Eduardo & Mônica escrita por The Escapist


Capítulo 1
I




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Eduardo abriu os olhos, mas não quis se levantar. Ficou deitado e viu que horas eram. Cinco e meia da manhã. Virou para o outro lado, pensando em passar mais alguns minutinhos dormindo. Porém, suas aulas começavam às sete e para conseguir uma carona teria que estar pronto para sair às seis em ponto. Detestava aquela coisa de ser escravo do relógio.

Depois dessa profunda reflexão, levantou-se, ainda que não estivesse muito disposto. Não era uma grande novidade que acordasse com preguiça — as longas horas passadas em frente ao computador sempre cobravam seu preço.

Depois do banho — no qual não houve muito esmero —, vestiu o uniforme da escola e pegou a mochila; checou rapidamente se os livros que precisaria estavam todos lá, pegou o casaco, o celular e os fones de ouvido. Saiu do quarto já escolhendo uma música.

Apesar de ainda ser cedo, quando chegou à cozinha, onde normalmente faziam a primeira refeição do dia, já encontrou a mesa posta e o café da manhã à sua espera.

— Bom dia — disse. Sua irmã, Maria Eduarda, já estava sentada à mesa, mas apenas acenou e resmungou algo ininteligível, decorrência da boca cheia. Ao contrário do irmão, a moça aparentava uma disposição invejável. Tinha as bochechas coradas, os olhos levemente maquiados, e os cabelos negros presos num rabo-de-cavalo.

— Bom dia, meu amor — era a mãe dele, dona Carmen, que o beijou na testa quando o garoto ocupou seu lugar. — Dormiu bem? — perguntou enquanto apertava a bochecha dele e o olhava com a sobrancelha arqueada. Naquele olhar estava implícito o fato de ela saber, e não aprovar, que o filho passava a maior parte da noite acordado, no computador. — Está cheio de olheiras... — censurou, balançando a cabeça.

— Tô bem, mãe. — Ele sorriu, entediado e já começou a comer. Enquanto se servia, ouviu a voz do pai se aproximando.

— ... é um absurdo, meu Deus do céu, esse mundo tá completamente perdido! — Paulo César vinha reclamando. Era um homem alto, um tanto acima do peso, com uma barriga proeminente. Ainda não chegara aos sessenta anos, mas ostentava marcas de uma velhice precoce: a pele enrugada e os cabelos totalmente embranquecidos. Naquele momento, tinha o rosto levemente corado, provavelmente devido ao esforço que era para ele subir e descer as escadas. — Aquilo não é coisa de uma moça de família — continuava esbravejando contra algo desconhecido pela família.

— O que foi que aconteceu, Paulo? — Carmem perguntou tranquilamente. Uma das principais características da mulher era sempre tentar dar importância ao que seu marido dizia. Paulo sentou-se à cabeceira da mesa e esperou que a esposa servisse seu desjejum.

— Eu fui tirar o carro da garagem e essa menina que mora aqui do lado estava chegando em casa. Veja que absurdo, a essa hora da manhã. — Ele balançou a cabeçorra com verdadeiro pesar.

— Pai, o que o senhor tem a ver com a hora que a menina chega em casa? — Maria Eduarda perguntou, entre divertida e irritada. Achava engraçado confrontar o pai. O homem abanou o ar com um gesto expansivo.

— Se fosse filha minha...

— Exato, se fosse sua filha, mas sua filha sou eu, e eu tô aqui, então não se mete na vida das pessoas, ok?

— Eu não estou me metendo, Maria Eduarda, apenas comentando.

Eduardo apenas escutava a conversa, ou partes dela, afinal, estava ouvindo sua música e quase não conseguia evitar balançar a cabeça e murmurar a letra da canção do Mumford and Son’s, sua banda favorita do momento. Não era a primeira vez que Paulo César mostrava-se indignado com o comportamento de certos jovens. Em geral ele costumava achar a juventude muito problemática e sem a menor noção de respeito e essas coisas — com exceção, talvez, de seus próprios filhos. Tampouco era a primeira vez que sua irmã rebatia alguma opinião dele. Aquilo era tão comum em sua família que não merecia muito de sua atenção. Enquanto Maria Eduarda tinha paciência de discutir as ideias retrógradas dos pais, ele preferia apenas sorrir e acenar.

— Eduardo, tire esses negócios dos ouvidos! — Havia ficado momentaneamente perdido na música e quase não se deu conta de que o pai falava com ele. Obediente, retirou os fones e os guardou na mochila. Há tempos tinha aprendido que insistir em algo que aborrecia Paulo era apenas criar aborrecimentos para si. — Você não acha que já tá na hora de cortar esse cabelo? — O garoto abriu a boca, mas por um instante, não soube o que responder. Como que por instinto, passou a mão nos cabelos, que a bem da verdade, estavam mesmo um pouco compridos, já chegando quase nos ombros. — Você precisa acordar pra vida, meu filho, você não é mais criança.

Não sabia de onde aquilo surgira, mas as conversas com o pai em geral eram assim, surgiam do nada. Paulo César gostava muito de falar e pouco de ouvir.

— Hoje eu posso sair mais cedo e levar você pra cortar. — Para Eduardo, isso contrariava a ideia de que seu pai queria que ele deixasse de ser criança, no entanto, se viu assentindo, incapaz de encontrar uma justificativa plausível para recusar. Às vezes sentia-se realmente um pouco infantil por sempre obedecer sem questionar, mas acreditava sinceramente que seus pais apenas queriam seu bem, como diziam tantas vezes.

De repente, Paulo voltou a conversar com a filha mais velha. O fato de Maria Eduarda estar quase terminando a faculdade e já trabalhar na mesma área que o pai — que era advogado — os deixava mais próximos, apesar de todas as discussões. Assim, Eduardo pôde retornar ao seu próprio mundo de pensamentos e deixá-los falando sobre política. Terminou de tomar o café em silêncio, depois pediu licença e foi logo para fora.

Paulo havia tirado o carro da garagem e estacionado na frente da casa. Era uma espécie de ritual e também uma maneira eficaz de saber o que estava acontecendo na rua. Eduardo ficou encostado no SUV preto e olhou para a casa ao lado. O jardim de lá estava com a grama alta e havia uma quantidade considerável de folhas secas no chão. A cortina da sala estava aberta e ele viu uma pessoa se movimentando lá dentro. Distinguiu uma silhueta esguia, aparentemente uma menina, um pouco baixa, cabelos na altura dos ombros. Perguntou-se se seria a garota de quem seu pai falara. Não sabia muito sobre os moradores da casa vizinha, ou melhor, moradoras, pensava já ter visto umas quinze garotas diferentes entrar ou sair daquela casa. Às vezes estava acordado de madrugada e ouvia-as chegar e de vez em quando, alguém gostava de ouvir algum CD do One Direction. O vulto apareceu novamente na janela, dessa vez para fechar as cortinas. Pelo visto, aquela pessoa tinha a rotina de um vampiro, Eduardo pensou, com bom humor.

Não demorou muito para que Paulo e Eduarda saíssem de casa. Seu pai vestira o paletó, que devido ao excesso de peso, não tinha um bom caimento. A irmã, por outro lado, usava uma blusa branca de manga longa, calça social preta e sandálias de salto alto, desfilando elegância e desenvoltura em plena seis horas da manhã. Por mais de uma vez, Eduardo já havia se perguntado como era possível que de um mesmo casal tivesse nascido duas pessoas tão diametralmente opostas como ele e a irmã.

— Acorda, Dudu — ela apertou a bochecha do irmão, enquanto contornava o carro para assumir o lugar do motorista. Houve a costumeira discussão para saber quem iria dirigir e novamente Eduarda venceu. Ela costumava alegar que não queria que o pai ficasse estressado e não havia nada mais estressante do que o trânsito. Hipertenso e vítima de um infarto antes dos cinquenta anos, Paulo não tinha argumentos contra isso.

Eduardo sentou no banco de trás e passou a viagem toda quieto. Dessa vez seu pai não disse nada quando ele recolocou os fones nos ouvidos. O trânsito, já caótico àquela hora da manhã, fazia sua irmã reclamar e falar pelos cotovelos. Ela ficava praguejando e dizendo para o pai ficar calmo — o que, na opinião de Eduardo, não era a maneira mais eficaz de tranquilizar uma pessoa. O garoto, por outro lado, pôde até dar um cochilo durante o tempo que levou para chegar à escola.

— Não esqueça de ir direto pra casa quando sair. — Já estava quase babando quando a voz de barítono do pai o acordou. — Dudu? Meu filho, preste um pouco de atenção no que tá acontecendo! Você só vive com esses negócios nos ouvidos... — Eduardo rolou os olhos, entediado.

— Tudo bem, pai, tenho que ir — foi dizendo enquanto saltava do carro. Deu um aceno rápido antes de caminhar em direção à entrada da escola.

Cursava o terceiro ano do ensino médio e pretendia entrar no curso de engenharia mecatrônica. Sabia que esse não era exatamente o plano de seus pais. Se alguém perguntasse a Paulo e Carmem o que eles desejavam para a futura profissão do filho, medicina e direito certamente apareceriam entre as opções. Mas Eduardo não sofria por antecipação. A conversa definitiva sobre o que iria fazer na faculdade ainda não tinha acontecido e quando fosse a hora, ele apenas diria aos pais que não sentia vontade alguma de ser médico — ou advogado — e infelizmente, não poderia perpetuar o legado da família. Isso, no entanto, era preocupação para depois. O futuro ainda lhe parecia distante o bastante para que se preocupasse com a aula de matemática e a maratona de Jessica Jones que precisava fazer.

— Ei, mané! — sentiu a mão espalmada em suas costas antes que visse a pessoa dona da mão. Douglas não era seu único amigo, mas era o que ele conhecia há mais tempo. Estudavam juntos desde a primeira série e às vezes era como se fossem irmãos, inclusive na questão de brigarem por bobagens. — Você me largou sozinho no meio da quest! — reclamou.

Eduardo olhou para o amigo com o cenho franzido. Se ele não tinha dormido bem, Douglas parecia ter vindo direto de uma balada para a escola. Tinha os cabelos despenteados, o uniforme todo amarrotado e os olhos vermelhos.

— Eu tinha que dormir, viado, coisa que você deveria ter feito também. — Douglas deu uma de suas risadas exageradas. Ele sempre ria de maneira expansiva, como se qualquer coisa fosse a piada mais engraçada do mundo.

— Eram cinco horas quando eu fui dormir, daí não deu mais tempo.

— Cê tá fedendo, cara! — Empurrou a mão do amigo do seu ombro. Douglas não se fez de rogado. — Depois não sabe porque nenhum cara que ficar com você.

— Como se você pegasse muita gente! Ridículo.

— BV. — Douglas encolheu os ombros. Daquele ponto não tinha mais como dar uma resposta à altura. Ele podia ser mais bonito, mais inteligente e engraçado, mas quando se falava de beijo (de língua) Eduardo estava na frente. Os dois foram andando em direção à sala de aula; de repente, Douglas bateu na testa, como se a lembrar de algo de vital importância.

— O que você vai fazer na sexta à noite? — perguntou. Eduardo não precisou pensar muito antes de responder.

— Maratona de Jessica Jones.

— Isso poderia esperar para o sábado?

— Não, por quê? Eu já deveria ter visto desde que saiu, né? — Mas estivera ocupado com algumas coisas da escola.

— Ah, é que tem uma festa legal e a gente quer se divertir, certo?

— Que tipo de festa?

— Hm, é o niver de uma amiga do meu irmão, ele disse que a gente pode ir, de boas. — Eduardo coçou a cabeça, em dúvida. Não ia a muitas festas. Primeiro porque seus pais eram um tanto super protetores e quase nunca o deixavam sair. Segundo porque ele mesmo não gostava de música alta e pessoas demais no mesmo local.

Festa estranha, com gente esquisita? — provocou. Pensou em Jessica Jones e nas críticas positivas que tinha lido sobre a série. — Eu teria que falar com meus pais, não sei se eles vão deixar.

— Humpf! — Eduardo deu de ombros. Seu amigo podia ter liberdade para fazer qualquer coisa, já que seu único adulto responsável era o irmão, mas ele ainda devia satisfação aos pais e não via problema, nem gostaria de criar caso só para poder beber uma ou duas cervejas. — Você vai ter que cortar o cordão umbilical em algum momento, Dudu.

Eduardo deixou a questão em aberto. Pensaria no assunto, ainda teria três dias para resolver, afinal.


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