Safe-Zone escrita por Agatha, Amélia


Capítulo 5
Ford


Notas iniciais do capítulo

Estamos surpresas com esse capítulo, ele saiu maior e mais rápido do que esperávamos. Escrevemos este aqui em três dias e tínhamos certeza de que seria o menor de todos até agora, mas não foi o caso. Estamos realmente felizes que voltamos definitivamente à ativa.
Não nos esquecemos dos comentários! Vamos respondê-los em seguida.
Esse capítulo contém partes essenciais para a trama. Pode não parecer no início, mas logo tudo fará sentido. Assim como no capítulo anterior, tivemos aparições de personagens novos (que podem ser importantes ou não).
Kaya, finalmente chegou a vez dela!
Boa leitura!



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Estava muito quente lá dentro, mas ela sabia que, se tirasse o casaco, congelaria no momento em que colocasse os pés para fora do local. A estufa era do tamanho de duas casas, tinha o teto arredondado e todas as paredes de vidro cristalino que ficava embaçado pelas gotículas de água. No solo, havia quatro corredores separados pelos mais diversos vegetais, plantados sem critério algum. Brianna podia ver desde pequenos brotinhos até de grandes árvores, porém era incapaz de contar quantas plantas eram no total. Tudo era novo para ela: as plantas, as flores, as frutas, as cores, os aromas... Ford estava simplesmente encantada com o interior da estufa, apesar de todo o calor e umidade.

A jovem deveria estar ajudando os coletores, contudo era muito difícil parar de admirar os arredores para se concentrar na retirada das frutas. Desde que chegara a Alexandria, a ruiva não tinha feito muita coisa além de ajudar nos preparativos da festa e passear por aí. Ela e Sarah tinham a missão de acompanhar duas mulheres grávidas, sendo a tarefa mais de Grimes do que dela. Viera para aprender acima de tudo, uma vez que depois de todo esse preparo ela seria levada ao grande conselho para que eles decidissem seu futuro.

Brianna sabia que era uma tentativa vã de Harlan e Sarah. Ninguém jamais burlara o serviço obrigatório, salvos os casos de incapacidades físicas ou mentais. Talvez sua tutora já soubesse disso também e provavelmente só levasse essa ideia adiante pela amizade que tinha com o doutor Carson. Ford não tinha uma opinião formada sobre o assunto, por isso ia levando todo o treinamento adiante. Queria ser médica desde pequena, porém não se importava em esperar mais dois anos, mesmo que sejam dois anos na Fortaleza, com uma arma na mão.

A ideia de passar tanto tempo assim com os Salvadores não a agradava muito. Brianna nunca gostara de armas, pelo simples fato de detestar violência. Por mais que as armas tivessem sido importantes na época em que os mortos-vivos dominavam, os tempos eram outros e isso não parecia mais necessário a seu ver. Alguns podiam dizer que as armas conquistaram a liberdade da Zona-Segura, todavia a jovem sabia que, antes disso, as mesmas armas tomaram a liberdade das pessoas. Muitos morreram na guerra, as marcas ainda eram visíveis no vazio que preenchia a sociedade. Contudo Ford não sentia pelos que tinham morrido, e sim pelos que ficaram.

— Experimente esta – Sarah estendeu para ela uma fruta nova partida ao meio. A ruiva nunca vira aquela, mas se parecia bastante com uma laranja, exceto pelo fato de ser verde e bem menor. Brianna pegou uma das metades e a observou com cautela.

A função da estufa era simular um ambiente quente para proporcionar o crescimento de determinadas plantas que não cresciam em qualquer outro lugar da Zona-Segura em função do clima. O Alto do Morro também possuía uma estufa, entretanto ela era menor e com menos variedade. A de Alexandria era a melhor nesse aspecto, porém exportava uma parcela muito pequena do que plantava. Como Ford conhecia pouquíssimas frutas, Sarah resolvera levá-la até a estufa para apresentá-la a algumas.

— O que é?

— Limão. É uma fruta cítrica – a mulher explicou. Maçã e laranja também são frutas cítricas. Brianna adorava maçãs e tinha gostado da laranja que havia provado alguns minutos antes. Com essa nova fruta não deveria ser diferente.

Quando os gomos do limão estouraram em sua boca, os músculos do rosto da garota se contorceram bruscamente em uma careta involuntária. Era uma das piores, se não a pior coisa que ela já havia experimentado na vida. Inicialmente, um sabor forte tomou conta de sua boca, só depois o amargor começou a se espalhar. Era algo semelhante a uma daquelas odiosas bebidas alcoólicas que produziam no Alto do Morro. A ruiva teve vontade de jogar o limão para longe, entretanto sabia como frutas eram valiosas.

Só então ela percebeu que Sarah Grimes estava rindo.

— Você sabia, não é? – Brianna questionou irritada, e a médica assentiu. – Por que você fez isso?

— Eu só estava brincando, meu bem.

— Mas é horrível! Por que as pessoas comem isso?

— Na verdade, ninguém come o limão diretamente. Antigamente ele era muito usado para fazer tortas, bolos e sucos, mas também serve como tempero para a comida. É bom que você experimente coisas novas, mesmo que sejam ruins.

— Isso era algum tipo de ensinamento?

— Talvez – ela disse rindo. – Vamos terminar logo, a festa já vai começar.

— Claro, só preciso tirar esse gosto horrível da boca.

Sarah concordou e Brianna podia jurar que vira um pequeno sorriso se formando no canto dos lábios dela. Poderia muito bem ter sido mais um de seus ensinamentos, para Grimes sempre fora prioridade formar seres humanos antes de médicos. Segundo ela, era importante que médicos fossem respeitosos, educados, dedicados e atenciosos, pois a Medicina tratava de pessoas.

Contudo também poderia ter sido mais uma das típicas brincadeiras que Sarah e Rick faziam. Carl chamava isso de esporte de idosos. Não era raro que os dois fizessem esse tipo de coisa com os mais novos ou mais próximos.  Normalmente as crianças eram os alvos mais fáceis e que rendiam as melhores risadas, atraídos por histórias do antigo mundo: ela, Grace, Sam e Hesh caíam facilmente nas armadilhas feitas pelo casal e passavam vergonha na frente de todo mundo. Ford vez ou outra ainda caía nelas, pois nunca sabia se eles estavam dizendo a verdade ou brincando. Na realidade, nunca sei dizer ao certo quando alguém diz a verdade ou está apenas brincando.

Ela amava os Grimes. Eram sua família, por mais que Rick permanecesse pouco tempo em casa e Carl preferisse trabalhar o dia todo. Eles ofereceram um lar quando não havia ninguém que pudesse olhá-la, nem mesmo Eugene. Durante a infância, alternara seus dias morando em diferentes casas, porém o lugar ao qual se adaptara melhor tinha sido a residência do líder do Alto do Morro.

Embora sua casa oficial tivesse sido a de Eugene Porter, nunca fora capaz de chamar o local lar. Era uma residência antiga, como outras na comunidade, relativamente espaçosa, de dois andares e fria. O cientista passara a maior parte de seus dias em casa, todavia essas horas foram gastas com trabalho dentro de seu laboratório. Mesmo estando lá, era como se não estivesse. Brianna amara o pai, mas nunca se iludira a respeito de certas coisas. Ele havia tentado, Ford sabia disso, no entanto as sombras que a perseguiam tinham sido demais para o homem e Eugene nunca ficara realmente confortável na presença dela.

Sempre ocupado com um novo projeto para melhorar a vida na Zona-Segura ou tentando recuperar uma tecnologia antiga, tinha sido natural que o homem deixasse sua filha adotiva em segundo plano. A jovem fora uma criança fácil de lidar, porém sempre tivera uma saúde frágil. Além do trabalho, Porter tivera os constantes adoecimentos da menina como desculpa para deixá-la com outras pessoas, já que ele não possuía jeito nenhum com crianças, muito menos com doentes.

Gabriela, Maggie e Sarah tinham sido ótimas para com ela e sempre a trataram muito bem, apesar das dificuldades que surgiram com as duas primeiras. O problema na casa dos Dixon havia sido Samuel, que detestara a ideia de morar com uma menina; Hesh não fizera oposição quanto a isso, entretanto os Rhee eram uma família muito grande e não fora fácil para Glenn e Maggie dar a Brianna a atenção que sua saúde requisitava. Dessa forma, tinha sido natural que ela passasse a maior parte de seu tempo com os Grimes, uma vez que Sarah era perfeitamente capaz de cuidar de uma criança doente e Grace a amava como a uma irmã.

Ford caminhou aleatoriamente pela estufa, procurando uma amoreira entre as outras plantas. De todas as frutas que experimentara, as amoras tinham sido as suas favoritas. Eram doces e certamente tirariam o gosto amargo da sua boca. Parou abruptamente ao ouvir o som de passos furtivos e, logo em seguida, alguns sussurros. Aquilo a surpreendeu um pouco, porque o local estava vazio, com quase todos os trabalhadores conversando na porta da estufa.

— ... coma muito.

— Mas são tão gostosos!

— ... vai ficar com dor de barriga – houve uma pausa, então a voz voltou. – E fala mais baixo.

Cautelosamente Brianna seguiu os sons. Pareciam as vozes de duas meninas, embora ela não pudesse afirmar com precisão. Lembrou-se de ter escutado alguns coletores comentando que algumas frutas estavam desaparecendo sem motivo aparente. Talvez fossem os ladrões, e Ford não sabia se deveria temer algo. Por que alguém roubaria frutas?, foi o seu primeiro pensamento. A distribuição de recursos na Zona-Segura era muito justa. As pessoas só precisavam trabalhar para que tivessem o direito de receber sua parte no final da semana. Embora houvesse períodos de racionamento nas épocas mais difíceis, ninguém passava fome e ninguém precisava roubar.

A ruiva parou ao encontrar os ladrões e ficou confusa ao perceber que não tinham aspecto vil como os Salvadores, ao contrário do que imaginara. Eram duas crianças: uma menina encapuzada vestida de negro e um menino menor com um gorro e que parecia redondo envolvido por várias camadas de roupas. Ele se assustou ao vê-la e, no mesmo instante, deixou cair no chão os morangos que segurava nas mãos. A menina foi mais esperta e, mesmo antes que Brianna pudesse dizer algo, pegou o outro pela mão e desapareceu entre os arbustos.

— Esperem aí! – pediu em vão e não aguardou uma resposta.

Brianna começou a correr atrás deles, tentando percorrer o mesmo caminho dos ladrõezinhos. Não sabia ao certo porque os perseguia, talvez motivada pela vontade de entender o que estava acontecendo. Adultos roubando já era algo absurdo para ela, o fato de se tratarem de crianças agravava a situação. Podia ser uma brincadeira deles, porém a ideia era muito estranha. Caso quisessem morangos, só precisavam pedir. Crianças não precisavam trabalhar, eram sustentadas por seus responsáveis ou pelo próprio governo da comunidade na falta deles.

Ela pensou que nunca fosse alcançá-los, entretanto o menino era muito lento e estava praticamente sendo arrastado pela outra. Além disso, era impossível perdê-los, visto que os dois deixavam uma trilha de morangos por onde passavam. Também se enganara ao pensar que se dirigiam à porta da estufa e seriam vistos pelos coletores, pois, na verdade, tinham corrido até os fundos da estufa. Quando finalmente chegou, não havia ninguém lá.

Um forte vento frio a pegou de surpresa. Havia um buraco na parede, onde uma placa de vidro que deveria estar fixa girava. O vidro não estava quebrado, contudo, de alguma forma, tinha sido parcialmente solto da parede, de forma que pudesse fazer uma rotação completa e voltar ao lugar depois, sem afetar de maneira significativa o aquecimento da estufa. Só poderiam ter entrado e saído por ali, Ford concluiu. Sem pensar duas vezes, lançou-se pelo buraco.

Não foi uma tarefa muita fácil. Apesar de ser consideravelmente magra, não era tão pequena quanto as crianças. Passou com muita dificuldade, sujando sua roupa e perdendo bastante tempo no processo. Ao sair, estava completamente perdida. A garota olhou para os lados desesperada à procura dos ladrões, porém não os viu em lugar algum.

— Podemos parar? Ela já sumiu – o menino falou alto demais. Brianna conseguiu identificar a origem do som e correu até o final do quarteirão.

— Para de reclamar e corre – a menina repreendeu irritada.

A rua era iluminada por uma série de tochas que possibilitavam a visão de todas as casas. Mesmo com o campo de visão melhorado, a ruiva não foi capaz de encontrar os garotos, porém ela avistou duas sombras desaparecendo no fim do quarteirão. Já estava achando aquilo tudo uma loucura quando dobrou a esquina totalmente ofegante, até que teve a confirmação quando se deparou com o grande muro que cercava a comunidade de Alexandria.

Não poderia chamar aquele estreito espaço de rua, mesmo com uma única casa que se encontrava escorada no muro. Envolta em escuridão, Ford não sabia mais onde estava e se castigava mentalmente por ter seguido duas crianças que certamente estavam brincando com ela. É fácil passar a perna em você, Brianna Ford. Quase podia ouvir o som das risadas dos dois quando tudo aquilo acabasse.

Porém não foram risos que ela escutou, e sim um rangido bastante alto que veio de trás. Deu um giro de cento e oitenta graus e encarou a casa à sua frente. A jovem parou e pensou se já não tinha ido longe demais com aquilo. O roubo dos morangos era realmente importante? Aquelas crianças tinham algo a ver com o roubo da estufa? Sarah devia estar preocupadíssima a essa altura, talvez estivesse procurando por ela. Brianna sabia que deveria voltar, todavia não conseguia. Não podia simplesmente desistir depois de tanto esforço.

A casa continuava a emitir ruídos estranhos e parecia encará-las com as suas janelas embaçadas. A estrutura da habitação estava visivelmente inclinada na direção do muro e a tinta da parede já terminava de descascar. As escadas de madeira da entrada estavam rebaixadas no meio e a porta se apresentava convenientemente entreaberta. Essas foram as impressões que Ford teve apenas no escuro, sem saber se ficava feliz ou não pela ausência de luz. Parecia um convite perfeito para uma armadilha, e isso era óbvio até para alguém tão ingênuo como ela. Uma voz interior ordenava que ela desse meia volta e largasse aquela perseguição idiota. Outra parte dela queria provar para si mesma que não era tão imbecil quanto pensava e que era capaz de desvendar aquele mistério. Que talvez não seja nada.

Quando percebeu já estava prestes a entrar dentro da casa. A entrada aos pedaços rangia devido aos passos rápidos da jovem, e não era só lá que a madeira parecia corrompida: a porta e as paredes de tinta desgastadas pareciam prestes a desabar devido aos fungos e à infiltração. Tudo gritava para que ela saísse de lá. Seus sentidos estavam aflorados e ela estava pronta para captar qualquer ruído, qualquer sombra e qualquer odor. Contudo, havia algo que também a chamava para dentro da casa, não tão gritante quanto os avisos em sua cabeça que a mandavam sair, mas uma pequena e melódica voz que dizia para que ela entrasse.

O interior estava muito mais afetado. O cheiro era tão insuportável que Brianna levou alguns segundos para se situar. Em meio ao escuro, ela podia perceber uma escada pequena que levava para o andar de cima. Em uma das laterais havia uma entrada para o que parecia ser uma sala de conveniências e na outra, a sala de jantar. Como não parecia haver nada no primeiro andar, a garota começou a subir as escadas. Cada passo parecia mais barulhento que o outro, como se os degraus pudessem desabar a qualquer instante.

Mal teve tempo de observar o segundo andar. Assim que terminou de subir as escadas, Ford sentiu uma mão agarrando seu braço e gritou.

— Saia da casa – a menina disse com uma voz perigosamente baixa enquanto colocava um canivete no pescoço dela. A lâmina estava bastante afiada e parecia um brinquedo naquelas mãos pequenas e fortes. A jovem tentou se soltar pelo menos três vezes sem sucesso algum, a menina a segurava com uma firmeza impressionante.

— O que está acontecendo? – o menino surgiu de algum canto escuro. Observando com atenção, a ruiva percebeu que ele era muito menor que a outra. Enquanto a menina já deveria ter entrado na adolescência, o garotinho ainda era uma criança.

— Não é nada, Zack. Pode ir dormir. Estou resolvendo um problema aqui.

— Eu não gosto quando você resolve problemas – ele retrucou. – Você disse que ela tinha ido embora.

— Eu pensei que tivesse. Mas ela encontrou a gente – disse a última frase entredentes, claramente irritada com o fato. O canivete se aproximou mais do pescoço de Ford, e só então ela percebeu que estava segurando a respiração. – Me deixa conversar com a visita sozinha.

— Tudo bem ­– dizendo isso, Zack deu as costas e desapareceu novamente na escuridão.

— O que você está fazendo aqui?

— Eu... Eu só queria saber por que vocês estavam roubando frutas.

— Não é da sua conta. Principalmente porque você não é daqui.

— Mas roubo é um crime! Isso diz respeito a todos os moradores da Zona-Segura.

— Ninguém está passando fome por um morango ou dois – o assunto pareceu morrer, e sem ele Ford não sabia o que esperar. A menina de olhos felinos estava disposta a pôr um fim naquela situação o mais rápido e literal possível. Disse qualquer coisa que veio à mente para renovar a conversa.

­– Mas por que você está roubando?

— Por diversão! – falou como se tivesse dito: não é óbvio que é só uma brincadeira? Claro que era isso, roubo por diversão. Uma busca totalmente em vão que não a levara para um beco sem saída, e sim para a morte certa. – Você está com medo? – ela riu, fazendo com que Brianna se sentisse o ser mais ordinário de toda a Zona-Segura. – As pessoas costumam lutar antes de morrer, ou rezar. E você está aí, prestes a chorar, sem fazer nada.

— Então você vai me matar? – a ruiva sussurrou já sem forças.

— Não vale a pena. Você achou mesmo que... – a ladra gargalhou, fechando o canivete e o guardando no bolso do casaco. – Eu mandei você sair daqui assim que chegou. Eu planejava que você saísse andando. Viva, não como um morto. Mas nós duas temos um problema. Você sabe demais e eu não posso te deixar ir desse jeito.

— Mas vocês estavam roubando – repetiu debilmente, como se aquilo fosse suficiente para salvá-la.

— Roubar é uma palavra forte. Não dizem por aí que tudo que é produzido na comunidade pertence a todos? As pessoas já nos viram pegando coisas às vezes, e a maioria parece não se importar.

­– Mas... E os seus pais? Ninguém avisou a eles? Aquelas frutas da estufa são difíceis de produzir, algumas pessoas levaram anos para conseguir plantá-las.

— Você sabe de menos. Vá embora antes que eu mude de ideia – Brianna pensou em perguntar mais alguma coisa, porém entendeu que aquela era a sua chance de sair viva daquele lugar.

Logo que a mão soltou seu pulso a ruiva soube que ficaria com marcas, mesmo usando um espesso casaco de lã. Antes de começar a descer as escadas, ela deu uma última olhada no ambiente, e seus olhos azuis acostumados com a escuridão avaliaram a garota. Era realmente baixinha, uma coisa pequena e magra com grandes olhos verdes folheados de dourado. Sua ferocidade estava toda naqueles olhos, que lembravam os de um gato. Sem o capuz, era possível ver seus cabelos volumosos e ondulados. Não sabia dizer ao certo a idade dela, algo em torno de doze a quinze anos. Quase a minha idade, Brianna concluiu.

— Maisie, você já fez ela prometer que não vai contar pra ninguém que nós moramos aqui? – Zack surgiu novamente. Os meninos pareciam ter gosto por ser esconder nas sombras e aparecer de repente na penumbra.

Sem o gorro, Zack se parecia com a garota mais velha. Eles poderiam se passar por irmãos. O cabelo de ambos era castanho claro cheio de cachos suaves e rebeldes. A magreza do menino, assim como as roupas desgastadas dos dois, eram algo notável, o que surpreendentemente parecia combinar com todo o ambiente decadente da casa. Assim como a residência, Maisie e Zack precisavam de cuidados.

— Zack!

­– Vocês moram aqui? Que tipo de pessoa mora em um lugar como esse?

— A casa não é tão ruim quanto parece. Ela só está tombada pro lado...

— E tem infiltrações – o menino completou. – Mas nós dormimos aqui todos os dias. Só é ruim quando chove.

— Seus pais...

— Se você ainda não percebeu, nós não temos pais – Maisie a cortou secamente. No mesmo instante, Ford percebeu que a expressão de Zack mudou.

— Vocês não têm pais? Mas o que fazem aqui? Por que não estão no orfanato? – nenhum dos dois respondeu, e a ruiva entendeu que eles não queriam ir para o orfanato. – Mas seria melhor para vocês. Lá vocês terão abrigo, comida, estudos...

Mas Brianna não podia culpá-los por isso. Em uma época de sua vida, a ruiva chegara a pensar que iria para um orfanato, e a ideia a aterrorizara. Não que os orfanatos fossem ruins, muito pelo contrário. O problema era a sensação de abandono que aquele tipo de lugar trazia. Também havia o fato de que ninguém ligava para eles. Embora as pessoas costumassem manter as esperanças das crianças e adolescentes que viviam lá, ninguém queria órfãos de guerra.

— Não é como você diz. Por acaso já morou em um orfanato? Meu padrasto me colocou lá e, honestamente, eu prefiro essa casa. Além disso, Zack não pode ir pra lá.

— Por que não?

— Ele ainda tem um pai. Pela lei, Zack é forçado a viver com ele. Mas eu não vou deixar ele voltar pra lá. O fato de alimentar uma criança não significa que se importa com ela.

— Mas você acha mesmo que a vida dele é melhor aqui?

— Claro que é! Aqui Zack tem a irmã dele. Eu me preocupo com ele. Eu posso cuidar dele, posso ser a família dele. Nossa mãe não queria que nos separássemos.

— Quando a mãe de vocês morreu?

— Três horas depois dele nascer.

E isso levava ao motivo dela e Sarah terem ido a Alexandria: as mortes de mulheres no parto. A mãe de Brianna também morrera ao dá-la à luz, pensou, entretanto, a fatalidade tinha sido mais causa da guerra do que qualquer outra coisa. Se não tivesse sido baleada, Rosita poderia ter sobrevivido, e tudo teria sido diferente. Havia, no Alto do Morro, uma mulher cuja mãe também morrera no parto da irmã, e as duas tinham crescido sozinhas, assim como Maisie e Zack. Aquele problema estava tomando proporções gigantescas e a solução para ele estava longe de ser encontrada. Entretanto, vendo mais duas crianças sendo atingidas por esse caso, Ford teve seu ânimo fortalecido. Não pararia até encontrar um jeito de pôr um fim a todas aquelas mortes.

Havia ainda o caso das duas crianças vivendo em condições precárias naquela casa. Ela não se omitiria no caso das mortes, também não se omitiria quando havia dois irmãos precisando de cuidados. O certo a se fazer era avisar as autoridades, que imediatamente devolveriam Zack para seu pai e Maisie para o orfanato. Com o tempo, talvez até fosse possível juntar os irmãos, caso o pai do garoto não o aceitasse mais em casa. Não era a melhor saída, ela mesmo não gostava disso. É o certo a se fazer, mesmo que demore... Olhou com pesar para os dois irmãos. Não podia separá-los.

­– Minha mãe morreu da mesma maneira – disse sem saber ao certo o porquê de contar isso aos dois. Talvez estivesse tentando confortá-los antes de dizer as medidas que iria tomar. Sentia tanto a falta de sua irmã, mesmo tendo passado poucos dias longe dela, e eles vão sentir ainda mais a falta um do outro, mesmo estando próximos.

— Sentimos muito – Zack deu um sorriso triste.

— Eu preciso ir embora.

— Você vai contar para alguém? – Maisie perguntou, mas dessa vez as palavras não foram uma ameaça. E, pela primeira vez, a garota parecia a criança que realmente era. Não uma adolescente que tinha responsabilidades de adulto, e sim uma órfã.

— Eu preciso. É o único jeito de ajudar vocês.

— Não! Por favor! ­– Zack implorou. – Eu quero ficar com a minha irmã.

— Você não precisa mentir pra ninguém, é só não dizer nada. Por favor...

Brianna ficou parada encarando os irmãos. Ela sabia que precisava contar, só assim os dois teriam uma vida digna e um futuro de verdade. Por outro lado, parecia uma barbaridade separá-los. Maisie e Zack viviam em uma casa horrível e precisavam roubar para sobreviver, todavia nenhum deles parecia se importar com isso, desde que estivessem juntos.

— Eu não sei... Tudo bem. Eu prometo que não vou contar.

Ford saiu da casa sem olhar para trás. Sua consciência ainda pesava pelo que iria fazer, mas já tomara a sua decisão. Enquanto fazia o caminho de volta, começou a pensar na história que inventaria para encobrir o que havia de fato acontecido. A jovem só esperava que tivesse tomado a decisão certa.

Já era noite e as ruas estavam praticamente desertas. Grande parte dos moradores da comunidade tinha ido para a parte central, onde a festa estava acontecendo. Enquanto andava, Brianna concluiu que Alexandria devia ser o melhor lugar para se viver na Zona-Segura. Era um lugar calmo, organizado e limpo. A parte central, construída antes mesmo do apocalipse, era a melhor região, com casas da melhor qualidade feitas com a tecnologia antiga. A zona periférica, construída nas expansões dos muros, apesar de não ter tanto conforto assim, conseguia ser bastante agradável. A população de Alexandria era a menor e a mais conservadora dentre as quatro comunidades, e isso justificava a tranquilidade e organização do local.

Tudo isso contrastava bastante com o Alto do Morro em que a ruiva crescera. Por se localizar no alto de um morro, não era possível expandir os muros da comunidade. Dessa forma, a população crescera consideravelmente, enquanto o espaço continuava o mesmo. O resultado disso era que as casas novas, construídas na época pós-apocalipse, eram meio amontoadas umas nas outras, e as ruas eram cada vez mais estreitas. Ela nunca entendera o porquê de a expansão nunca ser feita para fora do morro. O máximo que fizeram fora a transferência das atividades agrícolas e pecuárias para a parte de baixo, dando mais espaço para as pessoas.

Brianna finalmente alcançou o local da festa. Havia barracas, fogueiras e pessoas por todo o lado. A feira era semelhante à do Reino, porém com algumas modificações. Havia uma série de bandeirinhas penduradas sobre sua cabeça que, se fossem seguidas, levariam ao coreto, o centro da festa e o local onde a música estava sendo tocada. Nada de barulheira ou pessoas esbarrando umas nas outras, no lugar disso havia ordem e conversas em voz baixa. Os barraqueiros eram muito mais agradáveis que os do Reino, não ficavam anunciando seus produtos ou chamando possíveis fregueses, apenas ficavam sorrindo e vez ou outra cumprimentavam os pedestres.

Percebeu que estava com bastante fome e logo se dirigiu a uma barraca de doces. Mesmo encantada com tudo, a ruiva estava cogitando a possibilidade de voltar ao alojamento. O dia fora bem longo, passara a manhã inteira em cima de uma carroça, a tarde ajudando os moradores com os preparativos e à noite fizera uma corrida atrás de duas crianças menores e bem mais rápidas do que ela. Não via a hora de chegar o outro dia e começar seu trabalho.

Quanto mais cedo começassem, mais rápido resolveriam o problema e voltariam para casa. O Alto do Morro precisava de sua médica principal, Rick, de sua esposa e Brianna queria ver Sam. Ela não o via fazia dois anos e estava morrendo de saudades. Samuel não a quisera em sua casa na infância, fora um menino chato que sempre a sujava de lama e matava os pássaros com seu estilingue, mas também era o único que a defendia ou a chamava de Bri. Além disso, ele crescera e já não era mais um garoto.

O sorriso que se formou no rosto dela desapareceu subitamente quando uma mão cobriu sua boca e alguém começou a puxá-la pelos cabelos como se fosse uma boneca. Ford tentou gritar e se debater, sem ao menos entender o que estava acontecendo, porém era fraca demais e a pessoa que estava fazendo aquilo tinha os braços muito fortes. Depois de alguns metros de puro desespero, a garota foi jogada contra a parede de um beco escuro e finalmente pôde ver quem a levara.

Era um homem alto, forte e jovem, com algo entre vinte e trinta anos. Tinha os cabelos loiros espetados e olhos azuis nervosos e insanos. No pescoço, usava um colar com uma cruz de madeira, semelhante ao que Scott usava. Ele estava suado e visivelmente transtornado, a julgar pela maneira com que seus olhos se moviam e seus lábios se comprimiam. Brianna segurou o fôlego enquanto esperava que algo acontecesse, sem ver como poderia sair daquela situação.

— Você jurou que ficaríamos juntos para sempre. Você disse que me amava... E depois me largou! – seus olhos penetraram mais profundamente nos dela e sua mão puxou os cabelos dela com mais força.

— Eu não... Não sei do que você está falando.

— Espera. A Laurel é ruiva, mas não tem cabelo liso. Você não é ela.

Brianna pensou em aproveitar a confusão dele e correr, mas não teve chance. No mesmo instante, o homem pegou a sua cabeça e bateu com força na parede.


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Notas finais do capítulo

Para quem prestou atenção, o banner já tinha um spoiler do final.
Mas e aí, o que acharam? Deixem a sua opinião. Queremos saber o que acham que aconteceu e vai acontecer, o que querem ver, quem querem ver...
Não sabemos quando o capítulo 6 vem, só sabemos que com certeza teremos um capítulo no dia 28. Por precaução, só postaremos o 6 quando o 7 estiver parcialmente pronto. Já que estamos de férias, isso não deve demorar muito(esperamos que sim).
Vocês acham necessária a apresentação dos personagens novos no Tumblr? Se quiserem, é só avisar que nós resolvemos isso.
Beijos! Até mais!



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