Segredos de Sangue escrita por Amanda Santos


Capítulo 4
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Capítulo novo, e maiorzinho pra compensar o último.
Boa leitura!



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Tentei dormir mas tudo que consegui foi um cochilo perturbado. Imagens assustadoras apareciam sempre que fechava os olhos, e o fato de Alexandria estar dirigindo me deixava ainda mais apreensivo. Ela ignorava totalmente as leis de trânsito e o limite de velocidade, sem levar em consideração o limite entre a rua e a calçada.

– Onde você aprendeu a dirigir? - perguntei.

Ela fez uma curva fechada quase batendo no carro que vinha na direção contrária. Um sorriso estampava seu rosto enquanto balançava a cabeça no ritmo da música que ecoava do som.

– Eu já dirigia antes de você nascer. - ela resmungou.

– Sério? Porque parece que você comprou sua carteira.

– Eu disse que sabia dirigir, não disse que tinha carteira. - ela disse com um sorriso sedutor.

O freio rugiu quando ela estacionou em frente a um pequeno motel de beira de estrada. Nós já estávamos longe de qualquer lugar e a única coisa que se via era uma patética placa de "você está saindo da cidade".

– Por que parou aqui? - perguntei.

– Você precisa dormir e eu estou com a ligeira impressão de que não vai conseguir isso comigo no volante. Então, pegue as malas como um bom menino e não reclama.

– Eu curtia muito mais quando você só me observava de longe. - murmurei.

O quarto não passava de um cômodo abafado com uma cama de casal e um frigobar que não fiquei surpreso ao ver que estava vazio. Havia um banheiro pequeno com uma ducha de água fria e um espelho rachado. Eu estava no paraíso, com toda certeza.

– Eu sabia que você estava tentando me levar pra cama, mas só precisava pedir. - resmunguei me jogando no colchão. - Não precisava me arrastar para um motel barato.

– Ah querido, você estragou a surpresa. Como adivinhou que eu planejava te levar para fora da cidade e te seduzir? - ela riu. - Não se gabe tanto. A cama é para você dormir, e apenas isso.

– E você?

– Eu não durmo. - ela respondeu dando de ombros.

Ela se sentou numa cadeira perto da janela, tinha espalhado as facas na mesinha de cabeceira ao seu lado e as encarava com determinação. Pegou uma adaga pequena com o cabo curto e a lâmina tão fina que de perfil era quase impossível vê-la, e a arremessou-a em direção a parede do outro lado do quarto. A lâmina se fixou numa mancha suspeita do tamanho de uma moeda, Alexandria soltou um risinho antes de pegar uma faca de caça e a arremessar no esmo ponto.

– O que quer dizer com não dorme? - perguntei inquieto.

– Eu simplesmente não durmo. - ela suspirou. - Quando somos crianças temos um ciclo de sono como o de qualquer outra criança normal, mas com o passar do tempo dormir se torna uma atividade desnecessária e depois se torna quase impossível.

– Você deve ter muito tempo livre. - sussurrei.

O silêncio prevaleceu quando percebi que ela não estava de muito bom humor. Me limitei a concentrar no barulho das facas atingindo a parede, era reconfortante. Não me lembro de ter adormecido, apenas de ser acordado com um empurrão tão forte que me derrubou da cama.

– Desculpe bela adormecida, mas temos que ir agora.
Alexandria tinha trocado de roupa e seus cabelos negros ainda estava molhados do banho, nossas coisas já estavam no carro e ela segurava em sanduíche meio suspeito.

– Não me diz que você comprou isso com o cara da recepção. - respondi examinando o sanduíche.

– Tudo bem, eu não digo.

Com muito esforço a convenci em me deixar dirigir enquanto ela me guiava. Estávamos na única rodovia que cortava o deserto San Lucas, parecia meio estranho que ela se preocupasse de nos perdermos num lugar como aquele.

– Pára o carro agora. - ela gritou.

Ela me empurrou e pegou o volante, virando-o em direção ao acostamento. Meu pé foi instintivamente no freio fazendo o carro derrapar na pista empoeirada.

– Você é louca? - gritei. - A gente poderia ter morrido.

– Tem razão. Nós poderíamos ter morrido e eu nos salvei. - ela respondeu séria.

Observei enquanto ela saía do carro e olhava fixamente para a estrada. Saí do carro irritado por ter que me concentrar numa garota temperamental enquanto tentava me manter vivo.

– Dá para me dizer o que têm de tão importante nesse lugar.

– O castelo de cristal fica no centro do mundo ao qual pertencemos. É como se fosse um mundo espelho do mundo humano, os mesmos prédios mas com pessoas diferentes. Existem alguns portais entre os dois mundos que basicamente funcionam como uma gangorra, se estiver apontado para lá não há como nós vermos daqui. - ela explicou.

– O que deve estar acontecendo agora. Porque eu não estou vendo nada.

– Você não consegue ver porque seus olhos ainda estão fechados. - ela se aproximou e tocou meu rosto, me forçando a fechar os olhos. - Ian, preciso que se esqueça de tudo que aprendeu até hoje sobre a vida. Esqueça a física, ou qualquer coisa que te prenda ao mundo real.

As palavras dela não pareciam fazer o menor sentido. E quando eu estava prestes a falar que nada daquilo era normal, eu vi a estrada se dissolver na minha frente. Era como se uma cortina desenhada em forma de deserto caísse revelando o mesmo deserto e ainda assim diferente, mais palpável, como se durante toda minha vida eu vivesse numa cópia mal feita do mundo real.

– Consegue ver, Ian? Consegue ver por quanto tempo seus olhos ficaram fechados? - ela perguntou.

A estrada terminava há alguns metros de onde paramos, e a única coisa que havia era um imenso abismo íngreme cortado por uma ponte estreita. Era impossível que existisse algo tão impossível.

– E como nunca ninguém caiu daqui? - perguntei chegando bem perto da beirada e me dando conta de que não dava para ver o fundo.

– Há uma diferença entre nós e os humanos comuns. Somos mais rápidos, nossos sentidos são mais apurados e basicamente temos alguns dons que tolamente alguns chamariam de poderes. - ela se agachou perto da ponte sorrindo. - Os humanos comuns passam por essa estrada todos os dias e não vêem essa passagem e tudo que eles não vêem... Bem, não é muito fácil para todos acreditar no que não se pode ver.

– E se você não acredita, não existe de verdade?

– Exatamente.

Alexandria parecia um belo exemplo de tudo isso, na verdade, ela era o perfeito exemplo. Se você olhasse por muito tempo para ela poderia jurar que seu rosto era algo feito, algo que era projetado para ser a perfeição. Para seduzir e enganar, até que ela pudesse dar o golpe final.

– Então novato, já sabe o que pretende fazer depois que chegar ao castelo de cristal? - ela perguntou enquanto tirava suas coisas do carro.

– Você mencionou o conselho. Acho que só preciso de um minuto com eles para explicar que eu não passo de um cara comum e que eles não precisam perder seu precioso tempo comigo. - respondi dando de ombros.

Ela pegou uma espada longa que estava dentro da sua mochila e jogou-a no chão aos meus pés.

– Ah Ian, é triste ver que você não aprendeu nada comigo nessas últimas horas.

Ela se aproximou com uma expressão perigosa no rosto. Seus movimentos lentos e suaves pareciam premeditados para atrair, mas o sorriso em seus lábios inspirava medo.

– Não há como fugir do que você é. E você é um competidor de sangue, querendo ou não.

Ela fez uma reverência e assumiu posição de combate com os braços colados ao corpo e o semblante determinado.

– Me ataque. - pediu.

– Não.

– Teste-se, e por favor, não se poupe.

Ela não me deu tempo para sequer registrar suas palavras e me alcançou em dois passos rápidos, desferiu um soco em meu ombro seguido de outro em meu rosto. A força dos golpes superava qualquer um que eu já tinha levado em toda minha vida. Recuei e esperei até ela chegar perto, mas ela já havia prevido meus movimentos e se antecipou me derrubando no chão com uma rasteira.

– Ah, qual é? É só isso que você consegue? - ela sorriu. - Me mostre o que tem de pior.

Me levantei devagar avaliando seus movimentos. Ela era menor que eu e isso se tornava uma habilidade bem utilizada por ela, mesmo com a espada não havia a menor possibilidade de conseguir derruba-la de perto.

– Se é isso que você quer. - sussurrei.

Ela se antecipou para mais uma série de golpes diferentes, me acertando sem um alvo específico. Desviei de um soco e a empurrei para o lado fazendo-a se desequilibrar, puxei seu braço antes de desferir um golpe de imobilização. O golpe em si era indolor, mas a queda que se seguiu iria deixar hematomas. Segurei-a antes que pudesse bater a cabeça no chão.

– Você não é comum, Ian. - ela sussurrou. - Não se contente com a mediocridade quando está destinado a grandeza.

Ela parecia querer dizer outra coisa, mas foi interrompida quando uma descarga elétrica percorreu nossos corpos. Soltei-a no chão antes que um de nós acabasse morto.

– O que foi isso? - perguntei arfando.

Era como se agulhas espetassem todo meu corpo repetidas vezes.

– Não podemos chegar muito perto um do outro. - ela respirou fundo. - Coisas ruins acontecem. É parte do elo.

– Elo? Que elo?

– O elo que nos une como competidor e guardião. Eu não posso matá-lo e nem você pode me machucar, minha vida está vinculada a sua.

Minha cabeça deu um giro de 360 graus, parecia que as novidades nunca acabavam.

– Quer dizer que somos como, sei lá, gêmeos?

– Não. - ela soltou um risinho. - Eu sou basicamente, duzentos anos mais velha que você.

– Duzentos anos? Isso não é possível, você deve ter no máximo dezenove anos.

– Fiz dezoito anos em 1808 . - ela se escorou no capô do carro limpando a terra vermelha do deserto das roupas. - Fui mandada ao mundo humano para encontrar meu protegido, só não imaginava que teria que esperar quase dois séculos para ele nascer.

Por isso que ela me olhava como se eu fosse uma criança de cinco anos de idade, realmente, eu era uma criança comparado à ela. Olhei para a ponte precária que cortava o abismo, que supostamente não existia de verdade, e me perguntei se haveria uma possibilidade de tudo isso ser um sonho maluco.

– O que nós vamos fazer? Quer dizer, de agora em diante. Eu sou um Competidor, mas e daí? - perguntei.

– Vamos ao Conselho e nos registramos para as batalhas reais. - ela me olhou já prevendo que eu perguntaria algo. - As batalhas reais são um tipo de torneio para as famílias de sangue puro. Você é um Alfa, a família de sua mãe vêm de descendência direta do trono.

– Quer dizer que eu sou tipo um príncipe?

– Entenda como quiser, mas o mais importante é que existem mais de vinte candidatos ao trono.

– Por isso eles competem. - deduzi.

Era um modo meio radical de se conseguir um rei ou uma rainha. E por alguma razão não me surpreendi com isso, parecia quase certo um lugar onde a violência não era contida ou declarada como um defeito.

– Mas se existem reis e rainhas, não tem muito sentido a presença de um conselho. - reclamei enquanto tirava minha mochila do carro e a colocava nas costas.

– O conselho é a origem de tudo. Eles são os primeiros da nossa raça, mas precisavam de alguém perto do povo para enfatizar seu poder.

Ela pegou a bolsa com as armas e a pendurou em seu ombro. Uma expressão estranha se apossou de seus olhos, era uma mistura de tristeza e contentamento, como se ela não tivesse certeza do que deveria sentir. Suspirou e pôs-se a andar decidida rumo a ponte.


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Notas finais do capítulo

Obrigada pelos comentários no capítulo passado, e Leitores Anônimos se manifestem, apenas um "oi" ou um "joinha" já faz uma autora feliz.
E que está gostando da história, divulguem! Falem com as amigas, com os vizinhos, os amigos imaginários... Qualquer um! Ajudem a história crescer.
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