Eduardo & Mônica escrita por The Escapist


Capítulo 4
IV




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A primeira coisa que fez ao acordar, foi dar um jeito de levar a roupa suja para lavar antes que sua mãe visse. Por sorte, era sábado, Carmem tinha saído cedo para ir à feira comprar verduras e frutas frescas para o fim de semana e almoço de domingo. Colocou a roupa na máquina e ficou encarando-a, sem saber muito bem o que fazer a seguir. Ouviu um pigarrear e ao se virar, Eduarda estava encostada na porta, de braços cruzados.

— Alguma coisa me diz que você não fez xixi na cama — disse, depois aproximou-se e tomou o lugar dele em frente à máquina. Colocou sabão, alvejante e amaciante em cada compartimento e apertou os botões certos. — Eu vi a hora e o jeito que você chegou em casa, Dudu. — Eduardo tentou se defender, mas a irmã não deixou que ele falasse. — Você tem sorte de o pai dormir feito pedra, garoto. Se ele souber que você chegou bêbado, você sabe que vai apanhar de cinto, não é? — O rapaz baixou a cabeça. Eduarda estava certa. Paulo era um bom pai, mas também era bastante rígido. — Não precisa ficar com medo, eu não vou contar nada. Mas não fique achando que eu vou dar cobertura da próxima vez, ouviu? — Ele assentiu. — Ah, se te resta alguma noção, vai falar com a garota, porque sair correndo daquele jeito não deve ter deixado uma boa impressão.

Foi como levar um soco no estômago. Já seria ruim demais saber que a irmã tinha ficado espiando pela janela sem que precisasse lembrar de como tinha sido idiota depois de beijar Mônica. Queria poder explicar por que saíra correndo, mas quando pensava em dizer a ela que tinha sentido vontade de vomitar, achava que era melhor ficar com a fama de idiota mesmo.

— Desde quando você arrasta uma asinha pela vizinha? — Eduarda continuava se divertindo com o sofrimento do irmão.

— Eu não... a conheci ontem na festa e... ah, para de me olhar, cara.

— Que gracinha. Mas é sério, você deveria ir falar com ela, porque não foi mesmo legal, sabe? Um pedido de desculpas, por ridículo que seja a situação, não faria mal.

Sabia que sua irmã tinha razão, mas demorou um dia e meio para que tivesse coragem de tocar a campainha da casa de Mônica. Passou o sábado todo assistindo a tão esperada Jessica Jones e conversando pelo WhatsApp com Douglas, que estava cheio de novidades. No fim da tarde de domingo, seus pais perguntaram se não queria ir para a igreja e ele mentiu, disse que tinha deveres da escola para terminar.

Depois de pensar muito, resolveu ir até lá e se desculpar. Mônica era sua vizinha, eventualmente teria que encontrá-la e quando isso acontecesse, seria melhor que não houvesse nenhum elefante branco entre eles.

Saiu de casa e ficou alguns instantes na calçada, apenas observando. As cortinas estavam fechadas, mas os dois carros estavam na garagem, então havia chances de Mônica estar em casa. Aproximou-se, tocou a campainha e esperou. Quando estava prestes a desistir, a porta foi aberta. Era a morena de cabelo cacheado.

— Oi.

— Oi, ahm, a Mônica está?

— Sim, espera só um instante — ela disse e virou-se para dentro da casa. — Momo, é visita pra você — gritou.

— Quem é? — a voz de Mônica veio lá de dentro.

— Seu namoradinho. — Isso bastou para que Eduardo sentisse vontade de sair correndo de novo, o que só pioraria sua situação, claro. Antes, porém, que suas pernas obedecessem aos comandos do cérebro, viu Mônica aparecer na sala. Ela trocou algumas palavras com a amiga, mas ele não entendeu, estava tenso demais para prestar atenção.

— Oi — disse ela, postando-se na porta, sem parecer disposta a convidá-lo a entrar. Sem as sandálias de salto, usando uma camiseta larga e um short curto, ela parecia ainda mais baixinha.

— Oi. Eu, ahm, queria pedir desculpas por ontem...

— Tá, tudo bem.

— Eu não queria ter feito aquilo, eu só... acho...

— Já falei que não tem problema — afirmou, mas teve dificuldade em disfarçar que estava um pouco irritada.

— Eu sinto muito, mesmo. Não queria ter saído daquela maneira, mas... entenda que o problema não foi com você...

— Eu acho que você não vai querer terminar essa frase... — Mônica sugeriu. Podia até imaginar Camila escondida em algum lugar escutando aquela conversa.

— Mas é sério, eu me senti mal, estava enjoado... eu nunca tinha tomado um porre na vida, e achei melhor ir antes que vomitasse em cima de você. — Mônica abriu a boca, mas percebeu que não tinha palavras. Por fim, ela começou a rir. Não de propósito, não queria deixar o garoto ainda mais envergonhado, mas não deixava de ser uma situação engraçada.

— Desculpa, eu não tô rindo de você.

— Pode rir, eu mereço.

— Essas coisas acontecem.... Está... está tudo bem, não se preocupa. Olha, eu tenho que estudar, então, se você não se incomoda.

— Não, claro, claro, eu tenho que estudar também... — Ele coçou a cabeça, totalmente sem jeito, apesar de aparentemente ter resolvido as coisas. — Bom, a gente se vê.

O garoto foi embora e Mônica empurrou a porta, fazendo-a bater. Voltou para sua mesa de estudos e mandou que Camila saísse do esconderijo. Sua amiga não se deu ao trabalho de fingir que não ouvira, tampouco de esconder que estava se dobrando de rir.

— Que fofo, gente. — Mônica rolou os olhos. — Pelo menos admita que você gostou de ele ter vindo se desculpar. — Não disse nem que sim, nem que não. Ainda estava confusa com o beijo. Pensava que só beijara Eduardo porque estava bêbada, no entanto, sabia que não era bem assim. Tinha bebido sim, mas estava no controle total de suas faculdades mentais, portanto, tinha discernimento para saber o que queria. Por enquanto, resolveu não dar muito crédito às brincadeiras de Camila e retornar aos livros, tinha muito o que compensar até o fim do semestre. E era uma boa maneira de não pensar no que tinha acontecido.

A semana seguinte passou normal — ou talvez devesse dizer anormal. Em todo caso, Mônica deixou as saídas à noite um pouco de lado e se dedicou a estudar o máximo de tempo que podia. Tinha ligado para os pais para pedir reforço financeiro e ouvira um sermão de horas, e isso deixou sua consciência pesada. Por vários dias, viu apenas o vulto de Eduardo escorado no carro, esperando o pai. O garoto não voltou a procurá-la e ela já estava para considerar a breve história deles como passado. Até o dia que voltaram a se encontrar. Por mero acaso...

Era uma quinta-feira e Mônica saiu mais cedo da faculdade porque teve apenas duas aulas. Decidiu ir para casa e quando estava perto de chegar, começou a chover. Pelo menos naquele dia estava nublado desde cedo. O problema foi que quando procurou as chaves na bolsa, não as encontrou. Ou as tinha perdido, ou deixado dentro de casa quando saíra igual com Bruna. De qualquer forma, teria que esperar que uma das amigas chegasse, mas a chuva estava aumentando, por isso ela foi bater na porta da casa vizinha e pedir abrigo até que alguém chegasse. Foi Eduardo quem abriu a porta e não evitou a surpresa.

— Mônica, o quê...? — começou, mas não demorou a perceber a obviedade da situação. A garota estava encharcada.

— Eu perdi minhas chaves e não tem ninguém casa.

— Entra. — Ela entrou, abraçava o próprio corpo, já tremendo um pouco de frio devido às roupas molhadas. — Fica à vontade, eu vou pegar uma toalha pra você se secar.

— Obrigada. — Ele desapareceu por mais ou menos dois minutos, depois voltou trazendo uma toalha. Ela agradeceu novamente. A chuva continuava caindo forte, ganhando ares de tempestade. — O que vai atrasar ainda mais as garotas. Que péssimo dia pra perder as chaves.

— Tem razão. Basta cair uma chuvinha e a cidade vira um caos. Mas você tá a salvo, é só ter um pouco de paciência. — Silêncio. Pela primeira vez, Mônica considerou que o garoto não voltara a tentar falar com ela porque se sentia envergonhado demais para fazê-lo, e agora ela praticamente impunha sua presença.

— Eu acho melhor ir embora... — disse, de repente, estendo a toalha de volta para ele.

— Você tá brincando, né? Tá caindo o dilúvio lá fora.

— Mas eu não quero atrapalhar você...

— Não está me atrapalhando, mas pode me ajudar a fazer o dever de casa, se quiser — ele sugeriu, com um sorriso traquino.

— Desde que não seja matemática.

— Biologia. Acho que é a sua praia, não?

Por estranho que fosse convidar uma garota para o seu quarto, Mônica tinha desenvoltura de sobra para os dois. Acabou levando a sério a proposta de ajudá-lo com o dever e, talvez pela primeira vez, Eduardo entendeu o assunto de biologia sem muita dificuldade — aquela era a matéria que ele menos gostava.

Quando Mônica se deu conta, a chuva tinha parado e a noite caído. Telefonou para as amigas, mas ficou sabendo que tanto Camila quanto Bruna continuavam presas no trânsito.

— Quer dizer que eu vou ter que alugar você por mais um tempinho. — Eduardo sorriu. Não estava nem um pouco incomodado com o “aluguel”. — Onde está sua família, por sinal? — ela perguntou enquanto ia dar uma olhada na estante de livros do garoto. Eduardo comentou que o pai e a irmã ainda estavam trabalhando e mãe tinha ido ao médico. — Nossa, adoro essa HQ! — ele quase não entendeu do que ela falava, mas viu que Mônica tinha encontrado a coleção de Sandman e estava folheado o primeiro volume. Apesar de morrer de ciúmes, ele se controlou e apenas ficou surpreso por ter algo tão especifico em comum com ela. — Faz tempo que não leio por diversão, cara — disse ela, saudosista. — Agora é só medicina, medicina, argh! — ela fez uma careta. — Não que eu esteja reclamando da faculdade, não é isso, é que sobra tão pouco tempo livre que eu prefiro ficar com os meus amigos... — Ela parou de falar e reparou que o garoto estava sorrindo. Eduardo parecia fascinado pelo som da voz dela, e mais do que isso, gostava de vê-la se sentindo tão à vontade. — Desculpa, quando eu começo a falar...

— Eu gosto de ouvir sua voz, Mônica. — O próprio Eduardo ficou surpreso com as palavras que saíram de sua boca. Conversar com ela quando estava bêbado era uma coisa, tentar paquerar uma garota mais velha estando sóbrio devia ser a maior burrice que tinha feito. Mas depois do mico que tinha pago dias atrás, não perderia nada em se arriscar um pouco.

Houve um instante de silêncio, depois Mônica voltou a rir. Continuou olhando a estante de livros, comentando vez por outra sobre o bom gosto dele, ora fazendo alguma careta — em especial para aqueles livros que eram adaptações de jogos de videogame. Dos livros passou para os discos e CD’s. Ela ficou impressionada com a coleção de vinis, mas o que Eduardo chamava de gosto eclético valeu várias olhadas tortas por parte da garota.

— Que careta foi essa? — Ela estava segurando o disco 12 memories, do Travis, um dos preferidos de Eduardo. — Você não pode dizer que não gosta!

— Não posso mesmo, porque não conheço. Indie não é muito a minha praia.

— E qual é a sua praia? — Ele saltou da cadeira onde estava sentado e foi se encostar na estante, para assim ficar mais perto dela.

— Schubert, Mozart, Vivaldi.

— Hum, e quem escuta One Direction na sua casa? — ele arqueou a sobrancelha e Mônica riu.

— Essa seria a Bruna. — Eduardo pegou um CD na estante. Era o mesmo que ela estava segurando.

— Toma, você vai ouvir. Se gostar, pode ficar com ele.

— Você deve gostar pra caramba... — Quis achar uma maneira educada de recusar, mas ele insistiu. Não era apenas um presente aleatório, era uma desculpa para falar com ela de novo. — Tá...

De repente, Eduardo estava tão perto que ela podia se ver refletida nas pupilas dos olhos dele. E, da mesma forma que acontecera naquela noite depois da festa, Mônica sentiu-se incapaz de parar quando ele aproximou os lábios dos seus, quando uma mão dele foi parar em sua cintura e a puxou para mais junto, e a outra estava em sua nuca, correndo entre seus cabelos molhados pela chuva.

O que interrompeu o beijo dessa vez foi o toque do telefone de Mônica. Quando se afastou dele, não estava se sentindo exatamente envergonhada, apenas estranha. Não sabia se pedia desculpas ou fingia que não tinha acontecido.

— Acho melhor você atender... — ele sugeriu, já que o telefone continuava tocando. Mônica o havia deixado em cima da mesinha de estudos dele; pegou o aparelho e recebeu a chamada. Bruna e Isadora já estavam em casa.

— Essa é a minha deixa. — Pegou a mochila e guardou o CD. — Bom, obrigada pela hospitalidade e.... ahm, enfim... obrigada. — Ela balançou a cabeça, como se a discordar do próprio comportamento reticente. Deu um sorriso e caminhou em direção à porta.

Eduardo ficou um instante como que paralisado — talvez fosse o efeito do beijo —, mas conseguiu recobrar os sentidos antes que a garota fosse embora.

— Posso ter seu telefone e te convidar pra sair qualquer dia?


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