Embora meus olhos pudessem ver, 

eu ainda era um homem cego.

Embora minha mente pudesse pensar,

eu ainda era um homem louco.

                                                   Carry On My Wayward Son - Kansas

Londres - 1878.

 - Cecily. 

Will continuava a repetir o nome sem parar, seu olhar parado na figura ajoelhada ao chão. O garoto parecia doente, sua pele tinha um tom doentio de cinza. Tessa olhou para a garota o casal havia conseguido coloca-la de volta na carruagem e agora seguiam de volta de onde vieram.

Will soltou um gemido engasgado de dor e começou a correr em direção a carruagem, Jem tentou segura-lo mas o garoto já corria em disparado, Jace correu em seu encalço tão rápido que tudo o que Tessa pode ver foi um borrão loiro. Alcançou Will com facilidade e segurou o garoto pelo braço, Will tentou se desvencilhar mais Jace era tão forte quanto ele, num momento Will se desequilibrou e caiu levando consigo Jace, ambos caíram rolando morro abaixo.

— Jace! - Gritaram Clary e Alec juntos.

— Will! - Gritaram Tessa e Jem. 

Os quatro começaram a correr em direção aos dois, quando chegaram onde eles estavam puderam ver Will no chão com o ante-braço de Jace em seu pescoço o forçando a ficar quieto. 

— Me solta! Saía de cima de mim ou não respondo por mim! - Gritou Will desvairado. 

— Não até você ouvir a voz da razão e nos dar uma explicação. - Disse Jace.

— Will, quem eram aquelas pessoas? - Perguntou Jem preocupado enquanto se ajoelhava ao lado do parabatai.

Will não respondeu, fechou os olhos e deixou de lutar contra Jace, que ao ver que este desistira afrouxou o aperto.

— Will, quem é Cecily? - Perguntou Tessa suavemente. 

— Minha irmã. -  Respondeu ainda com os olhos fechados.

— Sua irmã?! - Perguntaram todos assustados.

— Will o que diabos sua irmã está fazendo na casa de Mortmain? - Perguntou Tessa.

— Eu não sei, EU NÃO SEI! De algum jeito minha família foi arrastada para toda essa sujeira e eu . . . eu  preciso avisa-los! - Respondeu Will desesperado.

— Will, você não pode! Conhece a lei. Não pode ter contato com sua família! - Disse Jem preocupado.

— James, você não me entende, sua família já está morta! Então não me peça para para não fazer isso! - Implorou Will angustiado enquanto empurrava Jace, que pego de surpresa não pode fazer nada a não ser ver o rapaz se levantar de um salto.

— Willian! Me escute! 

O tom autoritário de Jem surpreendeu Tessa, ela nunca havia visto ele o usar antes, muito menos com Will. 

Will se voltou desesperado para Jem. O coração do garoto se quebrou, nunca havia visto Will tão desesperado ou tão despedaçado quanto agora, mas ele não podia deixar que ele conversasse com sua família, Will não estava raciocinando direito, ele levaria o perigo até eles.

— Will, me escute por favor, é por não ter mais minha família que sei que isso é loucura, sei que você quer proteger a sua, mas eu quero proteger a minha também e você Willian é a única família que me resta! Olhe lá, através daquelas árvores, olhe com atenção.  -Disse mais suave agora, enquanto indicava com o dedo um ponto em especifico.

Não só Will, mas todos os outros olharam para onde Jem indicava, por um tempo não viram nada, mas depois de alguns minutos puderam distinguir uma figura esguia parada entre as árvores apenas observando, embora estivessem um pouco longe ainda puderam ver que se tratava de um das criaturas de Mortmain.

— Acho que está nos seguindo desde o instituto, se você for até sua irmã, levará o perigo até ela, Will pense, eles não são caçadores, a Clave não vai ajuda-los. Você resistiu todos esses anos, não é hora de sucumbir agora. 

— Cecily ela está tão grande, era só uma garotinha quando saí. - Sussurrou Will com a cabeça baixa arrasado. Parecia tão frágil quanto uma criança assustada. 

Sem uma palavra ele se livrou da mão que Jem havia posto em seu ombro e começou a correr, não em direção à carruagem, mas sim em direção a criatura.Todos ficaram chocados e sem reação por um momento, até que recobrando a compostura Jem deixou escapar um palavrão e saiu correndo em direção a Will que já tinha uma bela vantagem. Jace e Alec foram logo atras deixando Clary e Tessa para atras.

— Jem! - Choramingou Tessa. 

— Calma, Jem vai atras dele, eles são parabatai, Jem não poderia abandona-lo agora que ele parece tão desesperado. - Tranquilizou-a Clary, embora estivesse preocupada, tinha medo do que Will poderia fazer estando nesse estado desesperado.

Will se parecia muito com Jace, na época em que o conhecera, um garoto quebrado e magoado pelo mundo, não sabia a historia de Will, mas sentia que ele já havia sofrido muito e ainda sofria. Assim como Jace, Will era apenas uma criança despedaçada tentando achar seu lugar nesse mundo.

Com um suspiro Tessa assentiu com a cabeça e começou a ir em direção as árvores por onde desapareceram os garotos com Clary ao seu lado.

                                           * * * 

Nova York - Dias atuais.

— Como isso pode acontecer Magnus? O que faremos? Não podemos deixar que o passado mude assim, não vou suportar ter meus momentos com Will roubados, não vou suportar perder meus filhos, perder Jem! Magnus precisamos fazer alguma coisa! - Disse Tessa histérica.

— Tessa calma! Nós dois juntos vamos pensar em um jeito de traze-los de volta e arrumarmos o passado de novo! - Disse Magnus. 

— Como pode me pedir calma Magnus? Eu estou perdendo o Will, estou perdendo uma das melhores épocas da minha vida! Não posso perde-lo Magnus, não posso! E Jem, o que essas mudanças farão com Jem? E se eu o perder também? e meus filhos? Meus descendentes? Se eu perder Will eles deixaram de existir! Como pode me pedir calma?! - Gritou a garota chorando descontrolada.

Magnus soltou um suspiro angustiado, levantou e foi em direção a cozinha deixando Tessa sentada no safá verde limão de sua sala. Quando voltou para onde a garota estava trouxe consigo uma xícara e estendeu para a garota.

— Tome, isso vai ajuda-la a se acalmar.

— Obrigada. - Disse Tessa enquanto sorvia o chá que estava na xícara.

Passado alguns minutos Tessa disse.

— Me desculpe Magnus, eu estava fora de mim, mas perder Will me deixou desesperada. 

— Tudo bem, sei bem o que está sentindo, estou sentindo que minha história com Alec também está mudando, afinal, se Jace deixar de existir, não haverá o laço parabatai entre eles, logo Alec não precisaria ir até a minha festa, pois ele só foi por causa de Jace. Minha relação com Alec também corre perigo, então eu sei bem o que você está sentindo.

— O que vamos fazer Magnus?

— Primeiro vamos comparar  nossas lembranças, o que você lembra de Will? 

— Bem, eu me lembro que ele me salvou das irmãs sombrias, que acreditava piamente em uma maldição, que ele me amava. - Sussurrou a ultima parte.

— Sim, Will era louco por você. - Concordou o bruxo suavemente. 

Falar de Will era ao mesmo tempo dolorido e reconfortante, era uma boa lembrança que ambos tinham. Era alguém que eles nunca esqueceriam.

— Mas ai tudo começa a ficar confuso, eu lembro de Will já bem velho, morrendo em meus braços, mas quando tento me lembra com exatidão eu o vejo morrendo jovem, numa luta contra aquelas criaturas horríveis de Mortmain. 

— Como ele morre Tessa? - Perguntou Magnus interessado.

— Ele morre tentando proteger Jem. - Disse num sussurro. 

— Isso não é bom, se tentarmos mudar isso, Jem morre, mas se não mudarmos, Will morre! De um jeito ou de outro a história muda! - Disse Magnus frustrado.

                                           * * * 

Londres - 1878.

Quando Clary e Tessa chegaram onde estava os garotos levaram um susto, Will estava fora de si, batia descontrolado na criatura de Mortmain, enquanto essa só sabia repetir que era um aviso de Mortamin, que se Will tentasse mexer com o passado sua família pagaria. Num acesso de raiva incontrolável Will pegou uma adaga de seu bolso e começou a fatiar a criatura, sua raiva era tanta que em questão de segundos a criatura estava completamente destruída. Jem jogou os braços entorno do parabatai para tentar impedi-lo de continuar. Enquanto Alec e Jace assistiam a tudo em choque.

— Will, tudo bem já acabou, acabou Willian. - Disse com suavidade.

Will caiu de joelhos no chão sem forças para mais nada, se sentia vazio por dentro, sua ira o havia abandonado, agora só restava a culpa por colocar sua família em perigo e a dor de vê-los e não poder abraça-los.

Jem se levantou e tentou levantar o parabatai. 

— Will vamos, aqui não é seguro, vamos voltar. 

Sem uma palavra Will se levantou e seguiu em direção onde haviam deixado a carruagem. 

A volta a Londres foi silenciosa, Tessa estava exausta mas não conseguia dormir estava com a cabeça apoiada no vidro da janela do trem. Alec estava sentado perdido em seus próprios pensamentos, ao seu lado Clary dormia com a cabeça apoiada no ombro de Jace. Este por sua vez olhava para Will preocupado enquanto alisava distraidamente os cabelos de Clary. 

Will estava sentado à sua frente e olhava para a janela, não havia falado uma única palavra desde haviam deixado Yorkshire. Ao seu lado Jem fala baixo em latim tentando faze-lo falar alguma coisa. 

Will parecia ter perdido a alma, seus olhos normalmente brilhantes estavam sem vida, seu rosto alvo estava pálido, o garoto estava muito abalado, isso era visível, Jem o olhava com carinho e uma preocupação latente. Nunca havia visto Will tão sem vida assim, isso o estava desesperando. 

— Will, você havia dito que sua irmã estava morta. - Disse Jem suavemente. 

Will deu um sorriso cruel e medonho.

— Minha irmã está morta. 

Os pelos dos braços de Tessa se arrepiaram, ela viu Will virar a cabeça de volta para a janela, imaginou estar sonhando, mas podia jurar que havia visto uma lagrima escorrer pela face de Will pela vidro da janela. 

 Jace que passava a mão distraidamente nos cabelos de Clary sentiu uma forte vertigem, balançou a cabeça tentando clarear os pensamentos, olhou para sua mão nos cabelos de Clary e podia jurar ter visto através dela, assustado o garoto arfou. 

— Jace? Está tudo bem? - Perguntou Alec ao seu lado. 

— Sim Alec, acho que sim. - Disse baixinho. 

                                         * * * 

Asas, o bater de asas, Clary podia ouvir o bater de asas, e o tic tac de um relógio, não conseguia ver de onde vinham esses sons, mas estavam perto, sentiu a temperatura ao seu lado se elevar, tentou focar sua visão onde vinham os sons, mas uma forte neblina a impediam de ver o que era. 

O bater de asas ficava cada vez mais forte, assim como o tic tac do relógio. Forçando um pouco mais a vista ela viu asas brancas batendo com fúria. Ouviu um grito terrível de dor e  lamento e de repente tudo ficou calmo. 

Começou a olhar para os lados tentando enxergar alguma coisa, mas tudo o que via era a maldita neblina branca, ouviu um som a suas costas e quando se virou deu de frente com um par de olhos azuis irados, vingativos e brilhantes, não conseguiu segurar o grito de pavor ao ver aqueles olhos . 

— Clary? Acorde, vamos é só um sonho. 

Ao abrir os olhos a primeira coisa que viu foram os olhos dourados de Jace a olhando com preocupação evidente, olhou confusa ao redor e viu que ainda estava no trem voltando para Londres. Alec, Jem e Tessa a olhavam com preocupação e Will parecia preso com seus próprios demônios. Engolindo em seco olhou novamente para Jace, sem uma palavra se jogou em seus braços soluçando. Não conseguia esquecer o sonho, a visão daqueles olhos, aquele grito de lamento era sufocante. 

— Calma, estou aqui. - Disse Jace suavemente a abraçando.

                                         * * * 

Will continuava olhando para a janela, mas não via a paisagem, sua cabeça girava com desprezo de si mesmo, mais uma vez causara dor a sua família, Mortmain queimara a casa como aviso, um aviso à ele.

A dor aguda em seu peito não sessava, até quando continuaria causando dor aqueles que amava? Não suportava mais, estava cansado de levar essa vida, sempre magoando as pessoas, Tessa, Charlotte, Henry, Sophie e até mesmo Jessamine e claro Jem, seu grande pecado.

Jem é meu grande pecado.

 Se sentia vazio por dentro, mesmo suas lagrimas não vinham mais, apenas uma única lagrima havia descido solitária por seu rosto. Até mesmo sua capacidade de chorar havia desaparecido, a única coisa que restara foi esse vazio. Não tinha mais vontade para nada, queria desistir, largar tudo, desistir de tudo, se entregar ao menos uma vez, queria pelo menos uma vez esquecer os problemas, esquecer a dor e a solidão, queria o alívio que talvez só a morte trouxesse. Talvez se entregar a Mortmain não fosse tão terrível assim. 

Jace assistia a briga interna de Will preocupado, conhecia aquele desespero, aquela desesperança em seu olhar, ele mesmo já havia passado por isso. Will queria se render, se entregar. 

Ele também já quis isso uma vez, queria o alivio da morte, mas Clary havia aberto seus olhos, não o deixando sucumbir a culpa e a dor. Pelo que pode ver Will era tão quebrado quanto ele já foi um dia. E ainda era um pouco se admitisse a si mesmo. 

Graças a Clary houve esperança para ele, talvez ainda houvesse para seu tatara-avô. Se dependesse dele haveria, não deixaria que Willian Herondale sucumbisse. Mesmo não admitindo admirava o rapaz, seu antepassado era um rapaz honrado, e como Magnus e o irmão Zacharias . . . não Jem, haviam lhe dito os Herondales eram talvez os seres que sentissem com mais intensidade, ele havia duvidado naquela época, primeiro por achar que não se encaixava nessa categoria e segundo por não ter tido uma boa referência de seus parentes, afinal, sua avó a Inquisidora fora cruel e rancorosa com ele, embora no fim houvesse dado sua a vida por ele e seu pai para ele fora um homem fraco de personalidade que se deixara levar pela mente doente e sádica de Valentim. 

Mas agora conhecendo Will Herondale, Jace podia ver o porque de Jem e Magnus terem dito isso, Will parecia ter uma luz própria, uma luz brilhante como uma chama e que queimava como tal, seus sentimentos eram realmente intensos, desde raiva, angustia, tristeza, felicidade ao amor. Sim Will embora não percebesse era uma pessoa com sentimentos complexos e intensos, Jace podia ver o lado bom que ele tinha, lado que apenas James Carstairs podia ver.