Recomeço escrita por Katherslyn


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora pra postar, mas cá estou eu de volta. Ah, e a fic está com uma capa *-*.

O que acharam dela?

Talvez não entendam de início o significado dela na história, mas em breve saberão. Beijos



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Me lembro de algumas coisas do meu primeiro dia de aula na escola, lembranças vagas. Eu via um monte de crianças em frente ao portão principal, todas ansiosas pelo momento em que finalmente entrariam ali. Ao invés de esperarmos como todos eles, minha mãe passou reto, me levando junto rumo à diretoria.

– Não vamos entrar por ali? - perguntei, assim que um sinal tocou. - Veja, mamãe, eles já estão entrando!

Mariane, minha mãe, apertou minhas mãozinhas, sem deixar de olhar para frente.

– Temos que resolver alguns assuntos antes. - ela dissera.

Ah, se eu soubesse na época o motivo da aflição dela. O medo de que eu espalhasse minha condição para os alunos, que contariam a seus pais. E os pais, claro, concluiriam que peguei a doença de minha mãe, e ela fazia um ligeiro esforço pra esconder de todos. Sua desculpa? Era a de que tinha uma gripe muito forte, algo como tuberculose. Não contava a ninguém a verdade.

Fiquei sentada na cadeira da recepção, esperando por ela. Minha mãe conversava algo com ualgumas mulheres, e elas olhavam a todo instante pra mim. Provavelmente, discutindo certos aspectos da minha doença e melhores prevenções.

Depois de um tempo, mamãe se agachou na minha frente, e disse que precisava falar algo muito importante pra mim.

– Não fala pra nenhum dos seus novos amiguinhos que você... Que você vai ao médico, okay? Que toma um monte de remédios, que recebe visitas em casa. Isso é segredo.

Fiz que sim com a cabeça, sem saber o certo o motivo disso.

– Por que não posso falar, mamãe? - perguntei, curiosa. - Você disse que todo mundo vai ao médico. Que de mal tem nisso?

Ela pareceu irritada com a pergunta, contrariada.

– Porque não.

E não insisti mais nisso. Até porque, apesar de ser uma boa mãe, às vezes certas coisas a irritava. E nesses momentos, era melhor ficar em silêncio do que perturba-la mais sem necessidade.

Passei pelo que a maioria dos alunos passam. Era nossa primeira vez, indo para um lugar desconhecido e vendo um monte de gente estranha. Vem o medo, de passar tanto tempo longe de casa e da família. A curiosidade, pelo desconhecido.

É claro que eu tinha uma coisa diferente, e não sabia o quão diferente era. Sabia que tinha um segredo, e nem entendia muito bem. Tinha algo de errado comigo?

Fiquei o mais distante possível da maioria dos alunos, não sabia bem como reagir perto deles. E passei dias assim, reclusa.

Me sentava sozinha, num canto, e evitava falar com os demais. A professora não fazia questão de me fazer interagir em sala, muito pelo contrário. Tirando os momentos em que ela me orientava com os comprimidos, fingia o máximo possível que eu não estava ali.

Trabalhos em dupla? Era melhor eu fazer sozinha. Compartilhar materiais? Nem pensar, ela não me deixava emprestar os meus e nem pegar o dos outros. No geral, fingia que eu não estava ali.

E não deu pra disfarçar tanto assim dos demais a verdade. Veja bem, eu sempre tive minhas doses diárias de remédio, e duas vezes ao dia o horário pra tomar era na escola.

Certo dia, um grupinho veio falar comigo. Consistia naqueles mais falantes da sala, os que tinham medos timidez que os outros.

– Ficamos curiosos. Por que toma tanto remédio? A gente percebeu que todo dia, depois do recreio e antes de bater o sinal pra ir embora, você toma uns comprimidos. Por quê? É doente?

Eles não pareciam criticar, só aparentavam estarem mesmo curiosos, talvez preocupados. E eu não sabia o que responder.

– É gripe? - uma garotinha perguntou. - Pode contar.

Eles se acotovelavam, claramente em discordância entre si.

– Deixa a menina em paz, ela não quer responder. - um deles sussurrou.

– É, ta constrangendo a menina. Olha a cara dela. - outro opinou.

– Shiu, fala baixo.

– Só está falando isso porque sabe que estou certo. - o primeiro que falou comigo disse. - Então, garota, é gripe? Eu acho que é. O Ruan aqui acha que é catapora, que idiota.

Antes que eu pudesse responder, a professora voltou pra seja lá onde tenha ido e mandou o grupo se sentar, preocupada.

– Não encostaram nela, encostaram? - ela perguntou, lívida por eles terem dito não.

– Calma, professora, a gente não ia bater nela. - o garoto chamado Ruan se defendeu. - Só fizemos uma pergunta, só isso.

A professora mudou o assunto, mas duvido muito que tivesse perguntado aquilo pra saber se eu estava bem. Ela estava preocupada com eles.

"Não encostaram nela, enconstaram?"

Foi a primeira vez, pelo que me consta, que alguém me disse isso. A miserável frase que me seguiria dali em diante.

Naquele dia, cheguei em casa triste e cabisbaixa. Mamãe, em certa altura, perguntou o que tinha acontecido. Fui sincera e respondi.

– Não fique triste por causa disso. - ela dissera. - Isso não é motivo pra ficar triste. Sempre te disse que você era diferente, e especial. As pessoas não entendem quando alguém é assim, raro.

Satisfeita com a resposta, fui para o meu pequeno quarto, assistir alguns filmes da Barbia. Eram a minha paixão de infância.

Na minha ingenuidade, eu acreditava que vinha de uma linhagem nobre, e que um dia, um príncipe encantado me encontraria e se casaria comigo. E tal como tantas protagonistas, eu mostraria a todos que lá no fundo, eu era uma pessoa que podia fazer a diferença.

Os buchichos na escola começaram. Alguns, se mantinham afastados de mim, me dando meu devido espaço. Um ou outro me defendia, mas a maioria fazia piada. O que eu escondia? Por que de tanto remédio? Por que ficava afastada, Por que preferia ficar sozinha?

– Contei para o meu pai isso, que tem uma menina na minha sala que vive tomando remédio. Ele disse que é melhor ficar longe, gente assim é doente. E a doença pode ser das bravas.

Ouvi isso sem querer, enquanto saía do banheiro feminino. Se Ruan ficou constrangido por ter sido pego falando de mim, isso não sei. Com o passar dos meses, a coragem seria tanta que falariam na minha frente mesmo.

Contava tudo isso ao meu médio, nas nossas consultas. Isso é, quando a mamãe não estava ali. Tinha dias que ela ficava do lado de fora ou na sala ao lado, sendo atendida também.

– Você sabe que tem uma doença, não sabe Melanie? - o doutor uma vez perguntou. Fiz que sim com a cabeça, quase chorando. - Então, o que te incomoda?

Segurando as lágrimas e apertando os dedos na lateral da cadeira, desabafei.

– Antes de ir pra escola, eu pensava que todo mundo era como eu. Mamãe dizia que eu era especial, diferente. Mas não achei que fosse de um jeito ruim.

– O que quer dizer com isso, Mel? - ele perguntou.

Suspirei, com o coração doendo.

– Ninguém toma tantos remédios como eu. As outras crianças, não parecem ir ao médico toda semana. Só queria saber porque eu tenho que fazer isso e eles não.

Comecei a chorar, e a dizer que isso não era justo. Acho que foi minha primeira birra. E talvez possam dizer ou achar que eu era uma garota birrenta ou chatinha demais.

O que posso dizer? Às vezes, tudo o que precisamos é dar voz ao que está no nosso pensamento, e deixar que as lágrimas caiam. Porque no final, vai ser como se um peso enorme saísse de nossas costas. E o motivo que antes nos aflingia, perde um pouco do tamanho.

O doutor esperou que minha crise passasse, pacientemente. No final, me deu alguns lencinhos e disse que tinha uma proposta.

– Da mesma forma que você guarda um segredo, todas as crianças guardam. E acho que talvez, você queira conhecer algumas delas. Você quer?

Fiz que sim, e ele prometeu conversar com a minha mãe a respeito disso, o início da minha "terapia em grupo".

Não é fácil falar sobre essas coisas. Hoje, olhando tudo por uma perspectiva mais madura, vejo o preconceito e a intolerância estampada naqueles que me rodeavam. E não nego, um certo rancor e mágoa ainda estão guardados dentro de mim.

Sabe, passei muito tempo me convencendo de que a professora gostava de mim sim, era coisa da minha cabeça achar que ela me desprezava. Depois, foi mais um bocado de tempo tentando entender o que fiz de errado.

Me dediquei pra conseguir uma simples afeição dela, um olhar que não fosse de desprezo. Fazia minhas tarefas com dedicação e carinho, tentava tirar as melhores notas. E em pensar que não fiz nada pra ela, que na verdade, ela só era uma preconceituosa.

Sim, é até vergonhoso admitir que em algumas noites, amaldiçoei pessoas como ela. Mas percebi que ninguém é perfeito, todos temos falhas e trevas dentro de nós. Da mesma forma que foi errado ela me julgar assim, mas também não é certo eu guardar sentimentos negativos.

E tudo que nos acontece se ruim, vem pra que coisas boas acontecessem. Mamãe, certa vez, me confidenciou que apesar de ter sentido luto pela morte do papai, sentiu alívio por não ter mais que olhar pra cara dele.

O exemplo não é dos melhores, mas talvez seja razão. Ouvi piadinhas ao meu respeito, percebi que nem todo mundo tomava tantos remédios ou viviam num consultório. Mas se eu não tivesse sido magoada por isso, não teria desabafado com meu médico. Ele não teria conversado com minha mãe sobre uma terapia em grupo, e eu não teria conhecido Crebby.

De fato, a vida é curiosa.


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