Le parkour: o percurso escrita por Andy


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Erm... Oi? ^^'
Nunca sei direito o que dizer no primeiro capítulo! Bom, acho que devo começar dizendo que esta fanfic é a primeira que escrevo no fandom de "A Hospedeira", e que eu espero sinceramente que ela esteja boa. Já há algum tempo que eu estou querendo escrever algo com esse universo ficcional, porque o acho simplesmente fantástico, mas nunca tinha tido uma ideia realmente boa... Bom, agora eu (acho que) tive! Espero que seja do agrado de vocês também. Por favor, comentem! Este primeiro capítulo talvez ainda não esteja perfeito... Mas eu prometo que melhoro com o tempo!
Bom, vou parar de falar e deixar vocês lerem, haha!
Por favor, leiam as notas do final do capítulo também, tá? :)

(OBS.: Quando virem asteriscos por aí, isso significa que há uma nota de rodapé correspondente à palavra ou trecho imediatamente à esquerda.)



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Formação rochosa de El Capitán, em Yosemite (EUA)

~~♦~~

— Não me olhe assim, Dora.

A Vendedora fechou a cara para ele. Ele abriu para ela seu melhor sorriso de canto.

— Eu já te falei mil vezes! Meu nome é Luz Dourada da Manhã Cristalina.

O sorriso dele se ampliou, e ele se inclinou em direção a ela, apoiando as mãos no balcão:

— Eu sei. Mas como eu disse antes, é um nome longo demais.

— É normal para mim. — Ela resmungou, desviando o olhar do rosto dele. Ela tinha certeza de que ele sabia o quanto aqueles olhos azuis eram irresistíveis quando ele sorria daquele jeito. — Mas não mude de assunto. O que é tudo isso? O que você está aprontando agora?

— Hey, hey, hey! — Ele ergueu as mãos na altura dos ombros, as palmas voltadas para ela num gesto de redenção. — Espere um momento, eu pensei que não fizesse parte da nossa cultura julgar as pessoas!

Ela o encarou:

— Você quase morreu. Não é possível que vá fazer aquilo de novo.

— Eu não “quase morri”. Foi apenas um pequeno acidente.

— Você caiu de costas. Três andares. E fraturou três vértebras. Se fosse antes da colonização, teria ido parar em uma cadeira de rodas.

— Então, que sorte a minha, não é? Ter nascido nesta era dourada de paz e boa medicina!

Ela se moveu inquieta diante da ironia que detectou na voz dele. Às vezes, ele falava exatamente como um rebelde.

— Estes são quase os mesmos itens daquela vez. Água, mochila, cordas... O que você vai fazer? — As sobrancelhas dela se uniram em angústia.

— Você ficaria mais tranquila se eu prometesse que não vou escalar nenhum prédio desta vez?

Ela se forçou a encará-lo. Ele sorriu, retribuindo o olhar. Ele parecia ver além dela. Na verdade, parecia olhar diretamente para ela, ela, através do contorno prateado ao redor das íris castanho-escuras dos olhos da hospedeira. Era desconcertante.

— Eu não sei. Nunca sei quando você está mentindo. Não sou boa nisso.

— Acho que vai ter que confiar em mim.

— Não sei se posso.

Ele estendeu a mão para afastar uma mecha de cabelo que tinha escapado do rabo-de-cavalo dela e caía sobre seu rosto. Ela sentiu-se corando imediatamente.

— Eu prometo, Luz Dourada da Manhã Cristalina. Nada de escalar prédios. Eu planejei uma atividade mais... Natural, desta vez.

— “Natural”?

— Caminhada nas árvores, essas coisas. Pretendo acampar, e tudo o mais. Por isso o feijão enlatado. — Ele fez uma careta, brincando com ela. Ela não conseguiu evitar um sorriso.

— Nada de escalar prédios?

— Palavra de escoteiro. — Ele pôs a mão esquerda sobre o peito e ergueu a direita no ar.

Luz Dourada da Manhã Cristalina suspirou. O sorriso dele se alargou, vendo que tinha vencido de novo. A Vendedora começou a passar os itens rapidamente, fazendo a contagem. Depois de terminar, ela esperou que a máquina imprimisse a nota fiscal com a lista e entregou para ele. Ele estendeu a mão para pegá-la, já apressado, mas ela não soltou imediatamente:

— Você não tem pena dos seus pais, William? Eles morrem de preocupação toda vez que você apronta das suas.

Ele congelou no lugar, ficando subitamente sério. Por um momento, baixou os olhos para o chão, parecendo pensativo, quase melancólico. A Vendedora quase teve esperanças de que ele desistisse da aventura que tinha em mente desta vez, fosse ela qual fosse, mas ele logo reergueu os olhos, que faiscaram de novo com aquele brilho que ela já conhecia.

— Às vezes. Mas a questão é que eles não entendem... — Ele abriu seu sorriso torto para ela de novo: — Eu sou apenas humano.

Luz Dourada da Manhã Cristalina soltou o papel, balançando levemente a cabeça. William reuniu suas sacolas e apressou-se em abrir a porta da loja, fazendo o pequeno sino que havia acima dela tilintar. Ele já estava prestes a dizer “boa tarde” e sair sem olhar para trás, quando a caixa o chamou:

— Will?

Ele se virou para olhá-la.

— Promete? Nada de escalar prédios?

Ele sorriu, confirmando com a cabeça:

— Nada de escalar prédios.

~~ ♦ ~~

Ele rolou para o lado, ainda deitado, tentando recobrar o fôlego. Apesar de muito ofegante, ele sorria, observando as pequenas nuvens de vapor que escapavam de seus lábios, contra o céu estrelado e sem nuvens. Seus braços e pernas doíam daquele jeito agradável, que o fazia pensar em vitória. Com dedos trêmulos, ele apertou o botão do cronômetro preso a seu cinto e o soltou. Treze horas e dezessete minutos de escalada, marcavam os dígitos iluminados em azul. Fora as pausas, é claro.

Valeu a pena cada segundo.

William se permitiu ficar deitado por mais alguns minutos, primeiro para regularizar seu ritmo respiratório, e depois apenas para observar as estrelas, que ficavam muito mais visíveis ali, longe das luzes da cidade. Muitas daquelas constelações, ele conhecia pelos nomes. Ursa maior e menor. Órion. Sirius. Em algum lugar além, muito além delas, havia outros planetas. O Mundo Cantor, o Mundo do Fogo, o Planeta das Flores, de onde Luz Dourada da Manhã Cristalina tinha vindo. Mas nada disso lhe interessava muito.

Ele se levantou e se afastou da beirada da pedra, sem olhar para trás. Batendo o pó da roupa, estreitou os olhos, tentando localizar um ponto plano o bastante para fixar sua barraca. Desistindo, tirou a mochila dos ombros e tateou dentro dela até encontrar sua lanterna. Girando o feixe de luz de um lado para o outro, ele sorriu:

— Saudações, Capitán.

~~♦~~

William acordou para encontrar uma brisa fria, porém agradável, do lado de fora da barraca. O sol ainda estava suave, mal tendo acabado de nascer. E não havia nem uma nuvem sequer no céu, como o previsto. Uma coisa tinha que ser dito em favor das almas: elas tinham desenvolvido maravilhosamente bem a tecnologia que os humanos tinham antes da colonização. As previsões do tempo nunca estavam erradas.

Com todo o cuidado, embora não com tanto cuidado quanto a mãe dele gostaria, se pudesse vê-lo ali, ele se aproximou da parte da pedra conhecida como “nariz”. A vista era esplendorosa dali de cima, com o vale se estendendo lá embaixo, repleto de coníferas num tom de verde-escuro, e as outras formações rochosas brancas mais adiante, no outro lado. Para onde quer que ele olhasse, à esquerda e à direita, tudo o que via era o verde e o branco. Fechando os olhos, ele podia ouvir o som dos pássaros que começavam a acordar àquela hora. E quase podia imaginar a famosa Ribbon Falls* murmurando bem próximo dali. Um dia, ele gostaria de visitá-la. Mas naquele dia, ele tinha outros planos.

Animado por esses pensamentos, ele se virou para voltar à barraca para pegar o café-da-manhã. No topo de El Capitán**, as árvores baixas e de troncos retorcidos tinham um aspecto peculiar. William fez uma nota mental de que devia se lembrar de tirar algumas fotos antes do grand finale da aventura, mais tarde.

~~♦~~

Finalmente o momento chegou. Não que o dia tivesse demorado a passar, ao contrário. Se pudesse, William talvez passasse mais uma noite ou duas ali em cima. Faria até mais sentido, considerando o tempo que levou e os perigos que correu para chegar até ali. Mas ele sabia que os pais deviam estar preocupados, àquela altura. Como de costume, ele não havia deixado nenhum bilhete dizendo aonde ia...

— Ah, merda! O histórico do computador!

Bom, então, se os Buscadores tivessem sido acionados, não demoraria muito para chegarem ali. Não ali, ali, na rocha. Mas em Yosemite com certeza eles já estavam. Ou muito perto. Se estivessem vindo de helicóptero, será que conseguiriam chegar àquela altitude? O ar talvez não fosse muito apropriado para o voo...

Ele balançou a cabeça, tentando expulsar esses pensamentos. Precisava se concentrar. Coçando levemente a barba, que já estava começando a pedir por uma boa tesoura, ele olhou para baixo, tentando calcular a distância a que deveria saltar. Ele tinha pesquisado, mas como o governo já havia proibido os saltos a partir daquele lugar desde muito antes da colonização, ele não tinha encontrado muita coisa. Ao pensar nisso, aquela conhecida onda de adrenalina o invadiu, dando-lhe novo ânimo. As sensações do proibido e do perigoso nunca deixariam de atraí-lo, exercendo sobre ele aquele fascínio inexplicável que só quem é realmente humano é capaz de entender. Melhor ainda se as duas sensações puderem se combinar num só ato, como naquela ocasião.

Pensando nisso, ele ergueu a cabeça e olhou para a direita para contemplar pela última vez o horizonte. Com um movimento solene da cabeça, ele cumprimentou o sol que se despedia. Tornando a olhar para a frente, ajustou com cuidado o capacete e apalpou a mochila em suas costas. Depois, com cuidado, retirou o pequeno paraquedas-piloto do chão e o segurou com firmeza na mão direita, verificando a linha presa a ele. Se tudo desse certo, aquela linha faria com que o pequeno paraquedas-piloto abrisse imediatamente, e logo em seguida, o paraquedas maior. Se não...

Ele estendeu a mão esquerda, procurando a argola que poderia salvar sua vida. Ela abriria o paraquedas grande de uma vez, o que era péssimo e perigoso. Mas entre isso e a queda livre, ele preferiria isso.

— Pelo menos, é um belo dia para morrer. — Ele sorriu sem humor, olhando para o alto. As primeiras estrelas já apareciam no céu arroxeado. Muito em breve, estaria completamente escuro. William balançou a cabeça novamente, rindo da própria hesitação.

E com isso, antes que pudesse ter a chance de mudar de ideia, ele deu três passos para trás e correu, tomando impulso. E saltou, abrindo os braços como se quisesse voar.

E então ele ouviu algo que parecia muito um grito distante, que fez seu sangue gelar nas veias por um momento.

Isso o desconcertou completamente, e ele demorou a perceber que os três segundos que devia demorar para que ele sentisse a força do paraquedas puxando-o para cima já tinham passado.

— Ah! Merda!

Desesperado, ele levantou a mão tão rápido quanto pode e puxou a argola com a maior força que conseguiu reunir, embora a força do vento batendo contra ele na direção contrária fosse muito grande. Por dois segundos desesperadores, nada aconteceu. Até que ele sentiu o ar lhe fugindo dos pulmões quando o paraquedas se abriu de uma vez, inflando e puxando-o para cima bruscamente.

— Wow! — Ofegante, tentando recuperar o fôlego, ele se esticou para segurar as duas argolas que lhe permitiriam guiar o paraquedas e controlar um pouco a velocidade, embora não tanto quanto ele gostaria.

Só quando finalmente conseguiu recuperar um pouco o controle da situação foi que ele se permitiu respirar fundo. Sorrindo levemente, com o coração ainda pulsando loucamente, ele olhou ao redor, extasiado com a vista. As pedras do vale, coloridas de laranja pelo sol poente, eram um presente para os olhos. Bem nesse momento, ele viu uma clareira em meio árvores. Era pequena, mas grande o suficiente para que ele pousasse. Ele virou o paraquedas para lá. A queda não demorou muito, talvez um minuto no total.

William só a viu quando já era tarde demais para fazer qualquer coisa a respeito.

A garota saiu correndo do meio das árvores e se atirou à frente dele. Sem poder evitar a colisão, ele a atropelou, derrubando-a no chão. No desespero de tentar fazer alguma coisa, ele se atrapalhou completamente, perdendo o equilíbrio e caindo com tudo de bruços na grama.

— Aah! — Ele trincou os dentes, sentindo o ardor no joelho esquerdo. Assim que ele as tirou do chão, levantando-se rapidamente, as palmas das mãos também começaram a queimar. Ele as tinha usado para aparar a queda.

Mesmo assim, ele fez o que pôde para se livrar rápido do paraquedas. Os movimentos bruscos fizeram com que ele tomasse consciência da dor que sentia também em outras partes do corpo. Por fim, ele bufou irritado e estendeu a mão para o bolso, tirando dali um pequeno canivete que usou para cortar as cordas.

Finalmente livre, ele se pôs de pé, tirou o capacete, que atirou ao chão, e mancou até onde a garota estava estirada no chão, sentindo o coração batendo com força pelo susto e também pela irritação crescente:

— Ficou maluca?!

Ela se virou e olhou para ele parecendo preocupada. Mesmo com a pouca luz, ele pôde ver os círculos prateados em seus olhos, o que o surpreendeu.

— Você está bem? — Ela estremeceu quando tentou se erguer sobre os cotovelos.

Ele soltou o ar ruidosamente, forçando-se a se acalmar:

— Eu? Foi você quem acabou de ser atropelada por um estranho. Não se mova! — alertou, quando ela tentou de novo se levantar. — Espere um pouco.

Ele mancou de volta à mochila e, afastando com gestos impacientes os restos do paraquedas, localizou uma pequena bolsinha de primeiros-socorros. Voltando tão rápido quanto possível, ele se ajoelhou ao lado dela e apontou a lanterna para seu rosto. Ela estreitou os olhos, incomodada, mas mesmo assim, ele pôde confirmar o que já sabia:

— Você é uma alma! — Agora, a raiva tinha sumido completamente de sua voz, substituída pela surpresa.

Ela se encolheu, parecendo subitamente alarmada.

— Calma, eu não vou te fazer mal... Ai. Isso aí parece que dói. — Ele se referia à ferida no rosto dela, que ele só viu quando ela virou a cabeça.

Ele pôs a lanterna no chão e começou a remexer na bolsinha. Lá dentro, vários pequenos frascos tilintaram.

— Onde está...? Ah! Aqui! Corta Dor. — Ele destampou o potinho e tirou um pequeno quadradinho translúcido. — Abra a boca.

A garota o olhou com desconfiança, e balançou a cabeça levemente. Ele bufou.

— Não vai confiar em mim só porque eu sou humano? Isso é preconceito, sabia? — Ele pôs a língua pra fora e pousou o quadradinho nela. A alma observou enquanto o corpo dele relaxava instintivamente, já livre da dor. — Viu? Não é veneno!

Ela não disse nada, apenas abriu a boca. Apesar da aparência da hospedeira, que parecia ter cerca de vinte anos de idade, a expressão em seu rosto e a forma como olhava para ele com olhos baixos fez com que William pensasse numa criancinha. Ele sorriu gentilmente para ela e pôs um quadradinho em sua língua. Ela suspirou:

— Obrigada. — A voz dela era menos aguda do que ele esperaria daquele olhar, mas ainda soou doce e tímida.

— É o mínimo que eu podia fazer. Mas não o máximo! Você está sangrando bastante aí.

— Você também está sangrando.

Ele olhou para o joelho que ela apontava. Mesmo com seus sentidos anestesiados, a visão do corte quase o fez sentir dor novamente, apenas pelo efeito psicológico. Ele desviou o olhar de volta para ela, desta vez forçando um pouco o sorriso:

— Primeiro as damas.

Com agilidade, ele separou alguns pequenos fracos e os pousou na grama. Primeiro, pegou um cilindro branco e o destampou com os dentes. Segurando o rosto dela com delicadeza, ele borrifou um pouco na ferida.

— Então... Qual é o seu nome? — Ele perguntou, enquanto borrifava mais do líquido incolor num ferimento no ombro dela. O suéter dela tinha rasgado.

— Emily.

Ele parou o que estava fazendo e a encarou. Ela retribuiu o olhar por dois segundos, mas depois desviou o rosto, parecendo constrangida. William ergueu uma sobrancelha.

— Só Emily. Qual é o problema?

— Nada, é só que... É um nome humano. Eu estava esperando pelo sobrenome. Flor-da-terra, Brumas Frias, Unicórnio Cor-de-rosa do Campo, ou coisa do tipo.

Ela riu de leve, e ele sorriu.

— Esse último não parece provável.

— Eu não me surpreenderia. — Ele voltou a trabalhar com os pequenos frascos.

— E você? Qual é o seu nome?

— Will.

Ela esperou. Ele revirou os olhos para ela:

— William Blake.

— É um nome humano.

— Eu sou humano. — Ele apontou a lanterna para o rosto, como se fosse contar uma história de terror.

— Não. O sobrenome.

— Ah. Meus pais acharam que seria melhor para mim se eles adotassem um sobrenome humano. E têm razão, se me perguntar. Não queria me chamar William Borboleta Saltitante. Sem ofensas.

Ela riu de novo, desta vez mais abertamente. Enquanto isso, William terminou o que estava fazendo e começou a tratar os próprios ferimentos. Emily levou a mão ao rosto e ficou observando-o. A pele dela parecia perfeita sob o toque, ainda mais macia do que era antes, talvez. William terminou rapidamente com seus machucados e pôs os frasquinhos de volta na bolsa de primeiros-socorros. Depois, esticou as pernas na grama, apoiando as mãos recém-curadas no chão.

— Lá se vai um bom par de calças de caminhada... — Ele balançou a cabeça tristemente. Emily riu baixinho, como ele esperava. Ele olhou para ela: — Então... O que exatamente você estava pensando, se atirando na minha frente daquele jeito?

— Eu fiquei preocupada. Eu vi quando você pulou. Não sei o que estava fazendo. — Ela corou levemente.

— Caralho! Você tem um senhor grito, eu te ouvi lá de cima!

Ela o olhou com censura.

— O quê...? Ah! Desculpe! Sem palavrões.

Ela apenas assentiu.

— Tá, tudo bem, então. O que você está fazendo aqui? Onde está o resto do pessoal da excursão?

— Que excursão?

— A que te trouxe para o parque.

Ele esperou, mas ela apenas inclinou a cabeça, como se não compreendesse.

— Qual é! Você não vai me dizer que estava aqui sozinha, vai?

— Eu estou.

Ele a encarou, perplexo. Ela desviou o olhar, corando de novo.

— Qual é o problema?

— É só que... Você... Não é uma coisa que... — Ele balançou a cabeça. — Deixa pra lá. — Ele se levantou, apoiando uma mão no chão. Já de pé, estendeu a mão para ajudá-la a se levantar, o que ela aceitou de bom grado. — Então... Será que eu posso acompanhá-la até o seu carro?

— Eu... Não tenho um.

— Como?

— Eu vim... De carona.

— Você o qu...? Eu não acredito!

— É verdade! Eu não minto! — Ela cruzou os braços, ofendida.

— Não, eu sei! É só que... Eu não consigo imaginar o que uma pessoa faria em Yosemite sozinha, a uma hora dessas, sem equipamento... Sem uma roupa adequada!

Ela corou intensamente, tentando se cobrir com os braços. O short tinha mesmo parecido curto demais quando ela o comprou, mas a Vendedora tinha assegurado que tinha ficado bom nela. Nunca confie em humanos. William bateu a mão na testa e a deixou deslizar pelo rosto, como que perdendo a paciência. Emily não entendeu por quê.

— Tudo bem... Onde você mora, Emily? Talvez eu possa deixá-la em algum lugar...

— Moro em San Francisco.

Ele tirou a mão do rosto:

— É sério?

Ela assentiu. Ele assoviou levemente, fazendo com que ela franzisse as sobrancelhas, confusa.

— Caaara... Eu não acredito em coincidências, mas essa foi bem...

— Que quer dizer?

— Também moro em San Francisco. E estou indo para casa agora. Onde em San Francisco você mora?

Ela hesitou. Ele não deixou de notar.

— Você... Pode me deixar na City Art Gallery.

Ele olhou para ela com um ar incrédulo.

— Eu quero ver se acho um quadro. De Y-Yosemite. — Ela gaguejou levemente. — Para a parede. — acrescentou rapidamente, quando ele ergueu uma sobrancelha para ela.

— Tudo bem... — Ele respondeu devagar. — City Art Gallery, então. — Vamos precisar de uma bússola. — Ele ajoelhou e começou a procurar na mochila.

— Para chegar ao City Art Gallery?

— Não. Para chegar ao meu carro. Estamos em plena floresta, caso não tenha notado.

Ela não respondeu, e continuou olhando para ele com curiosidade. Ele parecia realmente saber o que estava fazendo, conferindo aquele mapa com cuidado e olhando as estrelas. Ele também estava vestido muito mais adequadamente que ela, com aquela blusa de mangas compridas, a calça esportiva e os tênis de escalada. O cabelo dele, num tom escuro de castanho, estava todo levantado, como se o vento tivesse feito isso, mas o penteado parecia proposital. De qualquer forma, ele não parecia preocupado em mudá-lo.

— O que você faz, William?

— Ahnm?

— Qual é o seu chamado?

Ele parou por um instante, encarando o papel. Quase imediatamente, porém, ele deu um sorriso de canto para ela:

— No momento? Guiar e Conduzir.

Ela franziu a testa.

— Guiá-la para fora daqui e conduzi-la em segurança de volta a San Francisco.

Ela não pôde evitar sorrir para ele.

~~ ♦ ~~

— Bom, Emily...

Ela ainda tentava conter a risada, e olhou para ele prontamente ao ouvir seu nome. Ele tirou os olhos da estrada por um momento para olhar para ela, e seus olhos também sorriam:

— Nós estamos neste carro há quase quatro horas. Já falamos sobre o clima, sobre a vegetação local, sobre a torta de maçã da minha avó, sobre o filme do Planeta dos Macacos e sobre o último capítulo da novela... Quando você vai me contar o que realmente estava fazendo lá em Yosemite?

O sorriso dela desapareceu. Ela hesitou.

— Emily? — Ele olhou de relance para ela de novo.

— Eu só... Queria fazer trilha. Sentir a natureza.

— E saiu sozinha, assim, do nada?

— Eu... Não achei que seria tão difícil.

— Você estava perdida quando me viu, não foi?

— Sim. Já estava ficando desesperada.

— Por que Yosemite? Com tantos lugares mais perto de casa...

— Eu li sobre a Ribbon Falls. Pensei que poderia chegar lá.

William balançou a cabeça, incrédulo. Para a surpresa de Emily, aquilo a irritou. A irritação e todos os sentimentos humanos negativos ainda a pegavam de surpresa.

— Que é? Nem todo mundo é especialista em caminhadas, sabia? E por falar nisso, e quanto a você? Por que estava tentando se matar lá?

Ele riu alto, anuviando a raiva momentânea dela. O som era tão verdadeiro, que ela se pegou sorrindo também. A empatia humana também era uma coisa que a surpreendia. Mas de um jeito positivo.

— Eu não estava tentando me matar. Aquilo é um esporte. Se chama BASE jumping. Você pula de alturas relativamente baixas... Em relação ao salto de aviões, quero dizer. BASE é uma sigla. Significa “Prédio, Antena, Ponte e Terra”*** Você pula desses lugares com um paraquedas adaptado para baixas alturas.

— Isso não é perigoso?

Ele apenas deu de ombros.

— Não é ilegal?

Ele sorriu. Ela o encarou.

— Tudo bem... A pergunta que não quer calar é: por quê?

Ele suspirou.

— Você não entenderia.

— Por que não?

— É... Coisa de humano. Adrenalina. Aventura.

— Há almas que pulam de paraquedas. Já que estamos em corpos humanos, nós também podemos sentir a adrenalina.

— É diferente. Para vocês, é uma aventura boba, um teste destes hospedeiros. Para nós... Ultimamente, está se tornando uma necessidade.

— Que quer dizer?

Ele mantinha os olhos fixos na estrada.

— O mundo das almas, com todo o respeito, é um porr... É muito chato. Bonito, pacífico, organizado... Mas o ser humano... A “alma” humana não quer saber disso. Para nós, se não há competição, agitação, movimento, perigo... Uma vida sem isso, não vale a pena ser vivida. É frustrante para nós, vermos as competições esportivas perderem seus significados competitivos, vermos as histórias dos filmes começarem e terminarem sem conflito...

— Você fala como se tivesse vivido antes da colonização. Mas se fosse assim, não pensaria dessa forma.

— Duvido. Eu sou humano. Eu não preciso ter vivido naquela época para sentir isso. É como um chamado da natureza.

— Não faz sentido para mim.

— Eu disse que você não entenderia.

— Então por que você não me mostra?

Ele olhou para ela, tirando o pé do acelerador com a surpresa.

— O quê?

— Me mostre. A sensação.

— Que quer dizer?

— A adrenalina. O perigo... A sensação de ser humana. Eu quero saber como é. Esse... Desespero por tentar se matar.

Ele pisou no freio, parando no meio da estrada deserta e se virou para ela.

— Está falando sério?

— É claro que sim! Me leve para fazer... Suicídio jumping.

BASE. BASE jumping. Eu não posso.

— Por que não? Não vai me levar só porque eu sou uma alma? Isso é preconceito, sabia?

Ele sorriu sarcasticamente para ela:

— É claro que não é por isso! Você que está sendo preconceituosa comigo de novo.

O rosto dela começou a arder, e ela mordeu a bochecha para conter a irritação.

— Desculpe.

Ele riu, se divertindo com a gentileza dela. Ela respirou fundo e olhou para ele:

— Por que, então?

Ele parou de rir, mas seus olhos ainda sorriam:

— Bom... Eu só tinha aquele paraquedas, sabe? Não são fáceis de conseguir.

Ela não respondeu, assustada pelo brilho que viu nos olhos dele:

— Mas você quer mesmo saber como é, Emily?

Ela apenas assentiu.

— Quer fazer algo arriscado, só porque sim?

Ela confirmou com a cabeça de novo. Ele sorriu para ela, de um jeito que lhe deu medo.

— Tudo bem. Me convenceu. Isso vai ser... Interessante.


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Notas finais do capítulo

*Ribbon Falls é uma cachoeira localizada no Parque Nacional de Yosemite, na Califórnia (Estados Unidos).

**El Capitán é uma formação rochosa de granito com 910m de altura localizada no Parque Nacional de Yosemite.

***Do inglês: Building, Antenna, Span & Earth.
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Então, gente... Nesta fanfic, eu decidi fazer uma experiência e fazer bastante pesquisa sobre certas coisas, a fim de torná-la mais realista. Então, eu verifiquei detalhes do clima da região, cardápios de restaurante, essas coisas todas. E fiz uma pesquisa bem extensa sobre os esportes radicais que aparecem na fanfic, também. Então, eu pensei que seria legal compartilhar um pouco disso com vocês, para vocês poderem até interagir melhor com a fanfic. Por isso, nas notas finais, eu vou tentar postar sempre um link de alguma coisa relacionada ao que aconteceu no capítulo, para quem quiser ver mais informações sobre e tals... :)

No capítulo de hoje, Will estava praticando BASE jumping. Então, aqui vai um link de um vídeo com vários saltos de BASE jumping, para quem tiver curiosidade de ver como é: https://www.youtube.com/watch?v=SPPxxAg2rRM



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