nós sabemos que ele não mataria ninguém no próprio aniversário!

— É seu aniversário, Boone?

Meus olhos arregalam e congelam na mesma hora em que ouço essa voz soar de algum lugar atrás de mim. E sim, eu demorei cerca de seis a sete segundos para reconhecer o dono daquela voz, indo por eliminação: não era Edward Hong porque aquela voz era máscula demais pra ser do descendente de coreanos; não era Shawn Hans pelo mesmo motivo se substituirmos o termo “coreano” por alguma outra descrição referente a esse cara (essa é a hora em que vocês caem na risada); também não era meu pai, Aaron, porque… obviamente eu não sei o que ele faria na escola a uma hora dessas; e infelizmente não era meu tio Andy porque ele me contou que seu violão havia quebrado em um acesso de fúria dele (hum, ainda vou perguntá-lo sobre isso!) e ele precisaria ir naquela manhã mandá-lo para o conserto, mas que logo mais ele me daria algum presente especial.

Só me restou nessa lista a única pessoa que me chamaria de Boone.

— Oi, amigo do Shawn Hans cujo nome eu nunca fiz questão de saber — digo para o jovem, depois de levantar-me da cadeira e ficar de frente para ele.

— Pelo jeito, você trata todo mundo da mesma forma que trata o Hans, não é? — Ele cruza os braços e os apoia em seu peitoral.

Não tenho a mínima curiosidade de saber o que há por baixo daquela camisa.

Mentira.

Mas ninguém precisa saber disso também.

— Na verdade-— Peter ia começar um discurso de intervenção, se eu não me virasse e torcesse a cabeça para ele num período de três segundos.

Ainda bem que eu tenho ótimos reflexos.

— Qual é, você tem aquele traste como amigo. Como espera que eu te trate?

— Sei lá, como um ser humano normal que também quer ser seu amigo?!

Franzo as sobrancelhas, como quem diz “mas do que porras tu tá falando?”.

— Primeiro de abril já passou há duas semanas, garoto — provoco — então diz logo o que você pretende por aqui.

Provavelmente uma das vantagens de Shawn ser um reprovado com 16 anos de idade é que ele pode ter amigos do Ensino Médio e ninguém vai achar estranho.

Ninguém queria saber o porquê daquele garoto ser amigo do seu crush e estar ali conversando contigo, Daniel.

Foda-se, consciência, eu quis contar! Senti a necessidade no fundo do meu pâncreas!

— Só vim te desejar um feliz aniversário em nome do meu pai. Ele não queria dar bandeira de que era amigo de aluno no meio da aula e pediu que eu viesse dar o recado — ele, então, oferece sua mão esquerda — qual é, não me deixe no vácuo.

Estendo minha mão direita, e aí trocamos esse cumprimento realmente estranho porque eu não sei seu nome, muito menos quem é seu pai.

— Feliz aniversário, Danico. Em nome de Lucian Furler.

C. A. R. A. L. H. O.

— Você é filho do professor de biologia? — Raven se intromete.

A amizade estava boa demais pra ela não se meter na conversa.

— Klaus Furler, a seu dispor — seu tom de voz aumenta para que todos à mesa escutem, e logo depois nossas mãos se soltam — bom, recado dado. Nos vemos mais tarde?

— Nos vemos?

Isso está ficando cada vez mais estranho. Real or not real?

 

[...]

— Daniel, eu não acredito que você realmente fez isso — Raven esbraveja pela quinta vez em dez minutos desde que tocou para o fim das aulas do Shawn.

— Esperar o boy magia sair da aula pra ir na van com ele e ainda te arrastar pra essa maracutaia? Fields, você não fez mais que sua obrigação — ponho minha mão em seu ombro direito enquanto caminhamos rumo ao transporte 086, que já esperava os alunos saírem do colégio.

— Quero só ver o que minha mãe vai dizer quando eu chegar em casa a essa hora!

— Mas você já chega em casa todo santo dia de semana a essa hora. Não seria diferente.

— Não seria se eu não tivesse dito que chegaria mais cedo!

— Aí você conta a ela o que o poder de 10 anos de amizade não fazem com a sua pessoa, tá?

— Você não tem argumentos melhores, garoto?

— Infelizmente não. Mas eu sei que você vai se virar, como sempre faz — sorrio descaradamente, encerrando a conversa.

Nesse meio tempo, ela se senta na última fileira da van e eu me situo na primeira, aquela que fica antes do famoso e almejado banco da frente. Um dia eu ainda ia dividir o banco da frente com alguém e puxar altos papos com a motorista sobre como a violência anda perigosíssima pelas ruas do distrito. E como se soubesse que era o meu desejo, Shawn Hans joga sua bolsa nos meus pés e depois se senta na cadeira ao meu lado.

— Boatos de que você esperou por mim — ele diz, com aquele olhar sedutor que me faria beijá-lo ali mesmo sem o direito de ouvir a opiniões externas.

Controle-se. Controle-se. Controle-se.

— Boatos de que isso não é da sua conta — respondo de forma ríspida.

— Oras, se eu perguntei, é porque é da minha conta, não? — Tenho de admitir, esse cara sabe rebater os argumentos dignamente. Já pode ir no Casos de Família!

— É, mas eu não estou muito a fim de responder. Espero que entenda — ponho no rosto a expressão mais séria que vem à minha imaginação, e ele parece também adotar um ar de seriedade, porque logo depois sua única atitude é sorrir timidamente, dar um tapinha nos meus ombros e pegar sua bolsa para procurar seu celular e headphones.

Pois é.

Aquele porreado do cacete é um pouco, mas só um pouco, mais riquinho que eu. Mas a gente releva esse tipo de detalhe em nome da vergonha absoluta que passei quando cinco minutos depois, após a motorista ter ido buscar os alunos de um outro colégio, Raven se levanta, apoiou os joelhos no estofado de seu banco e…

— Hey! Foca aqui, por favor — ela grita, chamando a atenção de todos os que estavam ali presentes — não que isso seja uma coisa muito relevante pra alguns de vocês, mas temos um aniversariante entre nós!

Agora lascou-se tudo. Garota, é melhor você manter essa boca fechada antes que eu vá aí e te encha de sopapos.

— Daniel, poderia levantar-se para todos te verem?

Só pra ver no que isso vai dar, decido erguer a cabeça e encarar a expressão no rosto de Raven. Está bem claro que ela quer sim me fazer passar perrengue ali somente porque a fiz vir pra casa mais tarde. Não precisava ter exagerado na vingança, não é, amiga?

Todos os pirralhos entre 12 e 16 anos que ali estão de repente começam a fazer barulhos e ovações, e imediatamente começaram a cantar a famosa canção do “Parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida!” E eu poderia fazer uma resenha crítica completa do quão mentirosa é essa música, mas vou resumir em apenas uma frase:

Cadê a felicidade que me desejaram nos últimos 14 anos?

[...]

— Credo, Dan, você tem uma mente muito revoltada — diz Melanie Schmidt, pela décima vez desde que nos conhecemos (e não faz nem um ano direito), do outro lado da ligação via Skype que começamos há uns dez minutos.

E sim, em dez minutos eu consegui resumir meu dia pra essa garota. Somos ninjas!

— É o que acontece quando você vive por mais de 14 anos no modo automático e só começa a ter opinião própria quando muda de colégio — respondo, despejando todas as palavras como se fosse uma daquelas pessoas enojantes que falam sem pensar.

A diferença é que eu penso.

— Ah, e o garoto não cantou parabéns junto?

— Não, apenas ficou olhando pra minha cara como quem diz “legal essa vergonha que tu tá passando, né, parceiro”.

— Igual a toda vez que ele te faz pagar micão todo santo dia, então…

— Olha, conhece bem meus dramas, hein — finjo bater palmas, como se fosse um grande mérito conhecer minha rotina — já pode ir para aqueles game shows do tipo “o quão bem você conhece seu ídolo?”.

— Não, eu estou de boas aqui praticando deboísmo…

— Olha só quem resolveu usar o termo “deboísmo” — dou uma risada alta, mas percebo o erro que cometi ao ouvir um sonoro “VAI DORMIR, GAROTO” vindo da minha mãe.

Detalhe: ela está lá na sala de estar.

Ou meu quarto é próximo demais ou ela grita alto demais.

— E você pagou algum mico maior depois disso aí?

— Se eu disser que tentei tirar uma selfie com todo mundo da van, incluindo Shawn, e não consegui porque todas as cabeças se enfiaram num buraco debaixo da terra… você acredita em mim?

— Eu faria o mesmo, então, acredito.

— Poxa, eu só queria uma selfie — faço uma cara de cachorrinho que caiu da mudança.

— Qual é, você realmente acha que eles todos iam querer mostrar suas caras depois de uma manhã provavelmente estressante na escola e de fazer os cabelos arrumados parecerem a grama aqui de casa?

— A beleza natural é a melhor que existe! Shawn Hans que o diga, ué — comento, fazendo-a rir em tom de deboche.

— Boone, pelo amor de Deus, existem pessoas mais lindas que Shawn Hans na Terra, sabia? Poderia citar os três Jonas Brothers aqui, inclusive!

— Hey, ali já é um negócio de outro mundo, e estamos falando da Terra.

— Esse comentário foi tão engraçado que eu vou até perguntar: por que chegamos nesse ponto da conversa?

— Porque uma coisa leva a outra e eu queria muito falar da carinha que o senpai fez quando eu tentei tirar aquela bendita foto.

— Sabia que você nunca dá ponto sem nó. Eu simplesmente sabia — sua expressão facial, do tipo “eureca!”, me faz pensar que uma jogada genial do destino foi fazer-me ler uma de suas fanfics do ship Jemi no ano passado — assim como também sei que você está morrendo de vontade pra me contar. Então vai falando pra tia.

— Imagine aquela pessoa que você acha maravilhosa em rosto e em atitudes altruístas feitas com você — começo meu monólogo — e imagine essa mesma pessoa tentando se esconder debaixo do próprio casaco e deixando só os olhos de fora, como se seu objetivo fosse atirar na sua sanidade mental umas dez vezes seguidas porque teoricamente essa pessoa tem uma noção do efeito que ela causa em você a cada olhadinha, a cada sorriso, a cada palavra dita com a famosa voz aveludada digna de uma fanfic OutlawQueen cheia de cenas +16 — Melanie não consegue conter um riso na minha metáfora, então eu espero que ela termine de surtar e volte ao normal — enfim, foi mais ou menos isso que aconteceu.

— Lindeza demais, não é — vejo-a tentar fazer um coque nos cabelos castanho-escuros enquanto fala.

Só não digo que é frouxo porque 1) não sei o que diabos é um coque frouxo e 2) acho que vocês estão supersaturados disso nas outras histórias de vida lidas internet afora, certo? Certo.

— Até alguns meses atrás eu teria medo de admitir isso, você sabe… eu ainda tinha bastante receio desse interesse sério por outro cara — bufo entre uma frase e outra, reduzindo o tom de voz para que ninguém mais na casa ouvisse — mas acho que agora dá pra dizer que, por mais que em alguns dias o céu amanheça nublado e eu não seja tratado da forma como penso que poderia ser, existem os famosos dias como hoje, sabe?

— Hum, isso deve ser amor no cérebro! — ela solta, e eu entorto a cabeça para o que ela diz.

— Tá louca? Ainda não cheguei nessa história de amar, não — meus olhos quase saltam das órbitas — se foi difícil pra admitir que gosto de outro menino, quem dirá admitir que o amo!

— Ué, nunca se sabe — ela dá de ombros — Daniel, eu venho te acompanhando nesse drama há um bom tempo. E mesmo com todos aqueles dias em que Shawn não te notava ou fazia piadinhas com sua sexualidade nunca declarada, você não o abandonava. E olha que as piadas eram barra pesada.

— Nem me lembre delas, tenho trauma só de lembrar…

— Pois é — Mel ergue as sobrancelhas — se você fosse como qualquer pessoa sensata, já teria arredado o pé dessa situação desde a primeira vez que ele te tratou como um ser qualquer. Mas você ainda está lá por ele, mesmo não sendo correspondido todo dia. Se isso não é um sentimento sério, o que mais pode ser?

Um silêncio toma nossa conversa, dando-me tempo para pensar em suas palavras.

Talvez Melanie tivesse razão com aqueles conselhos. Talvez eu não somente gostasse do Hans. Talvez aquele sentimento surgido no ano passado seja na verdade algo mais profundo.

Deve ser amor no cérebro.

“E, querido, estou lutando com o fogo somente para chegar perto de você. E eu corro por milhas só para sentir um pouco de você. Deve ser amor no cérebro. É isso que faz-me sentir assim. Não importa o que faço, não sou bom sem você e não consigo ter o bastante. O que tenho que fazer para entrar em seu maldito coração?”

— “Love on the Brain”, Rihanna


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Notas finais do capítulo

E então, booners? O que acharam dos novos personagens, Klaus e Peter? Eu e Luce estamos introduzindo esse bombardeamento de gente nova nos primeiros capítulos porque a partir de certo ponto da história todos eles terão seus próprios enredos e vocês se importarão bastante com eles, assim como eu me importo porque, né, são baseados em pessoas da vida pessoal do Vitão aqui *u*
E SIM, TEMOS UM NOME PARA O FANDOM! Olá, booners! Espero que gostem desse nome porque vão lidar com ele pelo resto de todas as notas iniciais e finais *risos* Assim como também espero que tenham gostado desse episódio. Danico sofreu um pouquinho, contou mais da sua sofrência e a cada linha acompanhamos a evolução desse protagonista que chegou pra roubar nossos hearts...
Agora é a parte da SESSÃO MENDIGAÇÃOOOOOOOO! Comentem, queridos booners. Seja qual for a opinião, sensata, linda, construtiva, crítica, deixem-nos ver o que vocês pensam de OCDB. Estamos sempre buscando evoluir aqui junto com os personagens ;)