Alchimia escrita por Sandro Morett


Capítulo 3
A Vila


Notas iniciais do capítulo

Olá olá olá leitores, se é que ainda há. -QQ
Demorei mas aqui está mais um capítulo de Alchimia. Espero que todos gostem.
Boa leitura galere



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A Vila

 

Marthir mancava enquanto era levado pelos seus amigos até a base da torre do sino. Tetragon o acompanhava caminhando lentamente e o som do ferro de suas botas se arrastando no chão se unia aos murmúrios dos moradores de Vila do Vale, ainda pasmos com os acontecimentos daquela noite. O Ancião Bouden acabara de descer do topo da torre, fazendo o sino finalmente silenciar. Sem o badalar, parecia que o ar da noite agora repousava em paz. O idoso colocou uma cadeira para Marthir poder se sentar e começou a examinar seu pé ferido. A avó Nimr acompanhava tudo e olhava com suspeita para o cavaleiro, que sorriu com dentes brancos e alinhados.

Um pouco zonzo pela dor e sob efeito da adrenalina, Marthir se esforçava para se manter lucido e acordado. Com a visão turva e com um véu de fumaça, o garoto também encarava Tetragon. Sempre imaginou que Cavaleiros fossem guerreiros rústicos, homens como os que conhecia, mas aquele que estava na sua frente mostrava que na realidade eles eram altos e fortes, de sorrisos fáceis e dentes perfeitos, cabelos lisos e brilhosos.  Era uma realidade diferente o interior de um castelo para a vila no meio do nada.

Fechou os olhos e rangeu os dentes quando o ancião pediu para ele esticar a perna.

— Não está quebrada — o velho falou pondo-se de pé com dificuldade – mas também não está boa. Vai precisar de repouso, rapaz.

Leya que ouvia a tudo se apressou em abraçar o amigo ao saber que ele estava bem, mas para Marthir o maior alívio era saber que ninguém se feriu. Leya desatou o abraço e deu-lhe um soco no braço:

— Por acaso você perdeu a cabeça? Pular em uma bruxa de cima de um telhado? Qual o seu problema? – as lágrimas que surgiam faziam o verde dos olhos dela brilhar mais intensamente. As chamas da casa queimando ao fundo iluminavam o rosto da garota, rubro, mas doce, mesmo com a cicatriz.

— Você, como a pessoa salva, deveria ser mais grata. – ele falou passando a mão sobre o braço agredido.

— Tinha um Cavaleiro ali, Marthir, um Cavaleiro! Ele com certeza tinha um plano.

Tetragon foi pego de surpresa ao ser colocado na conversa. Sorriu e assentiu para tranquilizar a garota e disse:

— Seu amigo foi corajoso. Eu tinha tudo sobre controle, mas a ajuda dele foi muito bem vinda.

Ela continuou chateada, mas nada mais disse sobre isso. Cruzou os braços e respirou fundo.

— Obrigada. – falou, dando o braço a torcer. – Obrigada por me salvar. – sua voz ficou terna de repente, fazendo Marthir corar.

Mas a noite ainda não havia acabado e nem tudo seria só alegria. Perto do corpo carbonizado da bruxa, onde os outros soldados davam água para os cavalos, uma mulher começou a gritar descontrolada. Lágrimas jorravam dos seus olhos e ela cuspia as palavras com ódio.

— Vocês estão cegos? É tudo culpa desse garoto! Minha Leya. Minha pequena Leya. Quase morreu por causa desse garoto há quinze anos e agora novamente, novamente! Ele nos traz o mal. Ele é amaldiçoado! – ela se aproximava de Leya enquanto gritava. Tocou a cicatriz da garota e virou-se para Marthir. – Você não se cansa de trazer dor para nosso vilarejo?

— Mãe... – Leya falou se afastando. Mesmo a senhora Nimr parecia prestes a atacar o pescoço da mulher, mas quem interveio foi Tetragon, o Cavaleiro.

— Imagino a sua dor, mas o rapaz não é seu inimigo. – a voz dele soava surpreendentemente calma. – Centenas de famílias sofreram o mesmo que você há quinze anos, algumas até mesmo foram dizimadas. Vocês têm sorte de não sofrer um ataque desde então, não há ninguém a quem culpar pelo acontecido. – prosseguiu – Marthir hoje foi um herói. Se tiver que culpar alguém por tudo, culpe a mim.

A mulher se espantou, mas nada disse. Tetragon continuou a explicar:

— Nós estávamos perseguindo Leandra há quase um mês. Enquanto ela estava na floresta seus poderes eram maiores e nós sempre éramos emboscados. Tanto que há princípio havia vinte homens comigo. – o Cavaleiro se dirigia à mulher, mas suas palavras eram para todos no vilarejo. – Precisávamos tirá-la da floresta, mas como fazer isso? As árvores negras avançam pelo reino e as florestas tomam conta de quase tudo. Estudamos mapas, afinal, as estradas hoje são pouco usadas e nós não podíamos ter certeza de onde a floresta terminava. Foi em um desses mapas que vimos o Vale de Uru'Insur, uma planície gigantesca e habitada, não tão distante de Passolargo.

“Perseguíamos Leandra noite e dia, até a floresta chegar ao fim e a grama começar. Acredito que se o rei soubesse de um lugar assim daria um jeito de construir seu castelo aqui. É como mágica: as árvores simplesmente não avançam para estes campos, e foi nestes campos que lutamos contra Leandra esta tarde.”

“Ela levou outros dois dos meus homens, mas nós a ferimos e ela não podia vencer, então fugiu. Infelizmente encontrou vossa vila e aqui tentou lhes fazer mal.” – Tetragon suspirou. Ainda se perguntava o motivo de ter explicado tudo aquilo. Não era problema seu o que aconteceria depois que partisse. – Graças a Marthir nós pudemos impedi-la.

Não convencida, a mulher segurou a mão de sua filha e tentou arrastá-la para longe dali, mas Leya prendeu os pés no chão e fuzilou-a com o olhar.

— Eu vou ficar. Depois a encontro. – a garota falou por fim, e a mulher amargurada partiu.

A lua estava alta no céu e a fumaça começava a se dissipar. As chamas nas casas aos poucos eram apagadas pelos moradores da vila com a ajuda dos soldados, enquanto outros formavam um aglomerado sob a torre, na esperança de ouvir o Cavaleiro falar. Ninguém naquela vila jamais vira um Cavaleiro do rei até hoje, nem mesmo dona Nimr ou o ancião Bouden em seus tantos anos. Viram um punhado de Cavaleiros, sim, treinados em outros castelos por senhores menores; o próprio suserano da Vila do Vale, se é que ainda o tinham, detinha a espada juramentada de três Cavaleiros, e estes de anos em anos passavam por ali. Mas um Cavaleiro da Ordem dos Doze era história, era outra coisa, algo mais. Ancião Bouden nas manhãs de doutrinação, quando Marthir não era mais que uma criança contava a ele e às outras crianças historias de como os Doze Cavaleiros do Rei eram extraordinariamente poderoso, quase seres mágicos. Homens que não envelheciam e detentores de infinita sabedoria. Eram tantas as histórias que lhe eram contadas que Marthir se perguntava com frequência por que homens tão poderosos não salvaram seu pai naquela noite. Agora quinze anos depois Tetragon lhe falava de ouro e recompensas e fazia promessas de reconstrução para aqueles que perderam algum bem material. Se havia alguma magia naquele homem? Marthir só podia afirmar até então que não viu nada de sobrenatural na forma que ele derrotou a bruxa, apenas truques.

Conversas triviais se estendiam do lado de fora da torre e com os passar do tempo as pessoas voltaram para suas casas, deixando apenas Marthir, Tetragon, dona Nimr e o ancião. Os amigos de Marthir também já haviam ido, prometendo visitá-lo ao amanhecer. Tetragon se levantou e o corajoso rapaz também se levantou, esperando uma despedida.

— Gostaria de conversar com Marthir. A sós. – o Cavaleiro disse, para a surpresa do garoto que voltou a se sentar.

Dona Nimr olhou com suspeita para o homem, mas Marthir acenou com a cabeça para que ela fosse para casa sem ele. O ancião ofereceu o abrigo da sala da torre e o conforto de suas cadeiras para os dois poderem conversar, e também se retirou.

Os olhos cor de mel de Tetragon brilhavam sob a luz das velas nas paredes e sobre a mesa. Ele encarava Marthir sem tirar o sorriso do rosto. Aquilo o estava incomodando. O Cavaleiro começou a falar:

— O que você fez hoje foi de uma coragem absurda. Nem mesmo meus soldados fariam algo parecido.

— Alguns diriam que foi tolice.

— De certo modo. – enquanto Tetragon falava, usava um pedaço de tecido para amarrar os cabelos azulados em um pequeno rabo de cavalo. – Quinze anos sem a ocorrência de uma bruxa por aqui, provavelmente é algum tipo de recorde. Mas tão pouco contato fez com que você não as temesse como os monstros que são e isso o encorajou.

— Acredite, eu tive contato o bastante. – Marthir respondeu com pesar. Inclinou a cabeça para o lado fitando o chão e uma mecha de seus cabelos castanhos acompanhou o movimento deixando sua cicatriz em forma de estrela a mostra.

Tetragon esticou um dedo envolto em uma manopla azul tocando o rosto do garoto sob a cicatriz: – Posso ver. – em seguida sem ajuda começou a desprender as presilhas de couro que prendiam sua placa de peito. Deixou o metal cair no chão com um baque e passou a despir os braços, fazendo aquele amontoado de aço azul marinho aumentar ao seu lado. Marthir o olhava confuso. – Também tenho a marca de uma bruxa. – Já sem a parte superior da armadura Tetragon se sentou e puxou a cota de malha pra cima jogando-a no chão e tirando a camisa de algodão em seguida. A cicatriz marcava o peitoral definido do Cavaleiro embaixo do mamilo esquerdo. Era idêntica à de Marthir, não medindo mais do que a ponta de um dedo mindinho e tendo o mesmo formato pentagonal. – É o que acontece quando se é perfurado pela espada de uma bruxa e se sobrevive para contar a história. – explicou.

Tocando sua própria cicatriz Marthir se perguntou por que nunca haviam lhe contado isso. Ele estava pensando em seu pai quando disse que já havia tido contato demais com bruxas. Mas agora sabia que elas chegaram realmente perto de matá-lo quando recém nascido. Olhando melancolicamente pelo lado bom, ao menos agora tinha algo em comum com Leya: uma cicatriz feita por uma bruxa. Seria melhor nunca comentar esse pensamento com ela.

— Gente como você é o que o império precisa para assumir o controle do território. – Tetragon acordou Marthir de seus devaneios. – Com coragem beirando a estupidez. Meus irmãos de ordem já não caçam mais, assim como os outros Cavaleiros do reino. Tudo porque seus soldados os abandonavam no primeiro sinal de uma bruxa.

— Não se pode fazer um exército apenas comigo. — o garoto respondeu com um sorriso triste.

— Não, eu sei. Mas eu ficaria feliz de tê-lo no meu.

Eles foram se despedir depois de muita conversa quando o sol já estava subindo ao leste. Em sua casa Marthir encontrou sua avó dormindo sentada em uma cadeira próxima à porta, sorriu e foi para o seu quarto lentamente e mancando, deitou-se em sua cama. O conforto do colchão de palha era mais que bem vindo depois daquela longa noite, mas levantou-se sobressaltado lembrando-se do seu machado. Olhou para o canto do quarto e ele estava lá, como se nunca tivesse sido movido, exceto pelo sangue escuro na lâmina; sua avó deve tê-lo levado para casa, precisava agradecê-la quando acordasse.

Voltou a se deitar e fechou os olhos. Buscou o sono e não o encontrou. Em sua mente havia apenas lembranças torturantes de terror. Lembrou-se da expressão no rosto de Leya quando a bruxa colocou sua espada negra em seu pescoço e de como o tempo parou quando ele pulou do telhado para salvá-la. Lembrou-se do que o Cavaleiro de cabelos azulados lhe falou: promessas de ouro, de uma recompensa e sobre como queria que o rapaz fosse com ele para se tornar um soldado. Não posso abandonar minha avó e a oficina, ele tinha que admitir aquilo, afinal, eram as duas únicas coisas no mundo que lhe restavam. E meus amigos.

Em seguida lembrou-se da mãe de Leya. As palavras da senhora Maya lhe cortaram como uma faca. Ela esperou quinze anos uma oportunidade para dizê-las.

Desanimado e confuso, a única coisa que Marthir tinha certeza era que precisava acompanhar Tetragon até Passolargo. Mesmo que não fosse treinar como um soldado ele ainda precisava do ouro. Podia muito bem comprar ferramentas novas para a oficina e um cavalo para transportar tudo, além de comida e bebida para a vila. Marthir podia mudar a vida daquele povo com o que era possível comprar com tanto ouro. Se eu voltasse vivo. Mas Tetragon garantiu escolta para ele.

Pensar em tais questões estava fazendo a cabeça do garoto doer, e aos poucos a manhã ia se estendendo e o sono não vinha de forma alguma. Apesar de estar praticamente decidido de usar o ouro e voltar, algo em seu subconsciente o torturava com a ideia de não ir embora com Tetragon.

“Você é fraco. Não consegue se defender. Eu morri por sua causa. Eu queria que você não tivesse sido gerado. É tudo culpa sua!, quando sua mãe morreu ao te dar a luz. Tudo culpa sua!, que eu tenha morrido aquela noite. Tudo culpa sua!, que todos aqui irão morrer. Você não merece ser chamado de filho!”

A memória do sonho que tivera do esqueleto de seu pai fez seu coração bater mais forte. Era isso. Eram essas palavras torturando seu subconsciente que não deixavam o garoto ficar em paz. Podia ser só um sonho, mas havia verdade naquelas palavras. A presença de Marthir não estava causando bem algum à vila. E ele era fraco. Se o Cavaleiro não estivesse lá, todos na vila teriam morrido. Marthir não faria bem algum ficando ali se não pudesse se proteger ou proteger aqueles a quem amava. Ele precisava tomar a decisão correta. Adormeceu com as palavras da mãe de Leya em sua cabeça: Ele é amaldiçoado!

A porta do quarto de Marthir abriu com um estrondo e ele levou a mão à primeira coisa que estava ao seu alcance. Recém-acordado de um sono que não durou mais que uma hora Marthir olhou as duas silhuetas risonhas na porta e reconheceu o cabelo vermelho de seu amigo Lukas.

— Larga esse balde ou vai derramar mijo em alguém. – gritou o ruivo gargalhando em seguida. Marthir corou ao perceber que ameaçava jogar um balde malcheiroso em seus amigos.

— Sua avó disse que não viu quando você chegou, mas que olhou dentro do seu quarto e você roncava. – Leya era toda sorrisos naquela manhã. Seu cabelo estava amarrado em num coque e ela vestia um vestido verde que lhe caía muito bem.

Lukas, pelo contrário, vestia um colete de couro sem mangas por cima de uma camisa branca e botas sujas de esterco. Foi ele que se aproximou primeiro, sentando-se na cama: – Irmão, eu não tive tempo de dizer, mas você é o meu herói. – o abraço que o ruivo lhe deu foi a confirmação de que não era só o balde que cheirava mal ali. – Aquele golpe. Aquele salto. Nenhum ferimento! Dá pra ver que você tem bons ossos. Agradeça ao leite da minha família depois.

Leya também chegou perto meio encabulada e abraçou o amigo. Ela, ao contrário de Lukas, cheirava a algum óleo de aroma doce. Desfez o abraço e olhou-o nos olhos por alguns segundo, dizendo enfim: – Você vai atrás do ouro da recompensa? É um assunto sério a se pensar.

— Não há o que pensar. Metade da recompensa é o bastante pra comprar umas cem vacas novas. – Lukas interveio. – Se fosse eu o herói, claro. Tanto ouro em madeira eu não sei quanto dá, o carpinteiro que calcule.

— Por que eu compraria madeira se existem árvores aqui perto? – Marthir falou aquelas palavras contendo um bocejo e o amigo se calou, pensando.

Marthir não havia pensado nisso ainda, mas como avisar aos seus amigos da proposta de Tetragon? Como dizer para eles que cogitava partir para não voltar tão cedo? Aquelas questões ele responderia com o tempo, ele não tinha que decidir nada às pressas, pois Tetragon havia concordado em esperar sua recuperação de qualquer forma.

Os três amigos saíram para a manhã na vila. O sol trazia o calor do verão e o céu era limpo de nuvens. Uma família estava em frente a uma casa ruída e de madeira enegrecida. Soldados voltavam do vale em seus cavalos, trazendo consigo pás e com suas botas sujas de terra. Do corpo da bruxa não havia sinal. As pessoas acenavam para Marthir como nunca antes, era até estranho, mas Lukas e Leya gostavam da ideia de ter um amigo herói.

Eles caminharam por toda a extensão do vilarejo até chegar à torre do sino. Não era onde Marthir queria ir no momento, mas seus pés por algum motivo o levaram até lá. Tetragon saía da torre e viu os três se aproximando. Acenou:

— Vejo que como eu não dormiu, rapaz.

— Tinha muita coisa na cabeça.

— E eu tinha um sino sobre a cabeça. Essa coisa fazia toda a torre ranger sob seu peso. – o Cavaleiro vestia um gibão de couro negro sobre uma camisa branca naquela manhã. Sua calça era tingida de azul escuro e ele levava um pequeno frasco amarrado ao cinto da espada. – Mas diga, pensou na minha proposta?

Leya se endireitou, olhando para Marthir: – Que proposta?

Tetragon desceu alguns degraus da escadaria da torre para a rua colocando-se na frente dos três: – Você não contou a eles ainda?

— Contou o quê? – perguntou Leya de imediato.

— Ofereci a Marthir um lugar entre meus soldados, além de treinamento. Estou esperando pela resposta.

Lukas olhou para o amigo com um sorriso no rosto enquanto o olhar da garota era de cortar: uma mistura de tristeza e raiva. Os dois, segurando cada um em um braço de Marthir, tentaram arrastá-lo para lados diferentes a fim de conversar. Depois de entrar em um acordo foram para a colina. Leya o empurrou assim que chegaram e Marthir se desequilibrou, caindo sentado na grama. Ela se aproximou dele pronta para desferir um tapa furioso, mas Lukas a impediu.

— Vai com calma esquentadinha, ele está machucado.

— Vai ficar ainda mais se não explicar o que o Cavaleiro quis dizer. – ela retrucou cruzando os braços.

Marthir se endireitou na grama, pegou um pedra e jogou longe. Olhou para os amigos e quase podia ler seus pensamentos; Lukas estava animado com a notícia, já Leya estava furiosa com a omissão de informação. O garoto analisou os dois a procura das melhores palavras.

— Foi apenas uma proposta. Tetragon se ofereceu para me treinar caso eu aceitasse partir com ele, mas eu ainda estou pensando a respeito.

— Pensando em abandonar sua casa, sua família e seus amigos? – a garota perguntou.

— Leya, pare com isso. – Lukas interveio. Depois se virou para o amigo. – É uma oportunidade e tanto. Pense bem.

— Eu estou pensando. Não tenho trazido nada de bom para a vila, então antes de partir doarei todo o ouro para as pessoas daqui.

Leya se virou, dando as costas para ele. Era possível ouvir que ela estava chorando. Lukas por outro lado sorria. Parece que ele, mais do que Marthir, gostara da notícia.

— Sabe se tem lugar pra mais um?

Leya virou para encarar o ruivo, incrédula. Seus olhos estavam marejados e aquilo enchia Marthir de pesar.

— Ótimo. Meus dois únicos amigos querem me abandonar.

— Pense nas possibilidades, Leya. Conhecer outros lugares, outras pessoas. Eu não quero ser fazendeiro até morrer no esquecido vale de Uru’Insur.

— Eu não posso pedir que você faça isso, Lukas. Tetragon já me alertou dos perigos do caminho. – Marthir falou.

Meio colocada de lado pela conversa dos dois Leya secou as lágrimas dos olhos e se endireitou cruzando os braços, desafiante: — Então eu espero que tenha um lugar para mim, porque se vocês forem embora eu não fico pra trás nem morta. E não há nada que vocês digam que me faça mudar de ideia.

— Leya, sua mãe... – Marthir começou a falar, mas o olhar da garota para ele foi ameaçador, fazendo-o se calar.

De volta à vila Marthir caminhava de forma manca, pensativo. A ideia de Lukas o acompanhar o incomodada, mas Leya o acompanhar era quase inconcebível. O garoto ficou para trás na caminhada em direção à torre do sino enquanto seus amigos caminhavam à frente discutindo as possíveis aventuras que os esperaria no caminho. Marthir sabia que não haveria aventura alguma, apenas o desejo de sobreviver até o próximo abrigo seguro; a segurança de um castelo. Mesmo assim, caso todos os três se tornem soldados, ainda haverá desafios. A vila para aqueles dois não era um lugar ruim como era para ele, então Marthir não conseguia entender o desejo dos amigos de partir.

Parou aproveitando que os outros dois haviam se afastado e levantou os olhos para o céu sentindo a brisa daquela manhã. O vento batia em seu rosto, fresco, e fazia seus cabelos castanhos esvoaçarem selvagemente. Poderia ser a última vez que sentia a brisa do vale em seu rosto. Quis gritar para seus amigos aproveitarem o momento como ele, mas diferente dele os outros dois estavam alegres e animados com a possibilidade de partir. Respirou fundo e voltou a andar lentamente para alcançar seus amigos. Eles já estavam na base da torre com Tetragon os olhando atentamente, Marthir precisava apenas concordar.

~#~

Na mesa posta dentro da torre Tetragon os avaliava com olhos astutos de guerreiro. Leya, sentada à esquerda do Cavaleiro era uma garota bonita, mas marcada a fogo. Devia ter por volta de um metro e cinquenta, a estatura media de uma garota de sua idade, e era magricela demais, o que apontava que não era ligada a atividades corporais. Sem dúvidas em uma batalha serviria mais como acompanhante de acampamento que como guerreira, mas Tetragon não faria um comentário tão maldoso. Apenas sorriu.

Se virou para Lukas à direta da mesa. Um rapaz alto e esguio, magro no tronco, mas forte nas pernas e nos braços — provavelmente se agachando para levantar baldes e baldes de leite, pelo menos era o que o cheiro de estrume indicava. Talvez não fosse de perda total se os comandantes o treinassem para aproveitar suas características físicas e caso não tirasse o elmo, pois seu cabelo vermelho denunciaria sua posição numa batalha a quilômetros de distancia.

Por último olhou para Marthir na ponta da mesa. O real motivo para ele aceitar o ruivo e a garota ali naquela mesa. O rapaz de cabelos castanhos que caiam até o ombro, por volta de um metro e setenta e corpo atlético era bem mais do que apenas um mero lenhador e carpinteiro. Já havia sobrevivido a um ataque de bruxa quando bebê, na noite da profecia, e com apenas quinze anos ajudou um Cavaleiro a matar uma bruxa. Isso já era historia para convencer qualquer Cavaleiro a tê-lo consigo, e Tetragon era este que o levaria. Olhou o rapaz em seus olhos castanhos pensando nas infinitas possibilidades para alguém como ele e por fim para seus dois amigos na mesa. Suspirou e assentiu:

— Bem vindo ao exército real. A partir de agora eu sou Tetragon, seu comandante.


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Notas finais do capítulo

Aí esta. O capítulo "A Vila" é meio parado, eu sei, mas daqui em diante a ação começa, garanto.
Espero que vocês tenham gostado. Qualquer dúvida é só me perguntar nos comentários que eu respondo. S2



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