O Curioso Caso de Daniel Boone escrita por Lola Cricket, Heitor Lobo


Capítulo 7
[You Drive Me] Crazy


Notas iniciais do capítulo

OIE!
"(You Drive Me) Crazy" é uma música da Britney Spears (NEYDE!), que serviu de inspiração para o capítulo de hoje. Se quiserem ouvi-la em alguma parte desse episódio, é bom ;)
Geralmente não há muito a ser dito nas notas iniciais, certo? Certo. Então só queria avisar que o próximo capítulo vai ser postado pela Luceana (SHE'S BACK BY POPULAR DEMAND!), que logo teremos mudanças na programação e que esse capítulo aqui tá lindo. Maravilhoso. Sambante. Engraçado.
Ah, e sobre o personagem novo que aparece hoje: ele é interpretado pelo Dave Annable e isso é o que vocês precisam saber sobre a cara do homem.
Divirtam-se e boa leitura!



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Washington, D.C.

30 de Março de 2015

380 dias antes da facada que pode ou não ter me matado

— Entenderam essa parte da divisão celular, amigos? — O professor de Biologia, cujo nome era estranho - Lucian Furler, aposto como ele é primo da cantora Sia - diz uma última vez antes do sinal bater para a liberação de seus alunos daquela aula horrorosa. — Nos vemos amanhã para fazermos uma lista de atividades sobre esse assunto, espero que revisem isso em casa!

— Vamos, Danico? — Raven me cutuca no braço esquerdo — Não me diga que esqueceu que eu vou pra casa no mesmo transporte escolar que o seu!

— Como esquecer a única garota com quem puxo papo naquela van vazia de conteúdo? — Respondo à altura, pego minhas coisas e me levanto para seguir atrás dela até o lado de fora do prédio quando sinto outra cutucada, dessa vez em meu ombro direito — Qual é, todo mundo resolveu me cutucar hoje?

— Calma, cara, sem patadas pra cima de mim — quase dou um pulo pra trás quando noto que é o próprio professor Lucian que está atrás da minha pessoa — só vim te dar um conselho.

Seu olhar me indica duas coisas: 1) o assunto é sério e 2) ninguém mais pode ouvir.

— Vai na frente, Fields, e pede pra van me esperar — direciono minha fala a Raven.

— Tá achando que o mundo gira em torno de você, é?

— O mundo não, mas o dinheiro que a motorista ganha, com certeza — rebato dignamente, fazendo-a revirar os olhos e sair da sala.

— Algum problema, professor?

— No início da aula eu entreguei as provas de todos os alunos bem corrigidas… menos a sua, lembra?

Claro que lembro, como não ficar com ódio de um professor desmemoriado que esquece em casa justamente a MINHA prova de Biologia?

— Lembro, sim, mas não precisa se preocupar, eu espero a nota até amanhã — digo calmamente para não fazê-lo se sentir culpado.

Ai, meu Deus, Daniel Boone tem um coração!

Olha aqui, consciência, você cale esses seus pensamentos porque o órgão do coração não manda nos sentimentos. O cérebro é quem faz isso. Sai, sua rudícula!

— Não foi por isso que eu não te entreguei a prova — o Sr. Furler arranca umas três folhas de sua bolsa de professor que só tem uma alça — aqui está.

— Ué — tomo a avaliação de suas mãos e a primeira coisa que vejo é a nota.

4,2. Isso significa um “D” por aqui.

— Não me entregou na frente de todo mundo só porque não era um “A”? — Rebato.

— Eu vi seu histórico escolar na direção da escola, Daniel — ele se apoia na mesa de professor — tenho certeza de que você consegue se sair bem melhor. Então eu vou te perguntar só uma vez, depois não incomodo mais quanto a isso… o que te desconcentrou da matéria?

— Antes de eu responder essa pergunta, quero acrescentar um adendo — cruzo meus braços sobre a cintura — eu ainda escuto uma língua grega quando o senhor fala aquelas coisas todas sobre células.

— Não é o primeiro e nem será o último a me dizer isso — sorri de lado — até mesmo meu filho, que nem chegou no Ensino Médio ainda, já pede pra eu pegar leve na explicação quando ele chegar lá.

— Ainda bem que ele tem consciência — ironizo, e antes que ele me olhe torto, já começo a dar uma risada histérica pra descontrair e desviar a atenção da minha crítica afiadíssima — enfim… é um motivo bastante pessoal e eu não me sinto confortável em dizer assim, do nada, para um professor que mal me conhece.

— Te conheço o suficiente pra saber que você sabe quem é meu filho.

— Eu sei? — Faço cara de estranheza. Desde quando eu sei?

— Já te vi falar com ele umas duas ou três vezes por aí… engraçado, em todas elas o Shawn Hans está metido no meio!

Fodeu! Ele já deve estar desconfiando e o trouxa aqui nem deu bola.

— S-sério? — Não gagueja, em nome do falecido Cory Allan Monteith!

— Ah, já saquei tudo…

— Sacou o quê? — Meus olhos arregalados praticamente denunciam que eu tremo nas bases ao ouvir o nome do dito cujo.

— Não se preocupe. Não vou contar a ninguém sobre isso porque não é do meu feitio — Lucian ajeita os óculos posicionados em seu rosto, apesar deles nunca deixarem claro quando vão cair — mas vou te dar duas dicas. Primeira: se não quer que ninguém saiba que o nome do Shawn mexe contigo, não arregale os olhos nem trema nas bases. Vai denunciar completamente — essa dica é ótima, MAS EU AINDA NÃO TÔ SACANDO QUAL É A TUA, MOÇO — Segunda e última dica: não deixe que essa situação, seja lá qual for, interfira nos seus estudos, Boone. Comece a prestar atenção no que vai te dar um futuro certo e eu garanto que não precisarei esconder sua prova novamente.

— Obrigado, de verdade — pessoas educadas sempre dizem “obrigado”, favor não esquecer — por me proteger desse nome aí e pelas dicas. Vou tentar segui-las.

— Não há de quê — ele se levanta da mesa e põe sua mão esquerda em meu ombro direito — quer que eu te acompanhe até a saída?

— Se você faz questão — definitivamente eu não me importo em ser acompanhado até o lado de fora da escola por um professor, adeus, bullying — então eu não vou me importar.

Deixamos a sala de aula e já no meio do corredor que leva ao lado de fora, o quarentão ao meu lado — que inclusive já apresenta alguns cabelos grisalhos e talvez seja isso que tenha chamado minha atenção quando olhei para seu rosto em sua primeira aula do ano — respira fundo e pergunta:

— Você gosta de alguém, não é?

Congelo e acabo parando o meio do caminho. Ainda bem que ele não pensou no Shawn como primeira opção ou eu estaria frito. Frito, não. Frito, assado, esquentado no microondas, devorado pelos meus pais e depois expulso de seus organismos como fezes.

— Não precisa responder se não quiser.

Olho para Lucian de cima a baixo e dou um sorriso amarelo, daqueles bem falsos.

— É, acho melhor não responder a essa pergunta incomum.

— Mas geralmente a resposta é positiva — ele volta a encarar o corredor à frente — quase sempre alguns alunos se dispersam por conta de alguma paixonite.

— É mais normal do que eu imagino, então?

— A não ser que seu problema não sejam garotas e sim garotos… isso já é menos comum, mas não impossível.

Chocada, viados! Esse aqui é ativista dos não-héteros! Okay, por que diabos eu inventei este último termo?

Ah, lembrei. Ele vem daquela época que eu não admitia gostar de outro garoto e fazia o que estivesse ao meu alcance pra deixar isso pra trás e seguir em frente sendo um hétero.

Obviamente não deu muito certo.

— Posso te garantir — queridos, quero lhes apresentar Minha Consciência Em Seu Lado Mais Mentiroso Possível a Fim de Salvar Minha Vida — que não gosto de ninguém, professor.

— Meu filho diz a mesma coisa, mas eu sei das paradas — olho pra Lucian como quem diz “mas que porra de gírias são essas que até professores usam?” — OK, chegamos à entrada.

— Glória a Deus nas alturas e paz na Terra! — Grita Raven, já correndo em minha direção e notando a autoridade ao meu lado direito — Não me interprete mal, professor, é que nós vamos no mesmo transp-— desgraça pouca é bobagem, por que não meter Shawn Hans no meio da merda?

— Hey, a gente já vai! Mas que p-— A criatura chega por trás de minha amiga e imediatamente controla um próximo palavrão por motivos de “Lucian Furler ao meu lado, alerta, ALERTA!” — Quer saber? Ignora o que eu ia falar. O fato é que a van já chegou e precisamos ir.

— Não vou tomar mais do seu tempo, Daniel — o professor educadamente me oferece um aperto de mão, que eu prontamente correspondo e ainda por cima jogo um sorriso amarelo pra indicar vai embora pro diabo que te carregue, seu traste dos infernos, como um bom seguidor de Carminha Tufão (Avenida Brasil feelings) certamente faria — nos vemos amanhã?

— De fato — concordo, e logo parto com Raven enroscada em meu braço esquerdo. Débeis mentais, ainda não sacaram que eu não quero esse braço e sim outro braço que se encontra próximo de mim e eu não posso tocar porque esse mundo não gosta de gays — precisavam dar aqueles gritos na frente do professor?

— Oh, me desculpe se eu prefiro chegar ao conforto de minha própria casa a ficar de papinho com o professor quarentão que ao mesmo tempo que é chato é gato, tá? — Ela continua a esbravejar enquanto atravessamos a rua pra pegar o transporte do outro lado.

— Mas que porra de discrepância tu falou agora, menina? — Reclamo, e o Hans do meu outro lado faz uma cara tão estranha que logo penso, esse menino não sabe o que é discrepância, vou ter de explicar — Discrepância é o mesmo que diferença ou divergência, pra sua informação — digo, apontando minha cabeça para o próprio garoto.

— Obrigado, de verdade, por explicar — sinto a ironia em sua voz — eu sigo atrás de tu, Danico.

— Danico? — Raven sussurra em meu ouvido.

— Explico mais tarde — sussurro de volta, pondo meu pé direito para dentro da van.

Mal dá tempo de falar um “olá” pra motorista e já sinto alguma coisa se apontar no meu traseiro.

— Exatamente, sou eu bem atrás de você — Shawn vem até meu ouvido só pra falar isso tão baixinho que acaba soando sexy e vergonhoso pra mim ao mesmo tempo porque eu inevitavelmente deixo um sorriso tímido escapar em meus lábios.

Puta merda, para de mexer comigo, menino!

— Não quero nem saber o que é isso me cutucando — respondo, fazendo cara de nojo e procurando um lugar bem recuado pra me sentar — não me siga, em nome de Jesus.

Felizmente ele segue meu pedido e se senta num canto lá na frente mesmo, e eu encontro a própria Fields sentada na última fileira. Acomodo-me ao seu lado e ela já puxa minha orelha.

— Ai! Sabia que isso dói com essas suas unhas perfurando os lóbulos?

— Diferente de você, eu dormi na aula de Biologia e não faço ideia do que sejam lóbulos — reviro os olhos para a idiotice de tamanho estratosférico dessa menina — vai me contando essa história.

— Que história? Não te devo satisfação da minha vida, e se tivesse que dar, com certeza não seria dessa história — rebato, focando meus olhos na procura pelos fones de ouvido que estavam em algum lugar da minha mochila — agora quer me ajudar a achar meus fones?

— Estão no seu pescoço.

Levo minhas mãos à região só pra ter certeza e acabo pagando de idiota na frente da minha melhor amiga há 10 anos.

Tudo segue normal nesta joça.

Conecto a entrada dos fones ao buraco que tem no celular (ai, não me pergunta o nome disso porque é coisa difícil) e escolho uma música qualquer pra tocar. Digo isso porque não se passam nem 30 segundos e a doida ao meu lado me cutuca.

Devo ter feito macumba pra Demi Lovato já flopar nessa era em alguma vida passada, porque não é possível que eu não possa ficar em paz… do mesmo jeito que também não é possível que a Demetria flope nessa mídia, mas OK, nem tudo é como a gente quer.

— Quê que tu quer, capeta? — Já me viro com irritação saindo das ventas.

— Nada, seu grosso! — Ela grita de volta, atraindo a atenção de pelo menos duas das quatro fileiras daquela van — Nem precisava me responder assim…

— Tá bom, amiguinha queridinha que conheço há não sei quantos anos desse século — dou aquela puxada de saco básica pra acalmar o coração da mulher… sempre funciona! — o que deseja, senhora?

— Vai brincar de telemarketing com a senhora, sua avó!

— Doce como patada de cavalo…

— Já pode ir me falando qual seu lance com o Shawn Hans lá do banco da frente.

— Não há o que ser dito aqui, definitivamente.

— Ah, tem, sim — sua expressão facial me faria rir se ela não estivesse falando sério — na verdade eu nem sei por que estou perguntando, já que você me contou numa das madrugadas da vida por mensagem qual sua relação com esse carinha…

— Ótimo. Agora não me interrompa porque estou tentando ouvir minhas músicas em paz.

— Por outro lado — Raven segura minhas mãos tão forte quanto aquela velha segurou os pulsos da Annabeth Chase — tem alguma coisa que esse Shawn fez pra você gostar dele?

— Explica melhor essa pergunta.

— Tudo bem que vocês se conheceram numa trivialidade armada pelo destino e se tornaram colegas desde então — rapaz, essa conversa vai durar até o fim da viagem — mas, convenhamos, Daniel: ninguém começa a gostar de outra pessoa do nada, de uma hora pra outra, certo?

— Certo — tento seguir a linha de raciocínio que ela propõe — mas o que tem isso?

— Eu poderia pegar o caminho mais longo e explicar o que quero dizer até dizer o que quero — neste momento o senhor Daniel Arthur Boone se encontra sem entender nadica de nada — mas vou direto ao ponto: quando você teve certeza do que sentia por Shawn Hans?

Não é uma pergunta absurda. Na verdade, houve até um tempo em que eu me perguntei como diabos comecei a gostar daquele menino de um jeito que amigos com certeza não gostam, e quando cheguei à resposta certa, preferi enterrar isso dentro do profundo sepulcro que é a minha vida.

Definitivamente não me sinto confortável em contar a Raven Fields que tipo de coisas o filhinho de papai fez pra me fazer sentir essas coisas, mas também não me sinto confortável em levar uma bela surra daquela menina caso eu não contasse logo. E eu prefiro mil vezes queimar minha imagem de santinho com minha melhor amiga a chegar em casa com os dois olhos envoltos em uma camada de pele roxa.

Minha mãe com certeza ficaria puta. Não com a agressora, mas comigo porque seria uma “humilhação estratosférica” pra ela se uma garota me batesse.

Vou ter que ceder.

— Só vou te contar porque não quero que me dê uma surra — deixo isso bem claro — como eu já te disse antes naquela madrugada, conheci o menino Shawn esperando o transporte escolar naquele fatídico dia e blá, blá, blá.

— Vamos ao que interessa, vai.

— Acontece que nosso contato não se limitou só a essas conversas sobre escola e tal — gesticulo com as mãos, o que só escancara ainda mais meu nervosismo em falar sobre esse assunto - ainda mais sabendo que o próprio crush estava sentado alguns metros à frente — com o passar do ano de 2014, a gente foi se cumprimentando nos corredores e ele às vezes me chamava pra passar um tempo no intervalo com a roda de amizades que ele tinha. Eu morria de vergonha quando eles me perguntavam alguma coisa embaraçosa, então eu sempre desviava da bola com algum comentário sarcástico.

— Comentários sarcásticos são a saída para qualquer problema — ela completa.

— Sim — concordo com a cabeça — mas eu acho que o ápice da nossa “coleguice” foi um dia antes da feira de ciências lá da nossa ex-escola…

— Especificamente?

— Tá pedindo demais, não? — Franzo as sobrancelhas, mas a jovem ao meu lado me lança um olhar matador e que me faz fingir um sorriso estridente — Certo, foi em 6 de novembro.

Washington, D.C.

6 de Novembro de 2014

527 dias antes da facada que pode ou não ter me matado

Nervos à flor da pele são comuns em adolescentes que sofrem com a bendita da puberdade, mas ficam ainda mais evidentes quando pelo menos metade dos alunos de uma mesma escola precisam organizar suas salas de aula para uma feira de ciências que promete mais notas do que uma simples audição no American Idol. E essa é a situação que você pode presenciar nesta alvoroçada manhã, na qual os corredores estão lotados de jovens correndo pra lá e pra cá, as salas estão abarrotadas de bugigangas a serem usadas na montagem dos grupos de apresentação e ainda temos o famoso eu — o pobre menino de 14 anos que está boiando depois de ter terminado rapidamente sua parte na montagem do cenário do grupo cujo assunto é Banco Imobiliário.

Como os outros grupos não precisam de ajuda extra de um magrelo como eu e os professores não encontram algo que eu possa fazer, decido então ir ao banheiro pra lavar minhas mãos depois de toda essa correria. Caminho até lá como quem não quer nada — o que é verdade — e enquanto lavo minhas mãos, noto alguns arranhões em meus dedos indicador e médio. Ótimo, se eu quiser mostrar o médio pra alguém, eles não vão entender porra nenhuma com esse machucado do tamanho da barriga do vovô Boone. Provavelmente são advindos da madeira que tive de carregar da entrada do prédio até a sala de aula, mas como eu havia os arranjado não importava mais. Eu precisava de um curativo.

Termino de lavar as mãos, enxugo-as com papel toalha — ainda estou cismado com aqueles jatos de ar que têm no banheiro nesses tempos modernos — e saio do banheiro disposto a pedir ao professor um daqueles band-aids pra ver se os pequenos ferimentos poderiam se curar antes da temida e esperada feira de ciências no dia seguinte.

Mas como desgraça pouca é bobagem, quase vou de encontro ao chão quando sinto um peso enorme se cravar em minhas costas, dois braços vão de encontro ao meu pescoço e meus olhos são tapados pelas mãos dos benditos braços que me enrascam.

— Ai, caralho! — Grito sem dar a mínima para os zilhões de pessoas que se encontram no corredor, observando a situação em que eu me encontrava.

— Tenta adivinhar quem é.

Puta merda. Eu sei exatamente de quem é aquela voz que sussurrara no meu ouvido.

E meus pelos do braço se eriçam justamente por saber quem pulou nas minhas costas e se agarrou a mim como uma fã doentia se agarra ao seu ídolo.

— Oi, Shawn — digo friamente, para não deixar claro que eu estremeci com aquele gesto, e ele sai de cima das minhas costas para passar seu braço esquerdo em meu pescoço e andar ao meu lado como se fôssemos muito mais que amigos (como irmãos, ele deve pensar).

— Como você está, carinha? — O dono dos olhos verdes (e futuramente do meu coração, vale constar) sorri abertamente ao perguntar meu estado de vida.

“EU QUERIA ESTAR EM COMA, não estou nada bem agora que você está aqui”, a resposta que eu queria dar.

E a resposta que eu dei?

— Tudo estava ótimo até você aparecer — respondo sem um pingo de emoção.

Lembre-se, Daniel, você não pode gostar de outro cara! Isso vai contra tudo que você aprendeu em 14 anos de vida, então em nome de Jesus Cristo de Nazaré, não dê bandeira.

— Poxa, Danico — cita o apelido que ele mesmo criou para mim — vou fingir que você só disse isso por causa da euforia com os trabalhos e não porque você nem me dá a mínima, tá?

— Interprete como quiser — dou de ombros, o que acaba fazendo-o tirar seu braço esquerdo de meu pescoço.

Lembra quando eu disse que desgraça pouca era bobagem? Aparentemente esse deve ser o mantra de Shawn Hans, porque em vez de me deixar livre de seu toque viciante, ele simplesmente concentra sua mão esquerda no meu braço esquerdo, e aí, querido… ficamos ainda mais abraçados do que antes.

Deus, me tira dessa marimba!

— Deixa eu te apresentar algumas pessoas aqui. Você vai gostar delas — ele muda de assunto e rapidamente me puxa para a porta de sua sala, onde algumas garotas se encontram paradas e fofocando sobre algum bofe escândalo que viram por aí.

Provavelmente o tal bofe escândalo era o próprio Shawn, porque todas as meninas paralisam em suas posições ao verem o carinha de olhos sedutores me trazendo para o círculo do qual nunca participei — e nunca nem quis participar, obrigado, de nada.

— Meninas, conheçam aqui meu parceiro Daniel Boone — como diabos tu sabe meu sobrenome, projeto de Travis Maddox? Nunca te contei!

— Não me faça passar por esse perrengue, em nome de Jesus — falo próximo ao seu ouvido, mas provavelmente não surtiu o efeito desejado porque logo em seguida ele baixa sua mão esquerda e a pousa em minha cintura.

Tá na hora de você parar com esses tiros porque eu sou cardíaco!

— Oi, Daniel — as meninas me cumprimentam ao mesmo tempo e em uma harmonia tão incrível que eu poderia denominá-las facilmente de “versão brasileira das Fifth Harmony”.

— Ah, oi — retorno para a realidade a tempo de responder educadamente.

E eu vou te poupar dos detalhes do que aconteceu logo depois desse cumprimento xoxo, e resumir tudo em uma única frase:

Shawn Hans me forçou a apertar as mãos de TODAS as pessoas do sexo feminino à minha frente.

Eu ao menos esperava que algum formigamento passasse entre as mãos na hora dos cumprimentos — só assim eu descobriria se sentia algo por garotas e enterrava de vez essa confusão com o menino ao meu lado — e, felizmente, isso aconteceu. Não do melhor jeito, mas se ficar com as bochechas ruborizadas ao cumprimentar garotas e garotos da mesma forma significa algo, então eu acho que posso passar reto pela porta da crise existencial, não é?

Uma luz veio à minha mente indicando que eu precisava sair daquela situação e rápido. Então eu — com muita luta, porque o bendito Hans tinha braços bem fortes, por sinal — me desvencilho do abraço no qual estava metido e sorrio para todos ali à minha frente.

— Se me dão licença, eu preciso voltar à minha sala… sabem como é, pendências no trabalho — mostro os dentes em seguida. Não sei pra quê, mas OK — nos vemos por aí?

— Mas é claro, Danico — Shawn bagunça meus cabelos como se fosse normal fazer isso comigo e com meus sentimentos.

— Quem te deu autorização pra me chamar assim?

— A boca é minha e eu falo o que eu quiser — fui cutucar a onça com vara curta e ela já veio encravar as unhas em mim. Droga, esqueci do lado ignorante daquele abençoado (pra não dizer outro adjetivo!) — e eu quero te chamar de Danico e assim o farei. Tá bom ou quer mais motivos?

— Ainda bem que pelo menos a vida é minha e eu posso fazer o que bem entender com ela — ergo as mãos no ar — como, por exemplo, caminhar pra longe da sua presença!

Com isso, começo a andar para trás, com o intuito de fazer a famosa saída dramática misturada com samba em forma de patada verbal e não-verbal.

Para os leigos: eu queria lacrar tudo mesmo!

Infelizmente meus planos de dar uma de Flawless e concluir aquele movimento perfeitamente vão para o espaço quando meus pés se tropeçam um no outro e eu quase caio para trás — se não fosse pela iminente parede ao meu lado direito, na qual eu apoio minhas mãos quase que imediatamente.

Continuo a sorrir e tateio à procura da porta até que finalmente a encontro e entro na sala de aula tirando a cara de trouxa e admitindo uma postura de quem realmente não tinha o que fazer mais ali dentro.

Washington, D.C.

De volta a 30 de Março de 2015

380 dias antes da facada que pode ou não ter me matado

— Basicamente, foi aí que eu comecei a prestar mais atenção no que eu tinha com o Shawn — falo próximo ao ouvido de Raven, já que o próprio crush destruidor de forninhos ainda estava alguns bancos à frente, esperando pelo momento que a motorista o deixaria em casa — feliz agora com as informações?

— Feliz, até estou — pondera com a cabeça (espera, isso é fisicamente possível?) — mas não satisfeita.

— Porcaria de amizade que resolvi fazer em 2005, viu? — reviro os olhos — O que a Paola Bracho da minha vida quer agora de mim?

— Paola Bracho é a sua mãe lá na tua casa, seu porreado do cacete — franzo as sobrancelhas para aquela expressão — no máximo, eu sou a Dona Piedade da sua vida. Boazinha.

— Eu ainda tenho meus olhos em você, Raven Fields — aponto para meus olhos e depois para os dela — agora me fala o que cargas d’água tu quer.

— Você já tirou alguma foto dele ou com ele?

— PRA QUÊ VOCÊ QUER SABER DISSO, MENINA? — Grito, e todos os olhares da van se dirigem a mim. Dou um sorriso meio abobado e me justifico logo depois — Coisas de escola, gente. Agora virem suas cabeças pra frente e finjam que não existo.

— Impossível, ‘mozão’ — Shawn grita lá da frente, me fazendo arregalar os olhos e me encolher em minha própria cadeira porque mais uma vez os outros alunos voltam a olhar pra mim.

— O que diabos vocês querem com a minha cara? Uma foto, por acaso? — Respondo rispidamente, e noto alguns esbanjando nojo em suas faces por causa do que acabo de falar. Dane-se, eu estou pouco me lixando pro que eles falam — E vê se tu cala a boca no teu canto ou eu arranjo um encontro entre você e seu primo Chão, tá?

Raven desata a rir do meu lado, quase estourando meus tímpanos do ouvido esquerdo com aquela risada horrorosa como de quem está tendo um ataque cardíaco. E não é só ela; o resto da van também cai na risada e eu ameaço colocar meus fones de volta quando a abençoada Fields segura minhas mãos, impedindo-me de viajar pra fora daquele mundo.

— Não vai responder minha pergunta, criatura?

— Droga, ainda tenho que responder? — Encaro-a como quem diz “sério, amiga?” — Eu tinha uma foto dele salva no meu celular.

— Opa, conta mais — ela se vira, pronta pra ouvir mais.

— Foi no dia seguinte àquele momento embaraçoso… mas não foi nada demais. A feira foi um sucesso, embora eu não tenha ido ver o trabalho dele, mas pelo menos a minha sala lotou e por isso digo que foi um sucesso-— sou interrompido por quem mesmo? Ah, a própria Raven.

— Estou pouco me lixando pros detalhes da sua feira, quero saber dessa foto aí.

— Delicada — falo em tom de ironia — enfim, fomos embora no banco da frente da nossa ex-van e ele acabou dormindo ao meu lado. Tirei uma foto e foi isso.

— Ah, “e foi isso”? Você fala como se fosse a coisa mais banal do mundo, Daniel — revira os olhos — e aí? Cadê essa foto?

— Excluí quando tentei acabar de vez com a lembrança do que sentia pelo filho de uma égua — abro um sorriso amarelo, daqueles que dizem “is it too late now to say sorry?” (PS. dane-se a cronologia, eu tô narrando essa merda no futuro e faço as referências que bem entender) — mas era uma foto bem bonita, na verdade. A cara branca dele brilhava no sol que nem o Edward Cullen. Tirando a parte em que ele não morreria de tanta exposição aos raios UVA e UVB.

— Deixa de graça e vá atrás dessa foto quando chegar em casa. Ouviu?

— Me obrigue, bitch — faço a zoeira só pra instaurar a discórdia na conversa.

E só não sofro uma surra dessa menina porque a motorista parou na frente da minha casa bem nessa hora. Graças a Deus por essa mulher ter senso de direção na hora certa!

Quando finalmente piso no Shawn da cozinha (desculpe, mas é que eu precisava fazer essa piada com o nome do meu próprio crush), noto que ninguém está em casa. Ellis, a mamãe do ano, deve ter se atrasado para deixar o Justin na escola. Sendo assim, apenas roubo uma banana do armário — quem me dera isso fosse uma metáfora, não? — e me jogo na cama do quarto, pensando novamente naquela história de novembro de 2014 na qual peguei o Hans dormindo e tirei uma foto dele naquela posição.

Lembro que não contei para Raven que duas semanas depois ele descobriu sobre a foto, mas não viu problema algum e ainda rebateu com um “quer guardar de lembrança, Danico?”. Lembro de ter caído na risada com minha infantil atitude de contá-lo sobre a fotografia… e de tê-la apagado durante as férias na tentativa de seguir em frente. Claramente não deu muito certo, pois cá estou eu, encarando o teto, comendo uma banana — literalmente! — e pensando novamente nos olhos hipnotizantes de Shawn Hans.

Aquele garoto me tira do sério.

“Baby, eu estou tão na sua… você tem aquela coisa, o que posso fazer? Você gira em torno de mim, a Terra está se movendo, mas eu não sinto o chão. Toda vez que você olha para mim, meu coração pula e isso é fácil de perceber. Você me deixa louco… eu simplesmente não consigo dormir. Louco, mas tudo bem, porque pensar em você me deixa acordado a noite toda.”

— Britney Spears, “(You Drive Me) Crazy”


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Notas finais do capítulo

SE RAVEN FIELDS EXISTE, GRAÇAS A DEUS PORQUE EXISTE, NÉ, MONAS? Essa menina é top e é baseada na melhor amiga real da minha vida - e eu realmente a conheço há mais de 10 anos. E ainda vou fazer 16 de vida *O*
Shawn Hans brincando com a sanidade mental de Danico com uma ajudinha do universo é algo com o qual não podemos lidar no momento, eu sei *-* O que vocês acharam desse flashback? E da aparição do professor no início? E DE TUDO? Espero que deixem seus comentários mais embaixo, vocês sabem que eu adoro.
XOXO, Gossip Girl.
Mentira. Sou só eu mesmo, Vitor ;)