O Curioso Caso de Daniel Boone escrita por Lola Cricket, Heitor Lobo


Capítulo 10
Somethin' / Earth Kings


Notas iniciais do capítulo

Então, este capítulo seria escrito e postado pela Luceana também, mas como ela teve problemas na agenda, eu adiantei um episódio já produzido (sim, tenho capítulos já prontos de reserva) e estou postando aqui no lugar dela. Sendo assim, o episódio crossover que eu mencionei nas notas finais de Get It Right ainda não é hoje, e sim somente na próxima atualização ;) E sobre hoje, já adianto duas coisas:
1) vocês vão morrer hoje;
2) notaram que há duas músicas no título deste capítulo e que provavelmente vocês nunca ouviram falar delas? Eu explico... são composições originais *u* Eu mesmo escrevi Somethin' e Earth Kings especialmente para esse capítulo, e as letras delas vocês podem conferir no link que deixarei embutido no início do capítulo, ok? Ok.
Aproveitem e boa leitura!



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> Clique aqui para ver as letras das canções originais

Aquela viagem para Seattle acabou com toda e qualquer força de vontade que eu tinha pra continuar com os olhos abertos no voo de volta. E ainda assim, quando chego em casa, a primeira coisa que faço é me jogar na cama e dormir até a hora do jantar porque ninguém merece ter que lavar louça no domingo, certo? Certo.

E como eu quero te poupar de todos os detalhes do que aconteceu entre o momento em que pisei no chão do meu lar e a hora que resolvi acordar pra vida, posso resumir em três palavras:

Fiz.

Vários.

Nadas.

Na verdade, eu acho que o único movimento que fiz durante todas essas horas foi trocar a posição do meu corpo na cama pra ficar favorável ao vento de baixa qualidade que vinha do ventilador à minha direita, mas OK. Sigamos em frente.

Infelizmente eu acordo horas depois do momento recomendável para se ter a refeição nomeada “jantar”. Sendo específico?

Já passava da meia-noite.

É, eu acho que exagerei na dose.

Levanto-me da cama como quem não quer nada, mas ao primeiro passo rumo à cozinha, meu estômago se contrai de fome e eu me sinto obrigado a correr até lá. Nesse momento, daria tudo por uma comida que preste, até meu BV eu daria em troca. Mentira. Talvez. Não sei. Depende de quem vier. Tá, melhor não pensar em beijos agora. Preciso de comida.

Sem nem perceber, devoro um pacote de salgadinhos inteiro em menos de dez minutos. Alô, livro do Guiness, acabei de bater um recorde maravilhoso! Depois de cometer essa atrocidade com a coitada da comida que não esperava um fim tão trágico, jogo meus braços sobre a mesa e encaro os farelos de salgadinho esparramados à minha frente, enquanto boas memórias desse fim de semana com o melhor amigo do meu tio voltam à mente. Jason Ross é um daqueles caras que não dá pra você esquecer porque, de fato, fazem a diferença no seu modo de pensar.

E porque caras como Jason Ross também pensam que tios como Andrew Boone seriam gays facilmente, anoto em pensamento.

Infelizmente minha paz é interrompida pelo soar da campainha da casa.

“Quem será que é? Preciso atender antes que meus pais acordem ou vai rolar barraco!”, esbravejo com minha consciência enquanto saio correndo até a porta da garagem e a puxo para o lado sorrateiramente — abrindo um espaço no qual só dá pra ver a cara do intruso mesmo.

— Ainda bem que você não foi dormir.

Todas as minhas forças quase se vão pelo ralo quando Klaus Furler sorri aliviado e pronuncia aquelas palavras.

Não acredito que aquele pivete do Ensino Médio está parado na porta da minha casa!

E sim, eu digo “pivete” porque, caso eu não tenha dito antes… Klaus pode até ter seus 15 anos e estudar na outra turma da primeira série, mas sua estatura não é muito vantajosa. Ele é um pouco nanico. Mas só um pouco.

OK, talvez notoriamente.

Queria saber como ele consegue uma garota com aquele tamanho.

Será que a tromba de elefante dele é pequena também?

MEU DEUS, PRA QUÊ EU QUERO SABER DISSO? QUAL A RELEVÂNCIA NA MINHA VIDA?

Exatamente, consciência. Nenhuma relevância.

— Mas que porra tu tá fazendo aqui, garoto? — É tudo o que consigo responder.

— Se você abrir a porta de vez, vai ter uma noção do que está acontecendo, ué.

Arrasto mais a bendita da porta e quase entro em combustão interna ao ver um Shawn Hans deitado no chão, com a boca mais aberta que as pernas de uma fã do Harry Styles e as mãos praticamente arrancando fora os fios de cabelo.

— Convulsão? — Pergunto com a maior cara de seriedade que consigo fazer.

— Pior. Bebedeira — desde quando uma convulsão é mais aceitável que encher a cara? Falo isso porque Justin Boone teve umas três quando só tinha 2 anos de idade, e as memórias não são boas — Você não faz ideia do quanto esse besta bebeu hoje.

— Mas ele só tem quinze anos — argumento — o que deu na cabeça dele pra beber tanto assim? O fígado dele vai estar em cirrose antes mesmo dele se formar na faculdade!

— E você acha que eu sei o que ele tem nesse miolo cerebral? — Klaus arregala os olhos, deixando claro que também não sabia o que havia acontecido com o homem ao chão.

RAM PAM PAM PAM, RAM PAM PAM PAM, RAM PAM PAM PAAAAM… MAN DOWN!

Consciência, não é hora de cantar Rihanna, tá bom?

— Olha, Klaus, eu realmente aprecio sua atitude altruísta de carregar seu amigo pra fora de um bar… mas por que tinha que trazer para a MINHA casa? O que eu fiz pra merecer isso, garoto?

— Shawn não pode chegar em casa nesse estado, ou nós dois seremos massacrados pelos pais dele. Sabe como são.

— Não, eu não sei — franzo as sobrancelhas — nunca os vi na vida.

— Tá, essa não é a parte mais importante da história no momento — COMO NÃO? VOCÊ TROUXE MEU CRUSH BÊBADO PRA MINHA CASA, CARALHO — dá pra gente ficar aqui?

E eu realmente quero desmaiar agora. Seria uma boa ideia, se eu não tivesse que dar uma resposta imediata à proposta de um Klaus Furler menos bêbado e mais louco que um certo Hans agonizando ao chão.

— Mas se você conseguiu dirigir até aqui, pode muito bem ir embora e levar esse traste junto! — Retruco, cruzando os braços na cintura.

— Então está bem. Se eu bater esse carro e morrer, a culpa será sua.

— Legal, porque eu não me importo contigo e muito menos com o Shawn no chão — controlo minha risada devido ao nível da piada.

O clima tenso de cinco segundos é interrompido com um grito quase que ensurdecedor do bêbado ali perto. Felizmente, ou infelizmente, era só mais uma risada. E eu simplesmente me dou conta de que não posso deixar esses dois retardados saírem num carro com o risco de acabar com vidas inocentes. Tadinhas dessas vidas, serem mortas por Klaus e Shawn não é um modo muito digno de partir dessa para uma melhor.

— Promete que não vai atazanar a minha vida depois?

— Quanto a mim, tenha certeza disso. Já quanto a ele…

Nós dois encaramos o Hans, agora sentado no chão e encarando nossos rostos.

— Como tu sabe onde o Danico mora, porreado do cacete? — Sua fala é meio enrolada, mas Klaus entende o suficiente pra traduzir para mim logo depois.

— Você me apontou onde era uma vez, lembra? — Responde, para só depois virar-se na minha direção e notar que falou algo de estranho — Pois é, já andamos por aqui e ele apontou pra sua casa.

— E como você ainda lembra mesmo estando bêbado? — Retruco.

— Não faça perguntas difíceis a essa altura do campeonato. Só nos deixe entrar.

E com a consciência de que meus pais poderiam me flagrar dando abrigo a dois bêbados no meio da madrugada (e muito provavelmente podendo levar uma surra depois), ajudo Klaus a arrastar o outro bebum para dentro de casa — o que se prova ser difícil, já que é um altão magrelo e um nanico fortinho carregando um ser abençoado por Deus e bonito por natureza. EM FEVEREIRO, FEVEREIRO! TEM CARNAVAL, CARNAVAL! Okay, parei. Jogando-o no chão do corredor, volto a encarar o filho do meu professor de biologia.

Lucian não gostaria nadinha de saber que abri as portas do meu lar para seu filho. Mas OK.

— O que faremos com esse traste? — Quebro o silêncio.

— Dê um banho nele, ué — ele dá de ombros — bêbados geralmente se curam quando jogam água neles.

— Você está sugerindo que eu tire a roupa desse cara para dar um banho nele e em todas as regiões de seu corpo? — Arregalo os olhos ao pronunciar aquelas palavras — Mas nem que você me prometa um beijo imediato, está me ouvindo?

— Estamos jogando verdades na rodinha? Porque, se for isso, eu admito logo que sua boca me parece bastante beijável.

E ele até insinua se aproximar de meu rosto, mas eu lembro que estamos em casa de família e dou um soco em seu estômago. Do tipo que quase vai direto na cara do pobre nanico (que nem é tão nanico assim, mas eu digo que é nanico porque ele é menor que eu uns dez centímetros. Ou eu sou alto demais ou ele é pequeno demais. Adivinha qual teoria resolvo apoiar?) por causa do seu tamanho. E do tipo que o faz procurar o banheiro dos visitantes para vomitar toda a cerveja no vaso sanitário. E só restam Shawn e eu naquele corredor.

Bom, eu tenho que fazer algo com esse man down aqui. Mas o quê? Definitivamente não posso ir dar um banho literal nele porque meus instintos apaixonados não resistiriam a uma situação dessas. Também não posso deixá-lo imundo com cheiro de cachaça 51 no corredor da minha casa.

— Shawn, dá pra assimilar o que eu falo? — Abaixo-me para tentar contato com ele, que estava quase desacordado.

Ele acena com a cabeça em sinal de confirmação, o que me dá passe livre para continuar falando.

— Certo, eu vou te deixar no banheiro e vou te orientar no banho. Você vai ter que fazer isso sozinho porque sou jovem demais pra ver outro pau além do meu, tá? — Falo com a melhor das alegrias que encontro em meu ser.

Ou seja, falo ironicamente, porque a ironia é a melhor alegria que há em mim.

O moreno à minha frente abre um sorriso meio torto, mas malicioso o suficiente para me fazer estampar uma cara de nojo instantânea e partir logo para aquela parte da noite de bebedeira onde o amigo — que no caso deveria ser o Klaus, mas o cargo foi passado para mim — pega o braço direito do bêbado, o joga sobre seu próprio pescoço e o carrega até o banheiro mais próximo. E é exatamente isso que faço: com muita luta, conduzo meu primeiro grande amor até o box do banheiro de meu quarto para ele se banhar sozinho e se virar na recobrância (e dane-se o fato de que essa palavra não existe) de consciência.

Espera. Acabei de chamá-lo de meu primeiro grande amor?

Não, eu não fiz isso.

Prometi não me render tão rapidamente aos seus encantos. E cá estou eu, ajudando-o a ficar sóbrio e chamando-o de amor. Merda.

Desculpa, família cristã, mas eu tô totalmente gostando desse cara.

 

[...]

 

— Ele vai ficar bem — O filho do meu professor de Biologia aparece à porta do meu quarto, e me encontra sentado ao lado da porta que dava para o banheiro. Shawn ainda não havia saído de lá e eu estava morrendo de sono, mesmo tendo dormido a noite toda desde que havia voltado da viagem — ele sempre fica.

— Como sabia que eu estava preocupado aqui no meu canto?

— Eu sei que você gosta muito dele, Daniel — recosta-se na madeira da porta, com os braços cruzados e apenas seu ombro direito apoiado na parede — pode não parecer que eu sou emotivo por baixo de todos esses músculos — hum, aqueles que eu adoraria ver um dia, mas não admito porque tenho olhos pra outro bofe escândalo? Bom saber — mas uma das vantagens de ser filho de um professor de biologia é que você acaba aprendendo como notar as emoções dos outros, então…

— Então o quê? — Continuo me fazendo de desentendido.

— Não finja que seus olhos não brilham quando Shawn vem conversar contigo, muito menos que seus pelos não se arrepiam quando ele te toca. Não finja porque eu já vi tudo isso e digo mais — eu e minha mania de não conseguir esconder meus segredos visivelmente — ele provavelmente sabe que você gosta dele.

— Se fosse assim — jogo a hipótese pra não deixar claro que eu estava decidido a contar para o Hans a verdade — ele não já teria vindo falar comigo sobre isso?

— Talvez ele esteja esperando a hora certa — ouço o chuveiro ser desligado e fico de pé — enfim, vou me arranjar no sofá da sua sala pra não incomodá-lo mais.

— Você é mais legal do que eu pensava — franzo as sobrancelhas perante minha própria afirmação. Deus, eu estou precisando de um remédio para lucidez — mas ainda acho que você esteja zoando com a minha cara, da mesma forma que seu amigo bêbado ali e toda a trupe fazem comigo de segunda a sexta desde o início do ano letivo.

— Invadi a sua casa à meia-noite com um cara vomitando de tão bebum e um sofá que provavelmente acordará com meu cheiro impregnado e você diz que eu ainda estou mentindo?

— Eu não sou muito de acreditar nas pessoas, Klaus — cruzo os braços da mesma forma que ele fizera antes — desde que eu conheci Shawn Hans, ele vem me machucando internamente com aquelas pisadas sofredoras e depois com aquelas palavras lindas que ele joga em meus braços. Acho que depois de uma experiência dessas, dá pra entender minha desconfiança toda.

— Ele faz isso para proteger o próprio coração — e então se desencosta da madeira da porta — por mais que ele nunca tenha me dito isso, eu simplesmente sei. Enfim… pense bastante no que eu te falei, tá?

— Vou tentar, por mais que não pareça ser uma ideia muito realista — respondo, e surpreendentemente o Furler me puxa para um abraço amigável.

Por mais que seja bem tentadora a vontade de finalmente erguer aquela camiseta básica de cor preta que ele está usando, reprimo esse pensamento em favor de corresponder àquele abraço. Talvez seja impressão minha, mas se um abraço com Shawn transmite toda uma energia estranha e sensações de poder fazer qualquer coisa no mundo, o mesmo ato com Klaus significa um porto seguro. Foi como eu ouvi em alguma novela da TV: existem diferentes tipos de abraços, e por mais que você só se apaixone de verdade por um, não quer deixar de experimentar os outros. Penso isso enquanto o garoto perto de mim dá três batidinhas nas minhas costas e então nos afastamos.

— Se ele quebrar seu coração, me avise. — E então dá uma piscadinha, indo direto para a sala de estar.

Aquilo foi um pouco estranho. Klaus Furler sensível demais à meia-noite definitivamente não é algo que se vê todo dia, certo? Certo. Depois eu teria de puxar papo com ele sobre isso.

Felizmente, ou infelizmente, só dá tempo de pensar nisso por poucos segundos até que a porta do banheiro se abre, revelando um Shawn ainda com o cabelo úmido e suas vestimentas todas encharcadas, grudadas em seu corpo e revelando a existência de linhas musculares mais definidas que a minha situação sexual.

— Desculpe… esqueci de tirar a roupa para tomar banho — sorri descaradamente.

— Não sei por que ainda me surpreendo — reviro os olhos, já indo ao meu guarda-roupa encontrar alguma peça que sirva naquele corpo saliente — qual o número da sua camisa?

— Qualquer uma serve, desde que seja sua.

A sobriedade ainda não chegou ao cérebro desse garoto.

— Tem certeza de que você está lúcido? — Pergunto, mas sem me virar para ele.

Com toda a força interna que crio para não jogá-lo contra a parede e realizar meu sonho agora mesmo, continuo concentrado em pegar vestimentas avulsas, e assim que faço isso, jogo-as para Shawn, que entende o recado e volta ao banheiro para se trocar.

— A propósito — diz, antes de fechar a porta — eu nunca estive tão bem.

Se é assim que ele fica quando está bem, nem quero saber como é a versão má dele.

Resolvo ir ao quarto de destroços da casa buscar um colchão reserva (sim, nós, os Boone, temos um quarto de destroços onde jogamos coisas velhas ou que provavelmente só usaremos pra esfregar na cara dos visitantes falsianes), e o puxo para o quarto do meu irmão Justin. Afinal, aquele garoto ainda dorme na cama dos nossos pais mesmo…

Quando finalmente consigo colocar o lençol elástico naquela joça — quem nunca batalhou por isso? EU TENHO ÓDIO quando finalmente encaixo o troço num dos lados e ele se rompe naquele lado que eu já tinha ajeitado, vocês nunca? — o Hans surge na porta do cômodo, vestindo uma calça de pijama que eu tinha e nunca usei e uma camiseta dos Minions.

OK, eu realmente emprestei aquela camisa de propósito. Qual é, vai me dizer que você não faria isso no meu lugar?

Querida consciência, não temos leitores aqui. Só você e eu.

Foda-se, Daniel.

— Awn, que bonitinho — quebro o silêncio fazendo uma voz melosa, e começo a rir logo depois.

— Filho de uma égua, me deu essa camiseta de propósito, né — ele esbraveja — sorte sua que eu ainda não estou forte o suficiente para te esganar.

— Olha, Shawn, você pode até ser um cara bruto para a maioria da humanidade — minha voz estremece à medida que ele chega mais perto de mim — mas tenho certeza de que você não conseguiria me agredir.

— Você não sabe, Danico — graças aos céus, ele passa reto e vai direto para o colchão arrumado — vai dormir aqui?

— Claro que não. Você fica aí e eu vou dormir no meu quarto de boas — respondo, e faço menção de deixá-lo à vontade no quarto de Justin.

Mas o senpai tinha que mudar até essa situação, né, universo?

— Fique aqui — congelo na hora ao ouvir sua voz — por favor, fique aqui.

— Dê-me um motivo para ficar, então — digo ao me virar de volta — porque até agora eu não tenho razões pra ficar aqui depois de sacrificar meu sono pra te ajudar a sair desse estado alterado, sabia? Então se você realmente quer que eu fique aqui, vai ter que fazer mais do que pedir.

Shawn parece ponderar a respeito das minhas palavras enquanto despeja seu corpo sobre o colchão estendido no chão, e eu, como o belo trouxa que sou, continuo imóvel em pé.

— Danico, eu acho que gosto de você.

Como diria a Inês Brasil: SERIA MEU SONHO? ADOREI? AMEI? ACHEI TUDO?

Porém, se por dentro eu estou surtando geral, por fora eu dou uma de idiota. Como sempre faço.

Odeio esse meu lado que não aguenta as pressões do dia a dia.

— Quê? — Franzo as sobrancelhas.

— Não estou falando de somente achar que você é legal e que deveríamos ser mais amigos — ele coça a cabeça — estou falando de gostar… pra valer. Sabe, quando uma pessoa desenvolve sentimentos bem afetivos por outra e não consegue evitar porque é como uma avalanche de emoções que chega sem avisar… desculpa, não sei como admitir isso sem morrer de vergonha — e, para finalizar, dá mais um daqueles sorrisos bem contidos.

E, mais uma vez, Shawn Hans me destrói sem precisar mostrar os dentes para sorrir. Talvez ele saiba que eu morro de amores por qualquer expressão que surja em seu rosto. Talvez ele saiba que eu faria o que fosse preciso para vê-lo sorrir novamente.

E talvez ele fizesse o mesmo por mim, dada a intensidade de suas palavras.

— Por favor, fique aqui. Eu gosto demais de você pra ficar neste quarto sem seu toque.

Seu olhar, por mais que seja apelativo — quase como o que o Gato de Botas faz para amolecer os corações dos outros — me faz manter meu campo de visão fixado somente nele. E tudo bem que ele estava ainda um pouco bêbado e precisasse mesmo dormir sem alguém importunando seu juízo na madrugada; mas se o próprio Shawn pedira para que eu ficasse ali e eu também não quisesse dormir sozinho pensando nele, por que recusar o pedido de um crush necessitado?

— Acho que preciso de espaço — chego mais perto do estofado — se você quiser que eu fique aqui.

— De boas — o moreno cede o que eu havia pedido, e eu me sento ao seu lado — nem sei como te agradecer pelo o que você fez esta noite.

— Amanhã você nem vai lembrar do que eu fiz. Como qualquer bêbado que se preze.

— Por isso que estou te agradecendo logo agora, ué! — E ele diz isso com a maior das convicções, fazendo-me rir — Está rindo por quê? É apenas um fato!

— É porque você fica com uma cara tão ridiculamente linda quando faz alguma observação engraçada que eu não consigo te olhar sem cair no riso — tento falar baixo para não acordar meus pais, e essa tarefa quase se torna impossível porque continuo rindo de sua expressão.

— Digo o mesmo sobre você, Boone — sua mente parece formular alguma ideia esquisita. Dá pra notar pela cara de Wesley Safadão que ele faz — você gritaria se eu fizesse algo?

— O quê-— sou interrompido por essa atitude realmente louquinha do Hans em me puxar pela cintura e me deixar deitado especificamente ao seu lado.

Ficamos só nós dois ali, encarando o teto como se não houvesse nada melhor a fazer. Eu quase morrendo de tanto nervosismo por conta da enorme proximidade entre nossos corpos e ele… bom, não sei o que se passa na cabeça de Shawn Hans. Adoraria saber, mas ele é relativamente impenetrável.

Pelo menos até a parte onde ele disse que gostava de mim.

— Obrigado por não gritar.

— Quero muito fazer isso, Shawn.

— Mas eu sei que não vai.

— Por quê?

— Porque você também gosta de mim e eu sei disso.

Viro minha cabeça para o lado onde ele se encontra, e o garoto à minha frente faz o mesmo. Bem que o Klaus Furler tinha razão. Aquele porreado do cacete realmente sabia.

Tento manter a pose de “tô pouco me lixando”.

— Ainda assim eu poderia gritar.

— E eu também, Danico — sua mão esquerda pousa em meu pescoço, com a exceção do dedo polegar que vai direto à minha bochecha. Garoto, olha os tiros que você está me dando, eu não tenho sete vidas! — poderia ter acordado seus pais e te chamado de não sei quantos nomes, mas eu gosto demais de você pra deixar isso acontecer.

— Você realmente gosta de mim?

— É tão difícil de acreditar?

— Dado o seu histórico de heterossexualidade, SIM, é difícil de acreditar — tento fortalecer minha voz ao passo que ele faz círculos em meu rosto com o polegar e desestrutura todas as minhas defesas emocionais só fazendo isso — e você teria de provar que gosta de mim do mesmo jeito que eu gosto de você.

— Ah, então você sente isso também? — Seus olhos ganham um brilho nunca visto antes, como se aquela fosse a melhor notícia que ele recebera em tantos anos.

É a hora. Eu ainda não tinha admitido francamente na sua frente sobre os meus sentimentos, então se tem uma hora na qual eu podia negar ou confirmar, essa hora chegou.

— Sim — baixo meu rosto para não ter de encará-lo, mas ele continua acariciando minha bochecha — mas acho que você vai esquecer isso amanhã da mesma forma, e eu deveria voltar para o meu quarto. Você precisa dormir, Shawn.

Merda de cérebro. Eu podia simplesmente ter feito um discurso de efeito pra atingi-lo em cheio, mas a parte do meu tronco encefálico responsável pela “pena de quem está bêbado e vai acordar desmemoriado” impediu que eu falasse tudo o que tenho de falar. É foda, viu?

E de repente, seu dedo para de se mover, e só resta sua mão ainda parada em minha nuca.

— Pode até ser que eu precise dormir… mas preciso de você aqui também.

Agora vem a manchete curta e direta sobre o acontecimento seguinte porque, se eu não enrolo demais, eu não enrolo porra nenhuma na história:

Shawn Hans, meu crush de anos, meu primeiro grande amor em potencial, meu senpai, quebra o vácuo que havia entre nossas bocas e me beija.

E escrevo isso com os verbos no presente mesmo, porque a cada minuto a memória de seus lábios encontrando os meus ressurge e me faz sentir como se fogos de artifício fossem soltos no meu estômago a cada vez que lembro disso. Seu beijo é mágico e eu não consigo pensar em outra coisa a não ser “queria muito ficar aqui para sempre”, agindo como um verdadeiro adolescente apaixonado.

A diferença é que eu não posso assumir esse papel 24 horas por dia e 7 dias por semana.

Bendita e abençoada família Marin-Boone.

Após sua audácia em vir unir nossos lábios, eu saio da inércia e levo minha mão direita ao seu pescoço, e ficamos ali, apenas curtindo a nós mesmos, um explorando a boca do outro com a língua (credo, juro que não usarei mais essa linguagem vulgar) e somente pensando “onde estará o ar que sumiu dos pulmões desde o início dessa pegação terna?”.

Exagerei na descrição?

Cacete, exagerei demais. Fiquei parecendo a Ana em Cinquenta Tons?

Pelo amor de Kéfera Buchmann, me diz que não.

— Agora você acredita em mim quando digo que gosto muito de você? — diz, quando finalmente quebramos o beijo e deixamos o ar entrar em nossos organismos.

— Mais do que isso — me sinto tão anestesiado pela lembrança de seus lábios que esqueço que minha mão ainda se encontra em sua nuca — eu acho que te amo, Shawn Hans.

Primeiro pensamento: QUE MERDA TU TÁ FAZENDO, DANIEL ARTHUR BOONE? DIZER ISSO É PEDIR PRA MORRER, SABIA?

Segundo pensamento: FINALMENTE, HEIN, DANIEL!

Terceiro pensamento: agora fodeu tudo. Entreguei-me demais, não é?

Quarto pensamento: DANE-SE, agora já está feito e só me resta ver no que isso vai dar.

E confesso que tive um enorme medo de dizer tais palavras… mas eu também estava com medo de que ele não gostasse de mim e estivesse brincando com meus sentimentos durante mais de um ano. E se naquele momento ele quebrou todo esse estigma que estava implantado na minha cabeça, por que eu não podia contar a ele o que sentia também? Então, eu simplesmente confessei. Pode até parecer que falei cedo demais e que esse amor seja unilateral, mas no momento eu só quero que ele saiba o que sinto.

E o Hans não só parece me entender como também abre um sorriso de canto, deixando-me ainda mais derretido internamente como se fosse ouro 24 quilates.

O negócio é ostentar até nos sentimentos.

— Me sinto o rei da Terra só de ouvir isso de você — MENTIRA, GUSTAVO — uma pena que eu não possa gritar agora.

— Rei da Terra? — Rio brevemente.

— Há tantas coisas que você não sabe sobre mim, Daniel Boone — seu dedo indicador toca meu nariz de leve, e sinto meu rosto ruborizar com o ato — como, por exemplo, eu sempre quis que alguém deitasse de conchinha comigo.

— Não acredito — minha pose de sarcástico retorna como se fosse a Sasha Fierce.

— Então vem cá — de repente, ele mesmo gira meu corpo e me abraça por trás.

A cena maravilhosa de nós dois deitados de conchinha num colchão que tecnicamente é de solteiro poderia ser traumatizante para alguém como Ellis Marin-Boone, mas é a realização de um dos vários sonhos concebidos pela curiosa mente de um Daniel Arthur Boone da vida.

Eu não sei bem o que fazer nessa hora — meu corpo ainda está terrivelmente travado e estou mais duro que a madeira de uma árvore, provavelmente — então penso apenas em deixar-me ser levado pelo momento. Sua mão, que parecia estar procurando a minha, acaba finalmente a encontrando, e a cena mais gay do dia fica ainda mais gay.

Só espero que ninguém acorde pra ver isso. E com ninguém, digo Klaus. E meus pais. E Justin. E metade do mundo. E o mundo todo.

Porque esse momento é só nosso.

— Eu sei que você está gostando disso. Pode admitir — Shawn sussurra em meu ouvido, me levando à loucura pela décima vez em dez minutos.

Mais ou menos um surto por minuto se fizermos o cálculo da divisão.

— Talvez eu até esteja me sentindo o rei da Terra também com isso — respondo, tentando não parecer tão nervoso assim perto dele.

— Yeah, nós somos os reis da Terra nesta merda.

Quando até um palavrão soa sexy na voz de quem você ama, é a hora de pensar em procurar um psicólogo?

 

— JESUS, MARIA, JOSÉ — Abro meus olhos e ergo a cabeça como se fosse o Flash, atraindo a atenção de todo mundo no avião.

Merda. Não, não, não, pelo amor de Pharrell Williams, isso não pode ter sido um sonho.

— Sugiro que você não grite — um quarentão com ares de arrogante resmunga no banco atrás do meu, e só pra provocar, eu ponho meus joelhos no estofado da minha poltrona e viro minha cara para o campo de visão dele.

— E eu sugiro que você respeite um cara que acabou de ter o sonho mais ilusional de toda a vid-— duas mãos me puxam para baixo, e eu sei que são as de meu tio Andy.

— Garoto, sem brigas — sua calma voz rapidamente me faz acalmar os ânimos, e me sento de volta no assento sem sair no tapa com mais ninguém.

— Tio, eu acabei de ter um sonho com o Shawn — digo, sem pensar duas vezes.

— Calma, relaxe, ainda não chegamos na terra do ser mais gay desse universo pra você já ser influenciado por aquela mente poluída — seu comentário me faz rir (baixinho, pra não levar um soco do quarentão de trás) — está melhor agora, sabendo que foi só um sonho?

— Não. Queria que não tivesse sido só isso.

— Um dia, quem sabe…

— Talvez esse dia nunca chegue, tio.

— Posso saber por quê?

— Tem gente demais aqui. Quando pousarmos, eu te conto.


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Notas finais do capítulo

ENGANEI VOCÊS DIREITINHO! MUAHAHAHAHAHAHAHAHA!
Sim, tudo o que aconteceu no capítulo até a parte em que Daniel se toca que está num avião foi COMPLETAMENTE MERO SONHO DO MENINO BOONE e não aconteceu de verdade. Espero que não me batam, só queria uma experiência diferente nesta história e que surpreendesse vocês antes do vendaval de emoções que começou em Get It Right e nunca mais vai acabar. Deixem seus comentários, quero ver o que vocês acharam dessa fofura fake toda ;)
PS: Eu realmente sonhei isso em algum ponto de 2015.
PS²: Próximo capítulo é da Luce e sairá em 25 de maio!



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