O Curioso Caso de Daniel Boone escrita por Lola Cricket, Heitor Lobo


Capítulo 25
Unconditionally


Notas iniciais do capítulo

OLÁ, MEUS AMORES! Tudo bem com vocês?
Por grande milagre do destino, estamos aqui novamente com um capítulo TOMBÁVEL! Acho que esse e todos os outros que se seguirão serão tombos atrás do outro. Como o Vitor diz, "O caldo está engrossando" e podemos dizer isso a respeito da história.
O capítulo é grande SIM, mas como isso quase nunca aconteceu, achamos que vocês conseguem ler sem morrer de tédio, porque... Bem, vocês vão ver.

Nós esperamos no fundo no coração que vocês gostem dele como nós gostamos de escrevê-lo. Foi uma experiência e tanto, e com certeza vai ser para vocês também :)
Enfim, chega de enrolação, vamos derrubar forninhos hoje!
Boa leitura a todos.



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“Eu vou te amar incondicionalmente. Não há medo agora. Liberte-se, e seja livre, e eu vou te amar incondicionalmente. Venha como você é para mim; não precisa de desculpas, você sabe o quão valioso é. Eu andaria por essa tempestade porque te amo. Aceitação é a chave para ser totalmente livre. Você faria o mesmo por mim?”

Katy Perry, “Unconditionally”

 

Washington, D.C

15 de Abril de 2016

01 dia antes da facada que pode ou não ter me matado

A atmosfera presente na mesa durante o café da manhã não está vinculada a nenhum adjetivo bom. As xícaras estão dispostas perfeitamente sobre a toalha de linho branco com flores bordadas, o pão fatiado cuidadosamente colocado em uma travessa e o bule de café fumegante descansa na boca do fogão ilustrado. Ao contrário das outras manhãs, meu pai está com o quadril apoiado no balcão da cozinha e os olhos calculadores estão presos no papel que segura.

Aaron traz consigo a expressão de homem preocupado. As sobrancelhas escuras estão franzidas e os lábios pressionados em uma linha reta profunda. Seja lá o que tenha naquele papel, os seus olhos já denunciavam o conteúdo: péssimo.

O que, também, não é nenhuma surpresa para mim, já que exatamente há um ano ele trazia essa postura perante o meu aniversário.

Tento não me mostrar muito preocupado com isso e começo a preparar o meu café com lentidão. Por mais que eu tentasse focar minha atenção no que realmente era importante, minha mente insistia em dar mil voltas ao redor de apenas um assunto. Ou pessoa.

Shawn Hans.

Passado diversos dias desde a nossa conversa ocorrida em Março, ele de fato se afastara. Fechara-se novamente em seu próprio mundo e deixou-me viver o meu em paz. Eu deveria ficar contente com isso, já que agora depois de — diversos — meses eu finalmente teria a minha chance de redenção: superá-lo.

Mas, então, por que doía tanto o fato de eu saber que nós não éramos mais os mesmos? Por que parecia que ter ele longe de mim era como arrancar um pedaço do meu coração?

Evito bater com o punho na mesa e puxar a toalha derrubando toda aquela porcelana comprada por minha mãe. A monotonia naquela casa causava-me náuseas, e estar longe da única coisa que fazia o meu dia valer a pena era doloroso demais.

Se eu fosse maduro o suficiente, teria ignorado os Snaps que Shawn Hans raramente me mandava perguntando sobre Velozes & Furiosos, e consequentemente, eu também não estaria sofrendo como estou neste momento. Eu seria esperto o suficiente e teria o superado naqueles dias que passei ao lado de meu tio e das conversas diárias com Melanie.

Infelizmente, o coração não funciona do jeito que gostaríamos. E quando eu menos esperei, percebi que estava afogado em meus próprios sentimentos. Estava afogado naquela confusão que Shawn Hans criou ao longo de mim e que eu idealizei como correta.

Só que ela nunca foi certa. E nunca será. Shawn Hans é uma incógnita, e o seu coração não fugiria desse termo. Enquanto eu era a vítima, ele era o grande enigma, e nós nunca funcionaríamos assim.

Fecho o açucareiro com irritação e noto de soslaio os dedos de meu pai se contrair em um claro sinal de descontentamento com o meu comportamento. Reviro os olhos de costas para ele e bebo discretamente um gole do meu café.

Que grande porcaria de café, Daniel.

Sento-me a mesa e começo a preparar agora o meu pão com qualquer coisa que não fosse desagradável para o meu estômago logo pela manhã. As opções são mínimas, e acabo fazendo o de sempre.

Notando o meu olhar descontente, Aaron larga o papel sobre o mármore da pia e sorri sem mostrar os dentes. O corpo agora está quase todo apoiado na cadeira branca.

— Conversei com a sua mãe, e ela garantiu-me que não haverá surpresas esse ano — ele pressiona de leve o meu ombro. — Pode ficar tranquilo quanto a isso, filho.

Concordo com um aceno e retribuo o seu sorriso forçado. Parecendo contente com o retorno, Aaron pega o papel que largara segundos atrás e sobe as escadas em direção ao quarto.

Quando percebo que finalmente estou sozinho solto a respiração que eu nem percebera que estava segurando. Seria um dia longo, e se Deus fosse bondoso comigo, melhor que o meu aniversário no ano anterior.

[...]

A calça jeans escura de Lucian Furler é a primeira coisa que vi naquela manhã quando entrei na sala de aula e quase todos os alunos já haviam tomado seus respectivos lugares. Raven estava sentada — pela primeira vez no mês — mais ao longe do quadro e rabiscava nas bordas do seu caderno, já Peter limpou os óculos com um lenço e os colocou com facilidade no rosto magro.

— Alguém acordou com o pé esquerdo — Raven diz em um tom de brincadeira quando largo minha mochila no chão e suspiro com tédio. — O que aconteceu, Daniel?

— A vida aconteceu, Fields — respondo com desgosto e tiro os materiais escolares e os coloco sobre a mesa de madeira escura. — E você, Peter, o que fez ontem à noite? Você não respondeu as minhas mensagens.

O garoto de estatura baixa deu de ombros ao mesmo tempo em que as suas bochechas claras adquiriam uma coloração rosada. Raven sorri maliciosamente e taca uma bolinha de papel em sua cabeça.

— Eu sabia que tinha mulher no meio! — Apontou o dedo para mim. — Você se negou a acreditar em mim, Daniel.

— Eu? — Aponto para o meu próprio peito. — Eu nem sabia da existência dessa negação, quem dirá dessa garota.

— Ah, faça-me o favor — ela puxa sua cadeira para mais perto de Peter e apoia o rosto na mão que agora também estava apoiada em seu joelho magro. — Conte-me quem é ela, Peter!

Peter balançou a cabeça e desviou o olhar da loira.

— Nunca disse que havia alguém.

Oloco, bicho! — uma quarta voz entra na discussão e reprimo uma risada quando vejo que é Lucian. — Peço o silêncio de todos os meus alunos, inclusive o da senhorita Fields.

— Desculpe, professor — ela abaixa a cabeça com um sorrisinho nos lábios enquanto arruma a cadeira em seu devido lugar.

Lucian assente com um sorriso, as covinhas ficando evidentes. Nesse ato carinhoso em sempre ser transparente com os seus alunos percebo traços da mesma característica em Klaus.

Diferente do seu grupo de amigos, Klaus exibia uma diversão que transbordava pelos olhos, mas não o tipo de diversão que percorria o rumo ao humor negro. Klaus fazia brincadeiras com a mais profunda inocência de divertir, e não magoar.

Da mesma forma que seu pai fazia nas aulas de biologia aplicada.

Meus pensamentos sobre a semelhança entre os dois seres masculinos da família Furler se perdem quando Lucian abre a pasta e retira as provas agora já corrigidas.

Ai nossa senhora protetora do brioco.

Ele, como todas as outras vezes, não diz nada a respeito da prova e nem o retorno que houve em relação ao nosso resultado. Lucian apenas desvia o olhar quando algum aluno despenca cruelmente nas notas e será obrigado a fazer a recuperação de um conteúdo que talvez alguns alunos já terão se livrado.

Eu já recebera aquele olhar desviado diversas vezes, então posso confessar a todos vocês que fiquei espantado quando Lucian sorriu para mim e manteve os olhos claros presos aos meus.

— Parabéns, Daniel — sua boca diz aquelas palavras com o sorriso ainda perambulando em seus lábios. — Estou muito feliz com a sua nota.

Minha atenção recai sobre os números vermelhos rabiscados em um pequeno quadrado no canto da folha e sinto o meu estômago se tranquilizar como minha mente. Saber que eu havia alcançado a média era um momento que merecia ser congelado como o final de cada capítulo de Avenida Brasil.

Lucian estende a mão para mim e a aperto com orgulho. Quase como aqueles apertos de mão no final de filmes sobre formaturas sabem? Aquele momento segurando a mão de Lucian e com a outra segurando a minha prova com nota boa percebo que posso encarar a vida de um jeito bem mais harmônico sem a presença de Shawn Hans.

Quando volto para a minha carteira, não fico nada surpreso com os tapinhas em meus ombros que Edward faz questão de dar, nem mesmo o sorriso orgulhoso de Peter e os beijinhos na bochecha de Raven.

Talvez no meio de todo o caos que era os dias 15 de Abril em minha vida naquele ano as coisas pudessem ter um rumo bem melhor do que imaginei.

[...]

 O ar no ginásio escolar é tudo, menos acolhedor. Se eu fechasse os meus olhos com força conseguia ouvir os gritos dos estudantes durante as aulas de educação física, as discussões femininas e os socos trocados entre os rapazes ao fim de uma jogada falha.

Mordisco sem muito interesse a minha barra de cereal de frutas vermelhas e tento normalizar a minha respiração. Apesar de eu estar sozinho no ginásio e preso em meus pensamentos conturbados, era como se tudo ainda estivesse girando a 100 km por hora e eu um completo perdido perante a todo aquele caos.

Eu não vira Shawn naquela manhã, e talvez fosse melhor assim. Estar cercado de sua presença era algo completo de bipolaridades dentro de mim. Ao mesmo tempo em que eu o queria perto de mim, também o queria o mais longe possível.

Ele era aquele tipo de ser humano que pode ser tanto a causa de suas feridas, como também o motivo de curá-las. Ele estraçalha o seu coração com uma facilidade incrível, mas depois parece sentir remorso e retorna para ajudá-lo a reconstruí-lo. O problema é que em vez de ajudar, ele apenas piora a situação.

Estar com ele longe era uma situação estranha e ao mesmo tempo tranquilizadora. Eu finalmente poderia seguir com os meus planos, apagar aqueles acontecimentos recentes e fechar a porta do meu coração que ele fazia questão de arrombar sem aviso prévio.

Mas dessa vez eu tinha a chave: a ausência.

— Alguém algum vez já lhe disse que pensar demais na vida faz mal a saúde? — Uma voz masculina e animada surge no ginásio e preciso estreitar os olhos para conseguir identificá-la.

Shawn Hans está do outro lado da quadra, usando a camiseta do uniforme e calças jeans escuras. O sorriso que está presente em seus lábios faz o meu coração quase vacilar na tarefa de perdoá-lo, e preciso desviar o olhar para evitar acontecimentos ruins futuros.

Embora eu esteja encarando o chão sujo e pintado de verde escuro, ainda consigo ouvir os passos de Shawn Hans se aproximando cada vez mais até ele estar parado diante de mim. E, claro que eu não tenho escolha, preciso encará-lo.

— Bem, isso deve explicar o fato de você nunca ficar doente — sorrio forçado e Shawn revira os olhos verdes que estavam mais escuros naquela manhã.

— Não seja tão mal humorado, Danico — ele se senta ao meu lado no banco de madeira e bate com as mãos nos joelhos. — Como você está?

Melhor se você não estivesse aqui fingindo ser simpático.

 

— Melhor que você, devo dizer — digo isso assim que noto um roxo, fraco, em seu olho esquerdo e olheiras profundas. — E você?

Shawn parece carregar um fardo quando respira fundo e se prepara para responder a minha pergunta. Meu olhar corre para as suas mãos e fico surpreso ao encontrar os nós dos dedos quase em carne viva, entretanto, ele não parece notar já que sorri para mim e relaxa o corpo.

— Muito bem.

E o maldito silêncio recai sobre nós dois. Eu poderia puxar assunto, perguntar o motivo de suas olheiras e o roxo em seu olho. Só que eu não tenho um pingo de vontade de conversar sobre os seus problemas da mesma forma que ele nunca esteve disposto a ouvir os meus — que ainda por cima o envolviam.

O barulho da porta de metal sendo aberta desperta a nossa atenção e a cabeleira de Raven entra em cena. Os olhos azuis se arregalam quando veem Shawn ao meu lado e ela parece ficar tristonha com a situação. Talvez por perceber que os meus sentimentos por ele nunca teriam futuro ou porque ele era um babaca que nunca se tocava quando uma pessoa queria distância.

— Parece que a sua amiga não gosta de mim — ele constata com uma risada. — Passei aqui mesmo só para avisar que não vou voltar para casa com o transporte hoje.

— Tudo bem, Shawn — murmuro sem encará-lo e ainda observando Raven andar em nossa direção a passos rápidos.

— A gente se vê... Por aí — o moreno se despede fazendo um coração com as mãos, onde a ponta dos seus dedos apontava justamente para o seu objeto funcional.

Que ótimo, Shawn.

Quando penso em responder, as mãos firmes de Raven me puxam para cima e sou obrigado a levantar do banco. O seu olhar mortal era capaz de matar qualquer um naquele momento e encolho-me diante da possibilidade.

— O que você pensa que está fazendo? — Indago com astúcia e ela revira os olhos.

— Colocando um pouco de juízo nessa sua cabeça que parece ficar inútil quando está perto desse garoto.

— Agradeço a ajuda, Raven — seus passos são rápidos em direção à porta de ferro e evito sorrir com seu determinismo. — Sério.

— Não disponha, Daniel — a loira lança um olhar de canto quando passamos por Peter — Porque se depender de Peter, você iria ficar lá falando com Shawn Hans até amanhã.

— E ele não reclamaria — Peter retruca.

Não sei o que aconteceu em seguida, mas seja lá o que estivesse presente nos olhos de Raven, foi o suficiente para Peter abaixar os ombros e nos seguir em silêncio até sabe Deus aonde.

[...]

 São exatamente nove horas da noite quando escuto as batidas fracas de Ellis na porta do meu quarto. A sua cabeça surge logo em seguida adornando os cabelos castanhos presos em uma trança lateral que parecia completar perfeitamente com o seu sorriso sincero.

— Daniel? — Ela pergunta quando percebe que estou com os olhos fechados e com o corpo largado na cama de qualquer jeito desde que cheguei da escola. — O que acha de irmos ao shopping?

Abro um dos olhos e resmungo um palavrão que ela jamais entenderia. Naquele momento e as poucas horas que restavam do meu aniversário tudo o que eu queria era fechar os olhos e fingir que a minha vida não tinha uma parcela abominável de problemas.

— E se a minha resposta for não?

Ellis umedece os lábios e contorce as mãos em um sinal de desespero. Ela odiava quando as pessoas lhe diziam não, ou a contrariavam, e naquele momento os olhos como de águia estão expressando todo o seu ódio que ela não transmitiria naquele momento em palavras ao seu filho mais velho.

— Se arrume — ela diz em um tom ameaçador enquanto segura o trinco da porta. — Estaremos te esperando lá embaixo para comprarmos algo para compensar a falta de uma festa.

Assinto sem muito ânimo e vou me vestir corretamente quando Ellis finalmente fecha a porta e desce as escadas com os saltos baixos batucando no piso de madeira.

Depois de rápidos dez minutos, já estou dentro do carro, com o cinto preso e com Justin ao meu lado batendo as mãos em um sinal de impaciência, já que ele amava ir no shopping e brincar naqueles bichos que percorriam os corredores do local

Infelizmente percebo a mudança de rota quando a placa anunciando o caminho do shopping fica para trás e Aaron dirige o carro em outra direção. Penso em dizer que estamos errados, mas o sorriso que Ellis carrega nos lábios me faz perceber que ambos sabem o que estão fazendo.

Merda. Merda. Merda. Merda. Não existe presente de shopping nenhum.

 Encolho-me no banco do carro e desejo minha morte naquele momento, ou um buraco para enfiar a cabeça. Meus pais haviam prometido que não haveria festas surpresas esse ano, e olha onde estamos agora... Indo em direção a algo que eu nem sei o que é, mas tenho certeza que é uma cilada.

— Mãe... — Murmuro um pouco baixo demais e ela não parece ouvir, pois toca levemente a perna de Aaron enquanto ele desacelera o carro no momento em que passamos em frente a um condomínio.

Eu sei muito bem o que encontrarei lá, e isso não é nada bom. O condomínio com três pequenos prédios é de um amigo nosso da igreja que frequentamos e é claro que os amigos desse amigo estarão lá comemorando meu — terrível — aniversário.

Saio do carro estampando a pior expressão do ano de 2016. Logo depois do jardim composto de pequenos arbustos, vejo uma multidão cantando parabéns para mim com grandes sorrisos adornando seus lábios. Noto de relance a careta de meu tio — pelo visto ele também estava sendo obrigado a estar ali.

Sopro as velas que decoram o bolo e mais palmas são efetuadas. Tento abrir o meu melhor sorriso para Ellis que acabara de tirar o celular do bolso e insistira para que eu festejar ao lado dos meus amigos da igreja.

— Parabéns, amigão! — Peter vem me abraçar e bate de leve com a mão em minhas costas.

— Você sabia de tudo isso?

Peter encolhe os ombros com vergonha.

— Sabia — ele olha ao redor, como se temesse que alguém soubesse do que estávamos falando. — Sua mãe ligou lá em casa ontem de noite e disse que era importante eu comparecer. Eu achei que você soubesse.

Reviro os olhos e passo as mãos por minha testa suada. Eu queria morrer. Eu queria Ellis longe dos meus planos. Eu queria que a minha família parasse de bancar festas surpresas. Eu só queria que eles fossem normais.

 — Claro que não — fecho os olhos com força desejando que todas aquelas pessoas saíssem dali.

A única pessoa ali que realmente valia a pena surge entre algumas garotas da igreja que cochichavam entre si. Tio Andrew está usando uma camisa de botões e uma gravata borboleta que quase me faz ter um ataque de risos. O cabelo loiro estava um pouco bagunçado por causa do calor e ele fingia estar se divertindo.

— Finalmente esse menino está crescendo! — Festeja apertando minhas bochechas e colocando um envelope com dinheiro dentro do bolso da minha calça jeans. — Mas só pra cima, porque pros lados está difícil.

— Sempre tão irônico esse Andrew — escuto Ellis quando ela passa por nós e aponta com o olhar para os amigos da igreja que estavam sentados na mesa comendo salgadinhos. — Achei que você não viria.

Andrew estreita os olhos e faz uma careta.

— Ele é o meu sobrinho, Ellis — seu tom é rouco, e parece que ele está chateado com algo. — Eu jamais deixaria de comemorar o aniversário dele. Mesmo que não seja do jeito que ele gostaria.

— O que? — Ellis indaga com os olhos escuros esbugalhados.

Bingo!

 — Nada não, senhora Boone — Peter se intromete segurando as mãos de minha mãe e abre seu sorriso complacente. — A festa está ótima!

O sorriso que Ellis abre é de puro orgulho e ela abraça Peter por mínimos segundos. Após isso ela volta-se para os convidados e circula entre as pessoas trocando palavras e olhares felizes.

— Você queria ser esfaqueado, tio? — Pergunto em tom de brincadeira e o loiro dá de ombros — Brincar com fogo é perigoso.

— Sorte que existe seres humanos como Peter nessa Terra — Andrew puxa meu amigo para um abraço de lado e eu sou puxado do outro. — Alguém já contou para vocês a piada do pintinho?

Eu e Peter trocamos um olhar enquanto negamos com um balançar de cabeça. Essa é a deixa para Andrew sorrir maliciosamente para o ambiente e começar a contar as suas piadas — péssimas por sinal — e as suas histórias de vida que sempre envolvia Jason Ross.

Depois de duas horas, finalmente estou sentado em um banco com os meus amigos da sala enquanto Edward narra os acontecimentos da última festa que ele compareceu. Ele parece se divertir com os olhares curiosos que recebe de Raven e ao mesmo tempo irritado com o revirar de olhos que Peter lhe direciona.

Acomodo-me melhor e dou risada de algo muito sem noção que Andrew acrescentou no assunto. Infelizmente, nesse mesmo tempo sinto uma mão fria tocar o meu braço e me puxar para longe dali.

Os olhos escuros de minha mãe estão dilatados e ela cruza as mãos impacientemente. O seu vestido que batia abaixo dos joelhos está amassado na barra e ela parece perturbada com isso — ou com algo a mais.

— Você deveria passar mais tempo com os seus amigos da igreja, Daniel — retruca em um tom frio — Você sabe que esses seus amigos do colégio não são a melhor opção nesse...

— Mãe — aponto um dedo para ela — Pare com isso.

— O que? — Ela usa novamente o tom que a fazia parecer uma vítima na situação. — Eu só quero o melhor para você, Daniel...

Bufo e pressiono com os dedos indicadores a minha têmpora. Analiso-a e vejo o quanto está decepcionada com o meu comportamento. Eu nunca negara algo que ela pedira, sempre aceitei de cabeça baixa e segui o rumo da situação, mas agora era diferente.

Eu estava farto de ser um fantoche em suas mãos.

— Você já parou para pensar alguma vez que talvez eu não queira a sua versão de “o melhor para mim”?

Ellis fecha os olhos e apoia as mãos na cintura, não parecendo como responder diante de minhas palavras. Vê-la tão perdida e sem rumo me faz abrir um sorriso por dentro, o qual eu jamais deixaria se revelar em meus lábios. Apesar de ela ser minha mãe, ela nunca agiu como a maioria das mães que eu conhecia. Ela nunca quis o meu bem. Quis o bem que ela nunca pode ter quando mais jovem.

— Você está afastado, Daniel — sua mão procura a minha, mas eu me esquivo. — Não é mais o meu menino, e os seus amigos da igreja também sentiram isso. Eu quero que você siga o caminho certo.

Evito cuspir no chão e socar alguma coisa. Aquilo era o meu limite. Eu não conseguia mais aguentar aquilo.

— Você está colocando essa pressão em cima de mim por que você não foi capaz de seguir o maldito caminho certo?

A expressão em seu rosto se torna pálida e suas mãos procuram algo para se segurar e evitar cair entre todas aquelas pessoas. Aaron surge ao longe, parecendo pressentir que algo muito ruim estava prestes a acontecer.

Faço um sinal para que as pessoas se calem e reprimo a vontade de subir em uma cadeira e bradar para todos o quanto eu era um merda. Ellis está atrás de mim, paralisada e com os olhos vidrados.

Ela não acredita que isso realmente está acontecendo. E muito menos eu. E justamente na festa que ela planejou para ser perfeita.

— Em primeiro lugar, eu queria agradecer a cada pessoa que foi obrigada ou coagida por minha mãe, Ellis Boone, a comparecer nessa festinha hipócrita — brado um pouco alto demais e noto o desespero no olhar de Andrew crescendo aos poucos. Ele sabia o que eu iria fazer. — Mas, diferente do que todos vocês acreditam, eu não sou o filho perfeito que a minha família idealiza — aponto para meus pais que estavam longe um do outro no ambiente — Eu tiro notas baixas. Eu tiro notas tão baixas que chegam a causar risadas dentro de mim o quão burro a gente pode ser às vezes. Eu também sou um péssimo aluno. Eu adoro conversar nas aulas, sabia, mãe? E sim, eu já levei uma detenção.

A progenitora da família Boone leva as mãos onde deveria ficar o seu coração e parece tentar respirar fundo.

— Eu não escuto mais as músicas que vocês fazem questão de ouvir. Não glorifico Deus como antes, e não, eu não rezo mais todas as noites como fui ensinado desde pequeno.

Aaron se remexe de onde está e abre espaço entre as pessoas. A expressão que ele carrega é a mesma de hoje de manhã: os ombros tensos, a mandíbula trincada e as mãos fechadas em punho. Meu pai estava com raiva de mim. Meu pai não tinha mais orgulho do seu filho. Meu pai queria me bater.

 É o movimento de cabelos loiros que me fazem desviar o olhar. Minha melhor amiga, Raven, com os cabelos um pouco ondulados e olhos azuis como o mais profundo oceano parecem estar em conflito com os meus. As mãos pequenas e com unhas pintadas de rosa estão retorcidas e os seus lábios pincelados de batom claro se abrem em um sorriso encorajador para mim.

Entretanto, da mesma forma que ela sorria para mim, ela agarra o braço de meu tio e cochicha algo em seu ouvido. Ela sabe o que vou fazer. Andrew parece irritado e começa a dar os primeiros passos em minha direção.

— Não faça isso, Daniel — ele sussurra para que somente eu ouça.

Não faça isso, Daniel. Não pense assim, Daniel. Não siga esse rumo, Daniel. Não quero isso para você, Daniel. Não seja uma pessoa com atitudes erradas, Daniel.

 O simples fato de Andrew mencionar o “não” na frase foi o suficiente. Eu passei 16 anos da minha vida ouvindo coisas desse tipo, e por mais que eu não me lembre dos meus primeiros anos de vida, tenho certeza que Ellis já me carrega em seu ventre dizendo “Não seja uma decepção para a nossa família, Daniel”.

Só que eu vou te desapontar, mãe. Eu vou ser a maior decepção da família Boone.

— Eu, Daniel Arthur Boone, sou homossexual — anuncio em alto e bom som no exato segundo em que a mão firme de Andrew agarra a minha — E eu estou farto de esconder isso só porque a minha família quer ser perfeita. Desculpa desapontar você, Ellis — sorrio forçado para ela — Você nunca quis que a família Marin-Boone fosse um sobrenome ligado à merda. Lamento dizer isso, mas é muito pior.

Procuro por meu pai que está a poucos passos de onde estou estagnado desde que comecei a falar. Aaron não demonstra nada, mas também não parece surpreso com a minha revelação.

— Eu não te reconheço mais, Daniel! — Ellis grita quando tenta avançar em minha direção, porém meu tio a empurra para longe. — Saia de perto do meu filho, Andrew! Olha para o sobrinho que você tem! Olha para o que o nosso querido Daniel se tornou.

Andrew revira os olhos com desgosto.

— Você é cega, Ellis — sua voz está tão elevada quanto a minha há segundos atrás — A mulher mais cega que eu já conheci.

— Meu filho está desobedecendo a Bíblia Sagrada e você quer que eu enxergue as coisas com clareza? — Ela ataca novamente, tentando empurrar o meu tio e me desferir um tapa em qualquer parte do meu corpo.

— Cale a boca, Ellis.

A minha frase faz todos os convidados congelarem em seus lugares e deixarem os sussurros para trás. Minha mãe está diante de mim, às tranças do cabelo desfeitas e o sorriso que ela esteve carregando aquela noite toda já não existe mais em seu rosto. Os olhos estão borrados por conta da pouca maquiagem que ela usou e os lábios estão trêmulos acompanhados das grossas lágrimas que adornam o seu belo rosto.

— Não me condene por ser um pecador, Ellis — tombo a cabeça para o lado e respiro fundo — Não finja que você não trai seu marido com o vizinho da rua à frente já tem dois anos.

— Como… você… soube? — Ellis Marin-Boone, a mãe dos sonhos de qualquer americano comum de 16 anos, me fuzilou com seu olhar enquanto falava pausadamente para não bater minha cabeça no mármore da mesa principal da festa surpresa.

— Isso não vem ao caso — respondo rispidamente, o que inclusive é algo que tenho feito desde que essa discussão começou.

— Então você está blefando!

— E você acabou de admitir que é verdade quando perguntou como eu sabia — arregalo os olhos ainda mais.

— A cara dele está muito diabólica. Não deveríamos fazê-lo parar? — Ouço Peter sussurrar para Raven bem atrás de mim.

— Ele é como Travis Maddox, Peter — ela sussurra de volta — quando começa algo, não há quem o faça parar.

— Já faz quase dois anos, para ser exato — volto a falar, sem deixar de encarar o rosto indecifrável de minha mãe — vi as mensagens que você trocava com o vizinho e no começo não entendi nada, claro, até porque eu me recusava a acreditar no que estava diante dos meus olhos. Mas aí eu passei a notar os pequenos detalhes, sabe — ponho as mãos nos bolsos. Por fora pareço corajoso em falar a verdade na frente de tanta gente, mas por dentro a insegurança domina meu ser — você não largava mais do celular, não queria mais atender os vizinhos quando vinham aqui pedir alguma coisa ou só jogar conversa fora… e eu também ouvi a senhora conversando com uma amiga aleatória sobre uma crise no casamento. Sabia que eu ficaria devastado se tudo viesse à tona e ainda insistiu na coisa, continuou trocando aquelas mensagens com aquele cara, e eu só notando esses detalhes.

— Você não tinha o direito de fuxicar meu celular, Daniel — a raiva parecia retornar ao tom de voz dela.

— Ué, não era você mesma quem fazia isso também? Até o papai era contra isso porque sabia que eu não olhava seu celular, então não havia motivo pra olhar o meu… aí você começou e eu não achei nada mais justo do que olhar o seu. Eu podia ter jogado a merda no ventilador, mas isso significaria o fim da nossa família — minha voz começou a ficar embargada, e minha mente já me avisava das possíveis futuras lágrimas — e eu não queria que nos separássemos, porque achava que era exatamente isso o que viria a ocorrer se eu contasse a verdade. Então eu fingi que não fazia ideia disso, e por um tempo até lidei bem com essa história… pelo simples fato de que, para mim, era só aquele vizinho.

— Daniel… — Andrew ousou dar um passo em minha direção para tentar me impedir.

— Por favor, você sabe que eu não vou parar — estendo a mão para que ele não chegue mais perto — mãe, pelo amor de Deus, a gente podia até deixar esse um amante passar. Mas daí a ter outros três depois?

Depois disso, o silêncio. Claro, ninguém esperava que eu fosse falar de um amante da minha mãe, quanto mais de quatro de uma vez só — por isso o silêncio é até mesmo compreensível. Sinto os olhares massivos, que antes estavam direcionados para mim, alvejarem a dona Ellis dessa vez.

— Logo a senhora, que sempre pregava o bom comportamento da família, os bons costumes... — franzo as sobrancelhas, tentando deixar apenas a raiva estampada em meu rosto. Porque, cá entre nós, eu não posso me permitir chorar agora no momento da verdade — como pode fazer isso conosco? Trair nossa confiança dessa forma? Agir com tamanha hipocrisia do jeito que a senhora tem agido nos últimos meses? Eu tive que esconder quem eu realmente era desde o começo para não te irritar do jeito que você está agora, enquanto você saía com seus amantes debaixo das nossas vistas! Sabe o quão difícil foi para mim aguentar tanta coisa? Eu carreguei meu fardo e ainda tive que dar carona pro seu. E a senhora ainda vem querer dizer que eu é que sou o errado da história… sinto muito, mas se eu sou o errado, então você é o quê? Se eu vou queimar no inferno por ser homossexual, para onde você vai? Só eu vou para lá, então?

— Daniel... — a voz de Peter Zaslavski soa por trás de mim.

Seus olhos esbugalhados emitem uma súplica. Reconheço o significado de seu olhar porque somos amigos há tempo suficiente para isso. Quando o vejo me alertar — sem abrir a boca uma única vez — que eu já fui longe demais e que preciso parar antes que a pilha de tragédias acabe com a família em uma única noite, me permito derramar uma lágrima. Duas. Três. Quatro. E começo a perder as contas ao abraçar meu amigo e ter autorização dele para chorar em seu ombro, assim mesmo, do nada, na frente de todos que eu conhecia — ou achava que conhecia, para alguns casos — descontando toda a minha decepção com minha própria vida em gotas d’água que agora encharcam a camiseta quadriculada de Peter.

— O que foi que eu fiz, Peter? — Pergunto repetidas vezes — O que foi que eu fiz?

— Ellis? — Aaron se manifesta pela primeira vez desde que eu gritei que era gay há alguns minutos — Você tem alguma explicação quanto a isso?

Os “amigos” da igreja começam a ir embora sorrateiramente, sabendo que esse é um drama para ser resolvido fora dos círculos sociais. Mentalmente agradeço a eles por ir embora — na real? Eu queria que eles tivessem feito isso desde o começo dessa festa — enquanto me desvencilho do aperto do Zaslavski e recebo conforto dos braços de Raven dessa vez.

— Mãezinha, a senhora pode ficar com o Justin hoje? — Ouço Tio Andy perguntar à minha avó.

Eu nem tinha pensado no que iria causar com minha declaração até essa pergunta. Meu irmão Justin. Minha avó. Meu avô. Meus outros tios e tias. Os amigos da igreja. Meu pai. O que eu direi a eles agora que todos sabem da minha verdade e da verdade de Ellis? Como vou olhar na cara de cada um deles e pedir desculpa pela forma como isso aconteceu?

Washington, D.C.

16 de Abril de 2016

Cerca de 18 horas antes da facada que pode ou não ter me matado


Quatro horas da madrugada. Sem saber direito que dia é, em que estado do país eu me encontro, quem está me cutucando ou por que diabos eu babei no travesseiro, acordo com as cutucadas frenéticas no meu ombro esquerdo. Viro para o lado, pronto para praguejar quem fosse — especialmente se fosse a minha mãe, aí eu dou uma voadora nela mesmo, por motivos que vocês já devem obviamente ter notado nos capítulos anteriores desta novela mexicana chamada minha vida — mas então noto o olhar amedrontado e o rosto nervoso de meu pai, Aaron Boone.

E logo as perguntas feitas no início do parágrafo anterior são respondidas pela minha própria mente.

É madrugada de 16 de abril de 2016.

Eu ainda estou em Washington, D.C. Lugar onde sempre morei.

Meu pai havia me acordado.

E eu estava babando no travesseiro porque sonhei com donuts e Shawn Hans. De novo. Sem a mínima necessidade, já que ele pegou meu coração e jogou no lixo em dois anos.

— Anda, Daniel, acorda — ele repete da mesma forma frenética com a qual me cutuca — precisamos ir.

— Ir? Pai… do que está falando?

— Te explico no carro. Já arrumei sua mala, agora levanta, veste algo que preste e vamos.

— Mas, pai… — Já estou prestes a argumentar que estou morrendo de sono e que não quero levantar às quatro da madrugada dessa maneira, até porque nem estou a fim de acordar.

Mas aí eu lembro da briga que a família toda teve na noite passada. Aí eu lembro que os Marin-Boone descobriram que não sou nada do que eles pensavam, e que ninguém aceitou muito bem, muito menos minha mãe. Especialmente depois de eu ter jogado todas aquelas merdas no ventilador para todo mundo saber. Dando-me conta também de que, quando voltamos para casa ontem, fui dormir em meu quarto usando fones de ouvido porque a discussão dos meus pais no andar de baixo fora intensa, acho melhor parar a frase e deixá-lo fazer o que faz de melhor: contra-argumentar.

— “Mas, pai” nada. Eu te explico tudo no carro e garanto que não é besteira. Agora levanta e não faz furdunço.

— Então tá, quem sou eu pra julgar, né…

Levanto e visto uma calça jeans, uma camisa básica preta, coloquei meus óculos de grau (tá que eles são de leitura, mas eu sabia que os perderia se 1) não os colocasse na cara e 2) os pusesse na bolsa que meu pai colírio arranjara, então foi melhor assim), calço uma sandália (quem liga se calça não combina com sandália? QUATRO DA MADRUGADA, não exija bom gosto de moda nessas horas), tudo isso sem fazer barulho — o que me surpreendeu, já que sou como 99% da população e não faço nada depois das 2h sem fazer rebu — e caminho na ponta dos pés com Aaron até o carro na garagem. Ele desce o veículo da rampa e só o liga quando está oficialmente na rua.

— OK, já estamos aqui, agora pode ir falando.

— Primeiro: eu ainda sou seu pai. — Droga. Odeio quando ele usa esse argumento, e não é a primeira vez que falo isso por aqui. — Segundo: desculpa ter feito isso com seu sono. Sei o quanto ele é sagrado para você.

— É por causa de ontem à noite? — Ele confirma com um simples movimento da cabeça — E… pra onde estamos indo? — Volto a perguntar, observando-o deixar a rua como um criminoso deixa a cena do crime.

Será que ele havia cometido algum?

Em nome de Lucian Furler, o que merdas estava acontecendo?

— Antes que você pergunte, não, não cometi um crime. Sua mãe está dormindo como um demônio, porque anjo ela não é. E seu irmão passará o fim de semana na casa de sua avó.

— Como sabia que eu estava pensando nisso?

— Eu estou nervoso. Não sei se notou.

— Isso não explica muita coisa, mas já que são quatro horas da madrugada e o senhor tá suando frio, vou ter esta explicação como verídica e perguntar de novo: para onde estamos indo?

— Para a casa do seu tio.

— Qual tio?

— Duh, o único que mora por aqui. Tio Andy.

— Tá, mas por que temos de ir agora na calada da noite?

— Porque nós não voltaremos para aquela casa, filho — suas palavras me assustam, mas não o interrompi pelo simples fato de que sei exatamente o porquê disso tudo — não quero manter contato com a Ellis enquanto ela não retirar o que disse ontem. Ela pode não te reconhecer agora, mas não é porque você é gay que eu vou deixar de amá-lo como o filho que você sempre foi pra mim — ah, pai, não queira me fazer chorar agora — e não te deixarei vê-la sob essas circunstâncias de novo. Talvez nem que ela se livre dos erros que cometeu, eu te deixe vê-la.

— Como é?

— Olha, Dan, eu sei que vai ser difícil, mas lembre-se de que não vai ser fácil pra mim também — ele para o carro naquele instante. Graças a Deus não há carro algum na rua a não ser o nosso. Espera, graças a Deus não, vai que um assaltante aparece de supetão e nos assalta… se bem que até os ladrões têm hora pra dormir — Eu convivi com a Ellis por mais tempo do que a sua existência. Amei aquela mulher como nunca amei outra pessoa. Mas tá, talvez eu te ame tanto quanto ela e é por isso que estamos indo embora, mas por favor, me entenda… eu não podia deixá-la falar aquelas coisas e ainda governar sobre suas escolhas. Eu simplesmente não podia bancar o impotente mais uma vez.

Se por um lado eu me emociono com o fato de ele ter escolhido a mim em vez da própria companheira, por outro eu lamentava ter que abrir mão do convívio com minha mãe — que por mais maléfica que tivesse sido logo no meu aniversário, ainda era minha mãe, poxa — para conseguir o que eu tanto quis. E eu estou falando da minha liberdade.

— Sei que se sente culpado por isso estar acontecendo — Aaron põe sua mão direita no meu ombro, e olha bem nos meus olhos, transmitindo aquela sensação de tranquilidade que nem meu tio ou meus amigos podiam proporcionar — mas, por favor, não se sinta. Aquelas coisas que a Ellis disse ontem foram só o estopim para isso.

— O senhor… já ia se separar dela?

— Estava procurando a coragem para pedir isso… mas, pelo jeito, a sua liberdade acarretou na minha também.

Aceitação é a chave para ser totalmente livre. Você faria o mesmo por mim? Lembro da música da Katy Perry que a Melanie sugeriu para mim antes de eu ter ido dormir, há poucas horas. De alguma forma, ela previu que eu receberia um voto de confiança de alguém próximo; e mesmo eu achando que ela mesma representava esse voto, agora sei a quem ela estava se referindo. Ao meu pai. Ao único da minha própria casa — pelo menos o único com o poder do discernimento do bem e do mal na cabeça — que faria de tudo para me ver feliz e se sentir feliz ao mesmo tempo.

Solto-me do cinto que me prendia e simplesmente o abraço. Sei que é o que ele precisa no momento, tanto quanto eu preciso dos seus braços me protegendo do mundo. É o que ele faz comigo desde que nasci, e não será agora que ele deixará de fazer. Porque eu o conheço muito bem agora. Aaron Robbins Boone é, acima de tudo, quem deveria ter sido o meu melhor amigo nesta história desde o começo. Se todos os meus parentes fossem como meu pai, eu não teria encontrado dificuldade em me abrir sobre minha sexualidade antes. Mas infelizmente não são, então me contento só com ele e meu tio mesmo.

Abraço-o mais forte antes de pronunciar uma singela frase.

— Obrigado, pai.


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Notas finais do capítulo

Who run the notas finais? Jack Wolf!

Mano... MANO. "Unconditionally" foi um dos episódios mais difíceis para mim de fazer. A partir daqui, a fic já não tem mais como base acontecimentos da vida real e conta apenas com as duas cacholas que idealizaram OCDB; mas, ainda assim, retratar um ponto tão importante da vida de Daniel Boone, que é assumir quem ele realmente é para familiares e amigos, isso exigiu de nós um tamanho compromisso com as palavras... Dan precisava disso para sair da tempestade que o afogava no mar de incertezas e pressões externas - daí a ideia do banner do capítulo com uma mão saindo da água - e ele finalmente conseguiu. Resta saber se ele conseguirá ter a paz que tanto almejou ao se assumir, certo? Hm, não sei.
VAMOS ESPERAR POR CENAS DOS PRÓXIMOS CAPÍTULOS! [suspense]

O que acharam do episódio? Deixem seus comentários, especialmente agora que começa uma fase tão importante para Daniel Arthur Boone. Vocês, no lugar dele, fariam o que ele fez do jeito que fez? O que acham que pode acontecer com o Dan a partir de agora? Opinem, opinem, meus queridos booners!

Enfim, esse foi o último episódio de 2016. Nos vemos agora somente em janeiro do próximo ano - que na verdade tá chegando já *RISOS ALTOS* - com um capítulo baseado no hit 'Here' de Alessia Cara e cuja pretensão é começar a esclarecer os acontecimentos DA NOITE DA FACADA! QUEM TÁ ANIMADO? YAY!



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