Premonição Chronicles 3 escrita por PW, VinnieCamargo, Felipe Chemim, MV, superieronic, Jamie PineTree, PornScooby


Capítulo 25
Capítulo 25: O Efeito Apófis


Notas iniciais do capítulo

Escrito por MV.



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O sol se escondia naquele fim de tarde, como se soubesse o que estava por vir. Como uma coincidência do destino, a Operação Apófis estava pronta para acontecer, justamente quando o astro se punha e a noite caía.

Na mitologia egípcia, Apófis era o pior dos inimigos de Rá, uma serpente colossal, personificação de todo o mal. Toda noite, Rá fazia a sua passagem pelo Duat, o submundo dos egípcios e seus doze portões, e no último deles, ao fim de sua peregrinação, tinha de enfrentar o rei de todas as cobras e serpentes, o mal encarnado.

Apófis era sempre derrotado por Rá, mas cada dia ou noite era o mesmo processo. A temível criatura nunca desistia.

Mas parecia que algo diferenciado estava prestes a acontecer em Cabo da Praga. O sol se punha, e Rá iniciaria sua viagem através do Duat, mas sua chegada foi tarde demais para impedir que Apófis escapasse, e com apenas o aperto de um botão, Cabo da Praga seria engolida pela mítica serpente, na forma de um gás letal.

E Anúbis estava prestes a apertar este botão, quando Hórus surgiu na entrada da sala.

— Hórus.

— Eu mesmo, Anúbis. Ainda não respondeu a minha pergunta. A Purificação é o começo do fim? – Ele disse, caminhando lentamente até o loiro, com passos curtos e elegantes.

— Será o fim somente para aqueles que estão em Cabo da Praga. Você sabe que busquei outras tentativas, mas a Operação Apófis sempre foi destinada á entrar em ação.

— Sério? – Hórus falou, chegando próximo do homem e passando a mão em seus cabelos, já que o mesmo estava sentado em uma cadeira. Anúbis por sua vez, avançou uma cotovelada no homem, já que ainda segurava o saco de gelo em seu galo. – Oh, me desculpe. Parece que seus filhos acabaram de conhecer a adolescência.

— Não tenho que dar satisfações a ninguém, e principalmente a você. Saia daqui. – Anúbis falou, secamente.

O homem direcionou o dedo novamente ao botão antes que Hórus fizesse mais uma investida, dessa vez perguntando:

 – E os moradores resgatados do Sítio? Eles também serão afetados pelo gás?

— Os pilotos tem instruções claras de não jogar o gás nas áreas ocupadas pelos sobreviventes. – Anúbis falou. – É uma área controlada pelo exército, está fora de nossa jurisdição.

— Entendo. – Hórus falou. – Será melhor assim. Eles tem data para sair do Sítio?

— Isso compete ao exército, não a mim, Hórus. – Anúbis completou, finalmente apertando o botão. – Que a operação comece. Agora, se me dá licença tenho mais o que fazer do que ficar perdendo tempo.

O loiro se levantou e saiu da sala, caminhando de forma imponente, enquanto Hórus abriu um sorriso um tanto quanto discreto ao ver o homem de costas. Ele olhou mais uma vez para o equipamento da sala de controle e o famigerado botão vermelho, se lembrando também do que Anúbis dissera sobre as áreas não afetadas.

Independente das intenções de Anúbis ou da Pyramid, Hórus sabia que o caos rapidamente se instalaria por toda a Cabo da Praga, existiam pessoas no próprio Sítio que sabiam dos planos para a ilha. E era isso que esperava: caos, destruição e pânico em massa.

— Que o Efeito Apófis comece.

Premonição Chronicles 3

Capítulo 25

O Efeito Apófis

A partir dos sinais, o helicóptero desceu na área militar, conhecida antigamente como o Sítio, chamando a atenção de vários residentes ao redor. Não era incomum alguns helicópteros pousarem na área, trazendo mantimentos e remédios, mas a cada aeronave que aterrissava o sentimento de que finalmente seriam retirados da ilha em quarentena e retornariam á civilização retornava. Infelizmente, mais uma vez, não foi isso que aconteceu. Mas dessa vez, um homem engravatado e bem-vestido desceu sozinho do mesmo. O sargento que comandava a repartição logo se aproximou do mesmo, percebendo que a visita parecia importante.

— Com licença, senhor. Aqui é uma área militar e fechada para aviões que não sejam do exército ou da Pyramid, que ajuda a manter o acampamento. Terei que pedir que retire o helicóptero da área.

— Tudo bem, serei rápido. – O homem bem vestido falou. – Eu preciso que uma senhora que está aqui me acompanhe. Seu nome é Katerina Soave.

— Ordens de quem? Por enquanto, ninguém sai daqui. Ordens expressas do governo. Estamos apenas cumprindo e garantindo que tudo esteja de acordo.

— Exatamente, sargento. São ordens do próprio governo, alguém de alto escalão. Precisamos que…

Repentinamente a conversa foi interrompida por um soldado, que corria na direção do sargento, exausto. Chegou á frente dele e prestou continência antes de continuar:

— Senhor, me mandaram te avisar sobre algo que achamos em um dos galpões. É urgente.

— O que aconteceu, soldado Victor?

— Um grupo de pessoas nos procurou há pouco tempo, relatando um ataque aqui no acampamento. E que acabou na morte de um civil.

— Mas quem fez a denúncia se apresentou?

— Heloísa de Carvalho Botelho.

— A socialite? – O sargento Moura perguntou, percebendo também que o enviado do governo estava ao seu lado, prestando atenção em tudo. – E quem foi o morto?

— Doutora Katerina Soave.

XXX

Um grupo de fugitivos, formado por Bianca, Fred, Alfinn, Mia e Gabriel estava parado em um dos inúmeros túneis da Pyramid, procurando por uma saída o mais rápido possível. Bianca os guiava, e decidiu ir por um caminho não muito usado, principalmente por ser o desembarque de todo o lixo hospitalar e tóxico da instituição. Eles iam com uma velocidade até que razoável, já que Fred já corria normalmente. O problema era Gabriel.

O médico parecia não piorar mais mas isso não significava que já não estava mal o bastante, ardendo em febre e sentindo dores pelo corpo. Gabriel já tinha pedido milhares de vezes para Mia o deixar, já que ele estava atrasando o grupo, mas ela sempre repetia que não faria isso.

— Gabriel, quando eu quase morri no bar, você não me abandonou, lembra? No momento que descobriu que estava em perigo, correu pra me salvar. – Mia falou. – E mais uma vez, eu não vou fazer isto. Mas precisamos descobrir logo o que está acontecendo.

— Acho que já sei. – Ele falou, com esforço. – Algum mosquito deve ter me picado aqui na ilha, ou antes, de termos chegado aqui.

— Dengue?

— Posso estar errado, mas acho que sim. Só não sei se é a clássica ou a hemorrágica. – Ele disse, com grande esforço. Quase como se confirmasse o que acontecera com ele, Gabriel sentiu um estranho arrepio passar por ele, e um frio intenso tomar conta do seu corpo, levando ele a fazer uma careta. – Mia, me deixa aqui. A tendência é piorar cada vez mais, vai chegar um momento que…

— Precisamos sair dessa ilha o mais rápido possível. – Ela falou determinada. – E vamos sair com você, Gabriel.

Mia levantou novamente o irmão e começou a auxiliar na dura caminhada dele. Ela podia sentir a dor que ele sentia, e não iria largá-lo naquela situação. Afinal eram mais que irmãos, eram irmãos gêmeos.

Por mais que Mia e Gabriel fossem ás vezes muito diferentes, eles tinham laços extremamente fortes entre eles desde o nascimento, quando dividiram a barriga da mãe. Como se fossem pão com manteiga, eram inseparáveis, e sentiam facilmente o que o outro passava. Quando Mia fora brutalmente violentada, Gabriel sentiu toda a sua dor e carregava esse fardo de não ter conseguido impedir o estupro, mesmo que ele não tivesse um pingo de culpa sobre o fato. Depois foi a vez de Mia, que acreditou que seu irmão tinha morrido na explosão do bar, quando ele correu para salvá-la e também com o medo do irmão ficar preso no meio do famigerado Expurgo. Felizmente, tinha dado tudo certo em todos os momentos e agora os dois estavam juntos novamente. E assim continuariam.

Mas no fundo, a moça estava profundamente preocupada também com a sua promessa. Eles desejavam sair da ilha, mas o problema era como fariam isso. Uma solução para esse problema parecia estar bem longe de ser resolvida. Sem contar a lista da morte que não saía de sua cabeça.

Repentinamente, Mia foi retirada de seus devaneios, enquanto desciam cada vez mais pelo túnel por Fred:

— Então afinal, alguém pode me explicar o que aconteceu? – Fred perguntou, novamente. Tivera poucas explicações e lembranças sobre os momentos que vivera instantes atrás. Sua última lembrança era de estar preso em uma cama, e depois acordar sentindo algo diferente, algo extraordinário. Ele não sabia explicar a sensação, mas era como se pudesse controlar os objetos com o próprio… Pensamento.

XXX

— Tá, a gente já pode entrar em desespero? – Elly perguntou, quando o terceiro reptiliano deixou a jaula, aumentando o número de criaturas geneticamente modificadas na grande sala.

Erick e Sabrina continuavam a tentar forçar a porta, sem sucesso nenhum. A cada humanoide que saía das gaiolas, o grupo subia cada vez mais a escada, até o topo, mas era inevitável que em certo momento as criaturas os alcançariam e os matariam cruelmente, um a um.

O humanoide que se assemelhava a uma sereia saída de um filme de terror emitiu um guincho horrível naquele mesmo instante, fazendo todos taparem os ouvidos. Quando perceberam, ela começou a correr na direção do grupo e pulou, quase dando uma mordida em Mimi, mas Elly deu um chute na cara na mesma.

— Sai daqui, sardinha! – Ela gritou, enquanto Mimi já respirava ofegante.

Mas não havia mais tempo para comemorações. Um grupo do que pareciam ser lobisomens começaram a escalar as escadas, ávidos por comida. No caso, os quatro.

— O que a gente faz? – Mimi gritou em desespero.

— Eu não sei merda! – Elly falou. – A porta não abre mesmo?

— Tentando ainda. – Sabrina falou, enquanto fazia força para puxar as portas.

Mimi então tentou usar as armas que tinha a disposição. Pegou seus dois saltos vermelhos que usava e arremessou ambos contra dois lobisomens, acertando em cheio o olho de um deles, que acabou desnorteado e caindo da escada e a cabeça de outro que urrou.

— Você só os deixou mais bravos. – Elly comentou, com medo.

De súbito, um lobisomem correu mais rapidamente nas escadas, se aproximando das mulheres, e foi impedido de repente por uma pessoa.

Erick. O jovem reuniu toda a sua coragem e talvez como ele pensara, burrice e deu um murro no lobisomem, que acabando recuando. Já Erick não pode evitar a surpresa.

— Acho que não tenho boas lembranças com lobos.

Mas faltava um ainda e esse último se aproveitou da distração para atacar. Assim como os anteriores, ele subiu as escadas correndo e rosnando, mas no último instante pulou sobre os três, evitando qualquer ataque dos mesmos e fazendo Mimi, Erick e Elly entrarem na exata rota de seus dentes caninos e afiados.

E parou no ar.

No mesmo instante, a porta finalmente abriu e todos os monstros que estavam tentando fazer do grupo seu jantar começaram a levitar acima da cabeça dos quatro e foram atirados na direção de suas jaulas com força bruta, sendo logo depois trancados novamente.

Chocados completamente com o que acontecera, Erick, Sabrina, Elly e Mimi se viraram para a porta, apenas para ver Fred exausto, sendo amparado por Bianca e Alfinn.

Logo depois, Mia e Gabriel surgiram na abertura e a moça não pode evitar a fala:

— Estão com problemas?

XXX

Amanda, Heloísa e Arthur prosseguiam sentados em três cadeiras acolchoadas na sala da direção do Sítio, comandada pelo sargento Moura, que agora coçava o queixo do outro lado da mesa de madeira que separava o oficial do grupo.

— Então, Katerina tentou matar a garota? Vocês fazem ideia do porquê?

— Quando chegamos, ela estava amarrada em uma cadeira, sargento. – Heloísa comentou. – Logo chamamos os soldados e eles viram todo o cenário. Arthur teve de matar em legítima defesa. Senão Amanda não estaria aqui.

— Certo. O problema é que estamos diante de algo complicado, senhora Heloísa. – O sargento comentou. – Não há claras provas de que Katerina ameaçou matar Amanda, por mais que eu acredite na senhora. E o homem aqui assumiu que matou a mulher.

— Era o único modo de deixar a garota livre sargento. – Arthur falou. – Heloísa mesmo disse.

— Tudo bem. Compreeendo. Vou fazer o seguinte, deixarei vocês irem sem problema algum. Mas não comentem nada do que ocorreu com ninguém do acampamento. Já tivemos problemas demais nos últimos meses, e a confiança do povo está por um fio. Qualquer problema assim, e será a faísca para o caos. E quando o caos chegar, não haverá mais como contê-lo.

— Faremos isso. – Heloísa, diplomática, respondeu.

— Tudo bem, estão liberados. – Ele disse. O trio começou a caminhar na direção da saída, mas foi interrompido por um chamado do sargento a Arthur.

— Ei, esqueci de falar uma coisa. Qual é o seu nome, Arthur? Completo?

— Ele não sabe sargento. – Amanda respondeu automaticamente. – Ainda está recuperando as memórias, lentamente.

— Como assim, recuperando as memórias lentamente? – O sargento olhou profundamente para Arthur e o homem sentiu como se o olhar perfurasse todo o seu corpo, e assim desvendasse toda a camada de segredos que carregava.

— Até um tempo atrás eu era um desmemoriado, sargento. Não me lembrava de absolutamente nada no meu passado, nem mesmo do meu nome ou de onde eu vim. Agia como um bobo por aí, tinha até outro nome. Mas durante o incêndio que ocorreu no Complexo, minhas memórias vieram à tona, ainda que lentamente. Mas meu nome, não me lembro ainda. – Ele mentiu.

— Entendo. É que um helicóptero chegou aí, com alguns membros do governo atrás da Doutora Katerina Soave e também de um Arthur. Arthur Fernando Braga.

— Não sei quem é. – Ele respondeu. – Mas obrigado, sargento. Vamos? – Arthur falou com Heloísa e Amanda que o seguiram para fora da sala.

Assim que deixaram o edifício dos militares, Amanda comentou que visitaria Suzana, afastando-se dos dois. Assim que se despediram, Heloísa se aproximou lentamente de Arthur.

— Arthur, você não tem curiosidade de saber se esse aí que o sargento falou não é você?

— Na verdade, não. – Ele falou, tranquilamente.

— Tem certeza? Se eu fosse você gostaria de saber.

— Ah, as coisas vão acontecer naturalmente. Prefiro não acelerar o processo.

— Bom, cada um com seus ideais, não é? Mas acho estranho também sabe, eu juro que já vi esse sobrenome Fernando Braga em algum lugar.

— Deve ser impressão sua Helô.

— Eu tenho certeza que não é, Arthur. – Ela respondeu automaticamente.

XXX

Nos corredores da sede da grandiosa Corporação Pyramid, um grupo era escoltado por vários guardas em direção as celas da unidade, enquanto o alarme ressoava por todos os cantos, indicando que as visitas do grupo não eram nada bem-vindas.

Quando foram presos, não ofereceram qualquer resistência, talvez porque estavam cansados e exaustos demais de tudo o que acontecia para fazer isso. Stein era o primeiro da fila, e sua mente somente focava em Elly e Erick. A preocupação com a irmã e o quase namorado era latente, e o medo de que eles pudessem não estar mais entre eles tomava conta do grandalhão, como se o anestesiasse. Não aguentava mais ir e vir, sem resultado nenhum.

Debora caminhava logo atrás, e a outrora Magnata das Ruas estava terrivelmente abatida. Embora tivesse se mostrado forte até o último instante com a morte do seu amado, por dentro estava completamente destruída. Ed somente era a peça final que faltava para tudo ruir, depois de ter perdido as meninas que considerava suas filhas para os infectados e também Kátia, pessoas que foram extremamente importantes para o seu ressurgimento como a imperiosa mulher que era. Mas todos estavam mortos, e Debora já começava a crer que em breve também estaria. Parecia não existir qualquer solução para acabar com a lista da morte.

Renan era o terceiro da fila, acompanhado de Ísis, logo atrás dele. Sua mente estava, assim como a dos outros, passando por um turbilhão de emoções. Por um lado estava feliz em ter recuperado suas memórias completamente, mas por outro ainda desejava descobrir os motivos que levaram Hórus a destruir toda a sua vida antiga, jogando ele num abismo de esquecimento. Mas não se surpreendia tanto com o irmão, já que este sempre demonstrou não ser flor que se cheire. Misturado a tudo isso, a preocupação com a lista da morte era evidente. Desde que chegaram na ilha, a morte vinha agindo sorrateiramente, levando suas vítimas em momentos inesperados. Demétrio e Ed estavam mortos, mas Renan conseguiu finalmente impedir que a ceifadora levasse a alma de Natasha, jogando ela para o fim da lista. A próxima provavelmente era Amanda, mas esta permanecia incomunicável.

E tudo isso por alguns minutos, que impediram Amanda de embarcar no barco. Renan não sabia quem tinha dado a permissão para irem, sem antes checar todos os passageiros, mas não havia nada que pudesse fazer para mudar o futuro. Amanda teria de escapar sozinha da morte, e depois seria a vez dele. A vez de Renan.

No fim da fila, Max e Natasha caminhavam a passos mais lentos que o resto do grupo, culpa do ferimento que a mulher sofrera em sua panturrilha. Porém o que importava para ambos era que ela continuava viva. Quando estava cercada pelos lobos, Natasha viu a vida passar diante dos seus olhos, assim como na explosão do túnel, mas pela segunda vez tinha sobrevivido. Apesar dos ferimentos e cicatrizes, estava viva, e sua vontade por lutar mais pelo fim da lista e de todo o esquema mortal estava renovado. Então, sem que ela esperasse, Max falou, á sua frente:

— Me desculpa Nat. Por não ter te ajudado quando precisou.

— Silêncio! Continue andando. – O guarda falou com sua voz grave.

— Não precisa se desculpar Max. Não foi culpa sua. – Ela respondeu.

— Eu já não disse para calarem a boca? – O guarda falou, novamente.

Eles caminhavam todos em direção ás celas, e não sabiam como escapariam deles, afinal, desde que foram presos sabiam que qualquer reação seria estúpida, já que estes possuíam armas e mais armas, enquanto eles, somente a força física. Somente um milagre poderia os libertar, e quando foram passar por um cruzamento, esse milagre se concretizou.

XXX

A surpresa foi imediata, e tomou conta dos rostos de Alisson, Thiago e Benjamin assim que viram o comboio dos prisioneiros vindo na outra direção.

Quase que como uma reação automática á aparição do trio, os guardas ergueram as suas armas na direção deles, mas hesitaram ao reconhecer um dos que estavam sobre a mira.

— Cuidado! Não atirem, é o filho do presidente. – Um deles falou, mostrando que os seguranças daquele grupo não sabiam do que Ben tinha feito com o pai e os outros guardas.

— Os deixamos continuar? – O outro perguntou.

Tempo demais para pensar. Em um segundo, Alisson e Thiago pularam ao chão percebendo o que estava prestes a acontecer, e Ben deu um grito, dizendo para todos se abaixarem. E como da outra vez, a super força de Benjamin explodiu novamente, e toda a sua fúria foi direcionada aos guardas. Enquanto uma saraivada de tiros acontecia, Ben ia tirando os guardas um a um de ação, jogando eles contra a parede, dando socos e murros, e ás vezes os batendo com suas próprias armas.

Quando o espetáculo sangrento encerrou, somente Ben mantinha se em pé naquele corredor. Os guardas estavam todos desmaiados no chão e os outros, deitados, tentando se proteger do enxame de balas que rodara a sala. Haviam balas alojadas nas paredes, caídas no chão e também perfurando o corpo de Ben, que arquejou mais uma vez, ofegante. Mas assim como a outra investida que fizera, não tinha sido ferido, embora agora sentisse certa dor, dor do cansaço.

— Vocês. – Thiago falou. – Não é exatamente uma boa hora pra se encontrar, mas que bom que isso aconteceu. – Então o professor parou e olhou para o grupo, percebendo que alguém faltava ali. – Cadê o Ed?

O balançar da cabeça de Renan confirmou para Thiago o que ele temia. Mais um tinha sido levado pela mão pesada da morte. Mas percebeu que Natasha estava no grupo, sinalizando que a negra provavelmente já tinha sido salva.

— Quem é o próximo, Renan? – Alisson perguntou, preocupada enquanto acalmava a chinchila em suas mãos. Todo o grupo se virou para o rapaz, que falou:

— Amanda. Mas já não podemos fazer mais nada por ela, terá de escapar sozinha. Não temos como ter contato com Cabo. Mas não vi nenhum sinal de sua morte, o que pode dizer que ainda está viva.

— Amanda… Me lembro muito bem dela. – Debora comentou. – Fazia parte daquela trupe de desajustados do Complexo, mas era uma boa garota, no fundo. Vocês não estavam na Falcon durante o Expurgo né?

— Eu fui depois, tive mais contato com ela. – Renan comentou. – Não devíamos ter deixado ela pra trás, foi quase sentenciá-la a morte.

— Ela me assaltou uma vez. Levou meu colar. – Natasha comentou. – Até sermos salvos pela Debora, antes mesmo de sabermos que estávamos na mesma lista da morte.

— É incrível como encontramos muitas vezes com as pessoas antes de tudo acontecer. – Thiago falou. – Parecia que era como se nossos destinos já estivessem cruzados, mas não sabíamos disso.

— Sim… Mas depois ela me devolveu o colar, quando tivemos um momento no galpão. Disse que estava arrependida daquilo, já que sempre sentira que era algo importante pra mim. E era. – Nat falou. – Uma pena que eu perdi ele no naufrágio.

— Bom, a conversa entre os sobreviventes tá realmente boa. Mas assim, não dava pra gente ir andando? – Max falou. – Não quero ter que lidar com esses guardas de novo, pra mim já foi o bastante.

— Onde vocês estão indo? – Stein perguntou.

— Precisamos encontrar Ester. – Alisson concluiu. – E depois achar o resto dos sobreviventes e dar o fora dessa ilha.

— Não acho bom ir um grupo tão grande atrás da Ester. É mais fácil de despertar suspeitas. – Stein falou. – Embora toda a Pyramid já deve estar sabendo da nossa “invasão”. – Ele falou, fazendo aspas com os dedos.

— Acho que não deveríamos nos dividir mais uma vez. – Débora concluiu. – Estamos juntos e não estou disposta a se separar, sendo que podemos demorar a nos encontrarmos novamente.

— Além disso, um grupo maior pode ser mais efetivo pra impedir alguém de morrer. – Thiago foi quem dessa vez falou. – Depois da Amanda quem é, Renan?

— Sou eu. – Ele disse, engolindo em seco. – Depois disso a lista recomeça. Débora, Mia, Thiago, Erick, Natasha.

— Vamos então. – Ben falou. – Ester deve estar próxima dos quartos onde eu e Bianca ficávamos. E estamos bem perto de chegarmos lá.

Benjamin então pegou a dianteira do grupo, seguida por Alisson, que ainda segurava a chinchila de Ester nas mãos, e depois Thiago, Débora e Ísis. Max ajudava Natasha a caminhar, enquanto Stein e Renan fechavam a fila, já que eram os mais fortes do grupo depois, obviamente, de Ben, e tentariam proteger o grupo na parte de trás.

XXX

Amanda caminhava mais uma vez pelo Sítio, como fazia sempre, e dessa vez carregava uma sacola com alguns pães, a comida que mais era distribuída dentro do Sítio, devido ao seu valor nutricional. Acostumara-se rapidamente a aquele lugar, e embora tivesse regras muito mais rígidas que o Complexo, ela se virava e gostava dali, mas ansiava por poder sair o mais rápido possível de Cabo.

Quando Heloísa falou para Amanda a proposta de adotá-la assim que o pesadelo causado pelo Plaga Vírus acabasse, a garota ficou realmente acuada. Queria tanto uma família, mas ao mesmo tempo o Complexo virara sua família. Durante o terror que passara no Expurgo realmente considerou aceitar a adoção e tudo se confirmou quando viu o Complexo se reduzindo a um monte de ferro retorcido.

Ainda não falara com a negra, mas Amanda já tinha uma certeza no seu íntimo: queria começar uma vida nova. Principalmente depois que Heloísa e Arthur a salvaram das mãos da louca psicológa Katerina Soave. Com esse evento, tinha quase certeza que sua vez na lista da morte tinha passado, já que pelo o que se lembrava da conversa com outros sobreviventes, ela era uma das últimas, embora algo dizia para ela não confiar totalmente, já que tinha visto como a morte era cruel e enganadora.

E apesar de agradecer por ter escapado do Expurgo e do incêndio no Complexo, lamentava profundamente pelos membros que não escaparam do fogo. Eram mulheres, drogados, pessoas enxotadas por suas famílias, mas que agora estavam em outro plano. Outro mundo. Inclusive Matias.

Amanda se sentia culpada, porque só deu pelo sumiço de Matias dois dias depois que se reencontrara com os habitantes do Complexo. Quando descobriu o fim que ele teve, não conseguiu evitar as lágrimas, principalmente ao descobrir que ele salvara a maioria das pessoas do grande fogaréu, morrendo quase como um mártir. Amanda tinha certeza que não teria a mesma sorte.

Quando chegava à tenda médica, que ficava um pouco afastada dos galpões centrais escutou um farfalhar á distância, parecendo vir da floresta que circundava o acampamento. Existiam muitas preocupações com infectados na área da unidade II, mais conhecido como o Sítio, já que há pouco tempo atrás a unidade I, o Santuário, tinha sido destruído por uma horda deles.

Não é nada, Amanda. Fique calma. – Ela disse pra si mesma. Continuava a andar, até repentinamente tropeçar e ir de cara ao chão.

Levantou a cabeça, ainda zonza, e viu que alguém ia à direção da tenda médica, ainda longe, mas não conseguiu identificar quem era. Já estava escuro o bastante para somente distinguir uma silhueta. Virou-se e então viu o que tinha causado a sua queda: o seu chinelo azul havia estourado.

— Ah, mas vai pra puta que pariu! – Ela exclamou de raiva. Levantou-se e deixou o par de chinelos azuis por ali mesmo, sentindo o contato da grama contra seus pés. Ouviu mais um estranho barulho, vindo da mata, mas dessa vez nem ligou. Iria ao posto médico visitar Suzana com urgência e também ver se não tinha acontecido algum ferimento mais grave do que arranhões em decorrência do tropeço.

Continuou a caminhar, porém sentia a grama pinicar em seus pés e criar uma sensação completamente desagradável. Embora a garota não se incomodasse por pouca coisa e sempre tivesse sido muito forte, principalmente por fora, aquilo estava enchendo a paciência já esgotada há muito tempo de Amanda.

Acho que eles não se preocupariam de eu pegar um chinelo, sapato, tênis…

Então resolveu desviar um pouco da sua rota original em direção a um prédio que existia nas redondezas, onde Amanda sabia que teriam roupas e calçados, já que ali eram armazenadas as doações que chegavam ao acampamento militar. Assim que pegasse os calçados, retornaria á sua rota original. Então  pegou um pão da sua sacola e começou a comer.

XXX

Suzana permanecia deitada em uma maca branca, no hospital improvisado no interior do Sítio, com os olhos fechados.

A noite já tinha caído e ela era a única paciente presente ainda na tenda branca que servia de posto médico, ainda cuidando do futuro bebê que teria. Muitas vezes a mulher acabava pensando em como sustentaria a criança no futuro, e a preocupação tomava conta de seu ser, principalmente porque o sofrimento em Cabo da Praga parecia não ter um ponto final. Além disso, às vezes pensava no pai da criança, Casper ou como só ela chamava, Caleb.

A relação entre os dois nunca foi de efetivamente marido e mulher, e sim como de dois namorados rebeldes e escondidos do mundo, quase amantes. Embora Caleb não demonstrasse, Suzana tinha certeza que no fundo ele gostava dela, já que a ex-prostituta acabava por ter certas regalias no Complexo. Caleb era uma pessoa muito difícil de lidar, sempre frio e calculista, e tinha uma clara mania de grandeza, mas Suzana conseguia do seu modo.

Repentinamente, abriu os olhos, ao ouvir gritos vindos do lado externo. Mais alguns sons bizarros, que Suzana identificou como se jogassem objetos contra o chão e então, passos.

Ela se levantou da sua maca, e começou caminhar lentamente até a entrada da sala improvisada onde estava e observou ao redor. Eram cerca de quatro salas para cada lado, separadas por panos brancos, e o teto da tenda também era alvo assim como o seu interior, sendo que a sala de Suzana era a última. No meio, existia um corredor.

Todos completamente desertos.

Então Suzana parou e pensou. Deveria continuar deitada na sua maca, ou sair dali o mais rápido possível? Mesmo tudo estando quieto no momento, tinha ouvido passos, que pareciam vir de dentro da tenda…

Suzana começou a caminhar no corredor em direção á saída, motivada pela curiosidade, que contrastava com o medo que também sentia. Quando repentinamente parou na metade do caminho, ao ver um líquido rubro saindo da sala seguinte, pouco antes da entrada da tenda.

Olhou para a mesma e se encheu de puro horror. Um dos médicos que cuidava da moça jazia sobre o chão, com uma tesoura encravada em seu peito e muito sangue caía do ferimento. Se virou na outra direção e então viu mais dois enfermeiros mortos. Um deles estava caído sobre a maca, com a garganta cortada enquanto a outra tinha um grande furo no meio da testa, de onde caía massa encefálica e sangue, enquanto uma figura de cócoras ficava de costas para a moça.

Um infectado.

Repentinamente, Suzana ouviu um trovão vir do nada, e ela acabou gritando por conta do susto, chamando a atenção da figura, que se virou, observando sua presa.

Os olhos avermelhados pareciam saltar das suas pálpebras, e vários cortes existiam em seu rosto, que outrora deveria ser bonito. Os cabelos negros estavam bagunçados e alguns caíam com sobre o rosto, como se no passado a pessoa usasse um topete e este tivesse sido destruído quando perdera a sanidade.

A sua boca espumava, e parecia que ela segurava algo entre os dentes, comendo como um animal. Quando Suzana percebeu melhor, viu que era o coração de um dos médicos. Muito sangue escorria da sua boca e empapava suas roupas já sujas e encardidas.

E ela conhecia o infectado.

— Casper? – Ela falou, cheia de horror, antes que ele rosnasse, em busca da sua próxima presa.

XXX

Arthur fechou a porta do seu quarto com força, completamente apreensivo.

O rapaz estava vivendo nos alojamentos do Sítio, onde cada pessoa tinha direito a um quarto, que eram quase como celas. Um pequeno espaço pessoal com uma janela e a porta, uma cama e um lugar para guardar os pertences e roupas. O banho e as refeições eram conjuntos, existindo um banheiro para cada corredor e um grande galpão servindo de refeitório. Heloísa estava instalada no quarto ao lado do homem.

Mas era exatamente o motivo de sua preocupação. Afinal, ela estava a um passo de descobrir o segredo que ele guardara. Uma hora ou outra ela descobriria, e Arthur preferia que ele fosse o porta-voz da verdade.

Caiu na cama, levando as mãos á cabeça e jogando os tênis que usava no pé do outro lado do quarto. Depois ouviu um som estranho, e percebeu que o tênis tinha voltado. Olhou na direção de onde tinha jogado e viu um homem de terno preto segurando uma maleta nas mãos.

— Olá Arthur. – O homem falou. – Desculpa por isso, precisava falar com você a sós. – Ele se aproximou e estendeu a mão. – Meu nome é Yuri. Hórus me mandou aqui para tratar de alguns assuntos.

— Hórus? Sim, sim. – Ele falou, sentando na cama.

— Bem, ele disse que devia o pagamento pelo o que fizera, ajudando a destruir o Complexo com o incêndio e também fornecendo informações importantes para tirar Casper da jogada. – Ele sorriu, discretamente, antes de abrir a maleta. Arthur não tinha combinado qualquer quantia de dinheiro, e acabou se aliando a Hórus na verdade como uma forma de parar o irmão, que tinha praticamente enlouquecido com a ideia fixa do Expurgo. Então ele olhou para aquelas notas e depois disse: – Não quero esse dinheiro, Yuri.

— Mas por que não? – Ele perguntou surpreso.

— Eu não quero tocar em algo que somente apareceu pela morte de vários inocentes. Esse dinheiro está manchado de sangue e cinzas.

— Curioso que quando você causou o incêndio do Complexo, não pensou nisso, não é Arthur? – Yuri falou. – Seu irmão soube que você foi o causador da ruína dele?

— Não sei o que aconteceu com Casper. – Ele respondeu, mas a fala de Yuri havia o atingido em cheio. De certo modo, o outro tinha razão. – Eu só quis parar o meu irmão, ele estava indo longe...

Mas aí a vida de Arthur simplesmente desmoronou e sua máscara que tanto se esforçara para manter caiu em poucos segundos, quando a porta abriu, revelando uma Heloísa chocada com tudo o que acabara ouvindo e também com a visita a Arthur.

— Casper, Caleb Fernando Braga. E Arthur Fernando Braga, o irmão que nunca foi inocente como eu pensei.

— Helô! Eu ia te contar daqui a pouco… – O rapaz pulou da cama em direção a mulher, mas que estava enfurecida.

— Daqui a pouco, Arthur? Quando é o seu daqui a pouco? Porque o meu daqui a pouco já foi. Há um mês. – Heloísa falou. – Isso explica também a foto do Casper no seu quarto… E explica também quem foi que me apagou naquele dia. Eu sabia demais, não é?

— Heloísa, eu posso te explicar tudo e…

— Não precisa me explicar nada. Eu já entendi perfeitamente. Pegue esse seu dinheiro e vá, escape do Sítio. Mas vá pra bem longe de mim. Eu estou cansada de ser feita de trouxa.

Heloísa se virou e começou a andar na direção ao seu quarto, mas Arthur não se conteve. Tinha de contar tudo para a mulher, para tentar entender o que fez…

— Heloísa, mas você não sabe a história toda! – Ele falou, antes da porta se fechar em sua cara.

Porém para o seu espanto, a porta abriu logo depois.

— Então me conte a história completa. – Ela disse, secamente.

XXX

Amanda mordiscou o pão com força.

Ela comia num misto de resignação e fúria. Encarava o nada com as sobrancelhas baixas, os olhos amendoados concentrados nas lembranças. Estava farta dos últimos dias, farta de vivenciar aquilo, farta de ter que se precaver. Amanda nunca foi uma garota de limites, verdade. Ela gostava de infringir leis, passar do ponto, gritar à vontade, ser livre. Mas viver numa cidade repleta de caos, cerceada por pessoas infectadas por um vírus maldito, numa cidade maldita... Não era uma escolha, ela não tinha a opção de sair dali. Até teria se não tivessem a esquecido no cais.

Naquela noite, Amanda enfrentou seus monstros internos como: o medo, a triste insegurança, a paranoia. E agora, só de pensar que ficar sozinha lhe rendia um passo à mais na lista da morte, seu coração estremecia, seus dedos congelavam e sua cabeça doía. Amanda descobriu da pior forma que as pessoas criam seus próprios monstros. Elas o alimentam com seus próprios sentimentos ruins, até que eles tenham tamanho suficiente pra sobressaírem sobre elas e tomam-nas para si. Os monstros engolem as pessoas, assim como o terror engoliu Cabo da Praga.

Assim como, mais cedo ou mais tarde, a morte engoliria Amanda.

Ela nem notou quando o tempo fechou abruptamente e uma chuva torrencial começou a cair do lado de fora, sem precedentes.

A negra suspirou de maneira pesada. Estava sentada no canto de uma edificação de cinco andares, no terreno do Sítio. Mais uma vez estava sozinha, acompanhada apenas do barulho da chuva, do silêncio incômodo dentro do prédio e de uma sacola de pães quase vazia. Quis um pouco de tempo para refletir e comer em paz sem que nenhum morador daquele acampamento caipira pudesse importuná-la. Amanda sentia saudades de roubar comida, de viver entre o perigo, de sentir a adrenalina sobrecarregando seu corpo desesperadamente. Ela sentia-se bem tendo que enfrentar suas barreiras, aquilo lhe dava força. Mas ela aprendeu a conviver também com o fato de imporem limites a ela, de não poder simplesmente ignorar as regras e mandar todos se foderem. A cada dia, ela conhecia um pouco mais de si mesma. E lá no fundo, por mais que não demonstrasse, se sentia feliz por isso.

Amanda não era uma nova garota, mas tinha interesse em deixar a velha Amanda para trás aos poucos. Principalmente porque não poderia viver o suficiente para aproveitar seus novos conceitos, tendo tantos perigos rodeando-a. Um leve pensamento em Bartolomeu deixou seu corpo anestesiado por breves segundos. A última lembrança dele lhe dando as costas.

Bufou mais uma vez e engoliu o último pedaço de pão.

Até que quase engasgou com um grito estridente do lado de fora. Levantou-se num pulo e conferiu por uma brecha entre duas madeiras sujas na janela o que acontecia lá embaixo. A movimentação era constante, alguns gritos surgiram em seguida, a ideia de que o Sítio nunca fora seguro vagou novamente pela sua mente. Seus músculos enrijeceram e a garota encarou a sacola de pães jogada no canto úmido. Olhou mais uma vez na direção do térreo e avistou algumas pessoas correndo.

Amanda, respira. Não entra em pânico. Disse a própria voz dentro da sua consciência.

Então, ao longe, a negra pode escutar uma porta bater. Seu coração começou a acelerar. Se não estava enganada, aquele barulho vinha do andar de baixo. Amanda se encontrava no segundo andar da pequena edificação e se amaldiçoou por ter ido para lá sozinha, graças aos militares por terem colocado na cabeça dos civis de como o Sítio tinha segurança suficiente para impedir a entrada do vírus. E de infectados, principalmente. A única coisa em que Amanda passou a acreditar piamente era de que aquele lugar não era nada impermeável. Mas, ela não estava tão preocupada com o vírus naquele instante, e sim, com o fato de não saber se os outros condenados pela lista da morte estavam vivos ou mortos para lhe dar a vez de sentir o gosto amargo da morte.

A garota decidiu agarrar a sacola de pães contra o peito e, sem ter como sair pela única janela do cômodo, decidiu dar o fora daquele lugar e tentar escapar, antes que descobrisse da pior forma a fonte do barulho. A negra chegou no corredor com o coração célere e a garganta seca. Usava um tênis velho, um dos itens que encontrará vasculhando o prédio por calçados e vestimentas. Ele rangia pelo cimento, enquanto a garota andava pelo corredor frio de um tom alaranjado inteiramente desbotado.

Amanda precisava ser cautelosa, a última coisa que desejava era ser violentamente morta pelos infectados raivosos. As infiltrações dos canos faziam pingos brotarem no corredor. O bater das gotas criavam uma sinfonia macabra para o ambiente, o que a negra passou a ouvir além de seus passos e da chuva caindo ao longe. Engoliu em seco, os lábios já ficavam ressecados.

Amanda foi se aproximando do que seria uma escadaria de cimento e segurou no corrimão enferrujado. Olhou para baixo inclinando o corpo e tudo começou a acontecer em cadeia. A garota virou o rosto para o longo corredor a tempo de ver tudo ocorrer.

As lâmpadas do final do corredor, que estavam apagadas, acenderam, uma a uma, em sequência. Amanda franziu o cenho e segurou firme o corrimão. Foi aí que com a chuva, um vento forte abriu a janela furiosamente e as portas se bateram simultâneas na parede. Agora, Amanda conseguia ver as árvores e a chuva, a paisagem cinzenta. Sem esperar, um raio clareou o local, e o rosto de Amanda consequentemente. A negra saltou com o barulho e comprimiu os olhos, abaixando-se e ficando de cócoras próxima da escada.

As lâmpadas começaram a explodir no final do corredor e a balançarem, numa reação em cadeia que assustou a garota. Amanda ergueu-se e se afastou o máximo das lâmpadas, desequilibrando e caindo na escadaria. Seu corpo rolou pelos degraus, até ser parado por uma parede. Por pouco não bateu a cabeça. O vento passou pelo seu rosto de maneira abrupta e a garota arregalou os olhos. Ela pode sentir a espinha gelar. Essa é a sensação da morte chegando?

De repente Amanda foi recepcionada por uma horda de infectados, que vinham correndo no andar de baixo, rumo às escadas. A negra tratou-se de levantar, tropeçando na sacola e deixando que os outros pães rolassem pelos degraus. Os infectados avançaram e passaram a segui-la, entre grunhidos e rosnadas ensandecidas. A garota começou a subir a escadaria de dois em dois degraus, tomada pela adrenalina perpassando seu corpo.

Amanda tentava controlar a respiração, enquanto procurava não tirar os olhos dos degraus. Ela não queria morrer assim e faria de tudo para a morte não a levar. Até que deu de cara com um cano jogado em um dos degraus úmidos. Tomou-o em mãos e jogou os cabelos crespos, parando em um dos lances de escada e aguardando os infectados. Amanda respirou fundo e segurou a barra firmemente. Pode sentir algum rastro úmido e viscoso pela barra, mas não se importou.

Quando o primeiro grupo dos indivíduos - com as feridas pulsando na pele - chegou até ela, a negra chutou dois deles, que rolaram por cima dos demais. Porém, eles eram rápidos e ergueram-se no segundo seguinte. Amanda previu aquilo, então a negra girou o corpo e o cano de ferro, para assim, atingi-lo no rosto do primeiro infectado. O sangue espirrou na parede e o corpo repleto de baba, feridas e secreção tombou na direção de dois deles, os três caíram para fora das escadas, encontrando o chão lá embaixo. Amanda ouviu seus ossos estalarem num baque molhado. Sorriu.

Satisfeita com o que fez, atingiu mais dois deles no meio da cabeça. Eles grunhiram em resposta e os crânios afundaram num som crocante. A negra gritou ao chutar mais um, que quase arranhou seu braço. Com os cabelos volumosos sobre o rosto, Amanda resolveu subir mais degraus, sem olhar para trás, com o cano ainda em mãos.

Acima da moradora de rua, as lâmpadas também estouravam. Era o espetáculo exclusivo da morte, que vieram buscá-la. As faíscas dançavam sobre sua cabeça, enquanto ela se abaixava rapidamente para não ser contemplada com um choque. Amanda não daria o braço a torcer, lutaria até o fim.

— Você quer me ter, filha da puta? FAÇA SEU MELHOR! — Amanda berrou, enquanto corria nas escadas.

Os infectados atrás da garota tentavam alcançá-la a qualquer custo. Despejavam a baba pútrida pelo canto dos lábios e sua raiva causada pelo vírus o fizeram se esbarrar ao mesmo tempo em que esticavam os braços na tentativa de agarrar os cabelos da negra. Amanda teve força para chutar mais um deles, que grunhiu e tombou para trás. Os demais, vestidos em trapos rasgados, continuaram correndo com uma velocidade absurda.

Amanda suava frio, suas pernas tremiam e a possibilidade de morrer ali só aumentava. O cano de ferro escorregava aos poucos de suas mãos. A moradora de rua queria se agarrar às últimas recordações da família, mas o momento não dava brechas para o pesar. Amanda estava sobrevivendo, como nunca lutou por sua vida antes. Provava para si mesma como o mundo era uma imensa selva de pedra, onde existiam caçadores e caças, predadores e presas. Se encaixar em uma delas garantiria se viveria ou morreria. Se estaria somente existindo. E Amanda não queria só existir. Acima de tudo, queria viver e poder fechar as feridas abertas.

As luzes das escadarias pararam de estoura e um vento lambeu a nuca da negra, que se arrepiou de imediato. Amanda chegou aos últimos lances de degraus completamente ofegante. Atrás dela, um grupo de infectados dava passos largos e marchavam como verdadeiros predadores atrás de sua presa.

Acostumada a ser uma predadora… Agora, Amanda não passava de uma presa. Uma garota perdida, sem ter a mínima ideia de como se livrar de uma dúzia de criaturas insanas.

A morte conseguira uma tropa de infectados para eliminar Amanda, e caso eles não o concluíssem, a própria morte terminaria o serviço sujo.

Pela primeira vez no meio de tanta adrenalina, Amanda quis chorar, mas um trovão retumbou no céu e o clarão de um relâmpago iluminou completamente o saguão de frente para as escadas. Nesse momento, a jovem pensou ter visto uma sombra mexendo-se vertiginosamente na parede, como um vulto. Foi aí que, no último degrau, a última lâmpada estourou.

Com o susto, Amanda gritou.

XXX

Trilha sonora da cena:

[https://www.youtube.com/watch?v=YvGp4yA2NgQ]

Scars we carry

Carry with memories, memories burned by the dark

Try to see clearly

Tears we bury

Bury in vain cause the pain got us falling apart

Try to see clearly

O outro grupo de sobreviventes seguia subindo o túnel que agora entrava na mais profunda escuridão, após os últimos resquícios de iluminação terem passado. E naquele mesmo instante, Mia contava ao grupo que tinha ficado preso na sala dos humanoides como eles chegaram lá e conseguiram resgatá-los.

— Nós estávamos descendo pelos túneis em direção á praia, como tínhamos combinado depois que resgatamos o Fred. – Ela comentou, ajudando Gabriel, que ardia em febre, a caminhar. – Mas no meio do caminho, existia uma bifurcação e acabamos seguindo pelo caminho errado.

— Naquele momento, eu tive um lapso estranho de memória. – Bianca comentou. – Esses túneis subterrâneos são muito parecidos. Mas de certa forma, deu certo. Quando chegamos a uma determinada altura, vimos vários guardas assistindo algo através da janela. E aí percebemos que eram vocês.

— Mas como deteram os guardas e principalmente, aqueles monstros? – Erick perguntou, curioso.

Now let the healing start

The fires out of guns

We keep it in our hearts

We're like a thousand suns

— Pode deixar, eu falo. – Fred comentou, enquanto seguia junto com Alfinn ao seu lado, observando o irmão atentamente e ainda de forma admirada, já que o meio-irmão possuía algo diferente agora. E de fato. Diante das dúvidas de Fred, Bianca havia explicado ainda de forma superficial os efeitos do Sangue dos Deuses que ele recebera. – Pode ser bizarro, mas consegui isso só com a força do meu pensamento. Eu pensei que aquela estante poderia voar na direção do guarda e isso aconteceu. Um minuto depois, estavam todos no chão.

— E você fez isso com aqueles monstros também. – Sabrina falou, e Fred confirmou com a cabeça. A gótica acabou aceitando com naturalidade o que Fred falou, já ouvira falar tanto do sobrenatural que hoje nem se espantava mais com isso, ao contrario de Mimi, Erick e Elly, que estavam decerto um pouco surpresos.

— Definitivamente estamos na Ilha do Arraial. – Elly comentou. – Mas que bom que nos encontramos. Próxima vez vamos pela esquerda.

— Espero não ter próxima vez na verdade. – Mimi respondeu. – Só quero sair dessa ilha.

Know they're cutting you deep

Feel the scars in your sleep

What didn't kill us made us stronger

— Gabriel, o que você tem? – Alfinn perguntou, já que o garoto não tinha ouvido a conversa entre Mia e Gabriel anteriormente. Na verdade, nem Bianca nem Fred sabiam também, muito menos o novo grupo.

Gabriel respirou ofegantemente, e então reuniu suas forças para falar:

— Não quero assustar ninguém, mas provavelmente vou fazer isso. Me desculpem desde já. Mas acho que eu estou com dengue, todos os sinais indicam isso.

A reação de todos foi de basicamente choque. Afinal ninguém esperava que isso acontecesse, principalmente porque Gabriel estava fora da lista da morte, e a impressão que se passava era de que os que estavam fora dela permaneciam imunes á morte.

Stories left on our skin
Wear them with everything
What didn't kill us made us stronger

— Preciso de água. – Gabriel comentou, sentindo a dor cada vez que falava. – Dengue desidrata muito o ser humano, e mesmo sem isso, já estamos há mais de um dia sem contato com bebidas e comidas.

— A última vez que comemos foi na cela. – Mia falou. – O que parece ter sido um milhão de anos atrás.

— Bianca, você consegue achar um local com água nessa ilha? Claro, potável. Porque salgada a gente já sabe que tem. – Erick falou.

— Sábias palavras, poodle. – Elly comentou, e dirigiu então a pergunta á Bianca. – Mas você tem acesso aos mapas de fora da Pyramid?

Now let the healing start

The fires out of guns

We keep it in our hearts

We're like a thousand suns

Ooh, yeah, every day, step by step, we dare to love again

And if we lose our grip, meet you at the end

— Eu já vi mapas da ilha, não me lembro muito bem, mas tem um local chamado Cais de Osíris, onde chega os mantimentos e suprimentos para a Pyramid, e próximo existe um lago na mata, com água doce e acredito que sem poluição. Pode não ser a ideal, mas ajuda.

— Sim, eu já fui lá. – Fred falou. – Meu pai trabalhava aqui e me levou lá uma vez. É quase um oásis nesse caos.

— Mas e os outros? Ainda precisamos encontrar com eles na praia. – Sabrina alertou. E nesse mesmo instante, veio na mente de Fred a lembrança de Kaíque. Onde ele estaria agora?

— Se estivermos na direção certa, provavelmente o local onde combinaram é próximo do Cais. – Bianca comentou. – O bondinho não é?

Feet don't fail me now

What didn't kill us made

What didn't kill us made us stronger

Elly, Mimi e Sabrina foram as únicas a confirmar com a cabeça já que os outros sobreviventes não tinham ido parar na região do antigo bondinho com a explosão do Marine I.

O grupo então continuou seguindo pelo túnel até a escuridão absoluta dar lugar á noite estrelada que se erguia como um grande manto no céu.

Scars we carry

XXX

No quarto de Heloísa, a porta permanecia fechada. A mulher estava sentada em sua cama, esperando Arthur falar. Já este estava sentado em uma cadeira giratória, em frente á mulher.

— Comece. – Ela disse.

Arthur respirou profundamente e falou:

— Eu e Caleb somos irmãos, ou éramos, não sei. Ele tinha 23 e eu 26, somos jovens ainda. Quando tudo começou, Caleb era surfista, tinha 19 anos. Há muito tempo atrás.

— Ele conhecia Eduardo Santiago? – Heloísa perguntou.

— Sim. – Ele respondeu. – Eram amigos. Fiquei sabendo que ele morreu, não foi?

— Sim. 2014. – Heloísa falou seca. – Mas continue. Como começou toda essa farsa sua e como Caleb virou Casper?

— É uma longa história.

XXX

2011.

Ubatuba, Litoral de São Paulo.

Eram cerca de 2 da manhã e Arthur estava no quarto que dividia com Caleb, assistindo a um filme que passava na televisão, esperando a chegada do irmão. Caleb tinha ido com sua equipe de surfe para uma etapa da competição nacional de surfe, que acontecia na cidade litorânea, famosa por ser a capital nacional do surfe. Naquela noite, porém, a equipe tinha saído para se divertir na noite, mas Arthur decidira que não iria. Não era a primeira vez que acompanhava o irmão mais novo nessas disputas, e era também o único da família que apoiava o irmão, brigando muitas vezes com os pais por conta disso.

Arthur acreditava que Caleb encontrara finalmente algo que gostasse, e isso era claro quanto á sua dedicação. Porém em sua casa, as discussões eram constantes, já qu a carreira que os pais planejaram para Caleb ou Arthur não se concretizou. Enquanto Caleb era surfista, Arthur acabara de se formar na faculdade, mas estava sem emprego no atual momento.

Mas o que preocupava Arthur de fato era que Caleb estava se envolvendo cada vez mais com o problema das drogas, sendo que desde o início da adolescência ele já tinha esse fardo para resolver, mas a coisa se intensificava muito. Ele temia o que poderia acontecer.

Repentinamente, a porta do quarto abriu e Caleb apareceu correndo, na direção de sua mala, completamente afobado.

— Caleb? O que aconteceu? – Arthur perguntou.

— Eu não tenho tempo pra responder agora. – Ele falou. – Arruma suas coisas, precisamos dar o fora daqui.

— Como? – Arthur perguntou. – Explica isso direito.

— Eu não tenho tempo. Arruma logo, merda! – Caleb falou, quase gritando.

— Caleb, que merda você fez agora?

— Puta que pariu Arthur! Você é surdo ou só se faz? Faz o que eu tô mandando!

— Caleb, eu só vou arrumar as coisas quando você explicar o que aconteceu. – Ele respondeu.

Caleb suspirou com força, mostrando toda a sua impaciência e balbuciou algumas palavras chulas com os lábios antes de dizer:

— Eu fiz merda, tá legal? Meti os pés pelas mãos com as coisas do…

— Drogas? Caleb, tu tá metido com tráfico?

— Pensei que soubesse. Mas sim. A questão é que tô sendo perseguido e descobriram que eu estou aqui. – Caleb falou. – Precisamos ir embora ou vão acabar comigo e com você. Eles não tem piedade.

— Pra casa?

— Não existe mais casa. – Caleb respondeu. – Vamos ter que começar uma vida nova.

— Caleb, eu não posso ir nisso com você. É arriscado demais e…

— Prefere morrer?

Arthur parou por um instante e engoliu em seco. O irmão atingira um ponto fulminante nele. Estava em perigo, segundo o que ele falara. Embora Arthur conhecesse muito bem a lábia de Caleb, e como ele tinha o poder da persuasão e da mentira, percebeu que dessa vez era tudo verdade.

— Não.

— Então arruma suas coisas.

XXX

— Mas e aí? O que aconteceu, afinal? – Heloísa perguntou.

— Saímos com só algumas coisas sem rumo. – Arthur comentou. – Parece loucura e realmente foi. Onde que alguém embarcaria com o irmão em uma viagem sem volta? Mas eu precisava proteger ele. E também estava com medo, muito medo do que poderia acontecer. Fomos dados como desaparecidos. Depois de um tempo chegamos a Cabo.

— Entendo. Mas o Casper voltou a mexer com tráfico. Eu via. O que aconteceu até lá?

— Chegamos ao Complexo, ele ainda estava começando e ninguém ligava para o mesmo. Mas Caleb já estava pensando grande, deveria ter percebido como a cabeça dele era louca. Ele precisava de tratamento, mas nunca o levei pra lugar nenhum. Caleb era um psicopata. Mas acabamos combinando que eu agiria como um desmemoriado, um tolo, enquanto ele tentaria cavar um espaço entre os grandes do Complexo.

— O que você tinha na cabeça pra aceitar isso, Arthur? Você era burro?

— Sim, foi burro. Mas a lábia dele, combinada com o que ele tinha construído, transformar o Complexo em algo muito maior era uma ideia tentadora. E as mentiras foram se tornando verdades e Caleb tinha um novo nome.

— Casper.

— Pra ninguém o reconhecer, assim como eu era Desconhecido ou apenas D. Casper veio de um filme que ele gostava muito, mas que acho que ele nunca pegou o real sentido dele. Kids. – Ele fez uma pausa. – Passaram-se os anos e tudo se estabeleceu dessa forma que conhecia. Casper virou um grande traficante, e o que permitiu isso foi a falta de empatia com as pessoas. Ele fazia contratos e aumentava a renda sem ligar de passar por cima dos outros por isso. Quando percebi, era tarde demais. Então eu mandei uma carta para uma pessoa, que eu vi na televisão que queria ajudar as pessoas necessitadas.

— Era eu. Você me mandou…?

Arthur confirmou com a cabeça.

— Eu esperava que o poderio dele diminuísse de alguma forma, e tentei falar com ele, mas Caleb foi tomado pelo poder de uma forma absurda. E então, aconteceu o vírus e a porra do Expurgo. Eu decidi que era hora de parar, e acabei procurando quem não devia.

— Era esse homem da maleta?

— Não. Alguém importante e influente, para tentar acabar com a megalomania do meu irmão. Mas tudo tem um preço, e o preço foi destruir o Complexo. Se eu pudesse voltar atrás e tentar impedir isso o que fiz, eu o faria. Hoje está tudo destruído, e agora chegou o pagamento, que eu nunca quis. Eu só quis parar Caleb.

— Eu não sei o que dizer Arthur. – Heloísa falou. – Mas por que me salvou?

— Eu não iria deixar você morrer no Complexo, Helô. Não você. Tive que apagar você naquele momento com muita dor, mas não podia você descobrir a verdade antes de tudo acontecer. – Ele falou.

Heloísa permaneceu estática, e dessa vez completamente sem palavras. Não sabia como reagir diante do relato que Arthur contara pra ela. Ele poderia ser um assassino, mas ao mesmo tempo uma vítima também da loucura de Casper, e percebia que a culpa transpassava o seu ser, mesmo que não fosse culpado. Ainda estava tentando formular uma resposta quando ouviu o alarme disparando pelo prédio, através dos altos falantes instalados nos corredores. Ambos se levantaram e correram até o corredor, quando a mensagem do sargento ecoou:

— Todos os grupos, por favor, dirijam-se ao refeitório central urgentemente. Estamos tendo alguns problemas, tudo será resolvido, porém precisamos que todos se encontrem no galpão principal. Quando chegarem lá, terei algumas notícias para passar a vocês.

Mas o que o sargento Moura não contou era que o problema era muito maior que imaginavam. Recebera um pouco antes um recado da Aeronáutica brasileira dizendo que os habitantes do Sítio seriam resgatados ainda naquela noite e levados ao continente. Mas o que acontecera logo depois ligou o alerta máximo no acampamento.

Uma horda de infectados tinha entrado no Sítio.

XXX

Trilha sonora da cena:

[https://www.youtube.com/watch?v=3YxaaGgTQYM]

A chuva ainda caía torrencialmente lá fora.

Uma porta foi a primeira coisa com a qual se deparou no saguão do quinto andar da construção. Empurrou a porta marrom e jogou-se para dentro do cômodo com o coração saindo pela boca. À primeira vista, uma cozinha desativada. Parecia que não era utilizada há algum tempo, pelo que a moradora de rua pode constatar ao parar por pouquíssimos segundos para respirar. Ela tinha ganhado uma distância considerável dos infectados, de modo que conseguiu fazer isso sem que eles a pegassem.

How can you see into my eyes, like open doors

Leading you down into my core

Where I've become so numb, without a soul

My spirit's sleeping somewhere cold

Until you find it there and lead it back home

 Esbaforida e vermelha da corrida nas escadas, Amanda apoiou-se em um balcão de mármore para recuperar o fôlego. Na base do balcão, sangue seco. O cômodo fedia à comida estragada e mofo. Ela não ouvia os infectados do lado de fora, mas não confiaria de que eles pudessem ter passado direto no saguão ou ido embora. A morte era traiçoeira demais e a negra passou a acreditar veementemente nisso. Um insight fez com que a jovem utilizasse um grampo no bolso da calça surrada para prender os cabelos. A partir de então, Amanda passou a encarar com desconfiança todo o cômodo.

A negra acabara de notar algo.

Talheres jogados no balcão, latas de mantimentos abertas, pedaços de carne pendurados na beirada do balcão, uma garrafa de água ainda úmida caída no chão. A garota logo percebeu que aquela cozinha não estava tão desativada assim e alguém esteve ali pelo menos alguns minutos antes dela. Como se não bastasse, Amanda aguçou os sentidos e bastou um pouco mais de sensibilidade olfativa pra perceber o cheiro de gás que se instalara dentro do lugar.

Boa tentativa, senhora morte.

Sem pestanejar, a moradora de rua girou sobre os calcanhares, deu meia-volta e marchou de volta à porta. Aquele cenário aparentava estar extremamente montado e esquematizado para matá-la, de modo que aquilo a assustou internamente. Olhou pela portinhola de vidro da porta e analisou o saguão parcialmente escuro.

(Wake me up.)

Wake me up inside.

(I can't wake up.)

Wake me up inside.

(Save me.)

Call my name and save me from the dark.

De repente, um clarão vindo do lado de fora iluminou o corredor e Amanda viu os infectados se aproximarem como num flash. Amanda segurou na maçaneta e impôs força com seu corpo, para que as criaturas não entrassem. Rapidamente, ela puxou uma cadeira e prendeu-a contra a fechadura, impedindo-os de abrir a porta. Eles começaram a bater violentamente e a negra caiu para trás, sentada. Arrastou-se rapidamente para detrás do balcão, olhando para trás algumas vezes.

Em cima do balcão, uma das latas de mantimentos começou a rolar sobre o mármore, na direção de um faqueiro com algumas facas empoeiradas.

— Vão embora! — Ela gritou.

Amanda continuou abaixada, indo para detrás do balcão. Suava feito um suíno. Lá detrás, seus olhos brilharam no momento em que a garota esbarrou levemente em algo e se deparou com uma caixa de fósforos. Como se uma lâmpada acendesse sobre sua cabeça, a negra levantou com pressa. Ao fazer isso a lata de mantimento bateu contra o faqueiro, que se desequilibrou e caiu para o lado, jogando as três facas para fora do balcão. Uma delas atingiu raspando o braço da negra que deu um gritinho com o susto. Um pequeno corte se abriu e o filete de sangue desceu. As outras duas facas caíram exatamente onde Amanda estava segundos antes, em um tilintado metálico.

(Wake me up.)

Bid my blood to run.

(I can't wake up.)

Before I come undone.

(Save me.)

Save me from the nothing I've become.

— Vai ter que fazer melhor do que isso! — Suada, a garota deu um riso nervoso.

Amanda tirou a blusa surrada e ficou apenas de sutiã. A negra amarrou o tecido em volta do rosto, deixando apenas seus olhos descobertos. Ela não inalaria aquele gás, mas ele lhe ajudaria no seu plano.

Pegou a caixa de fósforos do chão, ouvindo as batidas freneticamente ferozes na porta. Os grunhidos característicos ainda eram audíveis. A ideia já estava formada na cabeça da garota, ela encarou rapidamente uma janela que ficava no cômodo e dava visão para fora. Então, Amanda correu até a porta e empurrou a cadeira, que tombou. Os infectados começaram a adentrar, alguns caindo por cima dos outros.

A negra não perdeu tempo e correu como nunca na direção da janela. Amanda estava pouco se importando se chovia no Sítio e se os trovões rugiam no céu, sua única vontade era fugir dos infectados e da morte, já que ambos predadores tinham como ela sua presa do dia. Até que Amanda sentiu o puxão. Um dos infectados agarrou seu pé e fez desequilibrar. A negra assustou-se e tombou para frente, deixando a caixa de fósforos cair e batendo o queixo no cimento. Grunhiu, reclamando da dor. Suando frio, com os cabelos úmidos e a pele suja, Amanda tentou chutar seu rosto, na tentativa de quebrar seu pescoço. O infectado era seguido pela sua horda. Eles rosnavam como se tivessem conseguido o que tanto queriam. Mas ela não se daria por vencida. Amanda não era uma perdedora, ela procurava vencer sempre na vida. A rua só revelou-a o quanto poderia crescer e mostrar o quanto era forte e persistente. Uma verdadeira garota de chumbo.

Amanda só precisava acordar.

Bring me to life.

(I've been living a lie/There's nothing inside.)

Bring me to life.

Frozen inside without your touch,

Without your love, darling.

Only you are the life among the dead.

A garota olhou para trás, com o rosto escondido pelo tecido da blusa e mirou na face do infectado para no fim, jogar seu pé para trás com toda a força e conseguir acertar o rosto da criatura. Sua cabeça virou cento e oitenta graus, num estalo crocante e molhado. O infectado soltou seu tornozelo, e assim, Amanda conseguiu desvencilhar-se e continuar sua corrida até a janela. Ela tinha de ser rápida, porque quase uma dúzia de infectados ainda corria atrás dela. Ela sentia a cada passo que estava longe de se salvar, mas não cederia jamais. A morte teria que doar tudo de si, assim como Amanda estava disposta a fazer para ter sua vida de volta.

Já que morrera no dia em que sua família fora brutalmente assassinada.

Amanda já estava bem perto, conseguia ver a chuva, conseguia ver sua possível redenção. Chegou até a janela e abriu-a rapidamente. Dois infectados conseguiram alcançá-la. A negra gritou e girou o cano de metal que segurava. O objeto zuniu, cortando o ar ligeiramente. A base do cano reluziu e atingiu os olhos e a cabeça de ambas criaturas, que tombaram para trás. Caíram no chão e pararam de debater-se. Só aí Amanda percebeu sua barriga suja com respingos do sangue dos bichos. Ao retirar a blusa do rosto para limpar o rastro de sangue no abdômen, a negra acabou esquecendo-se dos demais e um grupo deles saltou contra ela.

A moradora de rua foi empurrada contra a janela com voracidade. E chocou-se contra o material de vidro e madeira numa velocidade surpreendente. Quando pensou que estaria em queda livre, o corpo da negra parou ao tombar na sacada do quanto andar. Seus ossos estalaram. O cano de metal que segurava decolou e caiu lá embaixo, dentro de um latão de lixo.

A chuva continuava caindo. Desta vez, o corpo da jovem, estirado sobre a sacada, estava absurdamente dolorido e o ardor abaixo das costelas impossibilitava Amanda de respirar direito. A garota puxava o ar com força, enquanto os pingos de chuva banhavam-na. Ela abriu os olhos molhados gradativamente, engolindo a água da chuva. O corpo não respondia como ela queria e foi difícil fazer com seus joelhos e cotovelam mexessem-se para ajudá-la a levantar. Então, a negra começou um choro copioso, desolado e desconsolado.

Amanda passara tanto tempo na escuridão, procurando uma luz, como um morto-vivo vagando pelo seu alimento, sem qualquer voz ou alma, que não parava para refletir se estava indo de volta à superfície ou apenas afundando. Sempre achou que apoiar-se na comunidade do Complexo fora uma solução inteligente e que um dia lhe traria de volta à vida. Amanda nunca pensou estar tão enganada. Não se arrependia de nada do que fizera, mas naquele momento, pensou estar se desfazendo.

A garota arrumou suas últimas forças para levantar e riscar o fósforo. Amanda assim o fez e jogou o palito. A pequena chama iluminou seu rosto, antes de cair dentro do prédio. Um, dois, três segundos.

(Wake me up.)

Wake me up inside.

(I can't wake up.)

Wake me up inside.

(Save me.)

Call my name and save me from the dark.

No segundo seguinte, Amanda abaixou-se e a grande bola de fogo explodiu e engoliu o andar. Os detritos decolaram para fora do prédio, pela abertura feita pela explosão. O barulho estremeceu a sacada de cimento. Amanda continuou chorando, enquanto outra explosão sacudiu o andar. A garota era encharcada pela chuva, de modo que a sacada passou a ficar escorregadia. O fogo consumia o andar lá dentro. Ela reunia suas últimas forças para arrumar um jeito de descer dali. A fumaça subia no céu, enquanto os trovões iluminavam a abóbada escura.

Até que um raio iluminou o rosto da negra. Amanda não viu o raio acertar uma árvore de frente para a edificação. O tronco ruiu e decolou na direção da sacada onde ela estava. A negra virou o rosto a tempo de ver a estrutura grande de madeira ruir e bater contra o lado da sacada onde ela estava. Amanda ainda tentou pular, mas o cimento cedeu e só aí, a negra se viu em queda livre.

(Wake me up.)

Bid my blood to run.

(I can't wake up.)

Before I come undone.

(Save me.)

Save me from the nothing I've become.

Uma queda rápida, mas ao mesmo tempo, ela pode sentir suas lembranças vindo. Seu momento havia chegado. Finalmente ela encontraria a luz para sua escuridão. Se não fosse pelo latão de lixo logo embaixo. A lateral do corpo de Amanda bateu contra uma das laterais de metal do latão verde. As costelas direitas da negra quebraram ao mesmo tempo, enquanto um lado de seu quadril se deslocou. Metade do corpo de Amanda caiu para dentro do lixo e ela cuspiu muito sangue. A negra ainda podia sentir a vida dentro de seu corpo, inclusive a dor lancinante e insuportável. Amanda deu um grito sôfrego e sua respiração ficou quase imperceptível.

A moradora de rua cuspiu mais sangue e de repente, a tampa do latão fechou. Um detrito da explosão havia caído sobre ela, fechando-a. A tampa caiu bem nas costas de Amanda, enquanto metade de seu corpo ainda estava lá dentro e a outra, pendurada do lado de fora. A tampa esmagou a coluna da negra, que gritou desesperada. Mas o sofrimento dela não acabaria ali.

Amanda desafiara a morte e agora era a vez da força sobrenatural mostrar tudo de si.

Uma terceira explosão começou a jogar os corpos chamuscados dos infectados de cima do quinto andar. Os corpos começaram a cair sobre a tampa do latão de lixo. Baques metálicos, molhados e surdos, enquanto a tampa esmagava cada vez mais o corpo da jovem. A moradora de rua continuou despejando sangue pela boca, dentro do lixo. A garota derramava lágrimas involuntárias e berrava por ajuda, sentindo seu corpo extremamente dormente.

Bring me to life.

(I've been living a lie/There's nothing inside.)

Bring me to life.

O último resquício de vida se esvaiu quando o último corpo chamuscado caiu da sacada e fechou a tampa por completo. Os tecidos de pele do corpo da negra não aguentaram e seu abdômen rompeu. Os órgãos escorregaram pelo latão. Metade do corpo da garota caiu para dentro, enquanto a outra metade ensanguentada tombou fora sobre uma poça de chuva.

XXX

Suzana estava desesperada, correndo no meio das árvores da mata próxima ao Sítio.

Quando Casper, ou que restou dele viu a moça, não hesitou. Não importasse todos os momentos que passaram juntos ou o seu filho que Suzana carregava no ventre, ele agora era quase um animal, a única coisa que o diferenciava era ainda andar com duas patas e não quatro. Se Casper nunca tivera uma mente senil o suficiente, agora tinha perdido qualquer capacidade de raciocinar e era movido apenas pelo impulso e pelo instinto,

E Suzana nada mais era do que carne fresca e apetitosa.

A mulher, porém não perdeu tempo, e saiu correndo da tenda médica, mas logo percebeu que era uma grande invasão. Infectados surgiam de todos os lados e para ela, não havia quase nenhuma escapatória. Mas não desistiria facilmente assim, e correu na direção da floresta, que ficava logo atrás da tenda médica.

Agora, ela andava pé ante pé, se escondendo em meio á vegetação e tentando chegar ao refeitório central, já que visualizara de dentro da mata que as pessoas estavam sendo levadas para o grande galpão central. Seu coração batia acelerado e cada passo que dava era mais um em direção á sua salvação. Porém, ela podia ouvir passos atrás dela, quebrando folhas secas sobre o chão e fazendo o barulho característico.

Não olhe para trás, não olhe para trás, não olhe para trás.

Mas o olhar acabou sendo inevitável, e quando ela percebeu, Casper corria atrás dela, a baba caía de sua boca quando rosnava, e muito sangue era visto no seu rosto, por conta de ter comido o coração de uma das enfermeiras. A chuva que começara a cair limpava um pouco a sujeira de seu rosto, mas mesmo assim, ele continuava abominável.

Rapidamente, Suzana pegou o que tinha a sua disposição e percebeu um pedaço de galho pontudo jogado sobre o chão. Poderia não surtir efeito nenhum, mas era melhor do que estar sem nada. Ela o pegou e voltou a correr pela margem da floresta, enquanto os grunhidos infernais do seu ex-namorado aumentavam gradativamente conforme ele chegava mais próximo dela. Enquanto corria, as lembranças de Casper enquanto ele estava sem o vírus passavam pela cabeça de Suzana, e ela precisava ser forte. Não era mais ele que estava ali, o Caleb que ela conhecia já tinha morrido no Expurgo, e somente o seu corpo permanecia correndo ali, movido apenas pelo instinto animal que no interior de todos os humanos ainda existia e tinha ficado claro para todos os moradores de Cabo da Praga, durante a infestação do Plaga Vírus.

Ela então ouviu um grito estridente e se virou mais uma vez. Estava em uma clareira, ela de um lado, Casper do lado oposto. E logo á sua esquerda, o galpão central se erguia e várias pessoas caminhavam correndo na direção dele, escapando da chuva e dos infectados.

Só teria uma chance.

XXX

Pelos corredores da Pyramid, o grupo caminhava a passos rápidos, mas sempre se escondendo e tentando não serem vistos. Ben sabia que seu pai provavelmente estaria atrás dele e a maioria dos guardas da corporação já sabia dos intrusos que escaparam das celas.

Eles viraram em um corredor e finalmente chegaram aos quartos onde provavelmente Ester tinha sido levada, mas logo perceberam que estava tudo vazio, assim como o corredor branco e iluminado, totalmente deserto.

— E agora? Cadê a Ester? – Alisson falou, desesperada. Tomara para si a missão de cuidar da garota após a morte de seu pai, mas as circunstâncias pareciam não ajudar. Alisson esperava finalmente encontrar Ester na ala que Ben dissera que tinha certeza que foi levada, mas parecia que se ela realmente foi levada para lá, depois foi para outro lugar.

— Ei! – Stein chamou o grupo. – Vejam isso.

Eles foram até o local onde o rapaz estava e viram que a porta de um dos quartos estava aberta. Do lado de dentro, existia um ursinho de pelúcia solitário. Na mão de Alisson, Srta. Fofura subitamente ficou animada, como se sentisse que sua dona estivera por ali.

— Tenho certeza que Ester esteve aqui. – Stein falou. – Mas se a porta esta aberta…

— Significa que alguém a levou pra outro lugar. – Thiago concluiu. – Ou ela saiu por conta própria.

— Temos dois caminhos. Retornar de onde viemos ou seguirmos reto por este corredor. – Renan falou. – É mais sensato prosseguirmos.

— Ester deve estar no fim deste corredor. – Benjamin completou.

Eles então retormaram a sua caminhada, seguindo pelo mesmo caminho que Ester passara anteriormente, e Alisson pensou.

Estamos chegando, Ester. Aguente firme.

Então Renan, que fechava o grupo junto com Stein, sentiu uma tontura estranha. Piscou os olhos, mas não esperava ver o que viu. Um grande avião que parecia ser militar, e que espalhava e carregava vários componentes químicos sobre o ar voando na direção de um prédio. Ele passou tão perto do homem que ele pode ver o seu número de fábrica.

180.

— Amanda. – Ele balbuciou.

Repentinamente, viu como se vários cacos surgissem do nada e muito sangue foi jorrado deles. Piscou novamente, completamente espantado com a visão que acabara de ter. Ao seu lado, Stein estava parado, observando o homem assustado. Não só ele mas como todos os outros.

— Você teve uma visão, Renan? – Natasha perguntou.

— S-Sim. – Ele gaguejou. – Acredito que seja o do próximo da lista, a Amanda. Era um avião miltar, espalhando acho que… Gás pelo ar e indo na direção de um prédio. Depois eu vi vários pedaços de vidro voando em várias direções, cheios de sangue. – Renan falou, explicando a misteriosa premonição. – E eu vi o número do avião. Não sei se importa, mas era 180.

— 180. – Alisson repetiu, cheia de temor, e todo o seu passado voltou á sua cabeça como uma flecha. – O número maldito.

Então a moça sentiu um forte vento gelado passar por ela, eriçando os pelos de sua nuca. No mesmo instante, o corredor outrora iluminado se escureceu, com todas as luzes se apagando em um sincronismo assustador. Apenas uma luz poderia ser vista agora, e vinha do fim do corredor, ainda longe de onde estavam. Mas logo perceberam que era uma iluminação natural, o luar que batia contra algumas janelas.

XXX

Suzana saiu correndo para a sua esquerda, mais rápido do que nunca e Casper a seguiu raivoso, já rangendo os dentes. A chuva agora tinha se transformado em uma tempestade, e o cabelo longo da mulher grudava em seu rosto, junto com suas roupas alvas. Seus pés estavam completamente sujos de terra e ela corria com dificuldade, até finalmente cair no chão, escorregando na terra molhada, que já tinha se transformado em lama. Com a queda, o barro se espalhou pelo seu corpo e ela sentiu que provavelmente tinha machucado alguma coisa, devido á forte dor na coluna.

Mas não havia tempo para lamentações, já que todo o tempo seu de vantagem acabara de ser perdido quando ouviu o rosnado atrás dela. Casper avançou com força total na direção de Suzana e na última hora, a mulher rolou e desviou para o lado, enquanto o infectado caía de cara na lama, só servindo para enfezar ainda mais Casper.

Suzana se levantou e percebeu a presença de uma pedra grande ao seu lado. Assim que Casper se ergueu do barro molhado, completamente imundo dos pés á cabeça, Suzana arremessou a pedra na direção da cara dele, e o barulho de ossos se quebrando foi ouvido, junto com muito sangue que saiu de seu nariz. Ela voltou célere a sua corrida, mas a fúria do infectado estava maior. Com força, ele empurrou novamente Suzana contra o chão e dessa vez já fora da mata e sim, no chão de concreto do Sítio.

— Suzana!  – Ela ouviu um grito forte á distância, reconhecendo rapidamente como o de Heloísa. Não só ela, mas outros passos eram ouvidos, correndo na direção dos dois, mas pareceram parar quando viram quem era o infectado.

— Caleb. – Arthur falou, olhando estaticamente para ele, mas já era claro que Casper não reconhecia mais o irmão, quando ele rosnou para o mesmo. Nesse mesmo instante de distração, Suzana se levantou, e Casper como um bicho enjaulado precipitou-se na direção dela, pronto para o abate de sua presa.

Suzana, em um impulso de salvação não teve mais dúvidas. Pegou o galho, que de certa forma era grande e colocou na frente do corpo para protegê-lo e fechou os olhos, ouvindo um barulho horrível. Quando os abriu, viu que Casper respirava ofegante, enquanto o sangue agora caía como uma cascata da sua boca. Aí ela percebeu que ainda segurava o tronco e olhou para o mesmo, perfurando o tórax do ex-namorado.

Ela soltou instintivamente o galho, e percebeu que não tinha entrado em contato com o líquido rubro infectado nem com a baba de Casper e diante dos seus olhos, viu ele cair de joelhos empalado pelo galho. Logo depois, quando se afastou mais um pouco, ouviu os tiros atravessando todo o corpo do rapaz, que se mexeu em vários espasmos terríveis, antes de cair sobre o chão de concreto morto.

Heloísa então correu para abraçar Suzana, em meio á tempestade forte, e acolhendo a moça que chorava sem parar, em pânico e choque. Ela olhou então para Arthur, com o cabelo desmontado pelo temporal, ainda não tinha uma opinião concreta sobre tudo o que o homem falara para ela, mas percebia que ele sentia claramente culpado por Casper ter tido aquele fim deplorável, mesmo que o rapaz tivesse o mal dentro de si e procurado por este final.

— Está tudo bem agora, Suzana. – Ela falou, tendo tranquilizar a moça, que já tremia de frio. Começou a caminhar com ela para longe daquele cenário terrível que se desenrolara ali na frente dela, deixando Arthur também para trás. Um último olhar e viu que Arthur se aproximava de um dos guardas, ainda cabisbaixo. De certa forma, ela se sentiu aliviada, porque agora todo o terror imposto por Casper tinha finalmente terminado.

XXX

Trilha sonora da cena:

[https://www.youtube.com/watch?v=xtk8ro_eJZE]

A noite tomava conta do céu acima da Corporação Pyramid. Ele não estava nublado, e algumas estrelas podiam ser vistas a partir das janelas da grandiosa passarela que ligava dois pontos da Pyramid. Lá embaixo, um rio passava.

O grupo caminhava a passos acelerados, e sabiam que Ester já tinha passado por ali. Enquanto caminhavam, puderam ver que alguns aviões preparavam-se para sair do aeroporto particular da empresa, que ficava um pouco depois da passarela.

— Vocês fazem ideia do que seja? – Thiago perguntou.

— Provavelmente é a Operação Apófis que meu pai tanto falou. – Bem comentou. – Pelo o que entendi, alguma experiência dele não deu certo e agora ele vai acabar com tudo jogando gás. Acho que em uma ilha, não sei. Bianca que sabia tudo sobre.

There was truth

There was consequence

Against you, a weak defense

Then there's me, I'm seventeen

Looking for a fight

A conversa então foi interrompida quando Alisson viu duas garotas do outro lado, quase no acesso ao outro lado da Pyramid.

Uma das garotinhas se virou e então Ester exibiu um rosto de surpresa ao ver Alisson do outro lado e depois um sorriso involuntário. A moça então disparou pelo corredor até chegar na garota, que abraçou Alisson, completamente feliz. Ao seu lado uma garotinha oriental olhava a cena, curiosa.

— Como você tá? Tá tudo bem?

— Sim, tia. Não aconteceu nada. Você viu meu pai onde está? A Anna disse que ele está nos observando agora.

Alisson parou, sem saber como responder ou aliviar o que iria dizer para Ester. Alfa estava morto, mas a sua própria filha não sabia disso. Felizmente, Ester teve a atenção desviada quando viu Srta. Fofura nas mãos de Alisson.

— Srta. Fofura! – Ester falou, pegando a chinchila nas mãos. – Que saudade de você! Pensei que tinha morrido.

Alisson sorriu e olhou para o grupo atrás dela, que continuava a andar na direção deles. Estava tudo bem agora, encontraram Ester sã e salva, e agora poderiam ir para a praia, achar o resto dos sobreviventes. Porém quando foi falar com Ester se espantou ao ver uma moça de cabelos azuis com a arma apontada para seu rosto e segurando a menina oriental.

 All my life

I was never there

Just a ghost

Running scared

Here our dreams aren't made

They're won

  — Quem é você? – A mulher perguntou.

— Fica tranquila, Lana. São de confiança. – Marjorie falou ao seu lado. Atrás do grupo, Amélia observava a cena apreensiva.

Lana olhou novamente para Alisson e viu que ela não representava qualquer perigo e abaixou a arma, segurando na mão de Anna Bella, que falou:

— Essa é minha amiga nova. Ester. Ela ficou dentro do quarto junto comigo, mas conseguimos sair. Essa é a sua chinchila?

— É sim. Pode passar a mão nela. O nome é Srta. Fofura.

— Ester, precisamos ir. – Alisson falou, vendo que as outras três mulheres pareciam querer partir. Porém, naquele mesmo instante uma outra corrente de vento frio passou por eles. No grupo, mais atrás, Renan e Stein fechavam o grupo e olhavam ao redor. Renan até conseguiu identificar uma pequena rachadura na janela até a passarela começar a tremer por conta de alguns aviões decolando ali perto.

Já estavam passando da metade do corredor quando Renan ouviu passos ritmados atrás dele. Olhou para trás e então parou, não acompanhando mais o grupo que ia na direção da torre, que ficava do outro lado da passarela.

Lost in the city of angels

Down in the comfort of strangers

I found myself in the fire burned hills

In the land of a billion lights

— Olá Renan. Lembra de mim?

— Hórus?

— Parece que suas memórias realmente voltaram, irmão. – Hórus comentou. – Eu também senti saudades de você. – Hórus disse, andando na direção de Renan. Agora somente os dois estavam ainda na passarela, e o grupo se virava, percebendo o que ocorria. Ísis quase foi tentar separar os dois, mas alguns fatos ainda deveriam permanecer escondidos, e ela somente ficou á frente do grupo.

— Por que? – Renan perguntou. – Por que fez tudo isso?

— Renan, Renan... Todos tem os motivos para fazer determinadas coisas. Eu tenho os meus. – Ele se aproximou de Renan e foi tocar o seu ombro, mas foi impedido por um soco do homem que foi diretamente em sua boca, fazendo Hórus cair do outro lado da passarela. Enquanto isso, os sons externos aumentavam cada vez mais.

— Quais foram os seus? Quais foram os seus motivos pra armar tudo isso para cima de mim e me fazer esquecer de todo o meu passado? Foi dinheiro? Tenho certeza que foi dinheiro!

 

Bought my fate, straight from hell

A second sight has paid off well

For a mother, a brother and me

— Como você pode pensar isso, Renan? – Hórus se levantou olhando para o irmão.

— Como eu posso, Hórus? Você sempre foi assim. Movido á dinheiro. Movido á poder. Você traiu seu próprio irmão para conseguir o que queria. Satisfeito?

— Obrigado por dizer tudo o que eu já sabia, Renan. Agora, se me dá licença vou andando.

— Não vai até me dizer por que fez isso. – Renan disse. – Por que não quer falar? Dói muito em você?

— Francamente Renan, eu não dou a mínima. – Ele disse se aproximando novamente do irmão. Agora a passarela começava a tremer e o barulho dos aviões decolando era ensurdecedor.

Hórus então deu um beijo na bochecha dele e Renan olhou sem entender o que estava acontecendo.

Então, um grito ecoou pela passarela.

The silver of the lake at night

The hills of Hollywood on fire

A boulevard of hope and dreams

Streets made of desire

Quando os dois viram, um grande avião vinha na direção da passarela, parecendo ter perdido o controle. E era isso mesmo o que acontecia, o piloto simplesmente não conseguia comandar o avião e todos os mecanismos de voo não funcionavam enquanto a bússola estava enlouquecido como se estivesse no meio do Triângulo das Bermudas.

Renan pulou para o lado oposto da passarela, enquanto Hórus rolou para o lado onde o grupo se encontrava, e conseguiram evitar que fossem atingidos pelo bico do avião que se chocou em cheio no local onde estavam anteriormente, e logo o espetáculo sangrento começou, quando pela força do impacto as janelas da passarela estouraram em todas as direções.

As mesmas janelas que estavam ao redor de Renan no momento do choque tinham explodido pela força do impacto e os seus pedaços voaram na direção do rapaz que pouco pode fazer pra impedir de ser cortado em vários pontos, inclusive em seu olho esquerdo. O caco entrou pela sua pupila, e ele caiu no chão, sentindo um ardor insuportável no olho. Ele simplesmente não conseguia mais abrir o mesmo e temia pelo o que veria se abrisse. Ou melhor, o que não veria.

Lost in the city of angels

Down in the comfort of strangers

I found myself in the fire burned hills

In the land of a billion lights

I found myself in the fire-burnt hills

In the land of a billion lights

Quando Renan percebeu, a asa passou á poucos centímetros dele espalhando mais pedaços de vidro na sua direção Além disso, todo o seu corpo doía com a chuva de cacos e uma grande pedaço de vidro pendia na sua calça, encravado em sua carne, mas felizmente ele ainda estava vivo. Caído no chão, provavelmente cego, mas vivo.

Respirou ofegantemente, até conseguir, com muito esforço, se sentar, enquanto via uma bola de fogo surgir na parte de baixo da passarela e iluminar a noite escura, decorrente da queda do avião nas pedras ao redor do rio. Naquele instante notou quase o corredor tinha sido praticamente destruído e que somente existia, do outro lado, uma pequena parte, onde Hórus observava paralisado a cena, junto dos sobreviventes na parte de dentro da torre.

Então a verdade o atingiu como uma flechada no coração.

Aquela visão que tivera anteriormente, que achara que era a de Amanda na realidade não passava de uma outra premonição. A premonição da sua própria morte. Os aviões levando o gás, prontos para a Operação Apófis, chocando-se contra o prédio... A explosão de cacos...

Renan não estava pronto para morrer, mas sabia que esse momento chegaria. E agora que chegara, ele não sabia como reagir. Precisava escapar, mas tinha visto como a Morte era implacável. Na sua cabeça, veio a lembrança de Thereza morrendo no restaurante. Parecia ter sido séculos atrás, mas tinha sido há tanto pouco tempo. Lembrava do sofrimento da mulher e de como seu destino final fora terrivelmente grotesco. Na época, Renan se culpara pela morte da chef, entretanto nunca foi sua culpa. Foi a Morte, brutal e impiedosa que levara Thereza.

Angels

E que levara Gustavo, Mariano, Rita, Maria, Diana, Lola, Marcela, Donatella, Alfa, Ed e Amanda.

Angels

Renan se levantou finalmente, sentindo muita dor no corpo, seus ferimentos pareciam arder como fogo em brasa. Escutou um outro som, vindo dos céus e ergueu os olhos, abrindo eles com extrema dificuldade, Como esperava, sua visão esquerda estava completamente escurecida. Já a direita pode ver algo vindo em sua direção.

Um helicóptero vindo de Cabo da Praga que Hórus identificou como sendo dele, chegava na direção da ilha do Faraó, porém parecia completamente desorientado, não conseguindo estabelecer um bom caminho. Quando a fumaça causada pela explosão do avião anterior atingiu a cabine, ela entrou completamente, por conta de uma das janelas abertas, deixando a visibilidade perto de zero, dentro e fora do helicóptero, fazendo o piloto perder o controle.

Lost in the city of angels

Down in the comfort of strangers

I found myself in the fire burned hills

In the land of a billion lights

 

Naquele mesmo instante, Renan começou a recuar, na direção do corredor onde viera anteriormente, mas andava lentamente, decorrentes dos ferimentos, enquanto o barulho aumentava cada vez mais. Naqueles poucos segundos, Renan viu sua vida passando diante dos olhos, tudo o que vivera enquanto desmemoriado e antes de perder a mesma.

Viu Vanessa na Festa do Branco, a vez que usara a cocaína no parque, quando recebeu a notícia da morte da prima. Quando foi desacordado por Hórus, quando foi acolhido por Ísis, as sessões com Doutora Soave. E a explosão no túnel e sua premonição e todas as pessoas que conheceu após a infestação de Cabo da Praga. Tantas lembranças, que passaram como um insight por sua mente, antes do helicóptero atingir a plataforma.

One life, one love, live

One life, one love, live

One life, one love, live

One life, one love

 

O helicóptero chocou-se contra a parte da passarela destruída onde Renan estava, e o rapaz respirou uma última vez profundamente antes das hélices o atingirem em cheio.

Quando a hélice passou pela primeira vez, ainda de raspão, parte da pele das costas de Renan se rasgaram como uma força impressionante. Ele não conseguiu sem gritar de dor, antes que a hélice girasse novamente com força total e ele finalmente caísse na escuridão da morte eterna.

O corpo de Renan foi completamente fatiado em vários pedaços, separados brutalmente. Os dois braços de Renan se desmembraram do corpo quase como se ele fosse um boneco, assim como o abdômen foi partido do resto do corpo. Por fim, enquanto o cadáver caía, a hélice passou pela cabeça do rapaz, decapitando-a e separando do restante do corpo.

O cadáver já desmembrado finalmente caiu no chão, separados em vários pedaços e espalhando sangue e tripas por toda a plataforma. Do alto, parte do líquido vermelho começou a pingar do alto enquanto o helicóptero também caía na floresta, criando outra bola de fogo.

E do outro lado da passarela, os sobreviventes assistiram ao visionário encontrando seu fim. Inclusive Hórus, que estava na beira do corredor destruído e sentia o vento lamber seus cabelos, jogando os por cima do rosto, enquanto ele via de camarote o ato final da vida de seu irmão.

The city of angels

The city of angels

The city of angels

The city of angels

XXX

Cabo da Praga.

 

Vinte minutos depois.

— Senhor. – O soldado Victor apareceu novamente na sala improvisada onde o sargento Moura estava. Do lado de fora, os infectados que tentaram invadir o Sítio estavam praticamente dizimados e toda a população estava segura, com exceção de um desaparecimento, em que os militares já estavam empenhados em emcontrar a pessoa desaparecida, de nome Amanda. – Tenho algumas notícias. Boas e ruins.

— Fale a boa primeiro. – Ele falou sem pestanejar. – O que está acontecendo?

— Os infectados estão todos mortos e tivemos poucas baixas, senhor. – Victor comentou. – E alguns aviões da Aeronáutica já estão chegando para resgatar os sobreviventes. Em breve, todos estarão seguros em terra firme.

— E a má?

— Os aviões que vimos não eram da Aeronáutica. E sim da Corporação Pyramid, estão prontos para iniciar a Operação Apófis. Mas… Nos foi enviado via rádio para desocuparmos a área o mais rápido possível.

— Por quê? – Ele levantou-se da sua cadeira, já aflito com a resposta do soldado.

— Os planos mudaram. Cabo da Praga inteira receberá o gás tóxico. – Victor respirou profundamente, antes de mandar a última e a pior de todas as notícias. – E o Sítio está incluso.


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Notas finais do capítulo

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