Lá E De Volta Outra Vez escrita por Pacheca


Capítulo 3
Boas Novas, Outras Nem Tão Boas


Notas iniciais do capítulo

Aquele momento trágico do início ;-; Boa leitura :3



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Chegando em casa, tia Ágatha estava no telefone com minha mãe. As duas tinham uma ótima relação entre irmãs, que ficou ainda mais forte depois que nos mudamos da cidade.

— Sua mãe quer falar com você. – Minha tia comentou, respondendo minha mãe logo em seguida. – Oh, não, ela é ótima, Lucia. Trabalho nenhum.

Deixei a mochila em cima do colchão e peguei o telefone da mão da minha tia, vendo-a tirar suas asas.

— Ei, mãe.

— Oi, querida. Tenho boas notícias. Eu e seu pai já estamos indo para a cidade, a casa nova já está pronta e o caminhão de mudanças já está a caminho.

— Sério? Vocês veem de carro?

— Oh, não, vamos de avião, mas vamos ter que fazer uma conexão. Vamos chegar amanhã, mas você só vai para casa depois disso.

— Já é um começo. São só mais dois dias.

— Sim. – Ela deu uma risadinha, me fazendo sorrir. – E a escola, como tem sido?

— Surpreendente. Já reencontrei Nathaniel e a irmã dele.

— Oh, como ele está? Deve ter ficado um rapaz bonito, sim?

— É, está bem parecido. Loiro, cabelo cortado, só que agora mais alto e mais responsável. Acredita que ele é representante de turma agora? Faz os deveres, estuda o dia todo...

— Mudou de uma boa forma, então.

— É, a irmã dele fez o oposto. Quero dizer, está bonita. – É, foi horrível dizer aquilo em voz alta, mas Ambre tinha crescido muito bem. – Só que virou uma piranha.

— Anna!

— É verdade, acredite. Enfim, está tudo andando normal por aqui. Ah, a senhora lembra do Ken?

— Baixinho, óculos redondos?

— É, ele mesmo. Acredita que ele veio atrás de mim? Aquele menino é doido.

— Nossa, ele gosta muito de você. Demais.

— Eu sei, chega a assustar. Ele é uma gracinha, ainda assim. Acho que vai sofrer muito por aqui.

— Continue cuidando dele, meu bem. Preciso ir. Até mais.

— Beijo, mãe. – E desliguei, ainda sorridente. Logo, logo eu teria um quarto meu, e poderia dormir quando quisesse. Pus o telefone em sua base e fui tomar um banho.

Os dois dias demoraram quase o dobro a passar. Nathaniel ria de mim na hora do almoço no colégio, dividindo a mesa comigo. Não sei com quem ele costumava almoçar, mas ele ficava comigo todo dia. Bom, e com Ken também.

— Vocês já eram amigos, então? – Ken perguntou um dia, limpando seus óculos na camisa por baixo do suéter.

— É, a gente cresceu junto. Ai eu me mudei. – Expliquei, tomando o suco de caixinha.

— Ah, entendi. Achei que fosse ficar sozinha, por isso eu vim.

— Valeu. – Acabei de comer e, antes mesmo do sinal tocar, fui para minha próxima aula.

Quando o dia finalmente terminou, eu fui até o grêmio para falar com Nathaniel. Sendo meu melhor de dois amigos, eu estava um pouco dependente dele. Muito, na verdade.

— Oi. – Ele estava organizando pastas do arquivo de alunos, concentrado. – Sério, por quanto tempo você fica na escola?

— Acredite, sempre acontece algo que mereça atenção depois do horário de aulas. Até porque, é quando ocorrem as reuniões de clubes.

— Não é todo dia.

— Não, mas cada dia tem um clube diferente. Fora isso, a galera por aqui sempre fica um tempo depois das aulas para poder conversar sem motivo.

— Você trabalha.

— Ambre é uma das que fica para trás, falando bobagens com as amigas. – Ele deu de ombros. – Então ela pediu meu pai para nos buscar mais tarde.

— Ah. E você não pode ir sem ela?

— Não. Ele acharia ruim. Aproveito meu tempo livre e adianto o que preciso. Por exemplo, um adorável exercício de inglês.

— Que é pra semana que vem. Isso é loucura. – Ri, olhando as horas no relógio da parede. – Bom, eu não vou ficar hoje. Preciso ir ver minha casa nova.

— Tudo bem. Até amanhã. – Ele acenou e se sentou para fazer o tal exercício. Eu respirei fundo antes de tomar o novo caminho. Passei pela lanchonete, atravessei o parque e atravessei a rua. O prédio de portão cinza aberto esperava para me receber. Reconheci o carro parado ali na frente.

— Ei, meu bem. – Minha mãe me estendeu os braços, esperando o abraço. Parecia coisa de criança, mas passar uma semana longe dos meus pais não era tão bom assim. Não com eles do outro lado do país. – Senti saudades.

— Eu também. – Comentei, apertando-a mais. Minha mãe era um pouco menor que eu, e mais magrinha. Com o cabelo cortado no estilo chanel e com a franja reta nos fios rosados, ela estava sempre na moda.

— Seu pai está lá dentro. Vamos. Preciso que aprove meu projeto. – Ela riu e me soltou, me empurrando para a entrada. Minha mãe, apesar de passar grande parte do tempo livre pintando no seu escritório em casa, trabalhava pra valer de arquiteta. E foi ela mesma quem tinha projetado aquele prédio. Como pagamento, ela pediu o proprietário para nos dar um dos apartamentos. E ele concordou.

Subi as escadas até o segundo andar, empurrando a porta já destrancada. Meu pai pôs uma caixa no chão e me deu um abraço, simpático. Como sempre, pra falar a verdade.

— Olá. Como passou os últimos dias?

— Muito bem, mas senti sua falta. Como está tudo?

— Seu tio William já está com quase tudo pronto na loja, mais alguns ajustes e pode abrir. – Meu pai e meu tio, desde muito novos, amavam ler. A ideia inicial foi do meu pai, de abrir a livraria. Meu tio aceitou, um pouco depois e eles viraram sócios. Com o passar dos anos, a loja da outra cidade ficou pro meu tio e meu pai decidiu abrir uma outra aqui. Tio William veio ajudar até a loja ficar pronta.

— Isso é ótimo. – Comentei, sorrindo. – Qual é o meu quarto?

— O último do corredor, lá em cima. – Minha mãe entrou com outra caixa, fechando a porta. – Vá ver.

— Ok. – O apartamento tinha dois andares, como minha mãe me dissera. Subi as escadas e atravessei o corredor. As portas era todas de madeira escura, lisa. Abri-a, maravilhada com o que encontrei.

O quarto tinha sido decorado por minha mãe e ela acertou em cheio. As paredes eram pintadas de azul claro, mas uma delas, a da janela, tinha um cenário noturno pintado. E eu amava o céu de noite.

Além daquele detalhe maior, tudo combinava com tudo. A cama coberta com uma colcha colorida e várias almofadinhas, meu guarda-roupa ao lado da porta, a cômoda com meus retratos e a mesinha de estudos. Era quase como se ela tivesse estampado meu rosto em tudo, de tanto que eu me identifiquei naquele lugar. Abri a janela e olhei lá para fora.

Da minha janela eu conseguia ver o parque, parte do centro comercial e o ponto de ônibus. E, pela pequena escada de incêndio, dava para observar o céu. Dava para subir até o telhado e olhar para o céu. Sorri, feliz de verdade.

— O que achou? – Meus pais entraram no quarto, ansiosos. Minha mãe queria que eu desse meu veredito. Sorri.

— Ficou incrível. Amei essa parede. E tudo. Obrigada.

— Que bom, achei que ia ficar um pouco pesado, mas tudo parece harmônico. Fico feliz.

— Ótimo trabalho, mãe. – Reforcei, me sentando na cama. Só de pensar que agora eu tinha uma cama e um quarto só meu, que eu ia dormir no horário que eu quisesse, tudo isso me deixou ainda mais alegre.

— Bom, vou trazer suas coisas para você acabar de se organizar. – Meu pai falou, indo buscar as caixas lá na sala. Minha mãe deu mais um sorriso vendo seu trabalho e também saiu do quarto.

Deitei a cabeça sobre uma das almofadas e fiquei ali, esticando as costas. De olhos fechados, eu quase dormi. Ainda era fim de tarde, o sol começava a se pôr e deixava meu quarto num tom alaranjado. Respirei fundo e me sentei.

— Aqui, meu bem. – Meu pai deixou duas caixas no chão, sorrindo. – Quer algo pro jantar?

— Não, qualquer coisa. – Falei, abrindo uma das caixas. Ele concordou e me deixou sozinha.

Abri as portas do guarda-roupa e fui guardar as peças. Não era algo que eu exatamente gostava. Era estranho, ver tanta coisa que eu não usava mais e também não tinha coragem de jogar fora ou doar. Vestidos de quando eu ainda era criança, com bonequinhas e estampas coloridas, shorts e saias. Nem me serviam mais.

Deixei tudo dentro daquela gaveta especial que eu sempre tinha em todo armário meu e guardei as roupas que eu ainda usava. Inclusive as que estavam na mala que levei para esperar na casa de tia Ágatha.

Não demorou muito, eu estava com duas caixas vazias e um quarto organizado. Desci de volta para a sala com as caixas, descalça. Odiava andar de sandália ou chinelo em casa. Nunca gostei.

— Venham jantar. – Meu pai chamou, limpando as mãos num pano de prato. Minha mãe saiu do corredor ao lado da escada e foi para a sala de jantar que ela tinha projetado anexada à cozinha.

Meu pai tinha feito carne cozida com batata. Já estava tudo bem organizado, até os pratos guardados no armário e os talheres dentro da gaveta. Ele se sentou na cabeceira da mesa, como de costume e esperou para ver se tinha agradado com o jantar.

Meu pai sempre foi ótimo cozinhando. Melhor que eu e minha mãe juntas. Na verdade, de acordo minha mãe, era o que fazia toda mulher caçar o marido dela. Não tinha nada a ver com meu pai ainda ser muito bonito. O cabelo castanho começava a ficar grisalho, a barba sempre bem aparada, bem vestido e com os óculos que davam o ar de inteligência.

— Está muito bom, querido. – Minha mãe comentou, e eu só concordei. Meu celular vibrou no bolso. Mensagem de Nathaniel. Encostei no aparelho e recebi o olhar reprovador. – Anna...

— É Nathaniel, vai ser rápido. – Comentei, lendo a mensagem.

“Gostou da casa?”

Respondi sob os olhares dos meus pais, guardando o celular logo em seguida. Minha mãe aproveitou para começar o assunto.

— Então, como vai na escola? Muitos amigos?

— De verdade, só Nathaniel e Ken. E, bem, tenho algumas colegas divertidas. – Na verdade, eu só tinha conversado mesmo com Iris, a única que tivera coragem de falar comigo desde meu primeiro dia.

— É assim mesmo, mas em alguns dias vai estar rodeada de gente. Você vai ver. – Ela comentou, sorridente. Não que eu tivesse muitos amigos na antiga escola, mas eu sempre podia tentar mais uma vez. – E como vai Nathaniel?

— Hum, bem. Parece muito mudado. Melhor do que quando éramos crianças.

— Mande um abraço, diga que quero vê-lo. – Ela falou, sorridente. Acabava que Nathaniel era quase da família, de tanto que a gente andava junto quando criança.

— Pode deixar. – Concordei, acabando de jantar. Pedi licença e dei uma volta pela casa.

A cozinha era branca, com eletrodomésticos todos de aço inox e o piso preto. A sala de jantar, que eu já vira, tinha duas janelas grandes e a mesa de madeira, nada mais. Na sala de estar, tinha um daqueles tapetes felpudos bege. Minha mãe escondia aquele tapete na casa antiga, não sei bem o motivo. Agora ele fazia parte da decoração, acompanhando a mesinha de centro e o móvel com a televisão e outros enfeites.

A parte de baixo da casa tinha também um corredor que levava ao escritório/ateliê da minha mãe, onde ela acabava os projetos do trabalho e pintava no tempo livre. E tinha também a outra porta, que eu já imaginava o que abrigaria.

As caixas abertas guardavam exatamente o que eu pensara. Mais objetos dos quais não conseguíamos nos livrar. Caixas cheias de memórias, de momentos felizes, de tristezas e de dor. Principalmente dor. Tudo que um dia pertencera a Viktor e a mim, e agora eram só lembretes de dor e sofrimento.

Sai dali antes de desatar a chorar, mas com os olhos já marejados. Subi as escadas e fui para o meu quarto, pronta para fazer meus deveres e ir dormir em seguida. Foi o que fiz.

No dia seguinte, acordei com os passos do meu pai no corredor, apenas vinte minutos antes do meu despertador. Esfreguei os olhos e fui me arrumar para a escola.

Pus uma calça jeans escura, uma blusa amarela mais larga e os tênis de lona verde. Era uma combinação que funcionava bem, surpreendentemente. Com os vinte minutos de adiantamento, fui para a escola mais cedo, aproveitando as ruas ainda desertas da manhã.

Como sempre, Nathaniel já estava no colégio, trabalhando. Não era possível que um representante tivesse tanto trabalho assim. Não o incomodei. Fui deixar minhas coisas na sala em que teria minha primeira aula.

Ken estava lá, sentado de cabeça baixa, com algo bem firme nas mãos. Estranhei. Ele viu que era eu e ficou de pé, sem sequer esconder os rosto molhado. Estranhei mais ainda.

— O que foi, Ken? – Perguntei, assustada em vê-lo daquele jeito. Não que nunca o tivesse visto chorar, era só que o dia nem tinha começado, nem tinha dado tempo dele sofrer bullying como de costume.

— Tchau, Anna. – Ele me agarrou pela cintura, me dando um abraço apertado. Tchau?

— Tchau por que?

— Estou de partida. Eu acabei comentando com meu pai sobre a Ambre e ele ficou irritado. – Eu também, a menina tinha roubado do garoto. – Ele falou que passou da hora de eu aprender a ser homem e me defender. Então vou para o colégio militar.

— Minha nossa, Ken. – Fiquei com dó de Ken. Se a escola militar não o esmagasse, os outros alunos iriam. – Vou sentir sua falta.

— Eu também. Toma. – Ele me entregou um ursinho de pelúcia, secando o rosto, enfim. – Promete que não me esquece?

— Claro que não vou esquecer. Obrigada. – Agradeci pelo ursinho, já pensando em deixá-lo no meio das minhas almofadas. Ele deu um sorriso e foi embora. Ele só tinha vindo se despedir.

Com o ursinho nas mãos, dei um suspiro. Nunca achei que ia achar tão triste ficar sem ele.


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Notas finais do capítulo

Sdds do Ken oferecendo bolo :x